Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | TERESA ALBUQUERQUE | ||
| Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO ENTREGA JUDICIAL DE BENS SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/31/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Parcial: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I - A pendência de processo especial de revitalização do devedor instaurado depois da propositura de um procedimento cautelar de entrega judicial de bem locado com julgamento definitivo da causa ao abrigo do disposto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95 de 24 de Junho deve implicar a suspensão desse procedimento ao abrigo do disposto no art 279º/1 parte final do CPC, do modo a obviar a actos que venham a ter repercussões negativas relativamente à obtenção dos consensos necessários à viabilização do devedor, para se evitar, tanto quanto possível, a sua insolvência. II – Assim o exige, em última análise, o interesse público na defesa da economia que subjaz à criação legislativa desse processo especial. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Parcial: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I- “A” – Instituição Financeira de Crédito SA, instaurou procedimento cautelar de entrega judicial de bem locado com julgamento definitivo da causa ao abrigo do disposto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95 de 24 de Junho, contra “A”- ..., Lda, pedindo que, sem prévia audição desta, seja ordenada a apreensão e entrega imediata de uma impressora Digital Rank Xerox, modelo Docucolor 250+finisher ano 2007, uma linha de alceamento e de cosedura de livro multiplex da Meccanotecnica, ano 2011 e uma extensão de máquina de encadernar com marginador de guardas da Muller Martini, ano 2004. Alegou, em síntese, que celebrou com a requerida em 27/12/2007 o contrato de locação financeira consubstanciado no documento junto à petição, através do qual lhe cedeu a utilização do equipamento que identifica e a cuja entrega lhe procedeu, tendo ficado acordado o pagamento de 20 rendas mensais, e que a mesma não lhe pagou as rendas vencidas a 20/12/2011, 20/03/2012, 20/06/2012, 20/09/2012, tendo-a ela interpelado, por carta registada com aviso de recepção de 20/6/2012, a proceder ao pagamento das rendas em atraso. Entretanto, o contrato chegou ao termo do prazo de vigência acordado, sem que tal ocorresse, e por carta registada com aviso de recepção de 23/1/2013, a requerente comunicou-lhe o termo do contrato e interpelou-a de novo para que procedesse ao pagamento das rendas em atraso e à restituição dos bens de equipamento locados, sem que a mesma tivesse cumprido as suas promessas de regularização da situação de incumprimento das suas obrigações. Não tendo sido dispensada a prévia audição da requerida, foi esta citada, vindo referir em oposição ter proposto acção de revitalização e, à semelhança do que fez com os demais credores, ter enviado também à Requerente o plano de recuperação, aguardando até à presente data que a mesma tomasse posição quanto ao mesmo, sendo que interpretou o seu silêncio como concordância. Tendo sido com surpresa que recebeu a citação para estes autos, tanto mais as rendas em divida correspondem a menos de 5% do valor do contrato e que, relativamente a outros dois contratos de locação financeira mobiliária, as partes chegaram a acordo. Refere ainda que a requerente sabe que as máquinas objecto do contrato são indispensáveis à manutenção da sua actividade, pelo que a sua remoção determinará o encerramento imediato de toda a produção da requerida e o despedimento imediato de cerca de 80 trabalhadores, concluindo que a providência deve ser indeferida, por violação do princípio da boa fé nas negociações, ou então, pelos motivos constantes no n.º 2 do artigo 387º do CPC, ou, em alternativa, decretando-se a suspensão da instância nos termos e pelos motivos constantes do disposto no n.º 1 do artigo 17.º E do CIRE. A requerente apresentou resposta referindo ser falso que quando apresentou o procedimento em tribunal – 23/4/2013- tivesse conhecimento da existência do processo especial de revitalização, sendo que só por carta datada de 5/6/2013 foi notificada pela requerida da existência do processo e convidada a participar nas negociações, pelo que se deve concluir constituir tal processo mais uma manobra da requerida para evitar a restituição do equipamento locado à requerente. Refere ainda que se é certo que em Setembro de 2012 trocaram comunicações com vista a chegar a um acordo, as mesmas não tiveram sequência. Precisa que, ao contrário do que o refere a requerida, as rendas em divida são de valores significativos, sendo que a renda vencida a 20/12/2011 tem o valor de € 47.530,47, a de 20/03/2012 de € 47.510,44, a de 20/06/2013 de 47.402,75 e a de 20/09/2012 de € 47.326,41. Entende que as especialidades da providencia cautelar que está em causa impedem a aplicação do disposto no art 387º/2 do CPC e que também não tem aplicação o disposto no art 17º-E do CIRE, na medida em que os presentes autos não respeitam a acção de cobrança de divida. Foi proferido despacho nos seguintes termos: Considerando que a requerida se acha sujeita a Processo Especial de Revitalização(PER) previsto no artº 17º-A a 17º-H do CIRE; tendo em conta a finalidade desse processo e as consequências que dele podem resultar, entendo que é oportuno, ao abrigo do artº 279º/1, 2ª parte do CPC (motivo justificado), suspender a instância deste procedimento até ao termo das negociações e homologação do eventual acordo ou declaração de insolvência da requerida. Proceder de outro modo e ordenar de imediato a providência cautelar solicitada, implicaria a impossibilidade de a requerida poder continuar a desenvolver a sua actividade levando à frustação automática de qualquer PER. Notifique, incluindo ao Administrador Judicial Provisório, o qual deverá dar a conhecer aos autos, imediatamente, logo que ocorra, a eventual homologação do acordo que vier a ser alcançado ou a declaração de insolvência da requerida. II - Deste despacho interpôs a requerente apelação, concluindo nos seguintes termos: (…) Não foram produzidas contra alegações. III - Colhidos os vistos, cumpre decidir, tendo presente, para além do que resulta do relatório desta decisão, a seguinte factualidade processual: - A oposição nos presentes autos deu entrada em 20/5/2013; - Foi por requerimento de 5/6/2013 que a requerida juntou aos autos cópia do despacho do processo especial de revitalização que lhe respeita e que corre termos no 5ª Juízo Cível de ... sob o nº .../13.6TJCBR, do qual resulta que o despacho de nomeação de administrador judicial provisório data de 30/5/13 e a sua publicação no “Citius” de 31/5. - A requerida notificou a requerente, nos termos do nº 1 do art 17º-D do CIRE, em 5/6/2013, por carta correspondente ao escrito junto a fls 82/84 dos autos. IV – Sintetizando as conclusões das alegações, a questão que delas emerge para resolução é a de saber se a pendência de processo especial de revitalização da requerida, instaurado depois da propositura da presente providência cautelar, não deveria ter implicado a suspensão desta providência, como foi entendido na decisão sob recurso, por a tanto obstar o principio constitucional do acesso à justiça e as finalidades e regime específico da providência em apreço. Na ponderação de interesses que logo se vê que a questão analisanda exige, importa, efectivamente e antes de mais, atentar às finalidades e regime específico da providência cautelar em apreço – procedimento cautelar de entrega judicial de bem locado com julgamento definitivo da causa ao abrigo do disposto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95 de 24 de Junho. Esta providência - que apenas pode ser requerida pelo locador financeiro - exige a resolução por ele do contrato de locação financeira, ou a caducidade desse contrato pelo decurso do prazo sem que o locatário tenha exercido regularmente o direito de aquisição perante o locador e exige, naturalmente, que o locatário ainda não tenha restituído a coisa ao locador. Já não exige que o requerente da providência demonstre o justificado receio da lesão do seu direito de propriedade, pois que esse receio é presumido – “jure et de jure” – por lei, como hoje constitui jurisprudência pacífica [1]. Decretada a entrega judicial do bem pela decisão da providência – entrega essa, que é ordenada independentemente de quem se encontrar na detenção efectiva da coisa, sem prejuízo do recurso por parte do detentor não locatário a embargos de terceiro – é efeito da mesma, o dever do requerido, locatário financeiro, entregar a coisa ao requerente, entrega que deve ser imediata, como o refere o art 21º/1 parte final do DL 149/95 de 24/6. Acresce que o nº 6 e 7 desse art 21º assegura ao locador a imediata disponibilidade da coisa, o que significa que pode dela dispor logo que a mesma retorne ao seu património, podendo vendê-la, locá-la, ou dá-la de novo em locação financeira, se o entender, ainda que a situação jurídica da mesma não esteja definitivamente resolvida por ter ocorrido interposição de recurso [2]. Pretende-se, obviamente, com este efeito imediato, conceder uma acentuada protecção aos interesses do locador, em contrapartida do significativo capital que investe nos bens que loca, tendo presente que tendencialmente tais bens se tornam facilmente obsoletos e que não sendo célere o seu retorno ao proprietário se acentuará a sua degradação, porque normalmente o locatário incumpridor não zela pela respectiva conservação. Por isso, se presume inilidivelmente o justificado receio de lesão do direito de propriedade do locador, consoante atrás referido. Não há dúvida que o legislador pretendeu dar especial guarida – mais ainda, ao permitir que o locador obtenha a resolução definitiva da entrega do bem locado, dispensando-o de no prazo a que se reporta o art 389º CPC ter de intentar a acção principal – ao interesse, primordial e urgente, do locador na restituição da coisa, para que possa de imediato dela dispor, fazendo-o independentemente das vicissitudes jurídicas subsequentes, permitindo-lhe aproveitar ao máximo as faculdades compreendidas no direito de propriedade. Vejamos agora o que o legislador pretendeu com o processo especial de revitalização. Este processo constitui uma das principais novidades introduzidas no CIRE pela L 16/2012 de 20/4. Como o referem Ana Prata/Jorge Morais Carvalho /Rui Simões[3], «o objectivo desta lei foi alterar o espírito do regime colocando a recuperação do devedor no centro das finalidades do processo, em detrimento da liquidação imediata do seu património para satisfação dos credores». Com efeito, e como é sabido, o CIRE estava concebido e desenvolvido em termos de prover à satisfação dos interesses dos credores, com o recurso por estes, primacialmente, à via da liquidação universal do património do devedor, podendo dizer-se que, [4] «globalmente considerado, o regime do Código é dominado pela finalidade de liquidação da massa insolvente em beneficio dos credores» e que o « (…) o CIRE implicou o regresso a um sistema de falência – liquidação, que dominou no sistema jurídico português durante um longo período de tempo e que só começou a evoluir para um sistema de falência-saneamento com o CPC de 1961 e obteve plena consagração no CPEREF». O processo especial de revitalização a que se reportam os arts 17º A a 17º-H da L 16/2012 de 20/4, aliado ao SIREVE (Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extra-Judicial a que se refere o DL 178/2012) pretenderam inverter a referida lógica do CIRE, retornando, de algum modo - e em nome do interesse público de defesa da economia - a recolocar como primordial a recuperação do devedor, pois que, como é acentuado na Proposta de Lei 39/XII da Presidência do CM «cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que dificilmente se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas». E de facto, a primeira grande alteração introduzida no CIRE – correspondente, como já se acentuou, a uma alteração de fundo – resulta, antes de mais, da modificação do seu art 1º onde, dizendo-se que «o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores», se deverá concluir que a liquidação só deve ocorrer quando não seja possível a recuperação da empresa. E por isso, resulta instituído no nº 2 desse art 1º o processo especial de revitalização, destinado a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente - mas que ainda seja susceptível de recuperação - estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização económica, como resulta do nº 1 do art 17º-A para que aquele remete. O art 17º B esclarece o que se deve entender por devedor em situação económica difícil – trata-se do devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez, ou por não conseguir obter crédito. Quanto à insolvência iminente – a que o CIRE já fazia especial menção no art 3º/4, para a equiparar à situação de insolvência actual no caso da apresentação do devedor à insolvência – dever-se á considerar que «a iminência se afere em função de circunstâncias que levam a admitir, com toda a probabilidade, a verificação da insuficiência do activo para satisfazer o passivo, segundo um critério de normalidade», o mesmo é dizer, que o devedor deverá ser considerado em situação de insolvência iminente quando previsivelmente não irá estar na posição de cumprir no momento do vencimento as obrigações de pagamento existentes. Ao referido pressuposto do devedor se encontrar em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, deverá juntar-se a susceptibilidade de recuperação do devedor dessas situações, para que seja á partida possível recorrer ao processo de revitalalização. Nos termos do nº 1 do artigo 17º-C do CIRE, este processo inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação. O requerimento a comunicar que o devedor pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação deverá ser entregue pelo devedor no tribunal competente para declarar a insolvência respectiva e dirigido ao juiz, juntando a declaração mencionada nesse art 17º-C/1, sendo esse momento que verdadeiramente implica o início do processo especial em causa. Tal requerimento deverá ser acompanhado, além da declaração a que se refere o art 17º-A/2 atestando que reúne as condições necessárias para a sua recuperação, da declaração escrita atrás referida (nº1 do art 17º-C), da qual conste a manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos um dos seus credores, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação. Recebido o requerimento, o juiz, de harmonia com a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE, procede à nomeação do administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações. Esse despacho de nomeação do administrador provisório, que é notificado ao devedor - art 17-D/1 - e publicado no portal “Citius”, - art 17º-D/2 - tem efeitos sobre o devedor, efeitos processuais e efeitos em relação aos credores. Interessam-nos aqui especialmente os efeitos sobre o devedor e sobre os credores. Se a declaração escrita referida no nº 1 do art 17º-C não foi subscrita por todos os credores do devedor, este deve comunicar aos que a não subscreveram «que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso». Outro efeito em relação ao devedor é o que está previsto no art 17º-E: «O devedor fica impedido de praticar actos de especial relevo, tal como se mostram definidos no artigo 161º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório». Refere o nº 7 do artigo 17º-D do CIRE que os credores que decidam participar nas negociações devem apresentar declaração ao devedor, por carta registada. E podem fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações. Em relação aos credores, o despacho com a nomeação do administrador judicial provisório implica que começa a correr, a partir da sua publicação no “Citius”, o prazo de 20 dias para que reclamem os seus créditos, estando nessa mesma situação também os credores que assinaram a declaração com a manifestação de vontade de encetarem negociações e referida no nº 1 do art. 17º-C do CIRE. Outro dos efeitos do despacho de nomeação do administrador judicial provisório em relação aos credores advém do disposto no art 17º-E/1, já que a publicação daquele despacho no “Citius” «obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dividas contra o devedor e, durante todo o tempo que perdurarem as negociações, suspende, quando ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação». E nos termos do nº 6 desta mesma norma, os processos de insolvência em curso contra o devedor suspendem-se igualmente na data da publicação no portal “Citius” do despacho de nomeação do administrador provisório, «desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação». As negociações encetadas no âmbito do processo de revitalização podem conduzir à aprovação unânime de um plano de recuperação conducente à revitalização do devedor em que intervenham todos os credores. Mas também podem terminar com a aprovação do plano sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores. O plano de recuperação considera-se aprovado quando reúne a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212º do CIRE - uma maioria de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções - sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida. Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, com unanimidade e com intervenção de todos os credores, ou sem que tal unanimidade seja obtida, o plano de recuperação deverá ser remetido ao tribunal para homologação ou recusa pelo juiz, nos termos do nº 5 do citado artigo 17º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215º e 216º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações. Quando seja ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D ou quando o devedor ou a maioria dos credores concluam antecipadamente que não é possível alcançar acordo, o administrador judicial provisório deve comunicar o encerramento do processo negocial ao processo, nos termos do nº 1 do artigo 17º-G do CIRE, tendo o administrador judicial provisório de verificar previamente se o devedor já está em situação de insolvência. Se este entender que o devedor se encontra em situação de insolvência deverá emitir parecer nesse sentido, nos termos do nº 4 do artigo 17º-G do CIRE, após ouvir o devedor e os credores, e requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º do citado diploma, com as necessárias adaptações, sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência. Não pode deixar de se fazer referência à circunstância do legislador ter estipulado expressamente – art 17ºD/10 - que «durante as negociações os intervenientes devem actuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011 de 25/10», que vê assim reforçado o seu valor legal. Esses princípios (em número de onze) são os seguintes: “Primeiro princípio - o procedimento extrajudicial corresponde a um compromisso assumido entre o devedor e os credores envolvidos e (e não a um direito) e apenas deve ser iniciado quando as dificuldades financeiras do devedor possam ser ultrapassadas e haja uma forte probabilidade de este manter-se em actividade após a conclusão do acordo alcançado com os seus credores; Segundo princípio - durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos; Terceiro princípio - deve ser garantida uma abordagem unificada por parte dos credores, que melhor sirva os interesses de todas as partes; Quarto princípio - os credores envolvidos devem cooperar entre si e com o devedor de modo a concederem a este um período de tempo suficiente para obter e partilhar toda a informação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros; Quinto princípio - durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo-se a abster-se de intentar novas acções judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes; Sexto princípio - durante o período de suspensão, o devedor compromete-se a não praticar qualquer acto que prejudique os direitos e as garantias dos credores, ou que, de algum modo, afecte negativamente as perspectivas dos credores de verem pagos os seus créditos, em comparação com a sua situação no início do período de suspensão; Sétimo princípio - o devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente a respeitante aos seus activos, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio; Oitavo princípio - toda a informação partilhada pelo devedor, incluindo as propostas que efectue, deve ser transmitida a todos os credores envolvidos e reconhecida por estes como confidencial, não podendo ser usada para outros fins, excepto se estiver publicamente disponível; Nono princípio - As propostas apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento, incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente e a posição relativa de cada credor; Décimo princípio - As propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros; Décimo primeiro princípio - Se durante o período de suspensão ou no âmbito da reestruturação da dívida for concedido financiamento adicional ao devedor, o crédito resultante deve ser considerado pelas partes como garantido.” Feita esta exposição dos aspectos processuais mais relevantes do novo processo especial de revitalização, há que ponderar a questão objecto do recurso. Antes de mais, em função do disposto no art 17º-E/1, segundo o qual como acima se referiu, a publicação do despacho de nomeação do administrador provisório no Citius «obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dividas contra o devedor e, durante todo o tempo que perdurarem as negociações, suspende, quando ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação», e em função do nº 6 dessa norma, segundo o qual, os processos de insolvência em curso contra o devedor se suspendem igualmente na data da publicação no portal “Citius” desse mesmo despacho de nomeação do administrador provisório. Referem os citados autores Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, em anotação ao referido art 17-E, que «este regime de protecção perante os credores, apesar de susceptível de abusos, é fundamental para garantir a eficácia de qualquer medida de recuperação, pois, se os actos de agressão do património do devedor continuassem, estava provavelmente inviabilizada qualquer possibilidade de condução bem sucedida de negociação com os credores». Acrescentando ainda: «Para evitar os eventuais abusos de quem recorresse a este processo apenas para obter este benefício, foi fixado um prazo máximo bastante curto para a conclusão das negociações – 17º-D/5». È evidente - após o que se expôs a respeito da finalidade e regime específico desta providência cautelar - que não se desconhece que a mesma não corresponde a uma “acção de cobrança de dívida”. Mas, não se duvidará que as razões por que aquelas acções de cobrança de dívida se devem suspender perante a propositura de uma especial de recuperação, estão presentes – e, porventura, com maior razão de ser – perante um procedimento cautelar de entrega judicial de bem locado com julgamento definitivo da causa ao abrigo do disposto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95 de 24 de Junho, como é o caso. O que se pretende é não inviabilizar à partida o possível êxito das negociações com os credores e garantir a eficácia de qualquer medida de recuperação, por isso exigindo o legislador no “segundo princípio” acima referido que «durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos». A fragilidade em que se encontra um devedor em situação económica difícil ou em insolvência iminente é tal, que, se não se cuidar de evitar a todo o custo o desequilíbrio que comporta a pendência de uma acção como a presente, decerto que os credores partirão para as negociações já cépticos relativamente à possibilidade do seu desfecho positivo. E aquilo que se pretendeu com esta medida - tanto quanto possível salvar o frágil tecido empresarial do País - arrisca-se a transformar-se no que Catarina Frade designa por uma «perda de tempo fatal» [5]. Para que se conclua como se vem de concluir, não é necessário que se tenha como certo – o que não sucede nos autos, como a apelante o evidencia – que os bens cuja entrega se pretende com a providência sejam verdadeiramente indispensáveis à conservação do devedor, de tal modo que entregues à locadora aquele não tenha, irremediavelmente, recuperação. È que, constituindo ponto de partida desta tentativa de salvaguarda do devedor a referida fragilidade, não será difícil que a entrega de várias máquinas indiscutivelmente necessárias à produção da empresa torne logo inconsistente a possibilidade de qualquer recuperação. Note-se, por outro lado, e como acima também já se aflorou, que a partir da publicação do despacho de administrador provisório o devedor deixa de poder praticar actos de especial relevo sem autorização deste, como o refere o art 17º-E, remetendo no que a tais actos respeita, para a disciplina do art 161º do CIRE. Ora, de acordo com essa norma «constituem, designadamente, actos de especial relevo» nos termos da al b) do seu nº 3, «a alienação de bens necessários à continuação da exploração da empresa anteriormente ao respectivo encerramento», podendo extrair-se da conjugação destas normas a ideia de que o legislador quis evitar que o devedor que inicia um processo de revitalização se veja privado dos bens necessários à continuação da exploração da empresa. A ideia será sempre a de evitar actos que venham a ter óbvias repercussões negativas relativamente à obtenção dos consensos necessários à viabilização do devedor, evitando-se tanto quanto possível a sua insolvência. E é evidente que estes objectivos, desde que lhes subjaz o interesse público da defesa da economia – e não propriamente, como o parece inculcar a apelante, os interesses do locatário - têm de prevalecer em relação aos interesses do locador financeiro, por muito relevantes que estes sejam e ainda que ligados também eles ao bom funcionamento económico do País, pois que essa ligação não surge tão directa ou premente como aquela outra. Esta primazia de interesses justifica-se, tão mais, quanto é certo que o legislador pretendeu que este processo especial de revitalização do devedor se operasse num tempo “record”. Afinal tudo deve estar consumado, para bem ou para mal, num prazo de dois meses que apenas pode ser prorrogado por um mês, como decorre do nº 5 do art 17º-D. Isto significa – e por reporte concreto à situação dos presentes autos – que a prolação desta decisão será já posterior ao decurso desse prazo e que, portanto, ainda que se desse razão à apelante, nem por isso a mesma veria satisfeitos os seus interesses em prazo mais breve. Por outro lado, nada obsta, segundo se crê, à aplicação no âmbito de qualquer providência cautelar, e também nesta do disposto no nº1 parte final do art 279º CPC (norma invocada no despacho recorrido), desde que – como se viu suceder – haja para tanto “motivo justificado”. E, por assim ser, não pode pretender-se que tal suspensão implique violação do princípio constitucional do acesso à justiça na sua vertente da obtenção de decisão dentro dos prazos legais previstos para a tramitação do processo, art 20ºCRP, maxime seu nº 4, ou ao direito da propriedade privada, também com protecção constitucional, cfr art 62º da CRP. Cabe acentuar ainda que, daqueles princípios que acima se viu que o legislador quis, explicitamente, que norteassem as negociações neste processo especial, parece decorrer para os credores, como que um dever de negociação - ainda que, como o refere a apelante, por referência ao primeiro desses princípios, o processo de revitalização não seja um direito do devedor, mas um compromisso assumido entre o devedor e os credores envolvidos e que por isso que só deve «ser iniciado quando as dificuldades financeiras do devedor possam ser ultrapassadas e haja uma forte probabilidade de este se manter-se em actividade após a conclusão do acordo alcançado com os seus credores». Dever de negociação que leva Nuno Pinto Oliveira a falar de um “dever de (re)negociação” [6] , concluindo que «sobre os credores poderá impender um dever acessório de conduta de conteúdo relativamente indeterminado», e que, «existindo uma violação evidente dos deveres (acessórios) de re(negociação), concretizado na obstrução de um acordo razoável, ou de uma possibilidade de acordo», os credores podem e devem ficar constituídos num dever de indemnizar. Diga-se, em abono da posição tomada nestes autos pela apelante, que a atitude defensiva da requerida nos mesmos não parece ter sido a mais correcta, pois que atribui à requerente a atitude de ter obviado a negociações, de que ela, afinal, só tomou conhecimento depois da própria oposição. De todo o modo, e pelas razões que acima resultam expostas, entende este tribunal como bem fundado o despacho recorrido, que, por isso, se deverá manter. V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação, mantendo o despacho recorrido. Custas pela requerente. Lisboa, 31 de Outubro de 2013 Maria Teresa Albuquerque Isabel Canadas José Maria Sousa Pinto ----------------------------------------------------------------------------------------- [1] - Cfr Gravato Morais, «Manual de Locação Financeira», 244 e ss. [2] - De novo, Gravato Morais, obra referida, p 249 [3]- «CIRE Anotado», 2013, p 64 [4] Carvalho Fernandes, “Sentido Geral do Novo Regime da Insolvência no Direito Português”, in «Colectânea de Estudos sobre a Insolvência», p 85 e ss [5]- «Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência e com o SIREVE – I Congreso do Direito da Insolvência – Almedina 2013» - O PER será na maioria dos casos uma perda de tempo fatal, desde logo porque a insolvência iminente é uma situação difícil de definir e por isso difícil de diagnosticar [6] «Entre o Código de Insolvência e princípios orientadores: um dever de (re)negociação?» - Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, nº 2 e 3, Abril/Setembro 2012, Lisboa, p 677 e 689 | ||
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