| Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
C(...), S.A, com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «Acção Declarativa de Reivindicação, com processo comum» contra S(...) e A(...), neles também melhor identificadas.
Em tal âmbito, peticionou que as Rés fossem condenadas:
1º - A reconhecer a autora como legítima proprietária da fração identificada no artigo 1º da petição e a entregá-la à Autora livre e devoluta de pessoas e bens;
2º - E a pagar à autora a título de indemnização dos danos causados:
a) a quantia de € 91.167,77, calculada nos termos do artigo 22º da petição até Maio de 2015, acrescida do montante mensal correspondente ao valor da última renda indicada acrescida do valor correspondente à aplicação dos coeficientes legais de atualização anual das rendas livres, a liquidar em execução de sentença, até à entrega efetiva da fração, bem como de juros à taxa de juro legal sobre o montante total da indemnização e até ao efetivo pagamento;
b) ou, subsidiariamente, a quantia de € 70.131,21, correspondente ao valor atual do bem, calculado calculada nos termos do artigo 24º da petição, bem como de juros à taxa legal sobre o montante total da indemnização a contar da entrega do bem e até ao efetivo pagamento;
c) ou, subsidiariamente, a quantia de € 29.240,97, calculada nos termos do artigo 25º da petição até Maio de 2015, acrescida da importância correspondente à remuneração do capital investido na aquisição do imóvel às taxas praticadas pela Autora nos empréstimos para habitação própria, atualmente de 7,978%, até à entrega efetiva da fração e a liquidar em execução de sentença, bem como de juros à taxa legal sobre o montante total da indemnização a contar da entrega do bem e até ao efetivo pagamento;
d) ou, ainda subsidiariamente, a quantia de € 16.900,84, calculada nos termos do artigo 26º da petição até Maio de 2015, acrescida da importância correspondente aos juros vincendos calculados à taxa legal supletiva sobre o capital investido na aquisição do imóvel até à entrega efetiva da fração e integral pagamento;
3º - Bem como serem as Rés condenadas nas custas e em procuradoria condigna.
Para o efeito, invocou, em síntese, que: é legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra “Q”, (...); as Rés ocupam o andar em causa sem consentimento da Autora e sem qualquer título legítimo, tendo sido interpeladas por diversas vezes para efetuar a entrega do imóvel à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens, através de contacto pessoal e por escrito, sendo que tal entrega não ocorreu.
As Rés contestaram autonomamente sustentando a primeira a improcedência da acção e pedindo a segunda, após a invocação de usucapião e do que qualificou como «reconvenção», que:
a) Seja reconhecida a Ré como legítima proprietária e possuidora da fracção autónoma reivindicada pela Autora;
b) Seja ordenado o cancelamento do registo predial segundo o qual a Autora é proprietária daquela fracção autónoma, devendo o mesmo ser substituído por inscrição em que seja a Ré a constar como única e plena proprietária da mesma;
c) Sejam os réus condenados a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua o gozo do referido bem por parte da Ré.
Foi apresentada réplica pela qual a Sociedade Demandante defendeu a improcedência do que considerou corresponder a pedido reconvencional.
Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou:
Termos em que se julgam a acção procedente e improcedente a reconvenção e, em consequência:
a) Se condenam as RR. a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre a fracção autónoma designada pela letra “Q” (...);
b) Se condena a R. A(...) a restituir à A. a fracção referida em a);
c) Se condena a R. A(...) a pagar a A. a quantia de € 106 797,72 (cento e seis mil setecentos e noventa e sete euros e setenta e dois cêntimos), acrescida de juros desde a citação até integral pagamento;
d) Se condena a R. A(...)a pagar à A., por cada mês que decorra após Dezembro de 2017, a quantia de € 555,11 (quinhentos e cinquenta e cinco euros e onze cêntimos), a actualizar em Julho de cada ano segundo o coeficiente de actualização de rendas que para esse ano seja divulgado em Diário da República, acrescida de juros à taxa legal em cada momento vigente, até integral pagamento;
e) Se absolve a R. A(...) do mais pedido;
f) Se absolve a R. S(...) do mais peticionado;
g) Se absolve a A. do pedido reconvencional;
h) Se condenam a A. e a R. A(...) no pagamento das custas do processo na medida do respectivo decaimento que se fixa em 1% para a A. e 99% para a R. A..).
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por A(...), que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
A. As questões suscitadas pelo presente recurso são as seguintes: impugnação da matéria de facto quanto aos factos elencados na matéria provada sob o n.º 6, 7 e 9, bem como quanto aos factos não provados elencados sob o n.º 18 e 19; erro de julgamento do Tribunal a quo ao considerar não estarem verificados os requisitos de aquisição da propriedade do imóvel por usucapião a favor da Recorrente e ao considerar estarem conferidos os pressupostos legais referentes ao pedido de reivindicação do imóvel formulado pela Recorrida; erro de julgamento do Tribunal a quo ao condenar a Recorrente a pagar uma indemnização pela privação do uso do imóvel;
• DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
B. Ao invés do que foi decidido, o Tribunal a quo deveria ter dado como não provado que que “no ano de 1999 o valor de mercado da renda mensal da fracção referida em 1) era de € 382,41” (artigo 6.º da factualidade provada), bem como que “o valor actual da fracção referida em 1) é de € 70 131,21” (artigo 7.º da factualidade provada), pois que, ao contrário do sustentado pela Meritíssima Juiz a quo na fundamentação daquela decisão, os documentos de fls. 27 e 28 dos autos, bem como o depoimento da testemunha C(...) não permitem dar por provado aqueles factos;
C. De facto, e quanto aos documentos de fls. 27 e 28 dos autos, os mesmos são meros escritos, consubstanciados em cálculos aritméticos, elaborados pela Recorrida, de forma automática, através de um programa informático de que a mesma dispõe (conforme depoimento da testemunha S(...) - 17m45s a 17m47 e 30m36s a 31m08s da respectiva gravação), não consubstanciando prova bastante para dar como provados aqueles factos, sendo que a Recorrida tinha à sua disposição a possibilidade de requerer outros meios de prova com maior fiabilidade e idoneidade, e comummente utilizados em situações semelhantes, para lograr fazer tal prova, nomeadamente, requerer prova pericial ou quanto muito juntar a avaliação que diz ter efectuado aquando da aquisição do imóvel ou ter chamado a depor o perito avaliador que alegadamente terá feito tal avaliação;
D. Já no que respeita ao depoimento da testemunha C(...) (único a que é feita referência na decisão quanto àquela matéria de facto), é o próprio que refere expressamente que “não conheço nada do processo”, “O imóvel eu não conheço, não fui eu que fiz a avaliação”, “existem muitos métodos para avaliação, não sei qual foi utilizado.”, “não sei, não consultei, não conheço o avaliador” – 01m45s a 02m05s e 03m10s a 05m15s da gravação do respectivo depoimento);
E. Por conseguinte, não podia o Tribunal a quo dar como provados aqueles factos com base na prova invocada, sendo certo que dos elementos constantes nos autos se pode, aliás, concluir que o valor de mercado da renda mensal do imóvel em 1999 e o valor actual do mesmo não são os considerados provados, a saber: trata-se de um imóvel com cerca de 70 metros quadrados, em Sobral de Monte Agraço (portanto, na periferia de Lisboa); o valor patrimonial, à data da arrematação, e segundo o Documento 3 junto pela Recorrida com a Petição Inicial, correspondia a 3.618.000$00 (cerca de € 18.046,00), ou seja, cerca de 31% do valor da alegada avaliação; o valor pago pela Recorrida foi, segundo a mesma (artigo 23.º da Petição Inicial), de € 22.445,91, ou seja, cerca de 39% do valor da alegada avaliação; no ano de 1999, o salário mínimo nacional era de 61.300$00 (cerca de € 305,00), ou seja, bastante inferior ao valor da renda dado como provado correspondente a € 382,41;
F. Ao contrário de dar como provado que “A R. A(...) habita na fracção referida em 1) desde 1990, a qual lhe foi dada, para nela viver com a sua família, pelo pai, M(...)” (facto provado n.º 9), o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que “A R. A(...) habita na fracção referida em 1) desde 01.08.1989, a qual lhe foi dada, para nela viver com a sua família, pelo pai, M(...)”, uma vez que tal resulta inequívoco do depoimento das testemunhas T(...) (01m34s a 01m51s da respectiva gravação); I(...) (21m30s a 21m43s e 25m24s a 25m57s da primeira gravação) e das declarações prestadas pela Recorrente (01m25s a 02m42s da respectiva gravação);
G. Ao contrário de dar como não provado “que desde 1990 a R. A(...)tenha a convicção plena de que a fracção dita em 1) é sua propriedade, certa de que não lesava direitos ou interesses de outrem” (facto não provado n.º 18), o Tribunal a «a quo» deveria ter dado como provado que “desde 1989 a R. A(...)tenha a convicção plena de que a fracção dita em 1) é sua propriedade, certa de que não lesava direitos ou interesses de outrem, sendo que os seus vizinhos, familiares e amigos também a consideravam proprietária”, uma vez que tal resulta claro da prova testemunhal produzida, bem como das declarações de parte prestadas pela Recorrente (cuja gravação basta ouvir na íntegra para se concluir pela sinceridade e espontaneidade com que foram prestadas);
H. Com efeito, das declarações prestadas pela Recorrente (01m25s a 05m34s e 08m06s a 11m58s da gravação) decorre claramente a sua convicção de que era “dona” da fracção autónoma em causa nos presentes autos, de que era a sua proprietária, uma vez que o seu pai a tinha comprado ao construtor, tinha pago integralmente o preço, após o que lha tinha dado, tal como deu uma outra no mesmo prédio à sua irmã, e outros imóveis aos restantes filhos, sendo que no que respeita à acção judicial interposta pelo seu pai contra o construtor/vendedor, é notório que a Recorrente ficou com a convicção que a decisão ali proferida era no sentido de obrigar o construtor/vendedor a celebrar a escritura e não a resolver (no sentido técnico-jurídico) o contrato promessa celebrado, habilitando-a, tal decisão, a permanecer no imóvel enquanto sua proprietária;
I. Por sua vez, o depoimento da testemunha I(...)(21m58s a 27m55s e 28m54s a 31m14s da primeira gravação do seu depoimento; e, 00m11s a 00m54s e 12m01s a 12m18s da segunda gravação do seu depoimento), irmã da Recorrente, corrobora o entendimento plasmado nas declarações da Recorrente, isto é, que, não obstante não ter sido celebrado a escritura de compra e venda das fracções autónomas, por responsabilidade do construtor/vendedor, e uma vez que o pai da testemunha e da Recorrente pagou integralmente o preço, existindo, ademais, de acordo com a sua convicção, um documento que comprova a compra das fracções, é legítimo que a Recorrente considere que é proprietária da fracção autónoma em causa nos autos.; ademais, à semelhança da convicção da Recorrente, a daquela testemunha também é o sentido de que a acção interposta pelo seu pai, visava obrigar o construtor/vendedor a celebrar a escritura e não a resolver (no sentido técnicojurídico) o contrato promessa celebrado;
J. Por sua vez, a testemunha T(...) (02m38s a 03m20s; 04m02s a 04m10s; 09m24s a 09m34s; 12m22s a 12m42s; 13m29s a 14m33s; e, 17m32s a 18m32s da respetiva gravação), filho da Recorrente, além de transmitir a sua convicção de que a mãe é proprietária do imóvel, pois o mesmo lhe foi oferecido pelo seu avô (pai da Recorrente), tendo pago integralmente o preço, e tendo a mesma ali habitado sempre, com os seus filhos (dois dos quais nasceram quando a Recorrente já ali habitava), sem oposição de ninguém, explica que a Recorrente sempre teve a convicção de que a fracção autónoma era sua, tendo sido todos surpreendidos com a presente acção intentada pela Recorrida;
K. Por último, os vizinhos (e ex-vizinhos) e amigos da Recorrente também tinham a convicção de que a proprietária do imóvel era a Recorrente, o qual lhe teria sido oferecido pelo seu pai (depoimento de C(...) – 12m15s a 12m20s e 13m06s a 13m38s da respectiva gravação; depoimento de J(...) – 04m15s a 06m31s e 08m15s a 09m40s da respectiva gravação; depoimento de S(...) – 02m47s a 03m33s e 04m41s a 05m32s da respectiva gravação – depoimento de C(...) – 02m51s a 03m16s e 04m50s a 05m14s da respectiva gravação; depoimento de M(...) – 03m42s a 06m55s da respectiva gravação); depoimento de A(...)– 03m05s a 05m05s e 09m12s a 09m46s da respectiva gravação; depoimento de I(...) – 02m58s a 04m32s; 11m00s a 11m20s; e, 13m21s a 13m28s da respectiva gravação);
L. Por último, ao invés de dar como não provado “que nunca alguém se tenha oposto à actuação referida em 10) e 11)” (facto não provado n.º 19), o Tribunal a quo deveria ter sido dado por provado “que nunca alguém se tenha oposto à actuação referida em 10) e 11), à excepção da Autora, nos moldes da presente acção”;
M. De facto, conciliando o facto de ter sido dado como provado que “por carta datada de 6.3.2015, dirigida às RR. para a Av. Marquês de Pombal, lote (...), e aí recebida por Ana Sequeira em 11.3.2015, a CGD, solicitou às destinatárias da missiva que, “num prazo máximo de 20 dias a contar da receção da presente carta, procedam à total e efectiva desocupação da referida fracção, e à consequente entrega das chaves (…)” (facto provado n.º 5), que foi dado como não provado “que, para além do referido em 5), as RR. tenham sido outras vezes interpeladas para entregar a fracção.” (facto não provado n.º 17), e que dos depoimentos prestados pelos vizinhos (e ex-vizinhos) da Recorrente resulta que nunca tiveram conhecimento de qualquer oposição a que a mesma ali habitasse como se fosse proprietária – vide depoimento de C(...)(10m00s a 10m50s da respectiva gravação), depoimento de J(...) (09m50s a 10m00s da respectiva gravação), depoimento de S(...) (03m40s a 04m12s da respectiva gravação), depoimento de C(...) (03m20s a 03m54s da respectiva gravação), depoimento de M(...) (06m18s a 06m55s da gravação do seu depoimento), depoimento de A(...)(10m00s a 10m50s da respectiva gravação), depoimento de I(...)(06m15s a 07m30s da respectiva gravação), depoimento de T(...) (03m30s a 04m12s da respectiva gravação) –, bem como pelas regras da experiência, nomeadamente pelo facto de não haver nota de qualquer outra oposição à actuação da Recorrente (além da constante dos autos), permite concluir que, de facto, com excepção da Recorrida, nos moldes constantes da presente acção, nunca ninguém se opôs ao uso, fruição e disposição plena pela Recorrente da fracção autónoma em questão;
• DO ERRO DE JULGAMENTO DO TRIBUNAL A QUO AO CONSIDERAR NÃO ESTAREM VERIFICADOS OS REQUISITOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL POR USUCAPIÃO A FAVOR DA RECORRENTE E AO CONSIDERAR ESTAREM CONFERIDOS OS PRESSUPOSTOS LEGAIS REFERENTES AO PEDIDO DE REIVINDICAÇÃO DO IMÓVEL FORMULADO PELA RECORRIDA
N. O Tribunal a quo errou ao entender não estarem verificados, a favor da Recorrente, os requisitos de aquisição da propriedade do imóvel, por usucapião, reivindicado pela Recorrida, interpretando e aplicando erradamente normas legais;
O. Para sustentar tal decisão, o Tribunal a quo, pese embora entenda, em primeira instância, que a realidade subjacente aos presentes autos (cita-se) “não deixa dúvida à afirmação de que desde 1990 é a R. A(...)quem vem exercendo os poderes de facto atinentes ao direito de propriedade sobre o imóvel através das actuações materiais que nele desenvolve, poderes de facto que a A. nunca exerceu, pese embora tenha adquirido o imóvel em Junho de 1999” e que “a posição que a R. A(...)assume sobre o imóvel foi adquirida de forma pacífica”, conclui, de seguida, que (cita-se) “ao contrário do que seria indispensável para viabilizar a aquisição predial por usucapião que a demandada pretende ver reconhecida, esse público, pacífico e duradouro comportamento de facto sobre a fracção predial dita em 1) não pode ser havido como posse”, pois “tendo em conta as circunstâncias apuradas, percebe-se que a referida actuação não foi acompanhada de animus possessório de proprietária pela R. A(...)”;
P. Ora, ao decidir nesse sentido (que a Recorrente não era possuidora por falta do “animus possidendi”), desde logo a Meritíssima Juiz a quo ignorou que o legislador – sempre sensato no âmbito dos direitos reais – por entender que a prova do elemento intelectual da posse é, por vezes, muito difícil, estabeleceu, no n.º 2, do artigo 1252.º, do Código Civil, uma presunção no sentido de que se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2, do artigo 1257.º, do mesmo Diploma;
Q. Desta forma, vem o Supremo Tribunal de Justiça decidindo, de forma pacífica, há bastante tempo, no sentido de que o detentor da coisa, ou seja, o que tem o poder de facto, ou o “corpus”, está dispensado de provar que possui com intenção de agir como titular do direito real correspondente – vide o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 14.05.96, publicado no DR, II, de 24.06.96, o qual aplicou esta corrente, ao extrair a seguinte conclusão: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”;
R. Em conformidade, o animus, para além de ter sido demonstrado conforme supra se defende (vide conclusões G. a K. supra em que se propugna que deve ser dado como provado que “desde 1989 a Recorrente tinha a convicção plena de que a fracção em causa nos presentes autos é sua propriedade, certa de que não lesava direitos ou interesses de outrem, sendo que os seus vizinhos, familiares e amigos também a consideravam proprietária”), presume-se – o que não foi ilidido – nos termos do artigo 1252.º, n.º 2 do Código Civil, motivo pelo qual se tem que concluir que a Recorrente tem a posse, desde aquela data, em nome próprio, do imóvel em questão;
S. A posse, porém, só conduz à usucapião se for pública e pacífica (artigos 1293.º, alínea a); 1297.º e 1300º, n.º 1, todos do Código Civil), influindo os restantes requisitos apenas no prazo necessário à usucapião, sendo que na situação sub iudicio a posse pacífica está provada já que resulta provado que o imóvel foi entregue/dado à Recorrente pelo seu pai, para dele fazer o seu domicílio, depois de o ter recebido na sequência da celebração de um contrato promessa de compra e venda, não havendo sinal de que para o efeito tenha sido usada violência ou coacção (artigos 1261.º e 255. do Código Civil), assim como está demonstrada que a posse é pública, nos termos do artigo 1262.º do Código Civil, conforme resulta do facto provado n.º 12;
T. Quanto ao decurso do tempo, resultando provado que a Recorrente detém a posse do imóvel desde 1989, que não existe registo do título nem da mera posse, e que aquela era de boa fé pois, conforme supra defendido, a Recorrente, ao adquiri-la (momento que releva para aferir a boa fé), estava convicta de que não lesava o direito de outrem (artigo 1260.º, n.º 1, do Código Civil), a mesma adquiriu a propriedade do imóvel em 2004, isto é, quinze anos depois (artigo 1296.º do Civil);
U. E a tal não obsta o facto de não ter sido celebrada escritura de compra e venda do imóvel na sequência do contrato promessa celebrado pelo pai da Recorrente, conforme defende a Meritíssima Juiz a quo ao afirmar que (cita-se) “o pai da R. não lhe pode ter cedido/transmitido a posse da fracção referida em 1), que nunca teve ou exerceu”, pois que, conforme vem sendo amplamente reconhecido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, é juridicamente possível e admissível que, no âmbito de um contrato-promessa, em que houve, paralelamente, tradição da coisa e desde que verificadas determinadas circunstâncias, que indiciem, suficientemente, esse propósito e realidade, o promitente-comprador exerça poderes de facto sobre o bem em causa (“corpus”) com o “animus” correspondente ao direito de propriedade ou a outro direito real menor (que se presume, nos termos do artigo 1268.º, número 1 do Código Civil), posse essa, em nome próprio, que, desde que desenvolvida pública, pacificamente e pelo período de tempo legalmente imposto, é susceptível de consubstanciar a prescrição aquisitiva da coisa possuída, passando o respectivo possuidor ou os seus sucessores a serem titulares, em termos originários, do direito real em questão;
V. Aquela situação excepcional que faz consentir ao promitente-comprador, a quem lhe é entregue a coisa antes da celebração do negócio translativo, os atributos do corpus possessório e do animus possidendi, nos termos supra descritos, realiza-se no caso sub judice: o preço da prometida venda foi pago integralmente no dia da outorga do contrato-promessa celebrado pelo pai da Recorrente; o vendedor entregou ao pai da Recorrente, naquela data, as chaves do andar e o mesmo, agindo como se fosse já seu proprietário, ofereceu-o à sua filha, ora Recorrente, que com a sua família nele passou a instalar a sua economia comum desde 01.08.1989 até à presente data; alegando o vendedor, inicialmente, que não podia celebrar, desde logo, a escritura do andar por ainda não dispor da licença de utilização necessária;
W. Havemos de concluir, assim, que a Recorrente e o seu pai (anteriormente) desenvolveram no imóvel que lhes foi entregue uma posse em nome próprio e, por isso, não vêm a propósito as considerações que reproduzidas na sentença recorrida acerca da falta da inversão do título de posse porquanto, pressupondo esta uma oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possui (artigo 1265.º do Código Civil), porque a materialização em seu proveito do prédio concretizada pela Recorrente e pelo seu pai resultou de actos que caracterizam a posse em nome próprio, se não pode falar sequer de tal figura jurídica;
X. De igual modo, não obstam à aquisição da propriedade pela Recorrente aquisição e registo da compra pela Recorrida (factos provados n.º 1 e 2), bem como à sentença proferida na acção intentada pelo pai da Recorrente, resolvendo o contrato promessa e reconhecendo-lhe direito a indemnização e de retenção (facto provado n.º 15);
Y. Com efeito, a usucapião não só se abstrai, como inclusivamente se sobrepõe a certas vicissitudes ou irregularidades formais ou substanciais relativamente a actos de alienação ou oneração de bens ou até mesmo à prática de actos que originariamente pudessem considerar-se ilegais ou até mesmo violadores dos direitos de outrem, tendo o criador de tal instituto entendido que, ponderados determinados aspectos, certas situações de facto pudessem converter-se num verdadeiro direito, como ocorre no caso da posse, desde que se prolongue durante um período de tempo significativo, o qual se sobrepõe inclusivamente aos próprios vícios que hajam inquinado a posição do possuidor face ao bem possuído, pois surge um direito ex-novo, por mera vontade do respectivo titular, na sua esfera jurídica, desde que judicialmente verificada e declarada a situação de facto que lhe subjaz e que, inclusivamente retrotrai à data do início de tal situação de facto;
Z. Ademais, e no que respeita ao registo de aquisição da propriedade a favor da Recorrida, como é consabido, logrando a Recorrente provar que adquiriu por usucapião o imóvel em questão nos presentes autos, nos termos do que vem descrito nos artigos 1287.º e 1288.º, ambos do Código Civil, o pedido de reivindicação do mesmo formulado pela Recorrida terá que improceder, pois que, desse modo, está afastada a presunção que o disposto no artigo 7.º do Código de Registo Predial consagra, tanto mais que, como ensina Oliveira Ascensão “é preciso não esquecer que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião. Esta em nada é prejudicada pelas vicissitudes registais; vale por si; por isso o que se fiou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes mas nada pode contra a usucapião. No conflito entre direitos incompatíveis sobre o prédio, valem as regras substantivas; mas se alguém praticou um acto de aquisição a título oneroso e de boa fé e beneficia da fé registal, passa a ter um direito que derrota o verdadeiro titular; nada pode porém contra a usucapião, a última ratio na solução de conflitos entre adquirentes de direitos reais, que o titular verdadeiro pode aqui invocar nos termos gerais.”;
• DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À INDEMNIZAÇÃO PELA PRIVAÇÃO DO USO DO IMÓVEL (INVOCADO A TÍTULO SUBSIDIÁRIO)
AA. O Tribunal a quo decidiu mal ao condenar a Recorrente a indemnizar a Recorrida pela privação do uso do imóvel em questão nos presentes autos, porquanto, e afastando-nos das diversas discussões dogmáticas sobre o tema, conforme tem reiterado consecutivamente o Supremo Tribunal de Justiça, uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo ressarcível, se realmente a pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dela dispor;
BB. Assim, no caso em apreço, e face à factualidade dada como provada, facilmente se conclui que nada ficou provado quanto a um eventual propósito de a Recorrida proceder à utilização do imóvel em questão nos presentes autos, pelo que não poderia o Tribunal a quo ter condenado a Recorrente a indemnizar a Recorrida pela privação do uso daquele imóvel, pois que, ao fazê-lo, atribuiu uma indemnização pela mera privação da eventual possibilidade de uso, que, conforme supra referido, não revela qualquer dano indemnizável, aplicando, desse modo, erradamente, ao presente caso, as normas constantes nos artigos 1284.º, 483.º, 487.º, 562.º, 563.º, 564.º, e 566.º, n.º 1, todos do Código Civil.
CC. Por último, e ainda que assim não se entendesse (o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio), a indemnização fixada na sentença recorrida sempre seria completamente desproporcional e desajustada face às circunstâncias do caso, pois que a Meritíssima Juiz a quo apenas fez corresponder o hipotético dano sofrido à mera soma aritmética do valor das rendas correspondentes a um valor locativo do imóvel em 1999, actualizado anualmente, ignorando, por exemplo, e a título exemplificativo, que sempre haveria que descontar ao valor bruto da renda provavelmente auferida o valor dos encargos tributários a suportar pela Recorrida, que é excessivo presumir-se que o imóvel sempre teria estado ininterruptamente locado desde a imediata data de aquisição até à presente data, tudo isto sem prejuízo de ter dado como provado (erradamente, conforme propugnado supra na impugnação da matéria de facto) que o valor de mercado da renda mensal da fracção, em 1999, era de € 382,41, valor esse, também ele, manifestamente excessivo.
Terminou pedindo:
Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso de apelação e, por via dele:
a) alterada a matéria de facto provada, nos termos supra alegados no ponto IV;
b) revogada a decisão recorrida e substituída por uma outra que julgue totalmente improcedente a acção intentada pela Recorrida, absolvendo, em conformidade, a Recorrente dos pedidos contra ela deduzidos e, bem assim, julgue totalmente procedente o pedido reconvencional deduzido por esta e, em consequência, se declare reconhecida a aquisição da propriedade, pela Recorrente, por usucapião, sobre a fracção autónoma designada pela letra “Q” (...), declarando extinto o direito da Recorrida sobre o referido imóvel e ordenando o cancelamento da respectiva inscrição (Ap. ...).
Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, deverá ser revogada parcialmente a sentença proferida na parte em que se condenou a Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 106.797,72 (cento e seis mil setecentos e noventa e sete euros e setenta e dois cêntimos), acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, bem como a pagar à Recorrida, por cada mês que decorra após Dezembro de 2017, a quantia de € 555,11 (quinhentos e cinquenta e cinco euros e onze cêntimos), a actualizar em Julho de cada ano segundo o coeficiente de actualização de rendas que para esse ano seja divulgado em Diário da República, acrescida de juros à taxa legal em cada momento vigente, até integral pagamento.
A C(...), S.A., respondeu às alegações de recurso concluindo:
1) Vem a Recorrente discordar da douta sentença proferida pelo tribunal “a quo” quanto às seguintes questões: I. Quanto aos factos elencados na matéria provada sob os números 6), 7) e 9), bem como quanto aos factos não provados elencados sob os números 18) e 19). II. Errada apreciação e aplicação do direito ao considerar o tribunal não estarem verificados os requisitos de aquisição da propriedade do imóvel por usucapião a favor da Recorrente e ao considerar estarem verificados os pressupostos legais referentes ao pedido de reivindicação do imóvel formulado pela Recorrida. III. Erro de julgamento ao condenar a Recorrente a pagar uma indemnização pela privação do uso do imóvel.
2) Tais considerações, com as quais não concorda a Recorrida, são erróneas e carecem de enquadramento, quer legal, quer factual.
3) No que concerne às questões suscitadas pela Recorrente em sede de recurso a douta sentença proferida pelo tribunal “a quo” afigura-se isenta de reparo, pois devidamente fundamentada e suportada pela prova produzida, no que às questões de facto diz respeito, bem como corretamente alicerçada e justificada no referente às questões de direito ora levantadas. Face ao exposto, considera-se dever o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida.
4) A douta sentença em apreço deu como provado o facto de que no ano de 1999 o valor de mercado da renda mensal da fração em referência era de € 382, 41 e o facto de que o valor atual da mesma fração é de € 70.131,21.
5) Justifica o tribunal essa decisão na articulação entre a documentação de fls. 27 e 28, bem como o testemunho de CC… que “esclareceu sobre o respetivo teor e pressupostos, dando com especial interesse nota de que qualquer dos cálculos ali referidos parte da avaliação em termos de mercado do bem à data da respetiva aquisição.”
6) Com efeito, a testemunha arrolada pela Recorrida, C(...), funcionário da C(...), S.A., arquiteto, com formação específica e certificada em avaliação imobiliária, habilitações suficientes para sustentarem um testemunho credível e abalizado sobre a factualidade em causa, logrou explicar e provar cabalmente a forma como foram obtidos os valores indicados na petição inicial relativos ao valor de mercado do imóvel e ao valor da renda apurada para o ano de 1999 - (ficheiro 2.823KB – 30.10.2017 – minutos: 2:59/ 5:24/ 7:28/ 8:57/10:3/ 12:16)
7) A testemunha esclareceu de início não ter sido a própria a efetuar a avaliação do imóvel, esclarecendo, contudo, que todas as avaliações de imóveis realizadas por peritos contratados pela CGD são realizadas com base nos mesmos pressupostos e critérios.
8) Resulta clara e expressamente do depoimento prestado por esta testemunha que o valor de renda apurado e o valor de mercado do imóvel assentam não em fórmula matemática ou programa informático, mas sim na avaliação efetuada à data da venda judicial do imóvel em sede de execução fiscal.
9) Resulta também evidente, ao contrário do alegado pela Recorrente, que essa avaliação foi elaborada com recurso ao método comparativo de mercado, no qual são tidas em atenção todas as condicionantes subjetivas do prédio em concreto a ser avaliado, como sejam, entre outras, a localização, o estado do imóvel, a área de construção, a data de edificação, os acabamentos ou a conservação.
10) Foi com base nesses critérios que foi elaborada a avaliação da CGD, a qual obteve o valor de mercado para a data da venda judicial e, consequentemente, para o arrendamento a essa data. Bem como foi com base em critérios similares que foi apurado o valor de mercado atual do imóvel.
11) É o que resulta também do testemunho da funcionária da Recorrente, Dra. S(...), no qual deixa bem claro, ao contrário do invocado pela Recorrida, que os valores apurados sempre têm por base a prévia avaliação do caso concreto, pois se reportam a avaliação realizada ao imóvel com base no critério de mercado, no qual cada bem é analisado individualmente (ficheiro 5.066KB – 30.10.2017 – minutos 22:07/23:50/ 30:37 ).
12) Os cálculos efetuados pela Recorrida para determinação do valor da renda do imóvel à data de 1999, assentam em avaliação realizada à data da venda do mesmo, a qual foi elaborada com base no método comparativo de mercado, no qual são tidas em atenção as características e especificidades de cada imóvel individualmente considerado.
13) Para obtenção do valor indemnizatório, calculado com referência ao valor de renda da fração, são posteriormente adicionados a esse valor de renda inicialmente determinado nos termos supra expostos (€ 382,41), os quocientes de atualização de rendas legalmente estipulados.
14) A Recorrida vem ainda invocar, para sustento da sua tese, considerandos que carecem de prova não efetuada nos autos, bem como de fundamento credível, os quais se impugnam nos termos legais, a saber: . Referências ao valor do salário mínimo nacional em 1999 (facto não provado) e sua relação com o valor da renda do imóvel (desconhecida); . Referência ao valor pago pela Recorrida para aquisição do imóvel e sua relação com o valor da renda do imóvel (desconhecida); . Referência à localização do imóvel e ao valor patrimonial do mesmo à data da arrematação e sua relação com o valor da renda do imóvel (desconhecida).
15) Sempre se dirá, no entanto e sem conceder, que: . O imóvel, à data da avaliação efetuada pela C(...) em 1999, era novo, construído há poucos anos; . Que, como é facto público e notório, o valor patrimonial, a essa data, não correspondia ao valor de mercado do imóvel; . Que o valor de arrematação em hasta pública, por parte do credor hipotecário, tem em atenção diversos fatores como sejam o valor base de venda, o valor da avaliação e o valor da dívida exequenda, sendo o credor livre para licitar pelo valor que considerar mais adequado.
16) Face ao exposto, andou bem o tribunal “a quo” quando deu como provados os factos constantes das alíneas 6) e 7) da douta sentença em apreço, os quais se devem manter nos exatos termos aí formulados.
17) A douta sentença em apreço deu como não provado o facto de que desde 1990 a Ré A(...)tenha a convicção plena de que a fração em causa nos autos é sua propriedade, certa de que não lesava direitos ou interesses de outrem.
18) Justifica o tribunal essa decisão com fundamento, essencialmente, na seguinte factualidade: a) “Reconhecimento feito pela Ré A(...)em audiência de que sabe da essencialidade da existência de um documento/escritura que ateste a sua qualidade de proprietária do imóvel em que reside para que assim possa ser considerada. Documento esse que sabe não ter.”; b) “A circunstância de a referida Ré e a sua irmã, a testemunha Idalina Araújo, terem deixado claro em audiência que ainda em vida do pai, cuja morte localizaram em 1997, souberam da não formalização do título que permitiria a consumação da transferência da propriedade dos imóveis que ele para elas adquiriu e bem assim de que após o óbito do mesmo procuraram contatar o vendedor do prédio para que a situação fosse formalizada.”
19) Face à prova realizada em sede de audiência de julgamento, designadamente quanto ao teor das declarações de parte prestadas pela Ré A(...)e ao testemunho da sua irmã I(...), assiste inteira razão à sentença proferida pelo tribunal.
20) A Ré A(...)confessou em audiência de julgamento estar ciente de não possuir escritura que ateste a alegada propriedade do imóvel, bem como estar ciente da importância desse documento na prova da titularidade do bem (ficheiro 4.485KB - 06.11.2017 - minuto: 23:43).
21) É falso, por isso, o invocado em sede de recurso, de que resulte da audição, na íntegra, das declarações de parte, o contrário do decidido (e bem) pelo tribunal. A Recorrente não transcreve para o seu articulado a totalidade das declarações efetuadas, deixando de lado, convenientemente, a confissão ocorrida.
22) Das declarações prestadas pela Ré A(...)decorre expressamente que sabe, não só que não é proprietária do imóvel porquanto não tem escritura/documento que o ateste, como também que a ocupação que faz do mesmo é lesiva dos direitos e interesses da Recorrida.
23) Neste sentido importa também considerar o testemunho da sua irmã I(...), o qual é determinante no apuramento da verdade dos factos, explicando detalhadamente em que circunstâncias ocuparam os imóveis, o conhecimento que ambas tinham da ausência de escritura em seu nome e das consequências que daí adviriam (ficheiro 4.743KB - 06.11.2017 – minutos: 21:59/23:00/ 24:49/ 27:37/ 29:40 e ficheiro 2.919KB - 06.11.2017 – minutos: 1:23/ 3:33/ 9:16/ 14:32).
24) Ao contrário do alegado pela Recorrente, resulta ainda dos testemunhos de vizinhos, amigos e filho/irmão, os quais deverão ser valorados tendo em atenção os laços de proximidade efetiva com as Rés, que desde sempre as Rés estiveram cientes da existência da situação da falta de escritura e dos condicionamentos que a hipoteca registada a favor da CGD implicavam para a efetiva transmissão do imóvel. Resultando também claro que todos estavam cientes de não serem as Rés as efetivas proprietárias da fração em causa, a saber a testemunha C(...) (ficheiro 2.609KB – 30.10.2017 – minutos 6:40/ 14:56); a testemunha J(...) (ficheiro 2.079KB – 30.10.2017 – minutos 5:04/ 8:15/10:50); testemunha S(...) (ficheiro 1.546KB – 06.11.2017 – minutos 5:43/ 6:33); testemunha C(...) (ficheiro 1.310KB - 06.11.2017 – minuto 6:50); testemunha A(...) (ficheiro 3.769KB - 06.11.2017 – minutos 3:06/ 5: 07/5:44/6:24/8:44/ 9:16/17:17); testemunha I(...) (ficheiro 2.414KB - 06.11.2017 - minuto 5:24); testemunha T(...) (ficheiro 4. 743KB - 06.11.2017 – minutos 9:26/ 13:40).
25) As testemunhas em apreço foram unânimes no reconhecimento de que a propriedade de imóveis se transmite por via de escritura pública e que as obrigações dos titulares de bens imóveis incluem obrigações como o pagamento do IMI e das quotas de condomínio. Obrigações que a própria Ré A(...)reconheceu não cumprir, sendo a Recorrida que assume estes pagamentos, conforme decorre da prova documental junta aos autos e dos testemunhos prestados em audiência de julgamento - testemunha S(...) (ficheiro 5.066KB – 30.10.2017 – minutos 8:50/ 15:50) e declarações de parte de A(...)(ficheiro 4.485KB - 06.11.2017 – minuto 15:34).
26) De ressalvar ainda terem as Rés arrolado testemunha que prestou falsas declarações em sede de audiência de julgamento, afirmando saber da existência de escritura relativa ao imóvel dos autos e de a ter, inclusive, visto - testemunha M(...) (ficheiro 1.459KB - 06.11.2017 – minutos 8:28/ 9:12).
27) Resultou ainda provado em sede de audiência de julgamento que a Ré A(...)tem a escolaridade obrigatória (9º ano) e que a Ré S(...) tem formação universitária, sento ambas ativas em termos laborais e sociais, o que inviabiliza qualquer pretensão de que não teriam conhecimento da situação efetiva do bem que ocupam.
28) Face ao exposto, andou bem o tribunal “a quo” quando deu como não provado o facto constante da alínea 18) da douta sentença em apreço, o qual se deve manter nos exatos termos aí formulados.
29) A douta sentença em apreço deu como não provado o facto de que nunca alguém se tenha oposto à atuação referida nas alíneas 10) e 11) dos factos dados como provados.
30) Justifica o tribunal essa decisão com fundamento na posição assumida pela Recorrida na ação e ao facto da Recorrida ter remetido às Rés carta de interpelação para desocupação do imóvel em 06.03.2015.
31) De facto resulta da documentação junta aos autos pela Recorrida, bem como dos testemunhos da Dra. S(...) e da Dra. A(…) (ficheiro 2.957KB – 30.10.2017 minutos 5:40 e 9:86) que não só a CGD interpelou as Rés para desocupação do imóvel, como em datas anteriores foram efetuados contatos telefónicos e pessoais entre as partes tendo em vista a compra do imóvel à CGD. Designadamente ambas as testemunhas corroboram a existência de contato prévio, encetado por mandatário das Rés junto da CGD, tendo e vista a apresentação de proposta de aquisição da fração pelas Rés. Proposta que vem a ser formalizada junto da CGD pelas Rés - testemunha S(...) (ficheiro 5.066KB – 30.10.2017 – minuto 6:09).
32) Face ao exposto, andou bem o tribunal “a quo” quando deu como não provado o facto constante da alínea 19) da douta sentença em apreço, o qual se deve manter nos exatos termos aí formulados.
33) Tendo em atenção a factualidade dada como provada em sede de matéria de facto e os normativos legais aplicáveis ao instituto da usucapião, entendeu a douta sentença em apreço, e bem, que as Rés não lograram fazer prova de circunstâncias que evidenciem que o imóvel referido nos autos foi pro si adquirido por usucapião.
34) Tal assunção decorre em primeira linha do facto de que a atuação das Rés não pode ser havida como posse, ou seja, “tendo em conta as circunstâncias apuradas, percebe-se que a referida atuação não foi acompanhada de animus possessório de proprietária pela Ré A(...), que desde cedo soube que não estavam reunidas condições para puder entender-se e ser havida como dona da fração”; “o que releva para efeitos de manifestação do animus possidendi não é o convencimento do sujeito do significado da sua atuação, mas sim a intenção subjetiva com que a desenvolve. Ora, no caso concreto, o tribunal não tem dúvidas de que a Ré A(...)(…) não teve ao longo dos anos que a usa e ocupa a intenção de exercer em relação a ela um direito próprio de propriedade.”
35) A somar a esta questão material, de facto, temos os imperativos legais que determinam que as situações de mera detenção, caso do promitente adquirente, não conferem a posse ao seu titular. “Operando o contrato promessa com efeitos meramente obrigacionais apenas a transmissão do elemento material da posse e não o seu elemento psicológico. Foi o que sucedeu no caso dos autos. E é por ser assim que o art. 1290º do C. Civil, fora casos de inversão de título da posse, esclarece que os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si o direito possuído. Inversão do título da posse que, no caso, nem foi invocada, nem se verifica.”
36) Não colhe, por isso, a tese ora avançada pela Recorrente em sede de recurso, porquanto, pese embora existam casos em que a jurisprudência aceita que a posse exercida pelo promitente adquirente possa ser reconhecida para efeitos de usucapião, tal não é a situação dos presentes autos, uma vez que a Ré A(...)não se assumiu nem se comportou como efetiva proprietária do imóvel.
37) Por contrato-promessa de compra e venda celebrado entre H(...), na qualidade de promitente vendedor e M(...), pai da Recorrente A(...), na qualidade de promitente-comprador, foi acordada a venda de duas frações do mesmo prédio urbano, a fração “R” e a fração “Q” ora em referência. Na sequência da celebração deste contrato, o promitente vendedor terá permitido a ocupação das frações pelo promitente-comprador e/ou família, a título precário.
38) O contrato-promessa de compra e venda foi incumprido pelo promitente vendedor, tendo o promitente-comprador instaurado ação declarativa de condenação para resolução desse contrato, reconhecimento do direito de retenção e pagamento de indemnização. Por sentença de 18.03.1995 foi o promitente-vendedor condenado nesses exatos termos. Nem o promitente comprador nem a aqui Recorrente reclamaram tal crédito, no processo de execução fiscal no qual a Recorrida adquiriu o bem em referência.
39) A Recorrente não detém qualquer título que a legitime como proprietária deste imóvel, ou sequer como possuidora, não tendo qualquer escritura de transmissão do mesmo a seu favor, nem registo predial de qualquer aquisição, pelo pai ou por si própria, ou sequer inscrição matricial. E nunca cumpriu as obrigações fiscais enquanto proprietária do imóvel, designadamente pagamento de IMI, sempre suportado pela C(...) desde a sua aquisição, bem como nunca cumpriu com as obrigações de condomínio do referido imóvel, suportadas pela C(...).
40) Não colhe a tese da Recorrente de que sempre pensou que o imóvel lhe pertencia porque o seu pai lho havia oferecido. Não se pode oferecer aquilo que não lhe pertence. Tendo-se por bom o critério do homem médio, enquanto ideal de conduta social, facilmente se confirma que qualquer pessoa, nas mesmas condições e circunstâncias da Recorrente, saberia que a aquisição de imóveis não se materializa pela entrega simbólica de uma chave da habitação, pois que é de conhecimento geral que a transmissão de bens imóveis se concretiza por documento escrito que depois terá de ser submetido a registo predial e matricial.
41) De acordo com o disposto no art. 824º do C. Civil, a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida e o bem é transmitido livre dos direitos de garantia que o onerem e dos direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, conforme sucede no presente caso. A C(...) é a legítima proprietária do imóvel em causa desde a data da sua aquisição na referida venda judicial, tendo tal venda feito cessar quaisquer direitos de gozo ou garantia, designadamente qualquer direito de retenção, incompatíveis com o direito da Recorrida.
42) À data, a Recorrente ocupava o imóvel a título de mera detentora ou possuidora precária, por ato de tolerância do promitente vendedor, na sequência da celebração de contrato promessa de compra e venda com o pai da Recorrente A(...), e sem intenção de agir como proprietária do mesmo, conforme decorre dos termos do art. 1253º do C. Civil.
43) Ainda que tendo ocorrido a tradição da coisa prometida comprar, o promitente comprador não deixa de ser um possuidor em nome alheio ou um mero detentor em nome de outrem, pois que a entrega antecipada é qualificada pela doutrina como um contrato atípico ou inominado, análogo ao comodato, mas que goza de autonomia relativamente ao contrato promessa. Este contrato atípico, que é gerador de um direito pessoal de gozo, autoriza o promitente comprador a usar a coisa até à celebração do contrato prometido ou até à resolução do contrato, podendo este aproveitar todas as utilidades que o imóvel pode proporcionar, mas não lhe conferindo o estatuto de possuidor.
44) Para haver posse teria a Recorrente que inverter o título de detenção para posse, o que não invoca, nem aconteceu. Ou seja, para que a Recorrente pudesse adquirir posse própria teria de inverter o título da posse, designadamente por oposição contra a C(...), dando-lhe a conhecer, de modo inequívoco, a sua intenção de atuar como titular do direito. E apenas se tal oposição não fosse repelida pela C(...), se inverteria o título da posse, o que não sucedeu no presente no caso.
45) Sendo ainda que esta oposição se tem de traduzir em atos positivos materiais ou jurídicos, inequívocos e praticados na presença ou com o consentimento daquele a que os atos se opõem. Não bastando, por isso, para que se verifique a inversão do título de posse que a Recorrente ou os vizinhos a tenham como possuidora em nome próprio, pois que os atos de posse alegados pela Recorrente são compatíveis com um comodato, com uma fruição ou gozo por mero favor.
46) A Recorrente, ao invés, reconheceu o direito de propriedade da C(...), negociando inclusivamente uma proposta de aquisição do imóvel por via da Ré S(...), sua filha.
47) A usucapião consiste na aquisição de um direito, por virtude de posse não viciosa, mantida por certo lapso de tempo. A usucapião depende não só do decurso do tempo, mas também da verificação de certas características de que se deve revestir a posse. É exclusiva da posse em sentido próprio, pelo que a mera detenção ou posse precária não tem este efeito, a menos que se transforme em verdadeira posse, através da inversão do título da posse.
48) Posse que se traduz num elemento material de fruição de um direito (o corpus) e de um elemento intencional vertido na intenção de exercer um poder sobre as coisas (o animus), elemento que se deve aferir não pela vontade concreta do adquirente da posse mas pela natureza jurídica do ato que originou a posse.
49) A Recorrente ocupa o imóvel por mero ato de permissão pontual do promitente vendedor, por via de contrato promessa celebrado com o pai da Recorrente, traduzindo-se numa detenção provisória, visando a efetiva realização da escritura de compra e venda, que não veio a ocorrer. Surge assim claro que a Recorrente apenas pode ser qualificada como detentora ou possuidora precária, a quem está vedado o recurso à figura da usucapião, conforme decorre do disposto no art. 1290º do C. Civil, tanto mais que nem a própria invoca, por impossibilidade legal, a inversão do título da posse a seu favor. Está, assim, afastada a premissa de aplicação do art. 1290º do C.Civil, não podendo por esse meio virem a Recorrente invocar a usucapião a seu favor.
50) Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se concede, sempre terá aqui aplicação o disposto no art. 1292º do C. Civil quanto às regras da interrupção da prescrição ao instituto da usucapião. Designadamente, quanto à interrupção da instância pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, de acordo com o estipulado no art. 325º do C. Civil.
51) As Rés apresentaram proposta de aquisição do andar em 15.09.2011. O que confirma estarem cientes de que não são proprietárias do imóvel e que a CGD se opunha à sua permanência nessa fração. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, art. 326º do C. Civil.
52) Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que a eventual posse da Recorrente é uma posse não titulada, como a própria reconhece, e de má-fé, dado o disposto no art. 1260º /1 e 2 do C. Civil. A Ré não ignorava estar a lesar o direito de propriedade da CGD, nem logrou afastar a presunção do art. 1260º/2 do C. Civil.
53) A posse da Recorrente não é pública, pois não preenche os critérios do disposto no art. 1262º do C. Civil, designadamente não foi dado conhecimento à CGD da alegada existência dessa posse, que de resto, se contesta.
54) No caso de falta de título e de má-fé, a posse tão-só pode dar lugar a usucapião no prazo de vinte anos (art. 1296º do C. Civil), a serem contados desde a inversão do título (art. 1290º por maioria de razão). A Recorrente não invocou a inversão da posse, nem o poderia legalmente fazer, motivo pelo qual o prazo de vinte anos estipulado no art. 1296º do C. Civil não se encontra ultrapassado.
55) Resultam assim afastados os pressupostos de aplicação do instituto da usucapião ao caso vertente nos autos, não assistindo razão à Recorrente no seu pedido reconvencional.
56) A ocupação ilegítima consubstancia uma situação de ingerência ou intromissão em bens jurídicos ou direitos alheios (direito de propriedade) geradora da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil extracontratual (art. 483º do C. Civil).
57) A simples privação do uso de uma coisa contra a vontade do proprietário consubstancia um dano porque só ele tem o direito de fruir dela e a utilizar quando e como lhe aprouver.
58) A supressão da faculdade do proprietário extrair do bem todas as suas utilidades constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação. Enquanto se mantiver a ocupação ficam fortemente limitados os direitos do proprietário, não podendo ser exercidos na sua plenitude.
59) Estando demonstrado e provado que a Recorrente sabe ocupar ilicitamente um imóvel que não lhe pertencia, causando com a sua conduta prejuízos sérios à Recorrida, afigura-se justo e razoável quantificar o correspondente dano da privação de uso do imóvel.
60) Ainda que não pudesse ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal deveria julgar equitativamente, nos termos consignados no art. 566º/3 do C. Civil. No caso dos autos, os prejuízos invocados respeitam à privação do uso do imóvel, seja a título de danos emergentes, derivados da imobilização daquele bem como ativo financeiro e das respetivas incidências negativas no património da Recorrida, seja em sede de lucros cessantes pela frustração de rendimentos que poderia ter obtido com o desfrute do bem.
61) Entende a Recorrida não só ter sido feita prova da perda de rendimento motivada pela privação da coisa como essa privação de uso constituir, por si, dano patrimonial suscetível de avaliação pecuniária. Pelo que, quer seja pela via da prova da perda de rendimento, efetuada nos autos, quer seja pela via da assunção de que a privação do uso constitui, por si, dano patrimonial suscetível de avaliação pecuniária, entende a Recorrida ter direito a reparação em virtude dos prejuízos sofridos.
62) O quadro factual em questão permite imputar a conduta ilícita da Recorrente a causação de um prejuízo de privação do uso, correspondente ao período em que a Recorrente detém ilicitamente a fração na sua posse.
63) Cumpre ao julgador, com base no princípio da equidade, determinar qual o valor da indemnização, podendo socorrer-se para o efeito de critérios indicativos como sejam o valor locativo ou a perda de juros que se obteria com a aplicação do capital investido na aquisição, calculados às taxas supletivas legais.
64) Denegando-se à Recorrida um ressarcimento fixado pelo valor locativo mensal perdido, o que não se concede, sempre se afiguraria ajustado fazer corresponder ao dano sofrido uma quantia correspondente aos juros, calculados às taxas supletivas legais, sobre o capital investido, desde a data da aquisição do imóvel pela Recorrida até à data da efetiva entrega do imóvel pela Recorrente. O dano de privação de uso sofrido pela Recorrida é real e constitui consequência da conduta da Recorrente.
65) Entende a Recorrida que a simples privação ilegal do uso, no caso de bens de consumo duradouro, como é o caso de uma habitação, integra já um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado. Neste sentido, “Considerando que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, e que isso envolve até o direito de não usar, a privação do uso reflete o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” desses, justificando-se, assim, o ressarcimento que supra a modificação negativa que a privação do uso determina na relação entre o lesado e o seu património (...) Em suma, desde que a violação do direito de propriedade, acompanhada da privação de uso, constituem facto ilícito deve, em regra, conceder-se ao lesado a correspondente indemnização (...) ainda que não se tenha provado que durante o período de privação o proprietário teria arrendado o imóvel por uma determinada quantia, não está afastado o seu direito de indemnização que considere o valor locativo do imóvel e, se necessário, pondere as regras da equidade”, Acórdão TRL de 11.03.2003, Processo 683/2003-7, in www.dgsi.pt.
66) Demonstrou a Recorrida a existência de dano decorrente da ocupação da fração autónoma por parte da Recorrente, devendo ser indemnizada nos termos gerais de direito, com recurso às regras de equidade, tendo por base os critérios por si indicados para o cálculo do valor da reparação nos pedidos subsidiários formulados em sede de petição inicial.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. Com fundamento em erro de julgamento, deve ser alterada a resposta à matéria de facto nos termos propostos na impugnação judicial?
2. Face à procedência do requerido no âmbito da impugnação em matéria de facto, deve ser revogada a decisão recorrida e proferida outra que atenda ao aí sustentado quanto ao pedido?
3. Pelas razões indicadas no recurso, o Tribunal «a quo» errou ao entender não estarem verificados, a favor da Recorrente os requisitos de aquisição da propriedade do imóvel, por usucapião?
4. Também pelas razões indicadas no recurso, o Tribunal «a quo» decidiu mal ao condenar a Recorrente a indemnizar a Recorrida pela privação do uso do imóvel referido nos autos?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
1. Com fundamento em erro de julgamento, deve ser alterada a resposta à matéria de facto nos termos propostos na impugnação judicial?
A Recorrente pôs em causa a fixação dos factos n.ºs 6 e 7. Pretende, pois, que não se dê como provado que «6) No ano de 1999 o valor de mercado da renda mensal da fracção referida em 1) era de € 382,41» e que «O valor actual da fracção referida em 1) é de € 70 131,21».
Segundo o Tribunal «a quo», a resposta positiva dada neste âmbito assentou na conjugação do conteúdo dos documentos de fls. 27 e 28 com o do depoimento da testemunha C(…) (querendo referir, certamente, Catarino).
Relativamente aos dois apontados documentos, mera reprodução mecânica de textos de subscritor desconhecido identificado como «empregado/a», os mesmos não produzem qualquer demonstração, apenas se podendo estranhar a ligeireza e falta de empenho demonstrativo de instituição com o peso, relevo social e responsabilidades da Demandante.
Não foi produzida prova pericial sobre a matéria.
Com a mesma ligeireza, não foram, também, indicadas testemunhas com conhecimento concreto e firme do prédio, área envolvente e respectivo mercado, colhidos mediante contacto pessoal e directo e sob um contexto não previamente organizado com vista à instrução. Antes se apresentou uma testemunha que se tratou como se fosse perito – porquanto não se lhe pediu prestação instrutória quanto a factos concretos retirados do seu contacto com o prédio dos autos, antes se lhe reclamando um arbitramento – o que está muito para além das funções processuais de uma testemunha, à qual cumpre revelar factos da sua história pessoal que tenham intersectado os perguntados na acção.
Para agravar este quadro, a Sociedade trouxe empregado seu, o que desde logo abalava seriamente a sua credibilidade e requeria confirmação noutros elementos instrutórios idóneos e isentos.
Pior ainda, apresentou-se em audiência quem logo reconheceu que não faz avaliações e se mostrou ciente de que não estava acompanhado de quem tinha efectiva experiência nessa área (que, de qualquer forma, não deveria depôr como testemunha e só poderia dar o seu contributo no quadro de produção de prova por arbitramento que não foi requerida nesta matéria).
Sob tal rarefação demonstrativa, nenhum sentido tem que o Tribunal «a quo» tenha dado como provados os aludidos factos n.ºs 6 e 7.
A resposta aos mesmos é, flagrantemente: «não provado».
Neste domínio assiste, pois, inteira razão à Recorrente.
A Impugnante questionou também que se tivesse fixado que «9) A R. A(...)habita na fracção referida em 1) desde 1990, a qual lhe foi dada, para nela viver com a sua família, pelo pai, M(...)».
Segundo a Recorrente, antes se deveria ter considerado assente que «A R. A(...)habita na fracção referida em 1) desde 01.08.1989, a qual lhe foi dada, para nela viver com a sua família, pelo pai, M(...)».
Aqui, a Recorrente insurge-se, na verdade, não perante facto do Tribunal mas facto próprio. Os elementos fácticos a atender pelo órgão jurisdicional são os invocados pelas partes que tenham o ónus de os demonstrar – cf. n.º 1 do art. 5.º do Código de Processo Civil e n.ºs 1 a 3 do art. 342.º do Código Civil. A factualidade que agora se queria ver fixada não é a invocada no art. 8.º da contestação da ora Recorrente. Antes esta corresponde ao contemplado pelo Tribunal.
Não estamos perante factos instrumentais ou complemento ou concretização do alegado, para os efeitos do disposto no n.º 2 do art. 5.º do Código de Processo Civil, antes face a factualidade distinta – 1990 nada tem a ver com 01.08.1989, para efeitos de referenciação temporal.
Se a Recorrente alegou factos que agora reputa falsos e pretende ver alterados, só a si própria ou ao seu Exmo. Mandatário pode atribuir tal situação.
Nunca seria, pois, seguramente, através da transferência para o Órgão Jurisdicional, discretamente, da sua própria responsabilidade, sob a capa de impugnação fáctica, que a Parte poderia encontrar solução para a desfocagem da sua intervenção processual que agora patenteia considerar desviada e não espelhando a verdade.
É totalmente injustificada esta vertente do recurso, devendo manter-se o facto cristalizado.
A Recorrente sustentou ainda que «o Tribunal a “a quo” deveria ter dado como provado que “desde 1989 a R. A(...)tenha a convicção plena de que a fracção dita em 1) é sua propriedade, certa de que não lesava direitos ou interesses de outrem, sendo que os seus vizinhos, familiares e amigos também a consideravam proprietária”».
A pretensão sofre, porém, do mesmo vício já que a Recorrente não alegou, como lhe impunham as normas invocadas, o que agora gostaria de ver reconhecido como facto. De novo se patenteia pretender corrigir erro próprio apresentando-o como alheio, dando agora como verdadeiro o que na contestação, em sede de reconvenção, era falso. Não tem qualquer sentido e assume até aparente censurabilidade a formulação desta tese que só não se sanciona por a mesma poder emergir de fragilidade e limitação técnica da representação forense e não da intenção de iludir.
Improcede, também, esta vertente do recurso.
Deseja ainda a Recorrente que se fixe que «nunca alguém se tenha oposto à actuação referida em 10) e 11), à excepção da Autora, nos moldes da presente acção”».
Vale aqui o que se disse antes. De novo se confunde impugnação da matéria de facto com correcção de erros de alegação.
Nunca poderia, face ao quadro normativo acima indicado e ao princípio do dispositivo aí assumido (ainda que mitigado por outras normas, quer no mesmo artigo quer em distintos preceitos de Direito adjectivo), dar-se como demonstrado o que não se alegou e apenas após a sentença parece conveniente defender em prol da tese brandida em Juízo.
Nada há a alterar neste domínio.
Improcede esta parte do recurso.
Vem provado que:
1) Na Conservatória do Registo Predial de S(...) está inscrita a favor da A. a aquisição, por compra em processo executivo, da fracção autónoma designada pela letra “Q” do prédio (...).
2) Por instrumento notarial de compra e venda datado de 18.6.1999, pelo preço de 5 750 000$00, S(...), Lda., encarregada de venda no âmbito do processo de execução fiscal (…/…) da repartição de finanças de Sobral de Monte Agraço, em que foram executados H(...) e O(...), declarou vender à C(...), S. A. a fracção autónoma designada pela “Q”, correspondente ao(...), descrito na Conservatória do Registo Predial da referida localidade sob o nº. (...).
3) A R. A(...)reside no imóvel referido em 1).
4) A R. S(...) residiu no imóvel referido em 1), pelo menos, até Dezembro de 2013, quando se autonomizou do agregado familiar materno.
5) Por carta datada de 6.3.2015, dirigida às RR. para a Av. (...), e aí recebida por A(...) em 11.3.2015, a CGD, solicitou às destinatárias da missiva que, “num prazo máximo de 20 dias a contar da receção da presente carta, procedam à total e efectiva desocupação da referida fracção, e à consequente entrega das chaves (…)”.
6) e 7) Suprimidos por não provados.
8) Às taxas de 7%, entre 18.6.1999 e 30.4.2003, e 4%, entre 1.5.2003 e 15.5.2015, o capital de € 22 445,91, teria rendido € 16 900,84.
9) A R. A(...)habita na fracção referida em 1) desde 1990, a qual lhe foi dada, para nela viver com a sua família, pelo pai, M(...).
10) Desde então, a R. A(...)mobilou e decorou as divisões da casa, que passou a usar como sua residência.
11) Custeando o fornecimento de serviços básicos, convivendo com os vizinhos que se instalaram no prédio e, juntamente com a sua família, ali confeccionando e tomando refeições, dormindo, mantendo os seus pertences, recebendo familiares e amigos e passando momentos de lazer.
12) A actuação dita em 10) e 11) é do conhecimento de vizinhos, familiares e amigos e desenvolvida à vista de todos.
13) Por documento escrito, datado de 3.5.1989, (...) prometeu ceder a M(...), as fracções autónomas designadas pelas letras “Q” e “R”, (…) , que seria vendida a quem aquele indicasse.
14) Em 3.5.1989 M(...)realizou a prestação para si decorrente do acordo referido em 13) e recebeu as chaves das fracções “Q” e “R” do prédio urbano designado por Bloco B, corpo 2, sito na Av. (...).
15) Por sentença transitada em julgado em 29.3.1995, proferida no âmbito da acção ordinária nº. (…) do Tribunal Judicial do Círculo de Torres Vedras, foi declarado resolvido o contrato referido em 13) e reconhecido a favor de M(...)o direito de retenção sobre as fracções “Q” e “R” do prédio (…) para garantia do pagamento da quantia de 18 000 000$00.
Fundamentação de Direito
2. Face à procedência do requerido no âmbito da impugnação em matéria de facto, deve ser revogada a decisão recorrida e proferida outra que atenda ao aí sustentado quanto ao pedido?
Não resulta directamente do novo contorno dos factos provados a imperatividade da revogação plena da sentença proferida.
Será infra, na resposta às questões remanescentes, que se ponderará em detalhe a sustentabilidade da decisão criticada face ao invocado e aos novos contornos de facto.
3. Pelas razões indicadas no recurso, o Tribunal «a quo» errou ao entender não estarem verificados, a favor da Recorrente, os requisitos de aquisição da propriedade do imóvel por usucapião?
São decisivos para a avaliação desta questão os seguintes factos:
9) A R. A(...)habita na fracção referida em 1) desde 1990, a qual lhe foi dada, para nela viver com a sua família, pelo pai, M(...).
e
15) Por sentença transitada em julgado em 29.3.1995, proferida no âmbito da acção ordinária nº. (…) do Tribunal Judicial do Círculo de Torres Vedras, foi declarado resolvido o contrato referido em 13) e reconhecido a favor de M(…) o direito de retenção sobre as fracções “Q” e “R” do prédio urbano designado por Bloco B, corpo 2, sito na Av. (…) em Sobral de Monte Agraço para garantia do pagamento da quantia de 18 000 000$00.
A Ré/Recorrente não invocou nem demonstrou, como lhe competia, enquanto facto impeditivo do efeito pretendido pela Autora – vd. o n.º 2 do art. 342.º do Código Civil – não ter tido conhecimento da decisão judicial referida sob o n.º 15.
Seguramente que tal conhecimento existiu. Não teria sentido lógico que assim não fosse: o seu pai «deu-lhe»a casa em litígio para nela viver em 1990; o mesmo pai, ao saber da resolução do contrato que justificara a ocupação inicial e da redução da relação com o imóvel ao nível de um mero direito de retenção a extinguir aquando da liquidação do capital garantido, nunca deixaria de informar a sua filha, principal atingida pelo câmbio, não se tendo provado, incompatibilidade pessoal total, cataclismo, afastamento forçado, circunstância de força maior que impedisse a transmissão de conhecimento. Da mesma forma, não se patentearam factos que justificassem conhecimento temporalmente diferenciado.
Daqui resulta que a Recorrente teve conhecimento, em 1995, que a ocupação ocorria sob um quadro de mero exercício de Direito de retenção.
Estamos, na situação em apreço, perante um contexto substancialmente distinto do de «posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo», para os efeitos do disposto no art. 1287.º do Código Civil que fornece a definição normativa de usucapião.
Neste quadro circunstancial, é insofismável a ausência de «animus» – intenção de actuar sobre a coisa com um determinado estatuto – da parte da Recorrente, enquanto fenómeno do foro psicológico, cognitivo e volitivo que materializa uma expressão do pensamento coerente e compatível com o corpus enquanto laço físico e material assente no contacto e na expressão de uma relação entre o sujeito e o objecto no domínio da matéria – possibilidade de exercer influência sobre a coisa não toldável pela acção de terceiros.
Tendo-se demonstrado de forma clara a impossibilidade de existência de «animus possidendi» e a não materialização de um «corpus» relevante e próprio, nenhum sentido teria o proposto recurso a presunções. Estas destinam-se a extrair de factos conhecidos outros, de natureza desconhecida – vd. art. 349.º do Código Civil. Ora, se conhecemos os factos, não podemos tratá-los como desconhecidos para a eles chegar por caminhos ínvios.
Outro tipo de relação com o bem e outro contexto subjectivo apenas poderão ter existido, pois, de 1990 a 1995, o que sempre seria insuficiente para usucapião pretendida – vd. art. 1296.º do Código Civil.
Revela-se acertada, a este nível, a decisão do Tribunal «a quo».
Nada há a revogar ou alterar.
É negativa a resposta a esta questão.
4. Também pelas razões indicadas no recurso, o Tribunal «a quo» decidiu mal ao condenar a Recorrente a indemnizar a Recorrida pela privação do uso do imóvel referido nos autos?
O Tribunal que proferiu a decisão posta em crise subsumiu os factos provados a um quadro de responsabilidade delitual.
Para os efeitos do aí sustentado, a compressão probatória agora concretizada através da assunção do desconhecimento do valor locativo do imóvel não seria, por si só, impeditiva da imposição de um ressarcimento, agora ainda de forma difusa e a liquidar em incidente ulterior face ao disposto na parte final do n.º 2 do art. 564.º do Código Civil e nos art.s 358 a 361.º do Código de Processo Civil.
Porém, as dificuldades emergentes da decisão são mais profundas.
Na verdade, não há indemnização sem dano – cf. n.º 1 do art. 483.º do Código Civil.
Tal dano corresponde aos prejuízos efectivamente emergentes da lesão – cf. n.º 1 do art. 564.º do mesmo Código – sem prejuízo do ressarcimento dos danos futuros – vd. o n.º 2 deste artigo – que não são mais do que danos também efectivamente sofridos mas com diferente localização temporal.
O que não se pode, seguramente, é presumir, danos, imaginar que possam ter sido produzidas lesões para ficcionar compensações que nada têm a ver, sequer, com o resultado de mecanismos de exercício da equidade nos termos no estabelecido no n.º 3 do art. 566.º do Código sob invocação. É que até aí se faz referência aos factos provados indicadores de limites para tal exercício.
Ora, no caso em apreço, sempre teríamos um facto inexistente, porque faltaria uma das partes de um facto composto: provasse-se, agora ou em sede de liquidação ulterior, o valor da renda faltaria demonstrar que a casa se destinava a arrendar, ou seja, que era esse o destino a dar pela proprietária inscrita. Nada sabemos sobre a utilidade económica que se pretendia extrair do bem, logo nada sabemos da existência de dano.
Faltando este pressuposto da responsabilidade aquiliana, não existe obrigação de indemnizar.
Será que esta inafastável solução técnica soluciona o problema proposto permitindo encerrar a senda decisória e fazer a Justiça que sempre deve ser obtida junto dos Tribunais?
Crê-se que não. Antes parece seguro que a simples revogação da vertente condenatória relativa à ocupação dilatada no tempo constituiria o reconhecimento de fórmula milionária que permitiria a todas as pessoas, singulares e colectivas, usarem gratuitamente imóveis alheios com cobertura do sistema jurídico e grave perturbação do funcionamento da Economia.
Sob um tal enquadramento, julgam-se boas e justas soluções como a vertida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10-2013, Processo n.º 1261/07.0TBOLHE.E1.S1 (Relator: Ex.mo Juiz Conselheiro FERNANDO BENTO), assim sumariado na parte relevante:
(…) - Se na pendência de uma acção de reivindicação os autores não logram provar os danos emergentes (impossibilidade de habitar e fazer obras no prédio) e lucros cessantes (frustração efectiva do arrendamento do imóvel) por si invocados, fica inviabilizado o recurso à equidade para determinação da indemnização pela privação do uso.
VI - Sem embargo do referido em II e V, a ocupação do prédio pelos réus, beneficiando das vantagens de um bem alheio, sem título que o legitimasse, durante os quase nove anos em que, por via dos sucessivos recursos por si interpostos, esteve pendente a acção, legitima o reconhecimento de um crédito aos autores com fundamento no enriquecimento sem causa.
VII - São pressupostos do enriquecimento sem causa: a) a existência de um enriquecimento; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
VIII - À custa de outrem não significa necessariamente que o credor da restituição seja empobrecido, mas apenas que o valor que entra no património do enriquecido corresponde ao que foi obtido com meios ou instrumentos pertencentes ao credor da restituição.
IX - Nos casos de enriquecimento sem causa fundado na utilização de bens alheios o valor da restituição é o valor de exploração, aferido pelo critério do valor objectivo dos bens.
X - Se as partes reconhecem um valor locativo ao prédio cujo valor concreto não se apurou, nada impede a condenação das rés a restituir aquele que se venha a provar em incidente de liquidação. (...)
É, pois, aplicável à presente acção o disposto nos arts. 473.º e seguintes do Código Civil.
Não estando questionado ter o bem valor locativo, será ao valor de arrendamento do mesmo no período de tempo de privação, que se venha a apurar em incidente de liquidação, que corresponderá o enriquecimento.
Não sendo o pai da Recorrente, titular do direito judicialmente reconhecido em 1995 a quantia pecuniária, parte nesta acção e não sendo, consequentemente, da Ré/Recorrente o Direito de retenção nem se sabendo se ocorreu já o pagamento garantido, não há lugar à compensação com o valor declarado em dívida.
Acrescem à quantia a liquidar juros moratórios a contar à taxa legal desde a data da citação da Demandada até efectivo pagamento do capital devido – arts. 805º, n.º 1 e 806.º, n.º 2, ambos do Código Civil.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação parcialmente procedente, nos termos sobreditos e, em consequência revogamos o determinado nos pontos c) e d) da parte decisória da sentença impugnada condenando a Demandada/Recorrente a pagar à autora a quantia pecuniária correspondente ao enriquecimento sem causa a aferir em função do produto do número de meses durante os quais a Recorrida tenha estado e venha a estar privada do imóvel até efectiva restituição do mesmo, acrescida de juros de mora a contar à taxa legal desde a data da citação da Ré.
Mantemos, quanto ao mais, o decidido.
Custas pela Apelante e pela Apelada na proporção de 9/10 por aquela e 1/10 por esta atento o relevo económico previsível do decaimento.
*
Lisboa, 27.09.2018
Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto) |