Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RAMALHO PINTO | ||
Descritores: | DESPEDIMENTO COLECTIVO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/15/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | I- Na acção de impugnação do despedimento colectivo, o nº 3 do artº 160º do Código de Processo de Trabalho não impõe ao julgador uma obrigação de decidir, logo no saneador, os pontos referidos nas duas alíneas do nº 2 do artº 160º. Só haverá que deles decidir no despacho saneador se já houver nos autos elementos de facto seguros para a prolação de uma decisão conscienciosa sobre os mesmos. II- No domínio desse processo de impugnação do despedimento colectivo, e a par da prova pericial resultante da intervenção do assessor nomeado pelo tribunal e dos técnicos de parte, é à prova documental a que as partes essencialmente poderão recorrer. III- Não há qualquer norma legal que obrigue o juiz a identificar os documentos que serviram de base à fixação dos factos considerados provados documentalmente em despacho saneador-sentença que seja proferido, bastando que eles estejam juntos ao processo e que, sem necessidade de outro meio de prova, demonstrem os factos alegados pelas partes. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: A,B,C,D,E,F,G,H,I, e J vieram instaurar, no 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Almada, a presente acção emergente de contrato de trabalho, de impugnação de despedimento colectivo, contra ALCOA FUJIKURA (PORTUGAL)- SISTEMAS ELÉCTRICOS DE DISTRIBUIÇÃO, SA, pedindo que seja declarada a improcedência dos fundamentos invocados pela Ré para o despedimento colectivo e, consequentemente, seja declarada a ilicitude deste e a Ré seja condenada a pagar aos Autores o valor das retribuições vencidas e vincendas que lhes forem devidas desde a data do despedimento até à data da sentença, bem como a reintegrá-los, com a categoria e antiguidade que lhes competem, ou a pagar-lhes as correspondente indemnizações de antiguidade. Para fundamentar a sua pretensão alegaram, em síntese, que deixaram de prestar serviço à Ré no dia 5 de Agosto de 2003, por terem sido despedidos no âmbito de um processo de despedimento colectivo iniciado em 5 de Maio de 2003. Só que tal despedimento foi efectuado sem qualquer motivo válido, já que, por um lado, a redução da actividade da Ré, invocada por esta, não justifica o excessivo número de trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo e, a confirmar-se, foi meramente passageira, e, por outra banda, não se verificou a pretendida extinção da secção de cablagens acessórias, que nunca existiu na empresa. Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, onde aponta, de forma exaustiva e por remissão para os documentos juntos, os motivos do recurso ao despedimento colectivo, abrangendo os Autores, consistindo os mesmos na redução de actividade, que determinou o despedimento dos 2., 5º e 6º Autores, e na extinção da secção de cablagens acessórias, onde laboravam os restantes Autores. Os Autores, notificados, não responderam à contestação nem impugnaram os documentos juntos com a mesma. Foram nomeados assessora e técnicos de parte, tendo aquela apresentado o relatório constante de fls. 1417 a 1428 dos autos, no qual sustenta a inexistência de fundamento para a verificação do despedimento colectivo. Já o técnico de parte indicado pela Ré emitiu opinião em sentido diverso, como decorre de fls. 1499 a 1504. Tal parecer, notificado aos Autores, não mereceu destes qualquer resposta. A Ré veio apresentar a reclamação de fls. 1512 a 1519 (sobre a qual os Autores igualmente se não pronunciaram), que mereceu deferimento por parte do Mº Juiz, conforme despacho de fls. 1522- 1523. Em conformidade, veio a assessora apresentar os esclarecimentos de fls. 1528- 1530. Notificadas as partes dos mesmos, veio a Ré juntar a declaração fundamentada de discordância de fls. 1550 a 1554 e nova reclamação, a fls. 1564 a 1568, a que os Autores não responderam. A fls. 1574, o Sr. Juiz indeferiu esta última reclamação. Foi então proferido despacho saneador, nos termos do disposto no artº 160º do CPT, em que se consideraram verificados os fundamentos para os despedimentos dos Autores e se julgou a acção improcedente por não provada, com a consequente absolvição da Ré do pedido. x Inconformados, os Autores vieram interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. Os factos constantes das alíneas U e Z a U2 não podem considerar-se já assentes porquanto, 2. Todos eles, isoladamente ou em conjunto, estão em flagrante oposição com a versão sustentada pelos AA. na sua petição inicial; 3. Por isso, esses factos continuam assim a revestir natureza controvertida. 4. Esses mesmos factos devem, pois considerados como não escritos, anulando-se consequentemente a decisão da matéria de facto em relação a eles, ao abrigo do art. 712º, nº 1, al. a) do C.P.C. 5. A decisão impugnada por errada interpretação e ou aplicação, violou, assim, entre outras disposições legais, os arts. 16º, 24º e 26º, nº 2 da L. Desp., o art. 342º do Cód. Civil, os arts. 490º, nº 2 e 510º, nº 1, al. b) do C.P.C. e o art. 160º, nºs 2 e 3 do C.P.T. A Ré apresentou contra-alegações, onde defende a manutenção do julgado. Foram colhidos os vistos legais. x Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões (artºs 684°, n°3, e 690°, n° 1, do CPC), temos como única questão em discussão a de saber se o tribunal de 1ª instância podia ter dado, desde já, como provada a matéria de facto incluída sob os pontos U e Z a U2 da factualidade dada como assente. x Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos: A- Os AA foram admitidos ao serviço da R para, sob a autoridade e direcção desta, lhe prestarem a sua actividade profissional no referido estabelecimento com efeitos, respectivamente, a 20/09/91 (A), 05/11/90 (B), 01/11/96 (C), 01/09/97 (E), 09/04/91 (D), 18/05/93 (F), 21/05/91 (G), 18/07/88 (H), 14/07/88 (I) e 1/10/96 (J) B- Ultimamente tinham ali as categorias profissionais de: Operador Especializado de 1.ª (os 1.º, 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º AA) e Operador Especializado de 2.ª (as 3ª, 4ª e 10ª AA) e ganhavam mensalmente a remuneração-base de € 591,52 (os 1.ª, 5.º. e 7.ª AA), € 704,90 (o 2.º A), € 534,10 (as 3.ª, 4.ª e 10.ª AA), € 616,96 (os 6.º e 8.º AA) e € 616,97 (a 9.ª A), regulando-se as relações de trabalho em causa pelo CCTV para o sector dos fabricantes de material eléctrico e electrónico, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 26, de 15/07/77. C- Os AA são associados do Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas (SIESI) que está integrado na Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas de Portugal (FSTIEP). D- A R, que se dedica ao fabrico de cablagens para veículos automóveis, está, por sua vez, inscrita na Associação Nacional dos Industriais de Material Eléctrico e Electrónico (ANIMEE), que outorgou o referido instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. E- Os AA deixaram de prestar serviço à R no dia 5 de Agosto de 2003 por terem sido despedidos no âmbito de um processo de despedimento colectivo iniciado em 05/05/2003. F- A R decidiu deslocalizar a produção de cablagens acessórias isoladas para uma fábrica instalada na Hungria pertencente ao universo da AFL em que a R está também integrada. G- À produção cablagens acessórias isoladas corresponde o centro de custos 890. H- As 1.ª, 3.ª, 4.ª, 7.ª, 8.ª e 9.ª AA são portadoras de doença profissional reconhecida pelo CNPRP e a 10.ª A é delegada sindical em efectividade de funções. I- A R remeteu comunicação aos membros da Comissão Intersindical, bem como ao Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas (SIESI), ao Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins (SIMA) e ao Sindicato Nacional da Indústria e da Energia (SINDEL) de que pretendia levar a efeito o despedimento colectivo de 350 trabalhadores, onde se incluíam os 10 AA. J- Idêntica comunicação foi pela R remetida à Direcção de Serviços para as Relações Profissionais do Ministério da Segurança Social e do Trabalho. L- As comunicações foram acompanhadas dos fundamentos que, na óptica da R, justificavam o recurso ao despedimento colectivo bem como do número de trabalhadores abrangidos e respectivas categorias profissionais. M- Foi indicado que o despedimento colectivo se efectivaria 90 dias após a recepção das comunicações atrás referidas. N- Com data de 27 de Maio de 2003, a R remeteu a cada um dos trabalhadores abrangidos carta a propor a cessação do contrato de trabalho por acordo, oferecendo uma compensação equivalente a 1,2 meses de remuneração base por cada ano de serviço ou fracção de antiguidade, acrescida da remuneração equivalente a três meses de trabalho. O- A decisão de despedimento colectivo foi tomada no dia 5 de Junho de 2003 e nessa data comunicada, através de carta, aos AA. P- Foram postas à disposição dos AA e por estes recebidas as seguintes compensações pelo despedimento colectivo e todos os créditos vencidos e exigíveis fruto da cessação dos respectivos contratos de trabalho: - (A) – € 11.579,80; - (B) – € 12.355,52; - (C) – € 7.106,53; - (D) – € 7.264,32; - (E) – € 11.596,70; - (F) – € 11.050,51; - (G) – € 11.588,81; - (H) – € 13.058,93; - (I) – € 13.031,09; e - (J) – € 6.386,57. Q- Também a R lhes remeteu o competente modelo 346 destinado a requerer subsídio de desemprego e certificado de trabalho. R- As 1.ª, 3.ª, 4.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª e 10.ª AA trabalhavam na secção de produção de cablagens acessórias S- Os restantes AA trabalhavam na secção de produção de cablagens principais. T- A R justificou o despedimento colectivo com base na redução da sua actividade e com o encerramento da secção de produção de cablagens acessórias. U- Após o despedimento a secção de cablagens acessórias foi encerrada. V- No âmbito da fase de informações e negociações, a R, na pessoa do seu administrador Ronaldo Schmidt, assumiu o compromisso, relativamente aos trabalhadores a abranger pelo despedimento por razão da redução de actividade, de excluir trabalhadores portadores de doença profissional confirmada. X- Nenhum representante sindical foi integrado no processo de despedimento colectivo com fundamento na redução de actividade. Z- São cablagens acessórias isoladas as com funções para as portas dianteiras e traseiras, destinadas a luzes interiores, ao alternador, à caixa de velocidades automática e para o park distance control. A1- Estas cablagens eram produzidas em postos de montagem individual (PMI). B1 -Estas cablagens eram produzidas por trabalhadores afectos exclusivamente à sua produção. C1- Os quais respondiam, funcional e hierarquicamente, perante uma chefia própria. D1- Os trabalhadores afectos à produção das cablagens acessórias estavam inseridos, dentro do organigrama da R, em sector distinto. E1- E incluídos, no quadro de pessoal da R, no sector das PMI. F1- A actividade da R está intrinsecamente ligada ao negócio da empresa AutoEuropa – Automóveis, Lda. G1- A quase totalidade da produção e facturação da R. tem como cliente a AutoEuropa. H1- A R. apenas tem outro cliente, a empresa SAI Automotive Portugal, S.A., para quem apenas fornece cablagens para a função park distance control. I1- E em relação comercial que se traduz em menos de um por cento da produção e facturação da R. J1- Em termos gerais, a Auto-Europa produziu cerca de 136.000 veículos em 2001 e 130.000 em 2002. L1- Foram previstas, para 2003, vendas não superiores a 108.700 veículos. M1- Em 2001, a R produziu 136.708 cablagens para veículos automóveis. N1- Em 2002, a produção de cablagens cifrou-se em 129.609 unidades. O1- O número de cablagens cuja produção se estimava para o ano de 2003 estava fixado, à data de instauração do processo, em 108.430, sendo posteriormente corrigido para 108.626 unidades e mais tarde estabilizado em 109.653 unidades. P1- No primeiro trimestre de 2002, o número de cablagens fornecidas pela R ascendeu a 31.608. Q1- Logo no primeiro trimestre de 2003, esse número desceu para 30.251. R1- A R produzia, em média, 610 cablagens por dia, no último trimestre de 2002. S1- A R produzia, em média, 520 cablagens por dia, imediatamente antes do início do processo de despedimento colectivo. T1- Entre Janeiro e Março de 2003, a R fabricou uma média de 516 cablagens por dia. U1- Essa média desceu para 505 cablagens/dia entre Abril de 2003, data em que se iniciou o processo de despedimento colectivo, e Junho de 2003, data em que foram remetidas as comunicações finais. V1- A R produziu uma média de 425 cablagens por dia em Setembro de 2003. X1- E uma média diária de 480 cablagens em Outubro e Novembro de 2003 e nas primeiras duas semanas de Dezembro. Z1- Eram 293 os trabalhadores a abranger, inicialmente, pelo despedimento colectivo, com fundamento na redução de actividade. A2- Foram 199 os trabalhadores efectivamente abrangidos pelo despedimento colectivo, com aquele fundamento. B2- Dos quais apenas os 2.º, 5.º e 6.º AA. da presente acção não celebraram acordos de cessação dos respectivos contratos. C2- O plano de produção da Auto-Europa em 2004 previa a produção de não mais que 95.556 carros. D2- Em 2002, o volume de negócios da R ascendeu a € 68.028.037,26, sendo que € 67.818.849,34 correspondem à actividade de produção e venda de cablagens propriamente dita. E2- Em 2002, o preço médio de venda de cada cablagem foi € 490,0. F2- Em 2001, os resultados da R ascenderam a € 892.233,14. G2- Em 2002, os resultados da R cifraram-se em € 85.232,80 negativos. H2- Só no primeiro trimestre de 2003, a R registou resultados negativos no montante de € 1.681.039,36. I2- Em 31 de Dezembro de 2001, a R tinha 1482 trabalhadores J2- E recebia a prestação de 113 trabalhadores em regime de trabalho temporário. L2- Em 31 de Dezembro do ano seguinte, o quadro de pessoal da R desceu para 1438 trabalhadores. M2- E 48 trabalhadores em regime de trabalho temporário. N2- À data da instauração do processo de despedimento colectivo, a R. tinha 1314 trabalhadores. O2- Recebia a prestação de um trabalhador em regime de trabalho temporário, com fundamento na necessidade de substituição de trabalhador ausente. P2- À data de instauração do processo de despedimento colectivo, a média de redução de preço das cablagens acessórias fornecidas à Auto-Europa era de 18,4%. Q2- No primeiro quadrimestre de 2002, o peso das cablagens acessórias na produção da R cifrava-se em 17,4%. R2- No mesmo período, o peso das cablagens acessórias na facturação da R cifrava-se em 13,3%. S2- No segundo e terceiro quadrimestres de 2002, o peso das cablagens acessórias na produção da R diminuiu para 14,2%. T2- E o peso das cablagens acessórias na facturação da R diminuiu para 11,2%. U2- Após a concretização do despedimento colectivo, a R produziu, de forma esporádica e pontual, algumas cablagens acessórias e isoladas. V2- Em 30 de Agosto de 2004 foram admitidos pela R 5 trabalhadores temporário com a categoria de serventes. X2- Ainda antes da concretização do despedimento colectivo, e após tal momento, tem a R recorrido, de forma crescente, ao trabalho suplementar por parte dos seus trabalhadores. x O direito: Sem pôr em causa a observância dos requisitos legais do processo de despedimento colectivo, questão que assim se tem como definitivamente assente, os recorrentes entendem, em sede de conclusões da sua alegação, que os factos elencados, pelo Sr. Juiz, sob as alíneas U) e Z) a U2, não podem desde já considerar-se como assentes, já que, e segundo as suas palavras “todos eles, isoladamente ou em conjunto, estão em flagrante oposição com a versão sustentada pelos A.A. na sua petição inicial”. Todavia, não cuidam de discriminar, em relação a cada um deles, qual o específico fundamento dessa discordância, qual o documento apresentado pela Ré que não tem a virtualidade, e porquê, de demonstrar o por ela alegado na contestação. Assim sendo, torna-se particularmente difícil rebater argumentos que não existem, analisar uma fundamentação tão genérica e, por isso, deficiente. De qualquer forma, importa dizer o seguinte: Está em causa, nos autos, um despedimento colectivo, que abrangeu os Autores. De acordo com a definição legal de despedimento colectivo (art. 16.º do DL n.º 64-A/89, de 27/02, que é o aplicável aos autos, por os factos reportarem a datas anteriores ao inicio de vigência do Código do Trabalho), o mesmo pressupõe a cessação de um conjunto de contratos individuais de trabalho por iniciativa do empregador, com uma motivação determinante comum, estando em causa não um trabalhador individualmente considerado, mas sim a mão-de-obra da empresa, com vista à sua redução, surgindo a extinção dos postos de trabalho como um fim a atingir. Ainda nos termos do mesmo preceito legal, constituem fundamento de despedimento colectivo, entre outros, a "redução do pessoal determinada por motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais", precisando-se no artº 26.º tais motivos. Dispõe o artº 160º, nº 2, do Cod. Proc. Trabalho : “Sendo proferido despacho saneador, este destina-se também a decidir: a) Se foram, cumpridas as formalidades legais do despedimento colectivo; b) Se procedem os fundamentos invocados para o despedimento colectivo”. Por sua vez, o nº3 de tal artigo estabelece: “Não pode ser relegada para momento posterior ao despacho saneador a decisão sobre as questões referidas nas alíneas a) e b) do número anterior, bem como quaisquer excepções que obstem ao respectivo conhecimento.” Ora, cremos que a melhor interpretação deste nº 3 é a avançada por Albino Mendes Batista, in Código de Processo de Trabalho Anotado, Quid Juris, 2000, pag. 235, nos termos da qual o nº 3 não impõe ao julgador uma obrigação de decidir, logo no saneador, os pontos referidos nas duas alíneas desse nº 2 do artº 160º. Só haverá que deles decidir no despacho saneador se já houver nos autos elementos de facto seguros para a prolação de uma decisão conscienciosa sobre os mesmos. O Ac. do STJ de 8/10/97, in Col. Jur.-Ac. STJ, 1997, III, 269, segue este entendimento, a propósito do artº 156º-F, nº 2, do anterior CPT, mas que mantém plena actualidade, no sentido de que tal disposição “não impõe que o juiz conheça de qualquer modo e de qualquer jeito, destes pontos, isso que os autos já contenham ou ainda não contenham todos os elementos factuais suficientes para ser proferida uma decisão conscienciosa e devidamente fundamentada.” Dizendo-se, mais à frente, que só se impõe ao julgador “a obrigação inelutável de decidir logo no saneador , dos elementos nele referidos”, se já houver nos autos elementos seguros para que possa ser proferida uma decisão conscienciosa. Isto em obediência à regra basilar, e a ter em conta no domínio do processo laboral, tal como do processo civil, que a lei nunca impõe uma sentença de qualquer modo, mas apenas depois de o tribunal reunir todos os factos necessários à mesma. Sem esquecer que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (artº 655º do CPC), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, o que é certo é que, no domínio do processo de impugnação do despedimento colectivo, e a par da prova pericial resultante da intervenção do assessor nomeado pelo tribunal e dos técnicos de parte, é à prova documental a que as partes essencialmente poderão recorrer (cf. Leite Ferreira, Cod. Proc. Trabalho Anotado, 4ª edição, 694). Prova documental essa que deve ser, em princípio e salvo as excepções previstas na lei, junta com os articulados (artºs 63º , nº 1, do CPT e 523º, nº 1, do CPC). Compreende-se que assim seja: tratam-se de matérias que, como se reconhece no relatório do Dec-Lei nº 480/99, de 9/11, que aprovou o actual CPT, apresentam “especial melindre e acentuada dificuldade da ingerência judicial no mundo da gestão empresarial, pautado, por sua vez, por critérios necessariamente distintos dos do mundo jurídico”. A propósito dos despedimentos colectivos, escreve Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pag. 578-579) que "a natureza dos fundamentos da decisão de romper os contratos torna-os de muito difícil julgamento pelos tribunais: tratar-se-á de pré-decisões de gestão, de ponderações de natureza técnica ou económica, relacionáveis, estas mesmas, com factores subjectivos como as «expectativas», as «previsões» e as «tendências» percepcionadas pelos empresários e gestores(...) Tudo isto aponta para que a decisão judicial sobre um despedimento colectivo tenda a incidir, quase invariavelmente, sobre aspectos formais, processuais, isto é, sobre eventuais deficiências do procedimento seguido, face à tramitação legalmente imposta". Ora, analisando a decisão sob recurso e os diversos documentos juntos aos autos, temos que a sentença sob recurso é inatacável quer no que respeita ao elenco dos factos que deu como provados quer no que toca à conclusão de que se encontra justificado o despedimento colectivo. Como ponto prévio, importa dizer que não há qualquer norma legal que obrigue o juiz a identificar os documentos que serviram de base à fixação dos factos considerados provados documentalmente em despacho saneador-sentença que seja proferido. Basta que eles estejam juntos ao processo e que, sem necessidade de outro meio de prova, demonstrem factos alegados pelas partes, para que estes mesmos factos possam ser considerados provados no despacho saneador- cfr. Ac. Rel. Lisboa de 21/5/97, disponível em www.dgsi.pt. O Sr. Juiz, no caso em apreço, e tal como a Ré tem a preocupação de discriminar nas suas contra-alegações, valorou correctamente os documentos juntos aos autos, de modo a dar com provadas as diversas alíneas da factualidade dada como assente, designadamente as alíneas postas em crise (de forma totalmente vaga e genérica, repete-se) pelos recorrentes. Assim, temos que cada uma das alíneas se baseou nos seguintes documentos, que não foram infirmados por qualquer outro, nem sequer impugnados pelos Autores, não impugnação essa que se estendeu à análise e explicação, detalhadas, que a Ré faz na sua contestação: - Quanto às alíneas U) e Z), pese embora o relatório da assessora nomeada pelo Tribunal dizer, na conclusão 3ª (fls. 1424), que os trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo pertenciam ao sector de “montagem final”, baseando-se, exclusivamente, no Anexo II, que é uma declaração da comissão intersindical da Ré, o técnico de parte desta, na sua resposta (fls. 1499 e ss), confirma essa afectação de alguns dos trabalhadores, mas refere que o sector da montagem final estava distribuído em várias secções, uma das quais era a cablagem acessória, descrevendo esta em termos de merecer total credibilidade. Sendo que os Autores, apesar de notificados, não se pronunciaram sobre nenhum termo desta resposta. Acresce que os mesmos não puseram em causa o conteúdo das alíneas R) e S). - as alínea A1 e B1 – para além do referido conteúdo da resposta do mencionado técnico de parte, valem o quadro de pessoal de fls. 11 a 40 do processo de despedimento colectivo (que passaremos a designar por PDC), e o organigrama de fls. 198 dos autos; - alíneas C1 e D1- o mesmo organinogama; - alínea E1 – o mencionado quadro de pessoal; - alíneas F1 a I1- relatório e contas de fls. 99 e ss do PDC, designadamente fls. 101, 120 e 139 e a “estatística de facturação” de fls. 199 (doc. nº 4 da contestação); - alíneas J1 e L1- docs. nºs 7, 8 e 9 da contestação (fls. 203 a 205 dos autos), tratando-se de mapas emitidos pela “AutoEuropa”; - alienas M1 e N1- correspondem, exactamente, às quantidades vertidas nos documentos nºs 10 e 11 da contestação (fls. 206-207); - alínea O1- corresponde ao plano de produção de fls. 389 (fls. 142 do PDC). Do documento de fls. 211 (nº 15 da contestação) não se retira, com a necessária segurança, que a produção tenha estabilizado em 109.653 unidades, o que não é relevante, atenta a pequena disparidade desse número com aquele outro do mencionado plano de produção; - alínea P1- corresponde ao doc. nº 11 da contestação (fls. 207); - alínea Q1- provado pelo documento nº 12 da mesma peça processual (fls. 208); - alínea R1- resulta do documento de fls. 204; - alínea S1 e T1 - docs. nºs 9 e 12 da contestação (fls. 205 e 208); - alínea U1- mapa de fls. 210 (doc. nº 14 da contestação); - aliena V1- mapa de fls. 212-213 (doc. nº 15 da contestação); - alínea X1- mapa de fls. 214 (doc. nº 16 da contestação); - alínea Z1- resulta do documento de fls. 41 a 46 do PDC (fls. 288 a 293 dos autos); -alíneas A2 e B2- estão provados pelo mapa de fls. 775 e ss do PDC e pelos documentos juntos autos que constituem os diversos acordos de cessação; - alínea C2 – o plano de produção aí mencionado é o de fls. 215 (doc. nº 17 junto com a contestação); - alínea D2- relatório e contas, de 2002, de fls. 119 e ss do PDC; - alínea E2- resulta do doc. nº 26 da contestação (fls. 247); - alínea F2- relatório e contas de fls. 99 e ss do PDC (fls. 346 e ss dos autos); - alínea G2- o referido documento de fls. 119 e ss do PDC; - aliena H2- demonstração de resultados de fls. 216 (doc. nº 18 da contestação) e relatório e contas, de 2003, de fls. 1596 e ss; - alínea I2- balanço social de fls. 218 (doc. nº 19 da contestação); - alínea J2- estatística de fls. 229 (doc. nº 20 da contestação), onde os trabalhadores temporários aparecem com a designação de “manpower contracts”; - alínea L2- balanço social de fls. 230 e ss (doc. nº 21 da contestação); - alínea M2- estatística de fls. 241 (doc. nº 22 da contestação), onde aparecem 48 “manpower contracts”; - alínea N2 – quadro de pessoal de fls. 11 e ss do PDC; - aliena O2- contrato de utilização de trabalho temporário e ficha de identificação de fls. 242 a 244 (docs. nºs 23 e 24 da contestação); - alínea P2 – documento nº 25 da contestação (fls. 245-246); - alíneas Q2 a T2 – mapa de fls. 247 (doc. nº 26 da contestação); - aliena U2- plano de encomendas de fls. 248 a 260 (docs. 27, 28 e 29). Como se vê, tudo suportando, em termos documentais, e sem levantar margem para dúvidas, a factualidade em causa. Improcedendo, por isso, as conclusões do recurso. Embora, e como facilmente se retira das conclusões da alegação de recurso, os recorrentes apenas ponham em causa que se tenha dado como provado a factualidade constante das citadas alíneas, e já não que os factos dados como provados na 1ª instância conduzam à procedência dos fundamentos invocados para o despedimento, sempre se dirá o seguinte: Dispõe o artº 16º do DL nº 64-A/89 de 27/2 que se considera "...despedimento colectivo a cessação de contratos individuais de trabalho promovida pela entidade empregadora operada simultaneamente ou sucessivamente no período de três meses, que abranja, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de empresa de 2 a 50 ou mais de 50 trabalhadores, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento definitivo da empresa, encerramento de uma ou várias secções ou redução de pessoal determinada por motivos estruturais, tecnológicos ou estruturais". O Prof. Menezes Cordeiro em Manual de Direito do Trabalho, pag. 847, refere: “Na verdade, o risco corre pelo empregador. Assim, não lhe é lícito despedir trabalhadores por razões de conjuntura ou para minimizar prejuízos ocasionais; mas o problema põe-se quando se trate de questões estruturais: estas têm de ser resolvidas, sob pena de poder pôr em perigo um número muito mais elevado de postos de trabalho". Também Pedro Romano Martinez escreve sobre esta matéria (Direito do Trabalho, Almedina, pág. 862-863) o seguinte: "Os motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais têm de ser apreciados em função da empresa (...) O recurso ao despedimento colectivo com base em motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais não será só admitido em situações limite, como no caso de risco iminente de falência da empresa. Importa atender que se está perante uma decisão de gestão empresarial; é o empresário que decide se, por exemplo, quer automatizar o equipamento com a consequente redução de pessoal ou pretende encerrar uma secção, ainda que economicamente viável, quando tem interesse em restringir as suas actividades. Não cabe ao tribunal apreciar o mérito de tais decisões, porque o empresário é livre de empreender um caminho ruinoso; o tribunal só tem de verificar se o empregador não está a agir em abuso de direito ou se o motivo não foi ficticiamente criado”. Em Curso de Direito do Trabalho, pags. 527 e ss, Bernardo da Gama Lobo Xavier adianta, por sua vez: “Trata-se de uma redução de nível de emprego na empresa em que vários trabalhadores são atingidos por um único motivo determinante, normalmente de carácter tecnológico ou económico ou por encerramento total ou parcial da empresa”... A decisão de despedimento colectivo é, “basicamente, uma decisão de gestão para a qual a lei dá uma cobertura considerável: a cessação terá de ser determinada pelo encerramento definitivo da empresa, de uma ou várias secções, ou redução de pessoal determinada por motivos estruturais tecnológicos ou conjunturais... Pensamos que as decisões de encerramento definitivo da empresa ou das suas secções não necessitam de outra justificação - elas enquadram-se numa motivação estrutural. Apenas haverá que garantir os trabalhadores relativamente a qualquer conduta ofensiva, simulada ou de má-fé (e só nessa medida nos parece possível um juízo de improcedência)... Quando os despedimentos colectivos resultam de medidas de encerramento total ou parcial só serão controláveis na sua procedência (a sua existência é objectiva) se forem manifestamente abusivas ou simuladas, já que o empregador não pode ser forçado a manter uma empresa, total ou parcialmente”. O mesmo autor, in O Despedimento Colectivo, pag. 681, afirma que "se cabe ao juiz controlar a procedência (ou a justificação) do despedimento patronal, não lhe cabe substituir-se à entidade empregadora, transformar-se em gestor, e impor-lhe a decisão que ele próprio juiz tomaria se estivesse na posição empresarial. Há uma ampla margem de decisão, que deve ser consentida, por força da lei e do contrato de trabalho, a quem decide, assume os riscos e suporta os encargos, desde que naturalmente se não conclua - de acordo com um juízo de equidade - pela falta de presença, prima facie, de uma motivação clara, congruente e suficiente e, portanto, defensável e sustentável". A jurisprudência tem decidido que assentando o despedimento colectivo na autonomia contratual do empregador, ligada à necessidade de dimensionamento da empresa, tem subjacente premissas economicistas. Assim, e como se escreve no Ac. do STJ de 1/10/02, disponível em www.dgsi.pt, “para justificar o despedimento colectivo não é necessário que a empresa se apresente numa situação de falência iminente, sob pena de se distorcer os mecanismos de mercado: importa sim, por um lado a verificação objectiva dos motivos de ordem económica, financeira e de mercado e, por outro, a existência de um nexo entre tais motivos e os despedimentos dos autores.” E no acórdão do STJ de 07/11/01 (Revista n.º 594/01 - 4.ª Secção) diz-se que: "O despedimento colectivo assentando na autonomia contratual do empregador ligada às necessidades de dimensionamento da sua empresa, tem por subjacente premissas economicistas. Nesta ordem de ideias, uma vez realizado o despedimento, tendo em conta as formalidades a que o mesmo se encontra sujeito a sua impugnação constitui um controlo suplementar que visa fundamentalmente os interesse dos despedidos na defesa da segurança de emprego. Tal controlo (judicial), porém, terá de se harmonizar com a liberdade de empresa e da sua gestão, tendo-se presente que o fim legal do despedimento colectivo é o de organizar uma empresa num redimensionamento do quadro de pessoal objectivamente adequado" . Ora verifica-se da sentença recorrida que a mesma se encontra, no que toca aos fundamentos do despedimento colectivo, correctamente elaborada, bem estruturada e fundamentada. E concordando-se inteiramente com a decisão aí proferida, bem como com os fundamentos invocados, seria de para eles remeter, nos termos do disposto no art. 713º, nº 5, do CPC. x Decisão: Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento à apelação, confirmando-se o saneador/sentença recorrido. Custas pelos apelantes. Lisboa, 15 de Dezembro 2005 Ramalho Pinto Duro Mateus Cardoso Isabel Tapadinhas |