Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FILIPA MACEDO | ||
Descritores: | DETENÇÃO PRISÃO CONTAGEM DOS PRAZOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/23/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I - Não prevê a lei tempo de prisão contado em horas. Daí não se pode, no entanto, retirar a conclusão de que a detenção por tempo inferior a 24 horas, porque não expressamente prevista, não poderá ser descontada na pena de prisão a cumprir. II - Trata-se, inequivocamente de uma privação da liberdade, havendo que observar, na contagem da pena, a regra do art. 80°, n° 1, do Código Penal, que impõe o desconto por inteiro da detenção sofrida no cumprimento da pena de prisão. III - Como a menor unidade de tempo prevista para a contagem da prisão é o dia (art. 479.º, do CP), correspondente a um período de 24 horas, tendo o arguido sido detido e libertado no mesmo dia, há que considerar o período mínimo previsto para cumprimento de pena de prisão (1 dia) e proceder ao respectivo desconto, na medida em que é esta a forma mais ajustada de dar cumprimento ao n° 1 do art. 80° do Código Penal, com pleno respeito pela dignidade constitucional do direito à liberdade, nos termos em que este se encontra consignado no art. 27°, da CRP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Lisboa: 1– Relatório: 1– Inconformado com o despacho melhor constante de fls. 59 (fls. 17 deste translado), em que a Mm.ª Juiz do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, nos autos com o n.° 171/07.5PTPDL, procedeu ao desconto de três dias de detenção na pena de prisão a cumprir pelo arguido – (M), recorre o Ministério Público para esta Relação, para o efeito sustentando as seguintes conclusões: ( … ) •Não é de descontar no cumprimento da pena de prisão o tempo das detenções decretadas ao abrigo do disposto no art.° 116°, do C.P.P., e efectivamente sofridas pelo condenado em consequência de faltas injustificadas por ele dadas ao longo do processo; •Dos elementos histórico e teleológico da interpretação do art.° 80°, n.° 1, do C.P., conclui-se que só são susceptíveis de desconto as privações de liberdade sofridas pelo facto ou conjunto de factos constitutivos do objecto do processo; •A detenção do arguido na sequência de emissão de mandados de detenção por faltar injustificadamente ao julgamento, nos termos do art.° 116° do C.P.P., constitui um incidente processual que não se integra no termo "processo" usado no art.° 80°, n.° 1, do C.P.; •Os factos constitutivos desta infracção, por se tratar da violação de um dever processual imposto ao arguido por força do art.,° 61°, n.° 1, al. a) e 332°, n.° 1, Ia parte, não estão incluídos no objecto do "processo", no sentido técnico jurídico (facto humano de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança – art° 1°, n.° 1, al. a), do C.P.P. - Prof. Germano M. da Silva, Curso de Processo Penal, 1, pág. 19, Ed Verbo, 1993), por força do princípio da vinculação temática; •Por este motivo, não faz qualquer sentido serem descontadas as detenções do arguido para comparência na audiência de julgamento por violar esse dever processual quando essa conduta não é criminalmente punível, (excepto nos casos previsto nos no casos do art.° 387° do C.P.P. e 348° do C.P.) e, por isso, não faz parte do objecto do processo pelo qual o arguido foi julgado e condenado;--- •Tal desconto constituiria uma discriminação arbitrária geradora de manifesta injustiça relativamente aos demais participantes faltosos e relativamente aos co-arguidos não faltosos que, a final, viessem a ser condenados na mesma medida de pena imposta ao arguido faltoso. De igual modo, sairia frustrado o fim de dissuasão inerente à mera previsão legal de detenção; Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve o despacho recorrido ser substituído por outro que proceda à contagem da pena segundo os normas supra referidas que, na nossa opinião, não terão sido correctamente interpretadas. ( … ) 2.- Não houve resposta ao recurso interposto. 3.- A Sr.ª Juiz sustentou o seu despacho. 4.– Subidos os autos a este TRL, a Digna PGA emitiu “parecer” no sentido de propugnar que o recurso merece provimento. 5.- No cumprimento do preceituado no art. 417.°, n.° 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado. 6.- Seguiram-se os vistos legais. Teve lugar a conferência. II - Cumpre apreciar e decidir: De harmonia com as conclusões apresentadas, o essencial do inconformismo dirigido pelo M.º P.º de Ponta Delgada em relação ao despacho recorrido, assenta no diferente entendimento sobre a natureza dos períodos de detenção a descontar e do “quantum” a deduzir no cumprimento da respectiva pena. O teor do despacho recorrido é o seguinte: "O arguido (M) foi condenado nos presentes autos por sentença proferida em 17.04.2007 a fls. 30 e ss., na pena de 6 (seis) meses de prisão. O arguido foi detido à ordem destes autos nos dias 01.04.2007, 16.04.2007 e 17/04.2007 (cfr. fls. 4, 27, 27 v.° 28 e 29 dos autos) e encontra-se preso à ordem dos presentes autos, ininterruptamente, desde o dia 17-07-2007 (cfr. fls. 56v.°) e até à presente data. Assim, o termo da sua pena ocorrerá em 14-01-2008, efectuado o desconto a que alude o art.° 80° do C.P... Notifique.." Procurando situar as questões a apreciar, por referência ao desenvolvimento do processado antecedente àquele despacho, cumpre recordar, que o arguido em questão, em razão da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, havia sido condenado na pena de 6 (seis) meses de prisão efectiva. Se até este ponto não se detectam quaisquer discrepâncias nas posições assumidas pelos Sr.s Magistrados, estas surgem, quando a Sr.ª Juiz, no seu despacho, descontou ( 3) três dias de detenção. Basicamente, detenções em actos processuais, quer quando foi detido, quer quando foi detido para comparência à audiência. A questão que se põe, é se deverão tais períodos ser descontados na prisão a cumprir pelo arguido. Nos termos do art. 80.° n.° 1, do Cód. Penal, "a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada" e entretanto de acordo com a alteração introduzida pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro, continua este art.º com a seguinte redacção: “ ainda que em processo diferente daquele em que for condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido condenado tenha sido praticado, anteriormente, à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas” Segundo o Prof. Figueiredo Dias — Direito Penal Português — “As Consequências Jurídicas do Crime” - Noticias Editorial, pág.a 297 "o instituto do desconto, regulado nos arts. 80.° a 82.°, assenta na ideia básica segundo a qual privações de liberdade de qualquer tipo que o agente tenha sofrido em razão do facto ou factos que integram ou deveriam integrar o objecto de um processo penal, devem, por imperativos de justiça material, ser imputadas ou descontadas na pena a que, naquele processo, o agente venha a ser condenado". “Esta ideia vale sobremaneira relativamente às frequentes (...) privações de liberdade que têm lugar antes do trânsito em julgado da decisão do processo: prisões preventivas sobretudo (CPP, arts. 202 e ss.), mas também meras detenções (CPP, art.s 254 e ss) e obrigações de permanência em habitação". Ora, uma das finalidades da detenção prevista no art. 254.° do Cód. Proc. Penal, preceito com que se inicia o capítulo com esse nome, é precisamente a que se destina a "assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual" (cfr. n.° 1, al. b). No fundo, as situações a que se reconduzem as privações de liberdade acima mencionadas. Não fazendo a lei distinção de detenções no art. 80.°, n.° 1, do Cód. Penal, devem as que se reportam os autos ser descontadas. Trata-se de uma decorrência imperativa da lei que não poderá ser levada em prejuízo do arguido, terá que ser considerada, ainda que em momento posterior, contanto que o possa ser feito ainda a tempo de utilmente ser repercutida no respectivo cumprimento. Importa resolver, por fim, a questão conexa com o número de dias descontar: Conforme explicita o despacho recorrido, o arguido foi detido à ordem destes autos nos dias 01.04.2007, 16.04.2007 ( sempre em períodos inferiores a 24 horas) e 17/04.2007 (cfr. fls. 4, 27 v.° 28 e 29 dos autos) e encontra-se preso à ordem dos presentes autos, ininterruptamente, desde o dia 17-07-2007 (cfr. fls. 56v.°) e até à presente data. Assim sendo, há que descontar três dias de prisão à pena de prisão a sofrer pelo arguido. Embora não haja absoluto consenso e a Lei não contenha uma resposta directa a esta questão, não há razões para divergir do entendimento consignado pelos Ac.s do TRP, de 17/05/2006, no Proc. com o n.° convencional JTRP000391667, e de 27/09/2006 no Proc. com o n.° convencional JTRP00039500, consultáveis no endereço electrónico www.dgsí.jrrp.pt, que traduzem uma praxis continuada dos nossos tribunais: "Face à actual redacção do art. 80° do Código Penal, introduzida pelo DL n° 48/95, de 15 de Março, dúvidas não restam de que a detenção sofrida pelo arguido é descontada por inteiro no cumprimento da pena de prisão (cfr. o n° 1 do artigo citado). Como o art. 479° do CPP regula a contagem do tempo de prisão sem fazer qualquer menção expressa à contagem do tempo a descontar, outra solução não resta senão a de proceder à contagem do tempo a descontar segundo as regras previstas neste mesmo artigo, procedendo-se depois ao respectivo desconto na pena.” É certo que o art. 479° do CPP apenas se refere à contagem do tempo de prisão fixada em anos, em meses e em dias, determinando que esta última - prisão fixada em dias - será contada considerando cada dia um período de 24 horas. Não prevê a lei tempo de prisão contado em horas. Daí não se pode, no entanto, retirar a conclusão de que a detenção por tempo inferior a 24 horas, porque não expressamente prevista, não poderá ser descontada. Trata-se, inequivocamente de uma privação da liberdade, havendo que observar, na contagem da pena, a regra do art. 80°, n° 1, do Código Penal, que impõe o desconto por inteiro da detenção sofrida no cumprimento da pena de prisão. Como a unidade de tempo mais pequena prevista para a contagem da prisão é o dia, correspondente a um período de 24 horas, tendo o arguido sido detido e libertado no mesmo dia, há que considerar o período mínimo previsto para cumprimento de pena de prisão e proceder ao respectivo desconto, na medida em que é esta a forma mais ajustada de dar cumprimento ao citado n° 1 do art. 80° do Código Penal, com pleno respeito pela dignidade constitucional do direito à liberdade, nos termos em que este se encontra consignado no art. 27° da C.ªR.ªP.ª. III – Decisão: Nos termos e com os fundamentos indicados, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Sem custas. Lisboa, 23 de Outubro de 2007 Filipa de Frias Macedo Emídio Francisco Santos Nuno Gomes da Silva |