Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
376/18.3GBSXL.L2-3
Relator: ALFREDO COSTA
Descritores: VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
PESSOA COLECTIVA
INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Sumário:
(da responsabilidade do Relator)
- Trata-se da responsabilidade penal do gerente e da sociedade comercial por violação de regras de segurança no trabalho, à luz do artigo 152.º-B do Código Penal, com análise do dever de garantir condições adequadas de protecção e fiscalização dos trabalhadores.
– Examina-se o preenchimento dos pressupostos objectivos e subjectivos do ilícito, especialmente no que concerne à obrigação de fornecimento de equipamentos de protecção individual e à aferição da causalidade entre omissão e dano laboral.
– Debate-se o conceito normativo de “trabalho em altura” e os critérios técnicos e legais para aplicação das medidas de segurança obrigatórias, perante a ausência de definição legal exaustiva e divergência doutrinal e pericial.
– Aborda-se o regime de responsabilidade penal das pessoas colectivas (artigo 11.º do Código Penal), bem como a articulação com a indemnização civil por danos não patrimoniais resultantes de acidente de trabalho.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1.1. Nos presentes autos de processo 376/18.3GBSXL que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Seixal - JL Criminal - Juiz 2, os arguidos AA e XX, Lda, foram condenados, por sentença proferida em ...-...-2025, nos seguintes termos: (transcrição)
“(…)
Pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, julga-se procedente, por provada a pronúncia- em conformidade e em obediência ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que determinou o reenvio do processo para novo julgamento relativamente ao vício apontado ponto 6) da pronuncia e, em consequência,
1) Condena –se a arguida XX, Lda, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (na redação da Lei n.º 30/2015, de ...), de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelos artigos 15.º, alínea a), 152.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, por referência ao artigo 15.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e c), da Lei n.º 102/2009, de ..., aos artigos 13.º-A, n.º s 2 e 3, 13.º-B, n.º 1, e 151.º, n.ºs 1 e 2, e ponto 384.1 da 2.ª tabela anexa, da Portaria n.º 53/71, de 3 de fevereiro, ao artigo 38.º, n.ºs 1, 3, 6 e 8, do D.L. n.º 50/2005, de ..., e aos artigos 3.º, n.º 1, 4.º, 5.º, n.º 3, e 6.º, alínea a), do D.L. n.º 348/93, de 1 de outubro, e anexo II da Portaria n.º 988/93, de 6 de outubro na pena de 100( cem ) dias de multa à taxa diária de 100,00 (cem ) euros no montante global de 10,000.00( dez mil euros),
2) Condena-se o arguido AA pela prática em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelos artigos 15.º, alínea a), 152.º-B, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, por referência ao artigo 15.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e c), da Lei n.º 102/2009, de ..., aos artigos 13.º-A, n.º s 2 e 3, 13.º-B, n.º 1, e 151.º, n.ºs 1 e 2, e ponto 384.1 da 2.ª tabela anexa, da Portaria n.º 53/71, de 3 de fevereiro, ao artigo 38.º, n.ºs 1, 3, 6 e 8, do D.L. n.º 50/2005, de ..., e aos artigos 3.º, n.º 1, 4.º, 5.º, n.º 3, e 6.º, alínea a), do D.L. n.º 348/93, de 1 de outubro, e anexo II da Portaria n.º 988/93, de 6 de outubro na pena de 10( dez ) meses de prisão, a qual nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 1 do Código Penal, se substitui por multa por 100( cem ) dias à taxa diária de 10,00( dez ) euros no valor global de 1000,00( mil euros).
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III. 2. - Pedido cível deduzido pelo demandante BB Pelos fundamentos aduzidos:
Julga-se parcialmente procedente, por provado em parte, o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante cível BB, em consequência:
1) Condenam-se os demandados XX, Lda, e AA na quantia de €14.000,00 (catorze mil euros) a titulo de indemnização devida por danos não patrimoniais,
2) Absolvem-se a demandada XX, Lda, e AA do restante pedido cível contra si deduzido pelo demandante BB,
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III. 3. - Custas:
a) Condenam-se os arguido demandado XX, Lda, e AA nas custas do processo, na parte criminal que compreendem, designadamente, taxa de justiça, que se fixa em 2(duas) UC’s, para cada um, (cfr. art. ºs 374.º, n.º 4, 513.º, 514.º, n.º 1 e 524.º, do Código de Processo Penal e art. ºs 8.º, n.º 9 e 16.º, do Regulamento das Custas Judiciais e Tabela III ao mesmo anexa).
b) Condena-se o demandante cível BB e os demandados cível XX, Lda, e AA nas custas relativas ao pedido cível deduzido pelo primeiro, na proporção dos respectivos decaimentos (cfr artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aplicável por força do disposto no artigo 523º do Código de Processo Penal).
(…)”
*
1.2. Inconformados com a decisão proferida os arguidos recorreram formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: (transcrição)
(…)
a) O presente recurso tem por objecto toda a matéria de facto e de direito da Douta Sentença recorrida e que condenou os Arguidos pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p.p. pelos artigos 15º, alínea a), 152º B n.ºs 1 e 2 do Código Penal, por referência ao artigo 15º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e c) da Lei n.º 102/2009, de 10/09, aos artigos 13º-A, n.ºs 2 e 3, 13º B, n.º 1 e 151º n.ºs 1 e 2 e ponto 384.1 da 2ª tabela anexa da Portaria n.º 53/71, de 03/02, ao artigo 38º, n.ºs 1,3,6 e 8 alínea a) do DL n.º 348/93, de 01/10 e anexo II da Portaria n.º 988/93, de 06/10, na pena, cada um, de 100 dias de multa, à taxa diária de 100 e 10 euros, respectivamente e, bem assim, julgou parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido pelo assistente/demandante cível, tendo os arguidos sido condenados no pagamento da quantia de € 14.000, a título de indemnização devida por danos não patrimoniais.
b) Salvo o devido respeito, não assiste razão à MM Juiz de Direito do Tribunal Recorrido, pois que, ao contrário do sustentado na sentença recorrida, as provas recolhidas nos autos, conjugadas com as regras da experiência comum, impõem decisão diversa da recorrida, tendo sido incorrectamente julgados os factos que infra se deixarão melhor enunciados
c) O Arguido AA foi condenado, não por ter dado uma ordem expressa ao lesado em momento anterior ao acidente, mas, porque, de acordo com a douta sentença recorrida, omitiu o dever de implementar as condições de segurança legalmente previstas para a tarefa laboral acometida a BB, nomeadamente as adequadas a evitar uma queda e, bem assim, por exercer funções de gerência na sociedade arguida, sendo gerente único desde .../.../2017, “(…) nomeadamente contratando trabalhadores, dando-lhes ordens e pagando remunerações e decidindo dos meios e condições de trabalho, obrigando-se a sociedade arguida em atos e contratos com a sua assinatura” (cfr. pontos 2, 12 a 21 da acusação/pronúncia).
d) Acontece, porém, que os factos supra descritos e, em especial, o vertido no supra referido ponto 2 dos factos provados da acusação/pronúncia, não se mostram apoiados na prova testemunhal produzida em audiência, em especial (cfr. artigo 412º/3 alínea b) do CPP).
e) Na verdade, o artigo 152º B do Código Penal, invocado como tipo penal pretensamente violado, tem como agente “(…) a pessoa que detém uma posição de “domínio” sobre o trabalhador, no âmbito da actividade (trabalho) por este exercida e sobre a qual recai a obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho, previstas pelas respectivas disposições legais, regulamentares ou técnico-profissionais” (vide anotação ao artigo 152º-B, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, 2ª Edição).
f) Ora, conforme ficou igualmente provado, “a empresa arguida faz parte de um grupo de empresas sendo também administrador e sócio gerente destas, o arguido pessoa singular – ...; ..., S.A. e ..., as quais constituem um grupo de empresas que empregam no total mais de 200 trabalhadores” (cfr. ponto 1 dos factos provados da contestação).
g) Se assim é, aos olhos das regras da experiência comum, resulta evidente que, no âmbito da complexa estrutura das sociedades anónimas (onde se inclui a sociedade Arguida) e sendo o Arguido AA Administrador, em simultâneo, das quatro sociedades, não poderia o próprio dirigir e fiscalizar todos os departamentos das várias empresas, nomeadamente “(…) contratando trabalhadores, dando-lhes ordens e pagando remunerações e decidindo dos meios e condições de trabalho (…)” (cfr. ponto 2 dos factos provados da acusação/pronúncia). Seria, seguramente, sobre-humano!
h) Como o próprio arguido cuidou de afirmar, quando inquirido sobre a política da empresa em termos de compras de equipamentos, no grupo das quatro empresas, existem vários trabalhadores que tomam conta desses assuntos: O Chefe de Oficina, o Chefe de Segurança e o Departamento de Compras, tendo dito, ainda, que lhe cabia apenas viabilizar financeiramente a compra do material que lhe fosse reportada como sendo necessário adquirir, o que sempre fez [cfr: gravação de .../.../2022: 10h56 – 11h32 – temporização 09m00-10m40]].
i) Assim também o afirmou o lesado BB que identificou o Chefe de Oficina, Sr. CC, como sendo a pessoa que o encarregou da tarefa que se encontrava a executar no dia do acidente e de quem, à data, recebia as ordens de trabalho [cfr: gravação de .../.../2023: 11h14 – 12h32 – temporização: 4m35 – 5m06; 16m48-15m33].
j) De igual modo o afirmaram (crê-se) de forma cristalina, as testemunhas CC, DD, EE e FF, os quais, no que agora importa, esclareceram os autos que, na empresa Arguida: (i) existia um Chefe de Oficina, a quem incumbia orientar o serviço e destinar tarefas aos trabalhadores [cfr. declarações da testemunha CC, gravação de .../.../2023, 14h36 – 15h43 – temporização: 03m10 a 3m40]; (ii) existia um Departamento de Compras, responsável pelas encomendas de ferramentas e equipamentos [cfr. declarações de DD, gravação de .../.../2023: 09h54 – 10h38 – temporização: 10m42 a 11m52] e (iii) existia um Chefe de Segurança, o Sr. GG, cfr. declarações das testemunhas CC [gravação de .../.../2023:14h36 – 15h43 – temporização: 43m25 a 43m40], EE [gravação de .../.../2023: 16h33 – 16h58 – temporização: 06m45 a 07m53]
k) Assim, face à prova testemunhal produzida nos autos, em conjugação com as regras da experiência comum, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos da contestação:
a) O arguido AA como administrador de quatro sociedades não poderia dirigir e fiscalizar todos os departamentos destas empresas, existindo para cada uma e para o efeito, especificamente, vários supervisores,
b) Cabia ao responsável de segurança implementar as necessárias regras de segurança;
c) E cabia ao administrador apenas implementar as medidas necessárias para que a empresa dispusesse de meios, nomeadamente financeiros para a sua execução,
d) O chefe de segurança reporta-lhe a necessidade de compras de material incluindo de segurança.
l) E, nessa medida, não poderia ter sido imputada ao arguido AA qualquer responsabilidade penal, não se encontrando preenchidos os elementos constitutivos do crime p.p. artigo 152º-B do Código de Processo Penal, falecendo igualmente a imputação de responsabilidade penal à sociedade arguida (cfr. artigo 11º do CP). Ao não ter assim considerado, incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento.
SEM CONCEDER
m) Mal andou o Tribunal a quo ao dar como provado o facto constante do ponto 7, o qual refere que “a dada altura, enquanto procedia à pintura em cima do escadote, por razões não apuradas, BB caiu ao chão, de uma altura também não apurada, em momento em que não usava capacete, mas sendo essa altura superior a um metro e inferior a dois metros” (sublinhado nosso), inexistindo qualquer prova nos autos que permita afirmar: (i) de onde terá caído o sinistrado BB; (ii) em que circunstâncias e (iii) de que altura (cfr. artigo 412º/3 do CPP). Efectivamente:
n) Em primeiro lugar, conforme resulta do ponto 7 dos factos dados como provados da contestação, “a queda de BB não foi presenciada por ninguém”. Ou seja, não existe qualquer testemunha ocular do acidente. Em segundo lugar, o próprio sinistrado referiu não se recordar das circunstâncias em que terá ocorrido a sua queda, não conseguindo precisar qual o equipamento que estaria a utilizar na altura (se um escadote, se um andaime), nem tão pouco a que altura se encontraria [cfr. declarações de BB gravação de .../.../2023 -11h14-12h32–temporização: 31m20 a 31m46]. E, em terceiro lugar, não existe nos autos qualquer registo fotográfico ou pericial do escadote que alegadamente terá sido utilizado pelo trabalhador sinistrado, não tendo sido possível aferir, designadamente, qual a seria a sua altura máxima.
o) Permanecem, assim, envoltas em dúvida as circunstâncias que rodearam a queda do trabalhador sinistrado, não sendo possível responder às seguintes questões: De que altura caiu? De onde caiu? Qual o motivo da queda?
p) Ora, não tendo sido determinadas as circunstâncias concretas que rodearam a queda do trabalhador sinistrado (de onde caiu?, porque caiu? e de que altura caiu?), fácil se torna concluir que não é possível atribuir aos Recorrentes a violação de regras de segurança aplicáveis a distintos instrumentos de trabalho (escadote ou andaime) e dependentes da altura a que o trabalhador se achasse relativamente ao solo, nem tão pouco permite dar como provado o vertido nos pontos 16, 17 e 18 da matéria de facto assente.
q) Em direito penal vigora o princípio da presunção da inocência do arguido, o qual obtém acolhimento em disposição constitucional especialmente estabelecida a este respeito (artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa), sendo que, de acordo com este princípio, em caso de dúvida, acerca da prática dos factos por arguido em procedimento criminal, resultante da prova produzida, deverá absolver-se o arguido.
r) Pelo que, não tendo sido produzida prova suficiente quanto ao ponto 7 in totum dos factos dados como assentes, deverá ser apenas dado como provado que: “a dada altura BB caiu ao chão, de uma altura não apurada”.
s) E, em consequência, deverá ser afastada a verificação do tipo objectivo previsto no artigo 151º da Portaria n.º 702/80, de 22/09 (por remissão do artigo 152º B do CP), relativo à obrigatoriedade de uso de cinto de segurança/cabo de amarração, aplicável a uma situação de facto (queda em altura) e, bem assim, no que toca à utilização de capacete de proteção, cuja ocorrência não ficou demonstrada nos presentes autos, em benefício e aplicando o princípio in dubio pro reo.
t) De todo o modo e ainda que fosse possível dar como provado, tal como resulta do ponto 7 da douta sentença recorrida, que o referido trabalhador se encontrava, no momento da queda, a uma “altura superior a um metro, mas inferior a dois metros” (o que se admite por mera cautela e sem conceder), sempre teria a MM Juiz a quo de ter concluído pela absolvição dos Recorrentes, por não se mostrar preenchido o elemento objectivo do ilícito que lhes foi imputado, incorrendo a douta sentença em erro na subsunção dos factos ao direito.
u) Inexiste, na legislação nacional, qualquer especificação relativamente à altura que deverá ser considerar para efeitos de qualificação de um trabalho como “trabalho em altura”, tudo dependendo da análise que seja feita, em concreto, no âmbito de determinado trabalho.
v) Com efeito o D.L. n.º 50/2005, de ..., não obstante reger, no seu artigo 36º, sobre as disposições gerais sobre trabalhos temporários em altura, não especifica, em concreto, qual a altura que deverá ser tomada em consideração para se qualificar determinado trabalho como sendo “trabalho em altura”, sendo omisso a este respeito.
x) Ora, conforme explicaram aos autos as testemunhas HH e II, de forma clara, congruente e tecnicamente suportada nos conhecimentos que demonstraram possuir, o primeiro, enquanto formador e, a segunda, como técnica na área da segurança e higiene no trabalho, deverão ser considerados “trabalhos em altura” aqueles que forem realizados acima de dois metros a partir do solo, sendo que, apenas em tal situação, será necessário utilizar cabos de amarração, arnês e capacete [cfr. declarações prestadas em .../.../23 e .../.../2025: HH ...-...-2023: 12h08 a 12h39 – temporização: 7m08 – 09m46; .../.../2025: 09h52 a 10h12 –temporização: 05m18-05m53 e II ...-...-2023: 14h44 a 15h15 – temporização: 08m03 – 08m24 e 12m52-13m11 e ...-...-2025; ...-...-2025: 10h12 a 10h38 – temporização 03m58 a 04m52].
y) Tal entendimento encontra-se, além do mais, suportado no teor do artigo 36º do Decreto n.º 41821, de ... de ... de 1958, aplicável aos trabalhos em construção civil e que refere o seguinte: “Os passadiços, pranchadas e escadas aplicáveis em vãos até 2,5 m deverão ser fixados solidamente nos extremos e, a partir da altura de 2 m, terão guarda-cabeças e corrimãos (…)”. Ou seja, apenas se considera necessária como obrigatória a implementação de medidas de protecção contra queda em altura, a partir de 2 metros.
z) Todavia, de forma acrítica e infundamentada, a MM Juiz a quo considerou os trabalhos em altura como aqueles realizados a um metro do solo (cfr. fls. 31 da sentença recorrida), não invocando, todavia, qualquer preceito legal para sustentar tal conclusão e que pudesse colocar em causa o entendimento sustentado pelas testemunhas HH e II, violando, assim, o princípio da livre apreciação da prova.
aa) E nem se invoque o disposto no artigo 151º, n.º 2 da Portaria n.º 702/80, de 22/09 (“os cintos de segurança não devem permitir uma queda livre superior a 1 m, a não ser que dispositivos apropriados limitem ao mesmo efeito uma queda de maior altura”) para sustentar tal teoria. É que, o que a referida norma pretende garantir é a apenas a utilização de equipamentos de segurança que parem a queda do trabalhador, ao fim de um metro.
bb) Mal andou igualmente o Tribunal a quo ao dar como assente o ponto 8 dos factos provados da acusação/pronúncia, nos termos do qual, "o escadote disponibilizado pela sociedade arguida era antigo e não apresentava condições de estabilidade, pois estava em mau estado de conservação, não dispunha de meios que impedisse o deslizamento dos apoios inferiores, nem permitia em permanência um apoio e uma pega segura".
cc) Antes de mais, não poderá deixar de se fazer ressaltar que o referido ponto 8 da matéria de facto assente, não contém qualquer afirmação factual, assentando apenas em asserções valorativas e conclusivas sobre o thema decidendum, qual seja, saber se o escadote alegadamente utilizado pelo trabalhador cumpria ou não os requisitos enunciados nos artigos 13ºA, n.ºs 2 e 3 da Portaria n.º 53/71, de 3 de fevereiro.
dd) Na verdade, nada se deixa dito quanto às características físicas do referido escadote, tais como: altura; número de degraus ou material de fabrico, nem tão pouco se enunciam quais as condições concretas da sua utilização, v.g. há quanto tempo era utilizado pelos trabalhadores da empresa recorrente? Que defeitos apresentava, em concreto, para que fosse possível concluir que se encontrava em mau estado de conservação? Ora, somente a prova de tais factos permitiria extrair (ou não) a conclusão de que o escadote fornecido pela entidade patronal não apresentava condições de estabilidade, pois estava em mau estado de conservação, não dispunha de meios que impedisse o deslizamento dos apoios inferiores, nem permitia em permanência um apoio e uma pega segura.
ee) Pelo que, deverá o ponto 8 ser eliminado dos factos provados, por conclusivo.
ff) Ainda que assim se não entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio e sem conceder, sempre se dirá que mal andou o Tribunal a quo ao dar como provado o facto constante do ponto 8 dos factos provados da acusação/pronúncia.
gg) Da leitura da fundamentação da decisão de facto da douta sentença recorrida consta que “sobre as más condições do escadote reportou-se a testemunha DD”, tendo sido a mesma caracterizada como “(…) muito clara, isenta e precisa não deixando dúvidas da veracidade de tudo quanto relatou” (cfr. fls. 27 e 35 da douta sentença recorrida). Deu o Tribunal a quo, ademais, como certo e seguro que a testemunha DD “(…) viu retirar os objetos do local nomeadamente o escadote (porque razão tal seria feito se não houvesse algo errado no trabalho desenvolvido pelo trabalhador”? (…)”
hh) Mas, salvo devido respeito, não poderia o Tribunal a quo ter confiado tão cegamente nas palavras da testemunha DD, revelando-se o seu depoimento, pelo contrário, frágil, eivado de inconsistências, tomado de animosidade, sobretudo relativamente ao Chefe de Oficina, Sr. CC, conforme se demonstrará:
ii) Em primeiro lugar e a propósito da alegada retirada dos objectos do local, de acordo com o relato da testemunha DD, após ter ocorrido o acidente e enquanto não chegou o socorro para assistir o trabalhador sinistrado, vários trabalhadores da sociedade Arguida, do qual apenas identificou o Chefe de Oficina, Sr. CC, terão começado a arrumar as coisas e a desmontar o andaime [cfr. gravação de .../.../2023: 09h54m – 10h 38m – temporização: 20m15 a 22m40 e 38m00 a 39m47]
jj) Sucede que, conforme foi referido pelo Chefe de Oficina e se encontra comprovado no documento n.º 1 que ora se junta, o mesmo não assistiu ao acidente porque “estava em Tribunal, em Lisboa” e quando chegou ao local do acidente já havia sido prestado socorro ao acidentado [cfr gravação de .../.../2023: 14h36- 15h43 – temporização 02:40 a 02:57 e 14:08 a 14:28 e documento n.º 1 que ora se junta e cujo teor se dá por reproduzido], sendo certo que nenhuma das testemunhas que acorreram, de imediato ao acidente (EE e FF) se referiu ao Sr. CC como também estando presente nos momentos subsequentes à queda e que antecederam a chegada dos meios de socorro.
kk) Em segundo lugar, a própria testemunha referiu nunca ter utilizado o dito escadote, fazendo assentar a sua falta de estabilidade num chão que seria, também nas suas palavras, “terrível” [cfr. gravação de .../.../2023, 09h54- 10h38, temporização: 08m07 a 09m09].
ll) Ora, com excepção do trabalhador sinistrado, nenhuma outra testemunha se referiu ao chão da oficina como “terrível” ou, sequer, “irregular”. Pelo contrário, CC [cfr. gravação de .../.../2023, 14h36 – 15h43, temporização: 15m43 a 16m22] FF [cfr. gravação de .../.../2023, 14h23- 14h44, temporização: 14m50 a 15m22] e EE [cfr. gravação de .../.../2023, 16h33-16h58, temporização: 23m12 a 23m31] afirmaram, de forma coerente, que o chão se mostrava regular, nivelado e era antiderrapante, o que também ficou demonstrado através do exame efectuado ao local (cfr. ponto 10 dos factos dados como provados da contestação) mm) Acresce que não existe nos autos qualquer registo fotográfico ou pericial do escadote que alegadamente foi usado pelo trabalhador sinistrado.
nn) Sendo certo que o próprio trabalhador sinistrado, quando inquirido relativamente ao escadote, disse que existiam pelo menos três escadotes na empresa (um mais antigo e dois mais novos) e atribuiu as oscilações do mesmo à irregularidade do piso e não já a qualquer característica intrínseca do escadote [cfr. declarações de BB, gravação de .../.../2023, 11h14 – 12h32, temporização: 38:52 a 39:58 e 01:04:38 a 01:05:15]:
oo) Em face do supra exposto, claro se mostra que não foi produzida prova nos autos capaz de afirmar a veracidade do ponto 8 dos factos dados como provados da contestação, devendo o mesmo ser dado como não provado e, em consequência, deverá ser afastada a verificação do tipo objectivo, previsto nos artigos 13º-A, n.ºs 2 e 3, 13º B, n.º 1 da portaria n.º 702/80, de 22/09 e artigo 38º, n.ºs 1, 3, 6 e 8 do D.L. n-.º 50/2005, de 25/02 (por remissão do artigo 152º B do CP) e relativo ao fornecimento de um escadote em más condições, cuja ocorrência não ficou demonstrada nos presentes autos, em benefício e aplicando o princípio in dubio pro reo.
pp) Do mesmo modo, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provado o facto constante do ponto 9 dos factos provados da acusação/pronúncia, nos termos do qual "BB não dispunha de cinto de segurança, de um cabo de amarração e respectivos elementos de fixação, nem de um capacete para uso próprio, porque não lhe foram fornecidos pela entidade empregadora".
qq) Reitera-se: ninguém assistiu ao acidente; o trabalhador sinistrado não se recorda onde se encontrava antes da queda; a tarefa que lhe havia sido atribuída consistia na pintura da parte intermédia das galeras (cuja altura máxima é de 4 metros, ficando logicamente a parte intermédia a 2 metros do solo); não existe qualquer registo fotográfico/pericial do escadote que terá sido alegadamente utilizado, nem tão pouco existe qualquer elemento probatório que ateste a respectiva altura.
rr) De todo o modo e conforme se deixou dito, a propósito do ponto 7 dos factos dados como provados pela douta sentença recorrida, os equipamentos de segurança enunciados no ponto 9 (cinto de segurança, cabo de amarração e capacete) apenas são de utilização obrigatória no âmbito dos “trabalhos em altura”, devendo estes ser entendidos como os realizados a uma distância mínima, a partir do solo, de 2 metros.
ss) Assim o explicaram as testemunhas HH e II, de forma clara, congruente e tecnicamente suportada nos conhecimentos que demonstraram possuir enquanto formador e técnica na área da segurança e higiene no trabalho [cfr. declarações prestadas em .../.../23: HH 12h08 a 12h39 – temporização: 7m08 – 09m46 e II 14h44 a 15h15 – temporização: 08m03 – 08m24 e 12m52-13m11].
tt) Nem se diga, como parece fazer crer a MM Juiz a quo que, para efeitos de aplicação da obrigação relativa à utilização de capacete, bastará que o trabalhador se encontre a um metro do solo (cfr. fls. 31 da douta sentença recorrida). Tal entendimento não se mostra minimamente fundamentado ou sequer suportado no teor das normas contidas nos artigos 151º n.ºs 1 e 2 e ponto 384.1 da 2ª tabela anexa da Portaria n.º 53/71, de 03/02, ao artigo 38º, n.ºs 1,3,6 e 8 alínea a) do DL n.º 348/93, de 01/10 e anexo II da Portaria n.º 988/93, de 06/10 e cuja violação é assacada aos aqui Recorrentes.
uu) De todo o modo e no que respeita à disponibilização/entrega de capacete, sempre se dirá o seguinte:
vv) O trabalhador sinistrado, afirmou (repetidamente) que não havia capacete, “nem nunca houve”, pese embora lhe tivesse sido dito, nas acções de formação que a sociedade arguida lhe ministrou, que “deveria haver capacete”, mas, nas suas palavras, “o dizer é uma coisa e o fazer é outra” [cfr. declarações prestadas em .../.../2023: 11h14- 12h32 – temporização: 03m58 a 06m12]. No entanto, a testemunha DD, depois de algumas hesitações e contrariando o sentido do depoimento do trabalhador sinistrado, afirmou ter visto “uns capacetes” guardados dentro de uns armários antes do acidente [cfr. declarações prestadas em .../.../2023: 09h54-10h38 – temporização: 10m00 a 10m43].
xx) Esta afirmação é, aliás, consentânea com a prova documental que os Arguidos fizeram juntar com a sua contestação, relativa a um conjunto de facturas, datadas do período entre .../.../2015 a .../.../2018 e que atestam a compra, pela sociedade arguida, de equipamentos individuais de protecção, onde se incluem, entre outros, capacetes (cfr. facturas juntas com a contestação a fls. 410 a 414, como documentos n.ºs 5 a 23).
yy) O que torna inverosímil a conclusão vertida no ponto 9 dos factos dados provados da acusação/pronúncia de que não foram tais equipamentos de protecção fornecidos aos trabalhadores, ficando por explicar, num quadro de racionalidade económica, por que motivo, a sociedade arguida, tendo incorrido em custos económicos com a aquisição de equipamento de protecção, nomeadamente capacetes, teria depois optado por não proceder à sua efetiva entrega aos trabalhadores!
zz) Já a testemunha EE afirmou que, não obstante serem fornecidos equipamentos, os seus colegas, por sua autonomia, entendiam não os utilizar [cfr. Declarações prestadas em .../.../2023 – 16h33-16h58 – temporização: 06m20 a 07m53.
aaa) Ora, se existiam capacetes na oficina; se os funcionários participavam em acções de formação relativas a segurança e higiene no trabalho (cfr. ponto 15 dos factos provados da contestação) e sabiam que deviam usar, então é legitimo concluir que a sua não utilização partia de iniciativa própria, tal como aliás referiu a testemunha EE.
bbb) Pelo que, não foi produzida prova suficiente quanto ao ponto 9 dos factos dados como provados da contestação quanto à inexistência e fornecimento de equipamentos de protecção ao trabalhador sinistrado e, em consequência, deverá ser afastada a verificação do tipo objectivo, previstos nos artigos 3º, 4º, 5º, n.º 1, alíneas a) a d), n.º 3 e 6º do DL n.º 348/93, de 1/10 e no artigo 151º da Portaria n.º 702/80, de 22/09 (por remissão do artigo 152º B do CP) aplicável a uma situação de facto (queda em altura) cuja ocorrência não ficou demonstrada nos presentes autos, em benefício e aplicando o princípio in dubio pro reo.
ccc) Por último, não poderiam naturalmente ter sido dados como provados os pontos 16, 17 e 18 dos factos assentes, desde logo porquanto, reiterando o que se referiu supra a propósito do ponto 7 dos factos provados, não se logrou demonstrar as circunstâncias concretas que rodearam a queda do trabalhador.
ddd) Por outro lado, os factos extraídos nos pontos 16 e 18 supra mostram-se em contradição com a fundamentação jurídico legal efectuada pela MM Juiz a quo, a qual refere, de forma expressa a fls. 56 que “(…) as omissões que estão aqui em causa, enquanto realidade integrante da prática do ilícito, repousam no facto de não se terem facultado ao funcionário sinistrado os meios e mecanismos que evitassem o perigo para a sua vida e integridade física (…) embora nesta parte e sem outros elementos apenas o uso de capacete era adequado a evitar o perigo, pois o escadote e trabalhos em altura sobre este não é adequado ao uso de arnês que se reporta na verdade a trabalhos em andaime)”, sublinhado nosso.
SEM CONCEDER
eee) Concluiu a douta sentença recorrida que “(…) foi a não observância negligente das disposições legais e regulamentares cuja implementação impunha, além do mais, facultando ao funcionário sinistrado equipamento de trabalho e segurança adequado, que teria evitaria a sujeição de perigo para a vida ou de grave ofensa para o corpo e para a sua saúde pois se o tivessem feito não se teria dado quanto a nós o evento realidade que poderiam e deveriam ter previsto, confiando, contudo, que tais perigos não se viriam a materializar”.
fff) Crê-se, todavia, que da prova documental e testemunhal produzida em audiência, não resulta demostrada qualquer atitude de omissão negligente por parte dos Arguidos.
ggg) Conforme referiu o trabalhador sinistrado, em 40 anos de profissão, foi o primeiro acidente que teve. O registo da sociedade arguida é também, neste ponto, imaculado, o que não pode deixar de ser visto, à luz da experiência comum, como sendo o fruto de boas práticas implementadas em matéria de higiene e segurança no trabalho.
hhh) De acordo com o relatório elaborado pela... – Saúde e Segurança no Trabalho, Lda, junto aos autos a fls…, quanto às acções correctivas possíveis apenas apontou para a necessidade de se verificarem sempre as condições dos escadotes e andaimes antes de cada trabalho, não tendo sido aberto qualquer processo contraordenacional por parte da ACT.
iii) Tal como ficou igualmente provado nos autos, a Sociedade Arguida garante a formação dos seus trabalhadores, em matéria de segurança e higiene no trabalho. Também o trabalhador sinistrado participou nessas acções de formação e demonstrou saber e conhecer as regras de segurança no desempenho da sua actividade profissional.
jjj) A sociedade arguida garante, ainda, a compra de equipamento de protecção, onde se incluem luvas, máscaras, capacetes e arnês e, bem assim, o bom estado do piso da oficina que é estável e antiderrapante (cfr. ponto 10 dos factos dados como provados da contestação).
kkk) Por tudo isto, não poderia a douta sentença ter dado como provado (de forma totalmente acrítica e infundamentada) que os Arguidos assumiram interiormente uma postura negligente.
Pelo contrário, nunca os Arguidos contaram (ou sequer previram) que o lamentável acidente ocorrido pudesse acontecer.
lll) Mas como já se deixou evidenciado, tratou-se apenas e tão de um acidente de trabalho, tratado em sede própria.
mmm) O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de violação de regras de segurança a uma pena de 10 (dez) meses de prisão, a qual, nos termos do disposto no artigo 45º/1 do Código Penal, foi substituída por multa correspondente a 100 (cem) dias, à taxa diária de €10,00.
nnn) De acordo com o disposto no artigo 2º n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (vulgo Lei da Amnistia - JMJ) ficaram abrangidas pela referida Lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de ... de ... de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º, tendo sido designadamente perdoadas: “as penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão”.
ooo) Atendendo ao teor da referida Lei da Amnistia – JMJ e atendendo à natureza do crime aqui em discussão, caso o arguido tivesse idade igual ou inferior a 30 anos, seria amnistiado.
No entanto, malgrado não ter qualquer antecedente criminal (tal como muito dos jovens a quem aproveita a mencionada Lei da Amnistia) o Arguido, porque maior de 30 anos, é condenado.
Ora, o limite etário definido na Lei da Amnistia JMJ afigura-se, salvo devido respeito, arbitrário, uma vez que o Estado não oferece qualquer fundamento objetivo para a diferenciação, que não serão certamente critérios religiosos dada a laicidade do Estado Português.
ppp) Neste sentido, deverá também o Autor beneficiar da aplicação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, desde já se invocando a inconstitucionalidade da norma estatuída no n.º 1 do artigo 2º da referida Lei, na parte em que limita/condiciona a sua aplicação a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática dos factos, por violação do disposto nos artigos 13º,18º e 204º da C.R.P.
Do pedido de indemnização cível
qqq) Quanto ao pedido de indemnização cível, o mesmo foi julgado parcialmente procedente, tendo sido os arguidos condenados no pagamento de uma indemnização, no valor de €14.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
rrr) Salvo devido respeito, não se mostra devida qualquer indemnização ao assistente, por força de alegados danos não patrimoniais, porquanto inexiste qualquer responsabilidade penal dos arguidos, não tendo sido por estes praticado o crime de violação de regras de segurança p.p. pelos artigos 15º, alínea a), 152º B n.ºs 1 e 2 do Código Penal, por referência aos artigos 15º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e c), da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, aos artigos 13º-A, n.ºs 2 e 3, 13º B, n.º 1 e 151º, nºs 1 e 2 e ponto 384.1 da 2ª tabela anexa da Portaria n.º 53/71, de 03/02, ao artigo 38º, n.ºs 1, 3, 6, 8 do DL n.º 50/2005, de 25/02 e aos artigos 3º, n.º 1, 4º, 5º, n.º 3 e 6º, alínea a) do D.L. n.º 348/93, de 01/10 e anexo II da Portaria n.º 988/93, de 06/10.
sss) Caso assim se não entenda, o que apenas se admite por mera cautela e sem conceder, sempre se dirá que não resultou demonstrado o nexo de causalidade existente entre o acidente laboral e a condição/prescrições médicas descritas nos pontos 1 e 2 dos factos do pedido cível dados como provados.
ttt) Com efeito, relativamente às prescrições médicas melhor identificadas no ponto 2, salvo devido respeito não se encontra devidamente demonstrado nos autos que o assistente tenha passado a tomar os referidos medicamentos apenas após o acidente ou, por outras palavras, que foi o acidente que determinou a prescrição da referida medicação crónica. A título exemplificativo, refira-se que, de acordo com a bula do medicamento Pradaxa 110, este é indicado para a prevenção de acidente vascular cerebral ou embolia sistémica.
uuu) Quanto às dores que o Arguido por vezes sente na mão, braço e ombro esquerdo, terão as mesmas de ser devidamente enquadradas no âmbito da caracterização que é feita no ponto 11 dos factos dados como provados da acusação/pronúncia: “estas lesões (…) pelas suas características, não afectaram de maneira grave a capacidade de trabalho, nem a possibilidade de usar o corpo ou os sentidos” (sublinhado nosso).
vvv) Relativamente ao facto de ter ficado “mais nervoso e ansioso em função do evento e tornou-se uma pessoa mais triste”, a verdade é que, do depoimento prestado pelas testemunhas JJ e KK resulta que, após o acidente, o Assistente terminou a sua relação conjugal, e passou a viver com a actual companheira [cfr. declarações da testemunha JJ, gravação de .../.../2023, 10h38
– 10h52, temporização: 03m01 a 03m15 e declarações da testemunha KK, gravação de .../.../2023, 10h52 – 11h08, temporização: 07m08 a 07m49].
xxx) O que, permite concluir que o Assistente logrou continuar com a sua vida pessoal e sentimental, não obstante o acidente sofrido, tendo inclusivamente dado início a uma comunhão de casa com uma nova companheira, imediatamente após o infortúnio em questão.
yyy) Por tudo isto, não poderá deixar de se concluir que o valor atribuído pelo Tribunal a quo, a título de indemnização por danos não patrimoniais, se mostra, salvo devido respeito, indevido.
(…)
*
1.4. O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se sinteticamente nos seguintes termos:
a) O recurso apresentado pelos arguidos XX, Lda, e AA, visa a revogação da sentença que os condenou pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º-B, n.º 2, do Código Penal.
b) Os arguidos contestam, essencialmente, a matéria de facto dada como provada, impugnando os pontos 7, 8, 9, 16, 17 e 18 dos factos provados, sustentando que a sentença não valorou devidamente os meios de prova produzidos em audiência.
c) Pretendem ainda afastar a responsabilidade penal do arguido AA, alegando que este não exercia funções de fiscalização ou de instrução directa sobre o sinistrado, e que a estrutura da empresa compreendia vários responsáveis autónomos, nomeadamente na área da segurança.
d) Alegam, igualmente, a inexistência de responsabilidade penal da sociedade arguida, por ausência de actuação no seu nome ou no seu interesse por parte de pessoa em posição de liderança.
e) Invocam a inexistência de dolo ou negligência, o não preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal e ainda a inconstitucionalidade da pena de multa.
f) Todavia, a decisão proferida em 1.ª instância encontra-se devidamente fundamentada, tendo o tribunal recorrido procedido à valoração crítica da prova, nos termos dos artigos 127.º e 374.º do Código de Processo Penal.
g) Resultou provado que o arguido AA, enquanto gerente único da sociedade, detinha poderes de organização, direcção e fiscalização, sendo responsável pela implementação das condições legais de segurança.
h) A ausência de equipamentos de protecção e de instruções adequadas no caso concreto constitui omissão dos deveres legais a que estava adstrito, dando origem a perigo concreto e efectiva lesão do trabalhador.
i) Mostram-se, assim, preenchidos todos os requisitos do artigo 152.º-B, n.º 2 do Código Penal, por negligência, sendo igualmente legítima a imputação de responsabilidade penal à sociedade, nos termos do artigo 11.º do mesmo diploma.
j) A pena aplicada é proporcional e adequada à gravidade dos factos, respeitando os princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e culpa.
k) Pelo que, deverá ser julgado improcedente o recurso interposto.
*
1.5. Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmº. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, sufragando integralmente a resposta da primeira instância.
*
1.6. Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal e foi apresentada resposta pelos arguidos nos seguintes termos:
a) Os Recorrentes foram notificados do parecer do Ministério Público junto do Tribunal da Relação, que adere integralmente à resposta apresentada em 1.ª instância.
b) Com o devido respeito, os Recorrentes não podem concordar com o parecer emitido.
c) Reafirmam todos os argumentos constantes das suas alegações de recurso.
d) Insistem que a apreciação da prova produzida foi incorrecta, nomeadamente quanto aos pontos 7, 8, 9, 16, 17 e 18 da matéria de facto considerada provada.
e) O ponto 7 da matéria de facto, que afirma que a vítima caiu de uma altura entre 1 e 2 metros, não tem qualquer suporte na prova produzida.
f) A queda não foi presenciada por ninguém, nem o sinistrado tem qualquer memória do ocorrido.
g) Não existem registos periciais ou fotográficos do escadote utilizado.
h) As medições efectuadas nos autos (designadamente no documento n.º 4 junto com a contestação) indicam que o 5.º e último degrau do escadote está a cerca de 1,22 metros do solo.
i) Mesmo que a vítima estivesse no 3.º ou 4.º degrau, como afirma o MP, não se encontraria a 2 metros de altura.
j) O raciocínio do MP parte de uma medição entre o solo e a cabeça do trabalhador, o que é incorrecto juridicamente.
k) Tal interpretação conduziria ao absurdo de qualificar como “trabalho em altura” qualquer tarefa executada por um trabalhador de estatura elevada.
l) As provas recolhidas e as regras da experiência impunham uma decisão diversa.
m) A decisão recorrida enferma de erro de julgamento e de aplicação do direito.
n) Requerem a procedência do recurso e a revogação da sentença.
*
1.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir são:
a. Impugnação da matéria de facto – pontos 7, 8, 9, 16, 17 e 18 da sentença;
b. Inexistência de culpa do arguido AA, por delegação de funções e ausência de ligação directa aos factos;
c. Falta de preenchimento do tipo objectivo e subjectivo do crime de violação de regras de segurança (artigo 152.º-B do CP);
d. Responsabilidade penal da pessoa colectiva mal fundamentada (artigo 11.º, n.º 2, al. a) do CP);
e. Aplicação da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
*
2.2. Da sentença recorrida, quanto aos factos e motivação (transcrição)
“(…)
II – Fundamentação:
I.1 - Enumeração dos factos provados e não provados:
II. 1.1. - Factos provados:
II. 1.1.1. Da acusação/ pronúncia; - agora na sequência do reenvio decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa
Da instrução e discussão da causa, e com interesse para a respetiva decisão mostram-se, agora, provados os seguintes factos;
1. A sociedade arguida XX, Lda, desde a sua constituição em ..., dedica-se à atividade de prestação de serviços de reparação, manutenção e assistência em veículos automóveis, tem a sua sede em ..., e, ao menos no decurso do ano de ..., tinha instalações na ..., em ..., onde exercia aquela atividade.
2. O arguido AA exerce as funções de gerência na sociedade arguida desde a sua constituição, sendo gerente único desde ...-...-2017, nomeadamente contratando trabalhadores, dando-lhes ordens e pagando remunerações e decidindo dos meios e condições de trabalho, obrigando-se a sociedade arguida em atos e contractos com a sua assinatura.
3. Por contrato de trabalho de ...-...-2000, a sociedade arguida, representada pelo seu gerente, o arguido AA, contratou BB para exercer, sob a sua autoridade e direção, as tarefas profissionais próprias da categoria de pintor de veículos, como 1.º oficial.
4. No dia ...-...-2018, por volta das 10h00, nas instalações da sociedade arguida em ..., BB exercia estas suas funções como pintor, procedendo à pintura de uma galera, tipo de reboque.
5. Para pintar as portas traseiras da galera, BB muniu-se de um escadote, disponibilizado pela sociedade arguida, por intermédio do arguido AA, para realização de pinturas e outros trabalhos em altura, quando não fosse possível o recurso a um andaime;
6. Para aceder às partes intermédias das portas da galera que ficam em altura de dois metros, mostra –se necessário o recurso a um escadote, pela estrutura da galera em si,
7. A dada altura, enquanto procedia à pintura em cima do escadote, por razões não apuradas, BB caiu ao chão, de altura também não concretamente apurada, em ... momento em que não usava capacete, mas sendo essa altura superior a um metro e inferior a dois metros;
8. O escadote disponibilizado pela sociedade arguida era antigo e não apresentava condições de estabilidade, pois estava em mau estado de conservação, não dispunha de meios que impedisse o deslizamento dos apoios inferiores, nem permitia em permanência um apoio, e uma pega segura.
9. BB não dispunha de cinto de segurança, de um cabo de amarração e respetivos elementos de fixação, nem de um capacete para uso próprio, porque não lhe foram fornecidos pela entidade empregadora.
10. Como consequência direta e necessária destas circunstâncias em que ocorreu a queda em particular o que consta do ponto 7 e 8), determinadas pelos arguidos, BB sofreu hematoma peri orbitário esquerdo, escoriações fronto temporais esquerdas, fratura fronto orbitária esquerda com progressão para a base do crânio com contusão das partes moles epicranianas e hematoma extra axial temporal esquerdo, hemorragia subdural fronto basal esquerda, luxação da articulação interfalângica proximal dos 3.º, 4.º e 5.º dedos da mão esquerda, fratura da omoplata direita, fraturas alinhadas dos 3.º, 4.º e 5.º arcos costais esquerdos, e pequena fratura da apófise transversa esquerda da 7.ª vértebra dorsal.
11. Estas lesões determinaram para BB doença por um período de 210 dias, sendo os primeiros 120 com afetação da capacidade para o trabalho em geral, e deixaram como sequelas cicatrizes, aumento do volume da articulação interfalângica proximal dos 3.º e 4.º dedos da mão esquerda, ligeira diminuição dos movimentos de flexão das articulações interfalângicas do 3.º e 4.º dedos da mão esquerda, tumefação no bordo posterior do ombro esquerdo, agravamento da perda de acuidade visual, mais acentuada à esquerda, por atrofia dos nervos óticos, e marcada alteração do campo visual do olho esquerdo, as quais, pelas suas características, não afetaram de maneira grave a capacidade de trabalho, nem a possibilidade de usar o corpo ou os sentidos.
12. Á sociedade arguida, e ao arguido AA, na qualidade de gerente, competia implementar as condições de segurança legalmente previstas para a tarefa laboral acometida a BB, nomeadamente as adequadas a evitar uma queda.
13. Aos arguidos cabia assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho, zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde, tendo em conta, de entre o mais, os princípios gerais de prevenção de evitar os riscos e de identificar os riscos previsíveis em todas as atividades da empresa - artigo 15.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e c), da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro.
14. Aos arguidos cabia fornecer um escadote resistente, rígido e em bom estado de conservação e de utilização e garantir a sua fixação ou colocação de forma a não poder tombar, oscilar ou escorregar - artigos 13.º-A, n.º s 2 e 3, e 13.º-B, n.º 1, e ponto 384.1 da 2.ª tabela anexa, da Portaria n.º 53/71, de 3 de fevereiro.
15. Aos arguidos cabia ainda assegurar, quanto à utilização de escadas, nelas incluídas o escadote, e durante a utilização, a colocação de forma a garantir a sua estabilidade, que ficasse impedido o deslizamento dos apoios inferiores dos montantes, de dispositivo antiderrapante ou outro meio de eficácia equivalente, e a disposição em permanência de um apoio e de uma pega seguros; antes da utilização, a sua imobilização - artigo 38.º, n.ºs 1, 3, 6 e 8, do D.L. n.º 50/2005, de 25 de fevereiro;
16. Porque existia o risco de queda livre, aos arguidos cabia assegurar o uso de cinto de segurança, de forma e materiais apropriados, suficientemente resistente e que não permitisse uma queda livre superior a 1m, bem como cabos de amarração e respetivos elementos de fixação - artigo 151.º, n.ºs 1 e 2, e ponto 384.1 da 2.ª tabela anexa, da Portaria n.º 53/71, de 3 de fevereiro.
17. Atenta a situação em que era prestado o trabalho, sem limitação dos riscos limitados por meios técnicos de proteção coletiva, aos arguidos cabia garantir a utilização e fornecer a BB equipamento de proteção individual, para seu uso pessoal, e garantir o seu bom funcionamento, designadamente um capacete de proteção – artigos 3.º, n.º 1, 4.º, 5.º, n.º 3, e 6.º, alínea a), do D.L. n.º 348/93, de 1 de outubro, e anexo II da Portaria n.º 988/93, de 6 de outubro.
18. Os arguidos, conhecedores destas normas de segurança, não implementaram os meios e os instrumentos nelas previstos, o que teria evitado o perigo para a vida e para a saúde e a queda livre de BB e as consequências dela resultantes, essencialmente a adoção de um cinto de segurança e dos meios necessários à amarração deste equipamento.
19. O arguido AA, por si e enquanto representante da sociedade e no seu interesse, e a sociedade arguida por seu intermédio, sabiam que lhes competia adotar esses meios e instrumentos e que, ao não o fazer, podia resultar perigo para a vida, ou pelo menos, de grave ofensa para o corpo de BB, bem como as consequentes lesões, o que tudo ocorreu porque os arguidos omitiram a implementação dos meios e dos mecanismos necessários a evitar esse perigo e o acidente.
20. O arguido AA, por si e no interesse e por conta da sociedade arguida, e esta por seu intermédio, agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que lhes competia fornecer o equipamento de proteção e de uso individual e dotar o escadote das características e dos instrumentos necessários de fixação e segurança, e que, ao não o fazer, violavam disposições legais e regulamentares que os obrigavam e que eram capazes de observar e causavam insegurança para o trabalhador.
21. Os arguidos podiam e deviam ter previsto que, agindo desse modo e não cumprindo as citadas regras de segurança, poderia ocorrer perigo para vida ou, pelo menos, de grave ofensa para o corpo de BB, e como resultado do perigo a que estava exposto, a queda e com isso as lesões acima descritas, tendo previsto como possível que tais perigo, contacto e lesões ocorressem, confiando, contudo, que não aconteceria.
22. Sabiam os arguidos que, atuando da forma descrita, praticavam atos proibidos e punidos por lei penal.
*
Mais se provou que,
23. Os arguidos não têm antecedentes criminais;
24. O arguido, pessoa singular é gestor de um grupo de empresas da qual faz parte a sociedade arguida,
25. Aufere cerca de 2000,00 euros / mensais,
26. A sociedades da qual é gestor auferem lucros em montante não apurado,
27. O arguido é casado, vive com a esposa que ganha cerca de 2000,00 euros/ mensais,
28. Dividem as despesas e pagam de renda cerca de 1000,00 euros/ mensais
29. Tem despesas numa média mensal também global de cerca de 1000,00 euros, mas como é esposa que costuma fazer o pagamento não tem a certeza das mesmas
30. O demandante mede 1 metro e 65 centímetros de altura
*
II. 1.2.1. Da contestação,
Mostram-se provados os seguintes factos;
1) A empresa arguida faz parte de um grupo de empresas sendo também, administrador e sócio gerente destas, o arguido pessoa singular - sociedades transportes ..., ... e ... as quais constituem um grupo de empresas que empregam no total mais de 200 trabalhadores;
2) O demandante em ...-...-2018, exercia a profissão de pintor para a empresa arguida, tendo sido incumbido, no dia anterior pelo chefe de oficina de pintar a zona interior, e intermédia das portas traseiras de uma galera;
3) Todos os funcionários da sociedade arguida beneficiam diariamente de um período de descanso entre as 10 horas e as 10 horas e 10 minutos,
4) O demandante BB neste período de tempo não descansou permanecendo sozinho no interior das instalações da sociedade arguida,
5) A altura máxima de um escadote, não excede 3 metros;
6) A altura máxima de uma galera é de 4 metros,
7) A queda de BB não foi presenciada por ninguém,
8) No dia ........2018 o actual responsável pela segurança e higiene no trabalho da arguida sociedade, GG verificou que o demandante estava em cima de um escadote, a realizar pinturas das portas traseiras de uma galera e em cima deste;
9) Os materiais e equipamentos de segurança estavam guardados no armazém junto anexo à área da oficina;
10) A superfície do piso da oficina é estável e antiderrapante – chão de cimento,
11). Em ........2018 trabalhavam nas oficinas da sociedade arguida 17 trabalhadores;
12) Um capacete não tem um desgaste tão rápido quanto umas botas ou luvas;
13). Se um escadote tiver uma plataforma de cerca de 1,22 m do solo não é necessária a utilização de canos de amarração, e elementos de fixação;
14). Após a baixa médica em ........2019, na sequência de regresso ao trabalho de BB foi formalizada mediante comunicação escrita a entrega de um conjunto de equipamento de protecção individual,
15). Antes da ocorrência ........2018. BB esteve presente em ações de formação ministradas pelos formadores da arguida também relativas a regras de segurança e higiene no trabalho,
16) O arguido, pessoa singular, é pessoa conceituada e bem vista nos meios profissionais e sociais, tendo igualmente papel de relevo na sociedade civil nomeadamente, através do apoio à actividade de várias associações desportivas
17) O demandante foi operado a um olho esquerdo em ........1998;
18) Em ........2004 foi internado de urgência no serviço do ... serviço de neurologia, estando de baixa médica, nessa ocasião até ...,
18). Faltou injustificadamente ao trabalho nos seguintes datas;
.../.../2020
.../.../2020
.../.../2023
19. Faltou por força de doença ou outro motivo justificativo nas seguintes ocasiões - além da baixa médica que consta do ponto 16;
-7 dias entre .../.../2020 e .../.../2020
.../.../2020
.../.../2021
.../.../2023
.../.../2020
-30 dias entre .../.../2004 e .../.../2004
- 2 dias entre .../.../2006 e .../.../2006
.../.../2006
.../.../2006
.../.../2007
.../.../2007
.../.../2008
.../.../2008
- 2 dias entre .../.../2008 e .../.../2008
- 2 dias entre .../.../2010 e .../.../2010
.../.../2010
- 12 dias entre .../.../2012 e .../.../2012
-3 dias entre .../.../2012 e .../.../2012
- .../.../2012
- .../.../2013
- .../.../2014
- 46 dias de baixa de seguro entre .../.../2017 e .../.../2017
- 23 dias de baixa de seguro entre .../.../2017 e .../.../2017
20. Após o acidente/ evento foi o assistente considerado apto para voltar a desempenhar as funções junto da sociedade arguida tendo –lhe sido atribuída uma incapacidade permanente parcial no âmbito do processo de acidente de trabalho nº 344/19.8... que correu termos junto do juízo de trabalho do ..., juiz 1;
21. O assistente após alta clínica voltou a trabalhar junto da sociedade arguida tendo a relação laboral cessado em ........2019,
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I.2.2. – Pedido cível:
Mostram-se provados os seguintes factos - além dos factos provados nos pontos 1 a 22 da acusação;
1. Em virtude do evento o assistente sente várias vezes dores na mão, braço e ombro esquerdo;
2. Passou a tomar medicação crónica; Traxene 10, Nolotil 575, Pradaxa 110, Lansoprazol 30 e Benuron 1000;
3. Ficou mais nervoso e ansioso em função do evento e tornou –se uma pessoa mais triste.
*
II. 1.2. - Factos não provados:
III. 1.2.1. Da acusação;
Não se mostram provados os seguintes factos;
a) O demandante caiu de uma altura de 5 metros,
b) As partes intermédias das portas da galera, ficam nível dos pés, quando o trabalhador está em cima do escadote;
c) Só em ...-...-2019 foram distribuídos a BB equipamentos de proteção individual, como botas, máscara de pintura, capacete, óculos, auscultadores e colete refletor, e veiculado o uso obrigatório de capacete quando utilizados um andaime ou um escadote;
*
III. 1.2.2. Da contestação
Não se mostram provados os seguintes factos;
a) O arguido AA como administrador de quatro sociedades não poderia dirigir e fiscalizar todos os departamentos destas empresas existindo para cada uma e para o efeito, especificamente vários supervisores,
b) Cabia ao responsável de segurança implementar as necessárias regras de segurança;
c) E cabia ao administrador (ou seja, a si) apenas implementar as medidas necessárias para que a empresa dispusesse de meios, nomeadamente financeiros para a sua execução,
d) O chefe de segurança reporta-lhe a necessidade de compras de material incluindo de segurança;
e) O responsável pela segurança e higiene no trabalho que na altura era GG tendo verificado que BB não se encontrava com o capacete de segurança colocado, chamou –lhe a atenção para tal;
f) Foram fornecidos ao assistente todos os equipamentos de protecção individual necessários ao desempenho da sua função incluindo antes do evento capacete, arnês, e cinto de segurança
g) Os trabalhadores podiam solicitar junto do responsável equipamentos de protecção individual, existindo para o efeito, capacetes de segurança;
h) Para pintar a zona intermédia e inferior das portas traseiras das galeras não é possível a utilização de um andaime, sendo sempre necessário recorrer à utilização de um escadote;
i) O assistente era sistematicamente alertado quer pelo responsável de segurança quer pelo superior hierárquico para manter o capacete quando estivesse em cima de um escadote,
j) Nunca, ao longo da relação laboral o assistente apresentou qualquer queixa relativamente à existência de eventual inexistência de equipamento de protecção individual ou do caracter obsoleto dos equipamentos disponibilizados
k) A última plataforma estava colocada à altura máxima de 1.22 m,
l) O escadote tinha cerca de 1,60 metro de altura total,
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II. 1.2.3. – Do pedido cível:
Não se provaram os seguintes factos com relevo;
a) O assistente está quase cego em virtude do evento;
b) Sofre diariamente de dores – apenas que sofre várias vezes dores,
c) Ficou com problemas de tensão arterial e a nível de sistema nervoso central
d) Por causa do evento o assistente perdeu o interesse pela vida social raramente saindo de casa para conviver,
e) Não consegue ver televisão ou ler um livro por causa do evento e por causa do evento está também a perder a visão do lado direito,
f) O assistente por causa do evento vive em constante agonia.
*
Consigna-se que não foram reconduzidas aos factos provados, -nem aos factos não provados - as alegações estranhas ao objeto processual configurado e delimitado nos autos pelo despacho de acusação, nem as que consubstanciam factualidade supérflua e irrelevante face a esse objeto, e as alegações conclusivas e vagas por se revelarem improfícuas para a decisão, pois não respeitam ao preenchimento dos elementos constitutivos objetivos e subjetivo do crime imputado ao arguido e nem as que se mostram irrelevantes (ou conclusivas) tendo em conta a defesa do arguido ou para aferir dos pressupostos de responsabilidade civil.
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II.2. - Fundamentação da decisão de facto:
A convicção do tribunal assentou na análise crítica e concatenada dos elementos probatórios produzidos nos presentes autos, que, foram apreciados segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador (cf. artigo 127.º, do Código de Processo Penal).
Note-se neste aspeto que, a liberdade do convencimento, que conforma o modelo da livre apreciação da prova, não deverá ser confundida com a apreciação arbitrária da prova, sendo antes um critério de justiça que não prescinde da verdade histórica das situações. Por conseguinte, cada prova produzida deverá ser valorada com a segurança oferecida pela mesma (quando considerada isoladamente), bem como deverá ser ponderada com o confronto com os demais elementos probatórios validamente carreados para os autos, de forma a que a decisão sobre a prova seja uma decisão justa, suficientemente segura em termos de corroboração factual, e coerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.
Destarte, o princípio da livre apreciação da prova deve ser reconduzível a critérios objetivos, racionais e que estejam de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência, e dos conhecimentos científicos, pese embora, não se possa olvidar que, a tarefa do julgador na decisão da matéria de facto esteja necessariamente condicionada pelos limites do conhecimento humano.
Acresce que, o grau de convicção do tribunal não é em grau absoluto, na medida em que a verdade a que se chega no processo não é uma verdade obtida a qualquer custo, mas uma verdade processual ou prática, com inerentes limitações temporais, legais e constitucionais.
Por outro lado, o tribunal tem, ainda, o dever de conciliar a verdade material com o princípio constitucionalmente consagrado da presunção da inocência (cf. artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), que estabelece que no caso de dúvida razoável o Tribunal deverá absolver o arguido. Note-se que, a dúvida que leva o tribunal a decidir “pro reo” tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária ou, por outras palavras, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal.
Nesta senda, a convicção de que determinados factos aconteceram deverá ancorar-se na ponderação conjugada dos vários elementos probatórios dos autos, analisados em audiência de discussão e julgamento, chegando o tribunal à conclusão, sem dúvida razoável, que eles aconteceram, não havendo outra explicação lógica e plausível para os mesmos.
Feito este breve enquadramento sobre os princípios que regem a prova, e a sua apreciação em processo penal, reportemo-nos aos presentes autos, e à análise crítica da prova produzida.
Assim feitas estas considerações, cumpre referir que o tribunal formou a sua convicção, no caso positiva(sendo a negativa, por falta de prova pois nenhuma de forma consistente confirma os factos não provados, - e nesta fase pelos esclarecimentos prestados pelas testemunhas ora apresentadas e por regras de experiência comum de facto não era compatível o facto agora não provado da alinea b) não provado da acusação,) prova: pericial; auto de exame médico, fls. 55-56, 86, 117, 148, 282-283 ( de onde resultam as lesões sofridas e consequências do evento para o demandante - pontos 10 e 11), prova documental, auto de notícia, fls. 2, relatório de acidente de trabalho, fls. 36-40, certidão do registo comercial, fls. 46-51( pontos 1 e 2 da acusação, e ponto 1) da contestação), contrato de trabalho, fls. 81-84( ponto 3 da acusação), ficha de distribuição de EPI´s, fls. 273, documentação clínica, fls. 8-26, 57-61, 63-69, 87, 89-92, 102, 118-119, 122-129 ( de onde resulta a assistência hospitalar na sequência do evento bem ainda como os acompanhamentos e consultas em concreto após o evento - neurologia, traumatologia, oftalmologia sendo de salientar nesta parte que em oftalmologia consta como alta; ... ) e alta clinica nesta parte , e ainda posteriormente documentos juntos pelos arguidos, ou seja, faturas referentes à aquisição de, entre outros, capacetes de fls. 410 a 414, datadas de ........2015, ........2016, ........2017, ........2017 e ........2017.
Assim quanto exame pericial, de fls. 55-56, 86, 117, 148, 282-283, reportado aos danos advenientes ao acidentado, após o acidente, conclui-se por um período de doença de 210 dias, sendo os 120 primeiros com afetação da capacidade do trabalho (pontos 10 e 11), em geral quanto ao auto de notícia, fls. 2, datado de ........2018, a GNR acorreu ao local, encontrando-se uma ambulância a socorrer o acidentado, relatório de acidente de trabalho, fls. 36-40.
Segundo este relatório da ... – Saúde e Segurança no Trabalho, Lda. Como prova documental consta: “O trabalhador exercia funções de pintor na empresa há cerca de 18 anos. Tratava-se de um trabalho que executava habitualmente. Possuía formação de segurança e saúde no trabalho. Não possui procedimentos escritos para a tarefa desempenhada. Foi primeiramente socorrido pelos colegas DD e EE. Nenhum trabalhador presenciou o acidente, os mencionados colegas socorreram de imediato o colega acidentado. Sobre o acidente refere-se que estava a pintar um semi-reboque e utilizou um andaime ou um escadote, “realidade que não foi possível apurar”. Desequilibrou-se por motivo indeterminado, e bateu com a cabeça no chão. Ficou com contusão na cabeça com ferida aberta, e hematoma, mas manteve-se sempre consciente, orientado e sem vómitos. Não foi possível determinar as causas do acidente no momento da sua verificação. Mais ali se menciona que não é provável a repetição deste tipo de acidente e que na altura o trabalhador pintava à pistola uma superfície, desequilibrando-se por motivo indeterminado, e ainda quando às ações corretivas possíveis que os trabalhadores devem verificar sempre as condições dos escadotes e andaimes, a usar antes de cada trabalho, certidão do registo comercial, fls. 46-51, referente aos corpos gerentes da pessoa coletiva arguida( pontos 1 e 2 e 1 da contestação), contrato de trabalho ( ponto 3), fls. 81-84, do acidentado datado de ........2000, ficha de distribuição de EPI´s, fls. 273, documentação clínica, fls. 8-26, 57-61, 63-69, 87, 89-92, 102, 118-119, 122-129, 212-215, 312 como vimos fases de tratamentos e intervenções de que foi alvo.
Também se tomou em conta -embora não com muito relevo - porque o evento já decorreu há algum tempo, o teor do exame ao local determinado sobretudo para apurar do estado e natureza do solo do local onde ocorreu o mesmo. Neste exame em síntese, foi observada uma estufa de pintura (a qual de acordo com todos os intervenientes não existia na data dos factos). Verificou -se que todo o pavimento, interior, e exterior da oficina foi colocado na altura, não tendo sido alvo de alterações relevantes, mas de ordem ordinária como sejam remendos / retificações. O piso é antiderrapante, não sendo, por isso, totalmente liso (a sua composição é alcatrão, cimento e gravilha). A “olho nú” é nivelado, os remendos / rectificações são, aparentemente / visualmente, feitos em cimento. Na altura foram tiradas fotografias ao piso, e à oficina, juntas aos autos.
No mais, vejamos, o arguido, pessoa singular no julgamento usou do direito ao silêncio mas como prestou declarações sobre os factos na fase de instrução, tendo sido advertido que as "declarações poderão ser utilizadas mesmo que seja julgado na ausência ou não preste declarações na audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova" e mesmas estando apresentadas como prova em sede de debate de instrução, art. 127º e 357º, nº1 al. b),do C.P. Penal determinou –se a reprodução das mesmas em sede de audiência (Acórdão o Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2023, de 9 de junho in Diário da República n.º 111/2023, Série I de 2023-06-09, páginas 11 – 27 2023-06-09 sumariado nos seguintes termos; “As declarações feitas pelo arguido, no processo perante autoridade judiciária com respeito pelo disposto nos artigos 141.º, n.º 4, al. b), e 357.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, podem ser valoradas como prova desde que reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento” .
No entanto, deve dizer-se que as declarações do arguido pouco relevo tiveram para fundamentação da decisão “positiva” da matéria de facto (salvo quanto aos factos também comprovados, por outros meios de prova e sobre os quais não existe desacordo) por referir, no geral, desconhecer os mesmos.
Assim, em sede de instrução o arguido AA disse que o demandante exercia funções de pintor na empresa há cerca de dezassete anos, em ..., era o único pintor, embora, por vezes, pudesse ter alguém a auxilia-lo e, pelo que soube (mas não viu) estava a pintar o exterior de uma galé de viatura pesada quando se deu o acidente (pontos 3, 4- funções, 2) e da contestação, ponto 1).
A empresa faz parte de um grupo de empresas, das quais é administrador e tem supervisores - não dizendo quais, nem que moldes é dividido o serviço. Refere que a empresa tem um chefe de segurança que é o seu filho, GG e um chefe de oficina (testemunhas que o confirmaram, mas que não confirmaram com clareza que tomavam decisões a respeito de segurança, e quanto à testemunha GG nem toda a prova testemunhal confirma que fosse como chefe de segurança à data sendo que este não foi claro a propósito das suas funções na mesma – apenas actualmente.
O chefe de segurança reporta-lhe a si, a necessidade de compras de material, incluindo de segurança, tendo sempre stock desse material- mas não explicando.
Os funcionários tinham acções de formação, têm um formador a tempo inteiro para o grupo de empresas, e ministram cursos de formação de segurança e higiene no trabalho.
Ocorreu uma acção de formação, cerca de um mês antes do acidente com o funcionário BB (confirmado por prova testemunhal e documental e mesmo pelas declarações do demandante que confirma tal existência de ações de formação).
Foi o único acidente que tiveram na empresa, o chefe da oficina não se encontrava no local quando ocorreu o acidente, este era quem destinava o serviço (confirmado pelo demandante que lhe foi destinado tal serviço, mas no dia anterior e pela aludida testemunha chefe de oficina).
Embora a segurança não fosse a sua área, a empresa tinha equipamento de segurança, botas, biqueira de aço, capacetes, arneses, máscaras, luvas e óculos.
Não havia queixas de falta de equipamentos, embora botas e capacetes se comprassem mais, porque os motoristas de pesados também tinham de as usar para entrarem nos armazéns.
Sobre o serviço de BB pelo que sabe, por regra, este executava o serviço de pintura sozinho (confirmado por todos os meios de prova) incluindo pelas declarações do demandante.
Sobre a galera disse que se trata de estrutura, com uma altura máxima de 4 metros (também confirmado por todos os meios de prova).
Chegou a ser-lhe reportado -, mas sem explicar por quem, e sobretudo porque não fez nada a respeito dessa situação (se lhe era reportado teria que ter agido pelo menos advertindo o trabalhador) - que a pessoa em causa, por vezes, não punha capacete.
Todo o material que tinham e compraram estava em condições, nomeadamente andaimes, e escadotes (mas não explicando, em concreto, como eram).
Em sede de audiência foi ouvido o demandante BB.
Disse conhecer o arguido por ter sido seu patrão durante 40 anos, tendo trabalhado para a sociedade arguida, entre .... Saiu em ..., era pintor (pontos 1 a 4).
Nalguns aspectos- e salvo alguma emotividade do discurso e não se pode olvidar que não recordava dos detalhes do evento, na parte restante foi bastante credível nas declarações que prestou – salvo quanto àquelas que naturalmente exigiam outro tipo de prova, como sejam as que constam das alíneas a) a c) e perda de visão do lado direito factos não provados do pedido cível.
Foi o senhor CC, chefe da oficina, que foi ter consigo e lhe disse que para pintar as portas traseiras de uma galera (confirmado pela testemunha em causa). Estes trabalhos eram feitos, sempre de forma idêntica. Pintou uma porta e não existiu nada, ou seja, correu “tudo bem”, mas na segunda porta caiu. Não sabe como, pensa que caiu de um andaime para cima do escadote, não se recorda. Fala depois de forma mais generalizada de como desenvolvia seu trabalho – não se podendo supor que neste caso o tenha sido feito de modo diverso. Referiu falta de condições para tal, o que fez com credibilidade, os equipamentos eram obsoletos.
No dia do acidente, estava a efetuar a pintura das portas traseiras de uma galera que estava no interior do estaleiro da empresa, o que lhe foi determinado pelo encarregado da oficina. Não se recorda se havia andaime de amovíveis. Era preciso andaime, neste caso, para chegar à parte de cima, o andaime que usava era velho, ( embora depois acabe por dizer que existiam vários andaimes), teria então usado o escadote.
Desequilibrou-se, não se recorda, como, nem de onde, se foi do andaime ou do escadote, caiu no chão, só acordou no hospital. O escadote era um meio mais fácil para subir para o andaime porque tinha três metros, e, por isso no seu trabalho tinha que o utilizar escadote para tal, mas não se recordando como sucedeu, neste caso.
Era o senhor CC que lhe dizia o que tinha que fazer, o que sucedeu, neste caso. Havia um armário onde tinha os materiais e os ia buscar, mas nunca teve capacete - salvo depois do evento (quem usava capacetes eram os motoristas tinha luvas, botas e mascaras). Quanto a outros materiais era o chefe de oficina que lhe entregava ou ia pedir, se fosse, por exemplo, as máscaras ia pedir. O escadote estava encostado à parede no local, por vezes, era ele que usava, por vezes eram colegas que iam usar e levavam (não tinha condições, era velho). Os capacetes estavam no armazém, eram usados pelos motoristas. Para ter acesso acha que “tinham que lhe dizer está aqui um capacete”, o que não aconteceu. Chegou a pintar certas peças em cima de “bidons velhos”. Nas aulas de formação diziam que devia haver capacetes, mas não davam.
Há certas partes que não podem ser pintadas com o andaime, e tem que ter usado escadote, para aceder às partes intermédias das portas da galera, - não se pode aceder sem a ajuda de um escadote, nem se consegue aceder com o andaime, só com plataforma elevatória, a qual não existia na altura.
A pintura é feita com uma pistola ligada a uma mangueira. A determinada altura, sem que consiga explicar porquê, acordou no H.G.O, pelo que não pode afirmar se caiu do escadote ou do andaime, nem que parte do trabalho estava a efectuar aquando do acidente, nem se recordando dos momentos que antecederam o acidente.
Disse que aquando do acidente desempenhava as funções para as quais foi contratado desde ... até à data do acidente, a empresa não fornecia capacetes de proteção, nem arnês para segurar o andaime- este já era antigo.
A empresa apesar das formações que dava não impunha normas de segurança, ao longo dos anos, pois o único material que lhe era entregue regularmente eram botas biqueira de aço, luvas e mascaras. Falavam durante a formação que quanto aos andaimes tinha que haver normas adequadas, mas que só é obrigatório usar o capacete, em sítios de altura ou de profundidade, em cima do escadote acha que não seria.
Diz que se queixou uma vez à entidade empregadora, ao Senhor AA tendo dito que o melhor para fazer o trabalho era a grua. O senhor GG não era responsável de segurança.
Teve imensas dores, decorrentes do evento, perdeu grande parte de visão, ficou com muitas dores de cabeça, e nas costelas, para dormir, toma medicamentos e para as dores também. Toma calmantes. Depois do evento não recebia dinheiro e foi humilhado – o que, a nosso ver não se reporta com a queda. Acaba por dizer que gostava de trabalhar para a XX, Lda, e que esperava chegar à reforma “e receber algum, apesar de nesta empresa não haver condições nenhumas”.
Estava na altura numa fase de paragem- pontos 3 e 4 da contestação- e como estava no lado de trás, ninguém o podia ver, por isso o acidente não foi visto.
A testemunha CC não se mostrou particularmente isento no seu depoimento, denotando alguma má vontade contra o demandante É chefe de oficina trabalha para a arguida há cerca de 7 anos. Nada presenciou, pois, na altura não estava no local.
Estava num tribunal em Lisboa de manhã numa diligência, altura do acidente. No dia anterior, disse ao demandante que era preciso retocar a parte de baixo de umas portas de galera, - segundo se recorda era só a parte debaixo (não sendo muito explicativo nesta parte, mas sendo certo que não diz que instruções teria dado para proceder a tal trabalho, em concreto, mas tendo uma especial preocupação em salientar que era só a parte debaixo- o que não se compreende pois se fosse apenas essa parte, o arguido estaria com os pés assentes no chão o que em face das lesões sofridas não se mostra compatível.
Refere que não era preciso qualquer andaime para proceder a esse trabalho –, como vimos não foi explicativo – pois se o demandante não tivesse necessitado de subir certamente não teria caído, e não se teria lesionado como o fez. O andaime está montado no local. Depois é só encostar quando foi para lá, já lá estava, estava em bom estado, não explicando como nem quando era usado. Tem uma barras para fixar e uns pés que assentam no chão. A altura da galera do chão até acima é 4 metros no máximo, a reparação era para ser feita à altura de 1,20, / 1,30 - mostrando-se estranho pois antes não se lembrava que espécie de trabalho exatamente era para fazer, a não ser a parte da pintura. O colega acidentado era pintor, pintando os veículos e as galeras.
O demandante tinha os materiais disponíveis, nomeadamente botas, luvas, capacete. Se precisasse de arnês ia buscar, mas não conseguindo explicar onde iria buscar o capacete, e acabando por dizer que capacete só era preciso em alguns tipos de trabalhos (o que não seria o caso). Alertava que é necessário usar os materiais de segurança, mas o demandante muitas vezes não o fazia. Se for para o andaime tem que usar arnês, mas se for com o escadote não pode ser fixado o arnês. Se for para pintar as portas todas, tem que utilizar o andaime, se for só a parte de baixo pode ser utilizado apenas o escadote. Pode concluir-se, no entanto, que quando mostradas as fotografias que o trabalho de pintura já seria para fazer um pouco acima daquilo que seria necessário, segundo refere, apenas para o escadote. Acha que todo o material se encontrava em boas condições mas diz que , “mas não anda sempre a ver, todos os dias se estão bem ou não”. O pavimento é de cimento, era bom à data (e ainda é) não notava que houvesse oscilações. As empresas tinham formação dada por vários formadores sobre vários campos de segurança que é dada de um modo geral em grupo.
Foi confrontado com o teor de fls. 571, 547 a 570 e 546 tendo explicitado onde era o local da porta da galera que necessitava de reparação- acima do primeiramente referido e um pouco acima de meio. Os materiais eram comprados quando algo não estava bem.
Pedia a uma senhora que se chamava LL, quando verificava que algo não estava bem - o que se mostra incompatível com o facto de todos os trabalhadores pedirem directamente. Apenas constam alguns capacetes nos períodos compreendidos entre ... e .... Não se recorda em concreto das faturas embora a solicitação do material passasse por solicitação sua, não se recorda de terem sido solicitados escadotes no período temporal em causa, nem qualquer arnês (não sabe se havia no local quando chegou). O escadote era utilizado por cada um dos funcionários que o solicitasse, pintor, serralheiros, eletricistas. Não havia ninguém para ajudar o demandante, só se fosse mesmo necessário, o que não era aqui o caso.
A testemunha GG, gestor da empresa da área da segurança não presenciou o acidente. Estava na empresa numa reunião quando o mesmo ocorreu. Refere que faz fiscalização em termos de averiguação no sentido de ver se todos os trabalhadores estão a cumprir as normas de segurança não tendo sido explicativo no modo como em geral o fazia à data-. sendo abstrato nas suas declarações.
Referiu pedir aos trabalhadores que lhe digam e comuniquem a mínima situação anómala, que lhe digam se algum equipamento não está em condições. Alguns trabalhadores iam dizer (mas não refere quantos, nem quais) quando os seus equipamentos não estavam em condições. O demandante nunca o fez.
Disse que era hábito o sinistrado não fazer uso de equipamentos de segurança, referindo–se a capacete.
No dia do acidente, deu com o demandante em cima de um escadote a preparar uma estrutura de um semirreboque para ser pintado sem qualquer equipamento de segurança, nomeadamente capacete, luvas, arnês e máscara, tendo- o advertido para o seu uso, e dito que não podia trabalhar assim (sendo incompatível com regras de experiência comum pois estando em cima do escadote, como disse não precisaria de arnês, e estando no andaime não estaria em cima do escadote). Este até foi mal-educado para si. Saiu do local quando verificou que este estava com o equipamento de segurança todo( mas não explicando qual).
Mais diz que, no caso para o tipo de trabalho não era preciso andaime (pelo que não vemos da necessidade referência a arnês). Quando o viu, estaria à altura de terceiro degrau do escadote (salienta-se que se mostrasse consentâneo com os esclarecimentos agora feitos em sede de reenvio pelas testemunhas ouvidas) e não era necessário o andaime, e nem o arnês (mas não se falando no capacete). Os escadotes são todos iguais aos que constam da fotografia dos autos - não referindo, no entanto a que data se referem e altura destes. Na altura do acidente estava numa reunião e ninguém o quis interromper (o que nos parece pouco lógico pois caso exercesse na data as funções de responsável de segurança ocorrendo um acidente com gravidade, cré –se que seria a primeira pessoa a ser chamada). Viu o escadote que era o escadote que o trabalhador estaria a usar diz que estava normal”, mas “pelo sim pelo não, mandou reajustar” (de onde resulta que pelo menos um escadote estava a ser usado- facto que na verdade não é posto em causa pela grande maioria da prova, e que achou que devia mandar reajustar). Foi-lhe transmitido o acidente. Depois alguns colaboradores terão socorrido o demandante. Na altura ainda não havia registo de imediato dos materiais levantados, agora já há - não podendo deixar de resultar desde logo do depoimento desta testemunha que efetivamente foi usado um escadote, na execução do trabalho- apesar do demandante não se recordar dado que a testemunha referiu que no dia do acidente, logo no inicio desse dia, viu o demandante em cima de um escadote e depois viu o escadote no final, tanto mais que o mandou reajustar apenas se podendo concluir que a queda que causou as lesões foi do escadote.
Por fim, disse que é dada formação a todos os trabalhadores em diversas áreas, nomeadamente, na área da segurança no trabalho
A testemunha EE, na qualidade de empregado da empresa, fiel de armazém, e ulteriormente como empregado dos serviços gerais (na prática fazia várias funções), trabalha na empresa desde .... Refere que no dia em causa, estava num armazém oposto ao que ocorreu o acidente.
Viu que estava um escadote (também confirma esta existência), mas não sabe dizer se estava em pé ou partido, e havia um andaime em pé junto da galera. Ficou preocupado, com a pessoa que estava no chão.
Nesse dia, segundo se recorda estava no armazém das peças quando lhe disseram que o demandante tinha caído, estava a sangrar, para levar os primeiros socorros, viu que não o podia auxiliar, que era necessária a intervenção dos bombeiros. Quem lá estava antes de si, era o senhor DD (testemunha cujo depoimento foi credível, isento, e imparcial – não obstante não ter uma relação de proximidade com o chefe da oficina.
Não viu o colega a cair, nem sabe se alguém viu, mas quando chegou junto dele, segundo se recorda, não tinha equipamento de proteção, nomeadamente um capacete (ou arnês), nunca o tinha visto com um capacete. As coisas eram fornecidas (mas acha que não utilizavam muito). Era mais por autonomia deles, nada lhes era dito.
A testemunha GG ia muitas vezes à oficina, todos os dias de manhã ia dar uma volta pela oficina, “mas não sabe bem o que ia fazer”. Ouvia comentários, havia pessoas a dizerem que o senhor GG “dava ralhetes” que “tinham que usar capacete”, - o que inequivocamente o demandante não tinha -, mas nunca viu, nem ouviu – o que não deixa de se mostrar estranho. Nunca viu o demandante, usar arnês.
Por fim, disse que os colegas têm todos os anos cursos de segurança no trabalho, e que o demandante frequentava.
A testemunha DD, colega do demandante exercia funções nos serviços gerais, trabalhou cerca de 5 anos nesta empresa, as suas funções passam por separar produtos, arrumações, compras no exterior, entre outros.
O colega demandante era pintor, teve conhecimento do acidente, nessa altura estava na nave central, e o colega, ao lado, na nave, ao lado da pintura.
No período de pausa as pessoas estavam a deslocar-se para o intervalo do pequeno almoço, por volta das 10h00, quando ia a sair para ir ao refeitório, disseram-lhe que o BB tinha caído, e estava cheio de sangue. Voltou para trás, e viu o BB caído no chão, todo cheio de sangue, na cara, nos olhos semi-inconsciente. Estava um escadote caído ao lado, teria caído de cabeça do escadote (sendo certo que do conjunto da prova resulta como vimos que existia um escadote no local, e estava também um andaime próximo da galera e que o demandante estava a pintar) - e não vemos como se poderia ter lesionado se não tivesse caído do escadote. O escadote estava mesmo ao lado, o andaime estava também a curta distância, não havia no local e o demandante não tinha capacete, nem arnês. Algumas vezes (poucas) ajudou o demandante, só se usava o andaime, quando eram alturas mais altas.
O escadote era em metal, velho, não tinha condições ideais para o trabalho, não era um escadote que estivesse bem para aquelas funções tanto que o chão sendo de cimento, também era na altura algo irregular. Nunca viu ninguém usar à data arnês, e só depois do acidente é que começou a ver usar capacetes. Acha que havia uns capacetes usados, dentro de uns armários, mas nunca viu usar, ou nem ouviu dar instruções para uso. O responsável pela segurança seria o chefe de oficina. O senhor GG tinha como função mandar tratar das encomendas, por exemplo, mas acha que não era chefe de segurança. Era administrador.
Os pintores, e outros trabalhadores, como os serralheiros mecânicos, também viu usarem bidons (tal como foi dito também pelo demandante que refere que, por vezes pintava em cima de bidons) – acha muito possível que o tivessem feito, tudo servia para pintar, desde que tivesse altura.
O chefe de oficina não tinha qualquer preocupação pela segurança dos trabalhadores, o que lhe interessava “era o trabalho feito”, “era uma pressão enorme que fazia sobre as pessoas”. Refere que “via coisas e não gostava daquele que via”, o que via era principalmente “as pressas, “era tudo para ontem”.
O seu colega não tinha elemento que permitisse segurar-se e evitar a queda, como um cinto. Não tinha nesse dia, e não tinha tido antes. A prática normal era pintar em cima do escadote, em altura de mais. Não tinha capacete, nem tal era prática normal.
Na altura, chegaram colegas que mandaram tirar as coisas, não se recorda. Até disse “em vez de ajudarem o homem estavam ali a arrumar coisas”.
Não sabe dizer quem em concreto, mandou retirar as coisas do local, a escada foi retirada seguramente.
Depois do acidente, foi adotado um andaime novo, em alumínio, com escadas interiores, corrimão, e ponto de fixação para usar com cinto e também surgiu a obrigatoriedade de uso do capacete. Talvez, antes houvesse dois ou três capacetes ou pouco mais na empresa, que estavam para lá, se alguém quisesse usar, usava, não era prática habitual.
Quem tomava as decisões na empresa era o senhor AA. Nas questões de oficina, era o chefe de oficina.
Havia ações de formação, o BB participava, era obrigatório. Era uma empresa própria, não sabe qual era. Sempre foi focado nas ações de formação o uso de capacete e o tipo de andaimes, o modo de pegar nas coisas, a utilização de máquinas e falava-se nos temas, mas depois na prática não era seguido.
Diga-se que esta testemunha foi muito clara, isenta, e precisa, não deixando dúvidas da veracidade de tudo quanto relatou (pontos 4 a 9) - nos pontos que ficaram provados agora sendo que os factos devem ser conjugados uns com os outros, sendo as consequentes lesões provadas por prova pericial e documental), e ponto 7 da contestação.
A testemunha JJ, vive em união de facto com o demandante, apenas após o acidente, mas já antes o conhecia. Depois precisou de ir viver com este, uma vez que o mesmo não conhecia fazer nada sozinho.
Prestou depoimento de forma algo abstrata tanto mais que não revelou saber do que como este era antes do acidente, mas não deixando dúvidas dos factos dos pontos 1) a 3) pedido cível- também confirmados pelo demandante.
Passou a viver com o demandante desde o acidente porque este precisava de ajuda, não conseguia fazer comida. Tinha que o ajudar a vestir, e com a higiene. Embora tomasse banho sozinho, precisava de ajuda. Passado algum tempo já não precisava de ajuda, mas tinha dores de cabeça e nas costas tomava comprimidos para as dores e calmantes (também tendo em conta o documento de fls 399- medicação crónica), deixou de guiar porque não via, não queria sair, porque não conduzia, só queria estar em casa. “era por estar doente porque não estava bem que estava assim nervoso não sei”. Não era pessoa de ver televisão, nem de ler.
Já conhecia o demandante antes do acidente, mas muito pouco tempo provavelmente um ano, mas antes não vivia com ele. Já antes, este tinha problemas de visão.
A testemunha KK, amigo de infância do demandante refere que o acompanhou a vários locais, após o acidente nomeadamente consultas, mas sendo o seu depoimento bastante irrelevante porque referia que a empresa não lhe pagou três meses. Fazia o acompanhamento porque o demandante na altura não guiava.
Fisicamente, estava de rastos e psicologicamente também – mas salientando aqui que era porque a empresa nem um telefonema lhe tinha feito. Ficou diferente, mas não conseguindo explicar como - salvo que estava nervoso porque a empresa não lhe pagava nada e porque não lhe fazia um telefonema. Refere que antes do acidente, este vivia com uma senhora- não é a testemunha anterior – já depois do acidente, é que começou a viver com esta senhora.
Na verdade, a testemunha anterior em termos comparativos pouco conhecimento tinha pois antes do evento não vivia com o arguido e esta testemunha foi absolutamente vaga e imprecisa, reportando -se a factos sem grande relevo para os autos, - salvo na parte em que disse que o arguido estava nervoso, ansioso e mantinha dores.
A testemunha MM, chefe de tráfego, conhece o arguido, por ser administrador da sociedade arguida, e porque trabalha para uma empresa do grupo da sociedade arguida, ....
Refere de forma totalmente abstrata que nunca viu falta de condições de segurança, que o senhor NN era bom patrão, ajuda várias causas como os bombeiros, foi impulsionador do apoio ao desporto, preocupa-se em apoiar a zona (factos provados - ponto 16) da contestação). Acha que é uma desilusão se uma pessoa é boa, ter que vir a tribunal refere que “qualquer coisa neste país que está invertida”. Embora diga que eram seguidas as regras de segurança não conseguiu precisar de que modo tal acontecia, mesmo porque nunca viu o demandante a trabalhar. Havia ações de formação. Nem se apercebeu que tinha ocorrido um acidente, não sabendo sequer de que material era o piso – pelo que nada adiantou sobre os factos.
A testemunha HH, chefe de departamento de recursos humanos, conhece o arguido, por ser administrador da sociedade arguida e trabalhar para uma empresa do grupo da sociedade arguida, .... Trabalha nessa empresa há 21 anos. Acha que a empresa sempre teve condições de segurança, nunca ouviu queixas de falta de material de segurança. Nunca o demandante lhe disse nada em termos de desconforto com a condição de trabalho deste. O demandante sempre teve um pouco problema de visão mesmo com os óculos, para ver o telemóvel tinha que o encostar quase aos olhos. Foi confrontado com os documentos de fls 499 a 517 confirmando os mesmos, nomeadamente quanto ao registo de ausências do demandante pontos 17 a 20 contestação - e disse que efetivamente este faltou ao trabalhou em datas anteriores na altura do acidente. Nessa data não estava, e não se apercebeu do que se tinha passado. Era raro ver o demandante a trabalhar porque estava em sítio diferente.
Não se recorda de o ter visto a trabalhar em cima de escadote, nem sabe se costumava usar ou não capacete.
A testemunha OO, escriturário/fiel de armazém, conhece o arguido, por ser administrador da sociedade arguida e trabalhar para uma empresa do grupo da sociedade arguida, ... tendo sido confrontado com o teor de fls. 546 .
Na qualidade de fiel de armazém, cabe-lhe facultar as materiais de protecção individual que devem usar os trabalhadores. O escadote que foi exibido na fotografia é o género que é usado na empresa. Estava na empresa mas não viu o acidente. Ainda tentou ajudar porque o chamaram. Não se lembra se estava perto de algum escadote, - mas tal facto foi claramente confirmado pela testemunha GG e DD. Não há queixas por falta de material.
A testemunha PP, formador, conhece o arguido, por trabalhar para uma empresa do grupo da sociedade arguida, ..., foi confrontado com o teor de fls. 546 e 571. Trabalha na empresa em data posterior desde ... pelo que o seu depoimento se mostra algo irrelevante apenas sabendo sobre a situação posterior a tal data, embora referindo agora no novo depoimento (prestou depoimento em sede de reenvio) conhecer bem o processo do acidente do demandante.
Referiu que sugerem, - agora nesta fase - sempre os usos de materiais de segurança mesmo quando não são obrigatórios, apenas sendo obrigatórios nos trabalhos em altura que considera serem de 2 metros. No escadote, não se pode usar arnês por ser uma altura baixa, não se consegue fixar. O responsável da segurança “actualmente” é o GG e “actualmente” todos as regras de segurança são cumpridas, o que é preciso é comprado. Todos os materiais estão bem, e o piso é adequado, especifico a este tipo de trabalho.
A ACT tomou conhecimento do acidente, mas nada mais mandou fazer à empresa pelo se considerou que estava tudo correto.
Foi ouvida esta testemunha em sede de reabertura de audiência e reenvio para a questão do ponto 6), em concreto em moldes que se passam agora a explicar.
Voltou a salientar que trabalha para uma firma do grupo da arguida da qual também é administrador o aqui arguido pessoa singular. Referiu como conhecer o processo em causa, voltou a referir o que já estava provado, ou seja que a altura de uma galera são 4 metros no máximo, logo a parte intermédia de uma galera são dois metros. Assim o trabalhador estando a pintar a parte intermédia das portas da galera estas não podiam ficar ao nível dos pés – o que de facto não podia suceder tendo –se tratado de lapso.
Assim diga-se que nem a queda, podia ter sido de dois metros sendo de salientar que os artigos 6º e 7 estão interligados e apenas por isso nos pronunciamos - dado que um e outro estão totalmente ligados. Refere que não podia estar a trabalhar “em altura” (mas sendo tal um conceito) porque não estaria a dois metros do solo (mas na realidade quanto a nós é a um metro do solo, pelo menos para uso de capacete e para determinados trabalhos sendo neste aspecto a divergência).
Na verdade, apesar de não ter visto o trabalhador (mas conhecendo o processo) também esta testemunha não coloca em causa um único momento que foi usado um escadote - refere até que era sempre usado um escadote - refere agora que nessa altura não era usado qualquer outro meio, nessa data, em qualquer empresa. A partir de um metro da queda - se está a pintar as partes intermédias estaria o trabalhador com os pés aproximadamente a cerca de um metro do solo não há nada na lei que diga que tem que ter equipamentos de segurança pois trabalhos em altura são dois metros, regem-se sempre pelos dois metros.
A testemunha II, técnica Superior na área de higiene e segurança no trabalho, trabalha para uma empresa que presta serviços na área de higiene e segurança ao grupo de empresas da sociedade arguida, desde .... Foi confrontada com o teor de fls. 546 e 571. Nada concreto sabe dos factos à data, mas conhece o processo. Deu várias explicações técnicas, referindo em concreto que não há uma noção clara e precisa do que são trabalhos em altura ( embora genericamente se deva considerar como altura 2 metros), sendo relevante o ter dito que não levantaria questões, quanto ao uso do escadote à data - sempre presumindo que é idêntico ao que consta da fotografia, para trabalhos pontuais - o que nada aponta ter ocorrido, pois o demandante desenvolvia a sua profissão sempre no mesmo, referindo a um escadote mas com condições. Disse que actualmente já não se usam, salvo, muito pontualmente escadotes. O que se usam são plataformas elevatórias que minimizam (e muito) o risco de queda. Actualmente a empresa já tem uma. De onde não pode senão resultar que o uso de um escadote, sem condições de segurança (para uso de trabalho frequente – o demandante era pintor e desenvolvia a sua actividade quase sempre sozinho do mesmo modo e sem qualquer material não seria adequado).
Na verdade, a testemunha diz nada se fazer para minimizar o risco naquele caso, e ao não existir então a entidade empregadora não podia aceitar que este trabalho fosse assim desenvolvido.
Também esta foi ouvida em sede de reenvio para a questão do artigo 6) em concreto em moldes que se passam agora a explicar,
De novo, referiu ser técnica superior de segurança no trabalho conhecendo a firma arguida, por ter trabalhado para uma empresa que lhe prestou serviços. Conhece o processo em causa, uma galera tem o limite de 4 metros no máximo (já provado), a parte intermédia de uma galera são dois metros, se trabalhador estava a pintar a partes intermedias - portas da galera- estas não podiam ficar ao nível dos pés (o que como já vimos não pode realmente ficar provado).
Acha que o que estava a suceder não é trabalhar em altura, não pode ser considerado um trabalho em altura. Não há legislação nacional que fale da altura e tem vindo a considerar a diretiva comunitária que fala em 2 metros.
Refere neste momento que “não está a ver o escadote para ser precisa” ao invés do que disse na primeira audiência em todas testemunhas referiram não ter conhecimento do escadote, ao passo que agora não colocam qualquer duvida que de que se tratava de um escadote (apenas daqui pode decorrer a expressão “não estava a ver o escadote para ser precisa”). Refere que foi utilizado no trabalho um escadote, os escadotes que são usados para estes trabalhos ocasionais não chegam, aos dois metros (mas não conseguiu precisar mais). Servem ocasionalmente para fazer alguns trabalhos, quando seja preciso fazer trabalhos um pouco mais altos (neste momento, sublinhou que existem plataformas). Disse que considerando o seu tamanho - tem um metro e sessenta e pouco, a distância dos pés até ao chão será de cerca de um metro, porque trabalha-se na forma mais confortável, à altura do peito. Disse que tendo em conta a altura do senhor (que não sabe) este estaria, no máximo, no terceiro degrau.
Depois nesta sequência, pela Digna Magistrada do Ministério Público foi requerido que tendo em conta na sua visão ser uma das questões a esclarecer na presente audiência de julgamento (reenvio para esclarecer uma questão) a altura do demandante, que fosse obtido junto da base de dados do registo civil o print do registo do mesmo para aferir da sua altura. Foi então efetuada a pesquisa e junto o documento aos autos dele se obteve o resultado da altura de 1,65M (como sendo a altura do demandante) - o que ficou provado.
A testemunha QQ, amigo do arguido pessoa singular há 45/50 anos refere que o arguido é pessoa muito bem vista e inserida na comunidade, confirmando o ponto 16) da contestação
A testemunha RR, gestor conhece o arguido, por ser administrador da sociedade arguida e trabalhar para uma empresa do grupo da sociedade arguida a ... prestou um depoimento muito parcial e sem grande relevo para os autos referindo que o demandante teria tido um problema de álcool – mas como já se mostra provado documentalmente que o mesmo já tinha baixas médicas anteriores e nada atribui o evento a questões dessa natureza pouco relevo teve este depoimento,
Ora, embora não existam testemunhas presenciais dos factos e o sinistrado e as primeiras pessoas que acorreram para junto deste logo após o acidente foram as testemunhas DD, e EE.
O sinistrado possuía formação de segurança e saúde no trabalho
Temos por seguro, em concreto do depoimento da testemunha DD que não nos deixou dúvidas da veracidade do seu depoimento e que viu retirar os objectos do local, nomeadamente, o escadote ( porque razão tal seria feito se não houvesse algo errado no trabalho desenvolvido pelo trabalhador” ? que ao lado deste estava um escadote). O que existia, também conformidade dito pelo demandante era inadequado, em mau estado de conservação, sem meios que impedissem o seu deslizamento. A queda, ter-se dado de uma altura apesar de tudo já com algum relevo ( tendo sido de uma altura em face do que agora se apura entre altura não inferior um metro mas inferior a dois) pois não tendo como não tinha sequer capacete – quanto a nós obrigatório em trabalhos de altura superior a um metro apenas isso podendo justificar a gravidade das lesões, e localização das mesmas, sendo certo que como já antes dizíamos a ausência de uso de capacete, pelo menos – ainda que se considere que outros meios não eram adequados à data- por não terem sido facultados pela empresa.
Para tal, verifica -se além do atrás exposto que o demandante admitiu que estava a executar o serviço de pintura das portas traseiras de uma galera a mando do encarregado. Para aceder às partes intermédias das portas da galera tinha sempre que se socorrer de um escadote, porque só assim conseguia executar tal serviço (o que nos faz todo o sentido pois estas são a dois metros de altura sendo que o trabalho de pintura de um local não se pode considerar estático podendo ser um pouco mais acima ou um pouco mais abaixo.
A pintura era feita com a pistola ligada a uma mangueira de quinze metros. Era o comum.
Por fim, até à data do acidente a empresa não fornecia capacetes de proteção, nem arnês para segurar o andaime, já era antigo e que a empresa não impunha quaisquer normas de segurança.
Por sua vez a testemunha GG, viu-o em cima de um escadote nessa mesma manhã, tendo na sua versão dito mesmo para colocar o capacete, mas não confirmando se o fez, sendo que a testemunha SS quando chegou junto dele, não viu capacete ou arnês sendo que a DD, confirmou a retirada dos materiais, após a queda.
Revistada, desta feita a prova testemunhal verificamos que o acidentado afirma ter perdido os sentidos, apenas se recordando de ter acordado no hospital, realidade que contraria o mencionado na prova documental, in casu, a participação policial e o relatório de sinistro e até os testemunhos de quem se assomou dele logo após o acidente, contudo, a testemunha DD referiu que o viu semi-inconsciente, realidade, que não afasta o cenário de esquecimento, também o próprio sinistrado diz não se recordar de onde caiu, contudo, a testemunha GG disse que de manhã o viu em cima de um escadote, o que associado ou referido pela testemunha DD, segundo a qual o escadote estava caído ao lado deste, nos leva a crer que era o escadote que usava aquando do serviço que estava a executar. Sobre as más condições do escadote, reportou-se a testemunha DD, e quando à ausência de uso de equipamentos de proteção reportou-se esta testemunha, e o próprio sinistrado.
Do conjunto destes meios de prova ficam provados os factos que constam da pronúncia nos moldes em que o foram.
Da prova produzida em sede de reabertura de audiência e reenvio para a questão do artigo 6), as duas testemunhas ouvidas não colocam em causa que foi usado um escadote, em concreto, em moldes que se passam explicar sendo que de facto apenas podia ficar provado o que ora ficou e nos moldes em que o foi sendo que os dois factos - 6 e 7- estão absolutamente interligados afigurando –nos ser impossível alterar um sem o outro pois a ser assim teríamos inequivocamente uma evidente contradição.
Deste modo, sendo a parte intermedia de uma galera (portas da galera) à altura de dois metros quando o trabalhador está em cima do escadote, dado que tinha ficado provado que a altura máxima de uma galera é de 4 metros e as partes intermédias de uma galera ficam à altura de dois metros do chão ponderando a altura deste.
Todavia, também se nos afigura salvo melhor opinião que estes dois metros num trabalho dinâmico - como é um trabalho de pintura- podem ser um pouco mais acima e um pouco mais abaixo e estando o trabalhador a trabalhar à altura do peito e tendo 1,65 de altura ainda poderia ter os braços acima.
A tarefa que o demandante se encontrava a executar era a pintura da parte intermédia de uma galera com 4 metros de altura, pintura essa à pressão com uma mangueira, sendo certo que aquele, de altura mediana (1,65 m), para alcançar a zona intermediária da galera que embora seja de dois metros em termos de trabalho não se mostra estática podendo ser mais abaixo ou mais acima teria que estar pelo menos a mais de um metro em cima de um escadote superfície mais alta que, de acordo com toda a prova seria um escadote podendo nós ainda dizer que este devido a projeção da tinta pelo expressor e às caraterísticas pouco estáveis da própria composição, caso não houvesse alguém a segurar , não manteria uma estabilidade de segurança.
Ora como consideramos nomeadamente quanto ao uso de capacete a altura exigida como já antes constava é de um metro e não dois metros - a questão do metros é variável conforme o trabalho, embora se altere nessa medida e do que ficou apurado a matéria de facto já o mesmo, quanto a nós e nesta sede, não ocorre quanto à parte jurídica o que também se ponderou tendo em conta o objecto muito limitado do reenvio e apurado nesta sede e momento, e que a nosso ver apenas por si não altera decisão tomada (naturalmente nesta sede).
Tendo em conta regras de experiência e os demais elementos objectivos provados nos autos pode concluir -se que aos arguidos cabia assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho, zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde, tendo em conta, de entre o mais, os princípios gerais de prevenção de evitar os riscos e de identificar os riscos previsíveis em todas as atividades da empresa – artigo 15.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e c), da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro e cabia fornecer um escadote resistente, rígido e em bom estado de conservação e de utilização e garantir a sua fixação ou colocação de forma a não poder tombar, oscilar ou escorregar - artigos 13.º-A, n.º s 2 e 3, e 13.º-B, n.º 1, e ponto 384.1 da 2.ª tabela anexa, da Portaria n.º 53/71, de 3 de fevereiro, cabia ainda assegurar, quanto à utilização de escadas, nelas incluídas, o escadote, e durante a utilização, a colocação de forma a garantir a sua estabilidade, que ficasse impedido o deslizamento dos apoios inferiores dos montantes, de dispositivo antiderrapante ou outro meio de eficácia equivalente, e a disposição em permanência de um apoio e de uma pega seguros; antes da utilização, a sua imobilização - artigo 38.º, n.ºs 1, 3, 6 e 8, do D.L. n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, e porque existia o risco de queda livre, aos arguidos cabia assegurar o uso de cinto de segurança, de forma e materiais apropriados, suficientemente resistente e que não permitisse uma queda livre superior a 1m, bem como cabos de amarração e respetivos elementos de fixação - artigo 151.º, n.ºs 1 e 2, e ponto 384.1 da 2.ª tabela anexa, da Portaria n.º 53/71, de 3 de fevereiro, atenta a situação em que era prestado o trabalho, sem limitação dos riscos limitados por meios técnicos de proteção coletiva, aos arguidos cabia garantir a utilização e fornecer a BB equipamento de proteção individual, para seu uso pessoal, e garantir o seu bom funcionamento, designadamente um capacete de proteção - artigos 3.º, n.º 1, 4.º, 5.º, n.º 3, e 6.º, alínea a), do D.L. n.º 348/93, de 1 de outubro, e anexo II da Portaria n.º 988/93, de 6 de outubro, e os arguidos, conhecedores destas normas de segurança, não implementaram os meios e os instrumentos nelas previstos, o que teria evitado o perigo para a vida e para a saúde e a queda livre de BB e as consequências dela resultantes, essencialmente a adoção de um cinto de segurança e dos meios necessários à amarração deste equipamento.
O arguido AA, por si e enquanto representante da sociedade e no seu interesse, e a sociedade arguida por seu intermédio, sabiam que lhes competia adotar esses meios e instrumentos e que, ao não o fazer, podia resultar perigo para a vida, ou pelo menos, de grave ofensa para o corpo de BB, bem como as consequentes lesões, o que tudo ocorreu porque os arguidos omitiram a implementação dos meios e dos mecanismos necessários a evitar esse perigo e o acidente. O arguido AA, por si e no interesse e por conta da sociedade arguida, e esta por seu intermédio, agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que lhes competia fornecer o equipamento de proteção e de uso individual e dotar o escadote das características e dos instrumentos necessários de fixação e segurança, e que, ao não o fazer, violavam disposições legais e regulamentares que os obrigavam e que eram capazes de observar e causavam insegurança para o trabalhador. Os arguidos podiam e deviam ter previsto que, agindo desse modo e não cumprindo as citadas regras de segurança, poderia ocorrer perigo para vida ou, pelo menos, de grave ofensa para o corpo de BB, e como resultado do perigo a que estava exposto, a queda e com isso as lesões acima descritas, tendo previsto como possível que tais perigo, contacto e lesões ocorressem, confiando, contudo, que não aconteceria e sabiam os arguidos que, atuando da forma descrita, praticavam atos proibidos e punidos por lei penal( pontos 13 a 22).
Quanto aos factos não provados, não se produziu e apresentou qualquer prova consistente destes, sendo alguns destes contraditórios com os que ficaram provados da contestação, como sucede, nesta fase por regras de experiencia comum e dado a parte final não provada do facto 6) - alinea b) não provado.
(…)”
*
III. Apreciação do recurso
3.1. Impugnação da matéria de facto – pontos 7, 8, 9, 16, 17 e 18 da sentença
A impugnação da decisão da matéria de facto, tal como disciplinada pelo artigo 412.º do Código de Processo Penal, consubstancia uma das expressões mais exigentes do direito ao recurso em processo penal. Este mecanismo não visa a mera reapreciação subjectiva ou emocional da convicção formada em audiência pelo julgador de primeira instância, mas sim um controlo rigoroso, técnico e delimitado da apreciação probatória, assente nos fundamentos formais e substanciais que a lei processual consagra. Exige-se, para tanto, que o recorrente cumpra de forma estrita o ónus de alegação imposto pelo legislador, o qual se desdobra em deveres concretos: (i) identificar com precisão os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (ii) indicar os meios de prova que, no seu entender, impõem decisão diversa; e (iii) demonstrar, por via de argumentação substantiva e não meramente retórica, a razão pela qual a convicção do tribunal a quo deve ser infirmada.
É neste quadro normativo que importa situar a apreciação do recurso interposto, onde os arguidos, sob a forma de interposição de recurso intentam obter a modificação de vários pontos da matéria de facto, sem, contudo, diga-se desde já, lograrem conformar-se integralmente com os rigores técnicos que esse tipo de impugnação impõe. Com efeito, conquanto se verifique a identificação formal dos segmentos da matéria de facto que os recorrentes pretendem ver alterados – nomeadamente os pontos 7.º, 8.º, 9.º, 16.º, 17.º e 18.º da sentença proferida – a argumentação que os sustenta mostra-se, desde logo, viciada por deficiências estruturais, imprecisões conceptuais e omissões determinantes, que impedem qualquer censura válida ao juízo valorativo efectuado pelo tribunal a quo.
A leitura atenta da motivação do recurso revela uma estratégia argumentativa centrada na alegada falta de suporte probatório para os factos referidos, recorrendo a uma interpretação restritiva e parcial de elementos pontuais da prova testemunhal e documental, bem como a inferências especulativas sobre a ausência de determinadas provas, como sejam registos fotográficos do escadote utilizado pela vítima, ou a inexistência de testemunhas presenciais do acidente. Esta construção, todavia, não é acompanhada da análise rigorosa dos meios de prova produzidos em audiência, nem da demonstração concreta de que esses mesmos meios impõem decisão diversa da proferida. O que se verifica é, sim, uma tentativa de substituir a valoração prudente, crítica e estruturada feita pelo julgador da 1.ª instância por uma leitura alternativa dos factos, alicerçada em suposições, sugestões e hipóteses que, não só não emergem da prova produzida, como colidem com o quadro factual que sustentou a convicção judicial.
O próprio modo como os recorrentes abordam o ponto relativo à altura da queda da vítima é revelador desta deficiente construção recursiva. Afirmam que não existindo prova directa da altura, nem testemunhas presenciais do acidente, tal facto não poderia ter sido considerado provado nos termos em que foi. Ora, este argumento parte de um pressuposto profundamente equivocado quanto ao valor da prova indirecta e ao juízo de inferência racional permitido ao julgador, sobretudo quando está em causa a reconstrução lógica de um acontecimento a partir de circunstâncias objectivamente comprovadas. A sentença recorrida, longe de incorrer em arbitrariedade, delineia com clareza os fundamentos de facto e de lógica que sustentam a conclusão de que a queda ocorreu de uma altura superior a um metro e inferior a dois, tendo como base a estrutura da galera, a posição necessária para a realização da tarefa de pintura, a configuração do escadote utilizado e a estatura do trabalhador sinistrado. Estes elementos conjugam-se com coerência probatória e correspondem a um exercício legítimo e tecnicamente irrepreensível de valoração segundo as regras da experiência comum, em conformidade com o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Do mesmo modo, quanto à alegação de que não foi demonstrado que o escadote se encontrava em mau estado de conservação, os recorrentes omitem deliberadamente a análise das declarações da vítima e dos demais meios de prova que, conjugadamente, permitiram ao tribunal concluir, com segurança, sobre a inexistência de condições de estabilidade do equipamento. É fundamental sublinhar que a prova testemunhal não exige, para ser valorada, que se encontre corroborada por prova documental ou pericial: o depoimento directo, quando coerente, isento de contradições internas e alinhado com os demais elementos dos autos, constitui meio de prova bastante para formar convicção sobre factos relevantes, tanto mais quando o julgador teve contacto directo com os intervenientes, podendo avaliar a sua credibilidade e espontaneidade em audiência pública, sob os princípios da imediação e oralidade.
Mas vejamos mais em detalhe:
Importa desde logo salientar que a impugnação da matéria de facto exige mais do que a expressão do desacordo do recorrente com a convicção do tribunal a quo: exige que se demonstre, com rigor técnico, que os meios de prova produzidos impõem, por força do seu conteúdo, uma decisão substancialmente diferente, o que equivale a afirmar que o juízo probatório do tribunal de primeira instância foi manifestamente contrário à realidade demonstrada em julgamento.
No recurso apresentado, os recorrentes referem, de forma reiterada, que os factos descritos nos pontos 7.º, 8.º e 9.º da matéria de facto dada como provada não se encontram minimamente sustentados pela prova produzida. Apontam, a título de exemplo, que a queda da vítima não foi presenciada por ninguém, que não há prova directa sobre a altura da queda, e que não existe nos autos qualquer registo fotográfico ou pericial do escadote alegadamente utilizado no momento do acidente. Esta linha argumentativa, como referido, além de deficiente do ponto de vista lógico, revela um claro equívoco quanto à natureza e força da prova indirecta ou circunstancial, a qual é perfeitamente válida no ordenamento jurídico penal português e, em muitas situações, decisiva para a formação da convicção do julgador.
A ausência de registo fotográfico ou pericial do escadote não retira, por si só, credibilidade ou valor às declarações produzidas em audiência, nomeadamente às declarações da própria vítima, que relatou com pormenor as condições de trabalho no momento do acidente, a natureza do equipamento utilizado, a forma como se deu a queda e a ausência de equipamentos de protecção individual fornecidos pela entidade empregadora. Este testemunho foi considerado pelo tribunal de primeira instância como credível, coerente e consistente com o restante acervo probatório. Não existindo razões objectivas para desvalorizar ou descredibilizar essas declarações, e tendo o tribunal recorrido exposto os motivos que fundaram a sua convicção, nos termos do artigo 374.º, n.º 2 do CPP, é inteiramente legítimo que a matéria de facto tenha sido fixada nos moldes em que o foi.
Além disso, a alegação de que a altura da queda não foi concretamente apurada, e que, portanto, não poderia ter sido dado como provado que a mesma ocorreu a uma altura superior a um metro e inferior a dois, enferma de grave insuficiência metodológica. Os autos incluem elementos suficientes para se concluir, de forma lógica e racional, sobre a altura aproximada da queda: desde logo, a altura do equipamento (galera) sobre o qual incidia a tarefa de pintura, o tipo de escadote utilizado, a posição estimada dos pés da vítima durante a execução do trabalho, bem como a própria altura da vítima, que é identificada nos autos como sendo de 1,65 metros. Quando o tribunal a quo afirma que, para aceder às partes intermédias das portas da galera – situadas a uma altura de aproximadamente dois metros – o trabalhador necessitava de recorrer a um escadote, está a realizar um juízo lógico e inferencial plenamente conforme com as regras da experiência comum, sendo esse raciocínio validado por prova fotográfica constante dos autos e pela estrutura habitual de veículos de transporte de carga da dimensão em causa.
O mesmo se diga quanto à alegação de que o escadote se encontrava em bom estado de conservação, tese que os recorrentes procuram sustentar com a menção genérica a compras de equipamentos de segurança em datas anteriores ao acidente. A prova produzida em audiência revelou que o escadote era antigo, apresentava deficiências estruturais e carecia de elementos de fixação que assegurassem a sua estabilidade, como previsto na legislação aplicável em matéria de segurança no trabalho. Este juízo foi extraído não apenas das declarações da vítima, mas também do conjunto de circunstâncias envolventes, incluindo o tipo de lesões sofridas, a dinâmica da queda e a ausência de dispositivos de segurança que pudessem ter mitigado ou evitado o impacto.
A tentativa dos recorrentes de desvalorizar a prova produzida, insistindo na ausência de testemunhas presenciais e na falta de documentos técnicos, ignora deliberadamente que o direito probatório penal não exige a existência de prova directa para todos os factos relevantes. O tribunal pode e deve socorrer-se de inferências racionais, assentes em prova indirecta, desde que fundadas num raciocínio lógico, coerente e conforme com os princípios do direito probatório e das máximas da experiência. Neste caso, a sentença recorrida apresenta uma fundamentação sólida, minuciosa e articulada, onde cada facto dado como provado encontra suporte numa cadeia de inferências legítimas e sustentadas.
Prosseguindo com a análise dos fundamentos invocados na impugnação da matéria de facto, apreciemos, pois, os pontos 16.º, 17.º e 18.º da decisão recorrida, os quais dizem respeito às obrigações específicas de segurança laboral imputadas aos arguidos, nomeadamente no que toca ao fornecimento e imposição do uso de equipamentos de protecção individual adequados à tarefa desempenhada pela vítima. A posição dos recorrentes quanto a estes pontos assenta na ideia de que o tribunal a quo terá dado como provados factos sem base probatória suficiente, insistindo uma vez mais na suposta ausência de prova documental ou técnica que confirme a omissão das medidas de segurança alegadamente devidas.
Contudo, este raciocínio assenta num equívoco básico quanto ao regime jurídico das obrigações do empregador em matéria de segurança e saúde no trabalho, e revela uma abordagem distorcida dos deveres de prova em processo penal. Com efeito, a Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, que estabelece o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, impõe ao empregador um dever jurídico-positivo de assegurar, em todos os aspectos do trabalho, as condições de segurança adequadas, de forma contínua e proactiva. Esta obrigação não se reduz à mera existência teórica de equipamentos ou à realização ocasional de formações: exige uma actuação sistemática e diligente, com vista à eliminação dos riscos laborais previsíveis. Neste quadro, quando se verifica que o trabalhador executava uma tarefa perigosa – nomeadamente trabalhos em altura – sem capacete, sem cinto de segurança, sem cabos de amarração ou qualquer outro dispositivo de retenção, e sem supervisão adequada, o ónus da demonstração de cumprimento das obrigações legais recai sobre o empregador, e não sobre o trabalhador ou o Ministério Público.
Ora, a sentença recorrida expõe de forma clara e fundamentada que, no momento da execução da tarefa, a vítima não dispunha de qualquer equipamento de protecção individual, circunstância que se revelou determinante para a ocorrência do acidente e para a gravidade das lesões sofridas. Tal conclusão não assenta em meras presunções, mas sim nas declarações prestadas em audiência pela vítima e por outras testemunhas, as quais foram objecto de valoração crítica pelo tribunal. A alegação dos recorrentes de que existiriam equipamentos disponíveis, embora guardados num local anexo ao espaço da oficina, não só não foi demonstrada com segurança como não tem virtualidade jurídica para descaracterizar o incumprimento das obrigações legais por parte da entidade empregadora. O simples facto de os equipamentos estarem fisicamente na posse da empresa não equivale, em absoluto, ao seu fornecimento efectivo ao trabalhador, nem à garantia do seu uso, especialmente quando a tarefa em causa comportava risco de queda livre superior a um metro.
É, pois, absolutamente irrelevante que os recorrentes tenham junto aos autos facturas de aquisição de capacetes datadas de anos anteriores ao acidente, ou que tenham indicado a existência de acções de formação gerais sobre segurança no trabalho. O que estava em causa era a verificação, no momento concreto da execução da tarefa que deu origem ao acidente, da disponibilização efectiva e da imposição do uso dos equipamentos exigidos pela lei. A ausência desses dispositivos no momento da queda constitui prova inequívoca da omissão do dever de segurança, e é precisamente esse juízo que o tribunal a quo consagra na matéria de facto dada como provada. A prova testemunhal produzida, designadamente os depoimentos prestados em julgamento, revelaram que a vítima não estava equipada com capacete nem com qualquer tipo de arnês ou cinto de retenção, sendo este facto corroborado, de forma indirecta, pela descrição das lesões sofridas, cuja gravidade se compatibiliza com uma queda não amortecida de altura significativa.
A argumentação dos recorrentes, ao ignorar deliberadamente este quadro probatório, procura transferir o centro da análise para a ausência de prova documental ou pericial autónoma, como se a única prova legítima fosse a documental ou a pericial técnica, o que não corresponde ao modelo de livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do CPP. Acresce, que o julgador da 1.ª instância dispõe de ampla margem de apreciação crítica da prova, cabendo ao tribunal de recurso apenas intervir quando se demonstre que essa convicção foi formada contra a prova produzida ou sem qualquer suporte racional. Tal não se verifica nos presentes autos.
É, portanto, patente que a impugnação da matéria de facto apresentada pelos recorrentes, relativamente aos pontos 16.º, 17.º e 18.º, não cumpre os requisitos substanciais exigidos pelo artigo 412.º, n.º 3, e, muito menos, logra demonstrar que a prova produzida em audiência impunha uma decisão diversa. Trata-se, antes, de uma tentativa de revisão da convicção do julgador através de uma releitura unilateral da prova, sem suporte técnico ou jurídico válido, e que desconsidera os princípios fundamentais da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova. O que se impõe, por conseguinte, é concluir que a sentença recorrida, na parte respeitante à matéria de facto impugnada, encontra-se amplamente fundamentada, em conformidade com os critérios legais, e que os meios de prova nela analisados suportam, com clareza, a convicção formada. A tentativa dos recorrentes de descredibilizar essa convicção é inócua e juridicamente insustentável.
Concluindo:
O artigo 412.º do Código de Processo Penal, ao estabelecer os requisitos de admissibilidade e substanciação da impugnação da decisão da matéria de facto, impõe ao recorrente um elevado grau de rigor e densidade argumentativa, exigindo que se demonstre, com objectividade e especificidade, de que modo os concretos meios de prova produzidos impõem, inequivocamente, uma conclusão distinta. Tal exigência não se satisfaz com meras discordâncias quanto à credibilidade das testemunhas ou com sugestões genéricas de que a convicção do tribunal poderia ter sido outra. A função do tribunal de recurso, nesta sede, não é a de substituir a convicção formada em primeira instância, mas tão-só a de controlar a racionalidade do iter decisório e a conformidade da decisão com a prova disponível. Nesse sentido, não se admite uma reapreciação arbitrária ou meramente alternativa da prova, sendo imprescindível que o recorrente demonstre que a decisão recorrida foi proferida em contradição com a prova existente ou em manifesta ausência de prova adequada.
A leitura da sentença revela um trabalho judiciário consciencioso, meticuloso e bem fundamentado, no qual o tribunal a quo enuncia com clareza os elementos que sustentaram a sua convicção, ponderando com equilíbrio e objectividade as declarações da vítima, as provas testemunhais, os documentos juntos aos autos e a análise técnico-jurídica da normatividade aplicável. Cada ponto da matéria de facto impugnado foi objecto de apreciação cuidada, em particular aqueles que se relacionam com a dinâmica da queda, o estado do escadote, a ausência de equipamentos de protecção individual e o incumprimento das obrigações legais por parte da entidade empregadora. A decisão não enferma de qualquer deficiência de fundamentação, não apresenta ilogicidade ou contradições internas e está inteiramente conforme com os princípios da livre apreciação da prova e da livre convicção do julgador, consagrados no artigo 127.º do CPP.
A impugnação apresentada pelos arguidos, ao procurar relativizar ou desvirtuar a credibilidade dos meios de prova avaliados em audiência, sem lograr demonstrar objectivamente a existência de erro de julgamento, não passa de um exercício argumentativo carente de base legal, que falha em preencher os pressupostos formais e substanciais da impugnação prevista no artigo 412.º do CPP. A insistência dos recorrentes em que a inexistência de prova directa ou documental específica invalida a matéria de facto dada como provada revela um entendimento inadequado do sistema probatório penal, que admite e valoriza legitimamente a prova indirecta e a inferência racional, desde que devidamente fundamentadas.
Em face de todo o exposto, conclui-se que a decisão da 1.ª instância deve ser integralmente mantida, não padecendo de qualquer vício que imponha a sua modificação ou revogação, e que o recurso interposto pelos arguidos, nesta parte é manifestamente improcedente. A sentença recorrida respeita os parâmetros legais aplicáveis, está suportada em prova idónea e suficientemente analisada, e não merece qualquer censura. A tentativa de alteração da matéria de facto assente em alegações genéricas, inconcludentes e desprovidas de sustentação técnica não pode, por conseguinte, ser acolhida.
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3.2. Inexistência de culpa do arguido AA, por delegação de funções e ausência de ligação directa aos factos
A questão da imputabilidade subjectiva ao arguido AA repousa sobre uma construção argumentativa que procura dissociar a responsabilidade penal do administrador com base na delegação de funções dentro da estrutura organizacional da sociedade arguida. A argumentação desenvolvida pelos recorrentes propõe que, não obstante a posição formal de gerente único assumida pelo referido arguido desde ..., a complexidade funcional do grupo empresarial, composto por diversas sociedades e com mais de duzentos trabalhadores, implicaria a existência de uma distribuição prática de responsabilidades, designadamente no que respeita à segurança no trabalho, cuja implementação e fiscalização estariam confiadas a estruturas internas especializadas, como chefes de oficina e técnicos de segurança.
Esta tese, embora insistentemente reiterada ao longo do recurso e da resposta ao parecer subsequente, não encontra qualquer respaldo sério no regime jurídico aplicável nem na prova produzida nos autos.
Vejamos:
A primeira observação a formular prende-se com a tentativa, recorrente na prática judiciária, de construir uma espécie de escudo jurídico protector a favor de titulares de órgãos de administração de empresas, invocando para o efeito a descentralização funcional interna como argumento impeditivo da responsabilização penal. Trata-se de um raciocínio falacioso a qual tem reiterado que o exercício de funções de gestão numa entidade patronal não se resume a uma actividade simbólica ou protocolar, mas implica, salvo prova inequívoca em contrário, o dever de zelar pela conformidade legal da actuação da sociedade, especialmente nos domínios da segurança e saúde no trabalho.
O artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal consagra que, nos casos em que a responsabilidade penal da pessoa colectiva depende da actuação de um órgão ou representante, a responsabilidade do titular desse órgão não se extingue por força da personalidade jurídica da entidade colectiva. Acresce que, nos termos da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, e da demais legislação regulamentar aplicável, compete ao empregador assegurar, de forma efectiva e permanente, as condições de segurança e saúde dos trabalhadores, e não apenas instituir normas formais ou designar técnicos para a sua execução. O dever de garantia que incumbe ao empregador, no plano jurídico-penal, exige uma actuação diligente, proactiva e permanente, sob pena de responsabilidade por omissão relevante nos termos dos artigos 10.º do Código Penal.
Ora, no caso sub judice, a sentença recorrida demonstra com clareza que o arguido AA, para além de deter formalmente a gerência exclusiva da sociedade arguida, assumia na prática a condução dos principais actos de gestão, incluindo a contratação de trabalhadores, a definição das condições de trabalho e a representação externa da empresa. Esta posição de direcção efectiva, comprovada por prova documental e testemunhal, confere-lhe a titularidade do dever jurídico de implementar as normas legais de segurança e de garantir a sua efectiva aplicação. A alegação de que a fiscalização das condições de segurança incumbia ao técnico de segurança ou ao chefe de oficina não constitui causa de exclusão da culpa, mas tão-só a tentativa de uma delegação ineficaz, na medida em que não elimina a posição de garante que sobre ele impendia, nem o liberta do dever de supervisão, coordenação e controlo da actividade daqueles subordinados.
A mera delegação formal ou prática de funções não exonera o superior hierárquico do dever de vigilância e prevenção. Com efeito, a posição de gerente ou administrador de uma sociedade empregadora implica uma responsabilidade objectiva de garantir o cumprimento das obrigações legais em matéria de segurança no trabalho, sendo irrelevante que, na prática quotidiana, parte dessas funções seja exercida por outros colaboradores. A responsabilidade penal não se afasta pela criação de compartimentos funcionais, nem pela existência de departamentos específicos, se o agente se mantiver em posição de garante e se demonstrar que, com o mínimo de diligência, podia e devia ter evitado o resultado danoso.
A sentença ora recorrida fundou-se em prova bastante para considerar que o arguido, enquanto gerente único da sociedade, tinha conhecimento das condições de trabalho a que os funcionários estavam sujeitos, dos riscos inerentes às tarefas executadas e da inexistência de equipamentos de protecção individual no momento do acidente. Ficou igualmente demonstrado que o equipamento utilizado pelo trabalhador acidentado – o escadote em causa – se encontrava em estado deficiente de conservação e que a tarefa de pintura implicava risco elevado de queda, tudo circunstâncias que o gerente não só devia conhecer como tinha a obrigação legal de prevenir. A sua omissão, livre, consciente e reiterada, em assegurar o fornecimento de dispositivos mínimos de protecção, consubstancia não apenas negligência, mas violação dolosa de normas legais imperativas, com relevância penal nos termos do artigo 152.º-B do Código Penal.
A alegação de que a estrutura empresarial impedia o conhecimento directo das condições concretas de trabalho não resiste à análise crítica da prova, nem constitui escusa juridicamente admissível. Tal como decorre das regras da experiência comum, a responsabilidade penal por omissão não se afasta com base na multiplicidade de tarefas do agente, na dimensão da empresa ou na existência de pessoal intermédio. A posição de comando e a função de garante implicam o dever de organizar a empresa de modo a prevenir riscos previsíveis, assegurando não apenas a existência de meios técnicos, mas a sua efectiva utilização, bem como a fiscalização permanente do seu cumprimento. O que os autos revelam é precisamente o contrário: uma cultura de laxismo organizacional e de omissão sistemática de obrigações essenciais, perante as quais o arguido não pode invocar desconhecimento ou excesso de confiança.
A argumentação de que o arguido não teria culpa pelos factos em causa, por alegada delegação de funções e ausência de ligação directa aos comportamentos omissivos que determinaram o acidente laboral, padece de uma fragilidade jurídica insuperável. Tal argumentação, para além de inconveniente no plano probatório, colide de forma frontal com os princípios fundamentais da responsabilidade penal por omissão e com o regime legal aplicável aos titulares de órgãos de administração de entidades empregadoras. A questão da culpa, neste contexto, não se esgota na verificação da participação física do agente nos actos lesivos, mas exige uma análise funcional e normativa da sua posição enquanto garante da observância da legalidade, designadamente no plano da segurança laboral.
A responsabilidade penal por omissão encontra o seu fundamento nos artigos 10.º, 13.º e 152.º-B do Código Penal, quando o agente se encontre juridicamente vinculado à prevenção de um determinado resultado. A posição de garante do arguido, decorrente da sua qualidade de gerente único da sociedade arguida, configura precisamente uma dessas situações típicas em que a lei lhe comete, com exclusividade e imperatividade, o dever jurídico de evitar a produção de resultados lesivos, sendo-lhe exigível a adopção de medidas que, com probabilidade elevada, impediriam a ocorrência do acidente ou mitigariam as suas consequências. Esta posição de garante não se encontra derrogada pela eventual existência de outros trabalhadores responsáveis por tarefas específicas na empresa, pois a delegação de funções não equivale, em termos jurídicos, à delegação da responsabilidade.
Neste ponto, importa recordar que a culpa, enquanto elemento subjectivo do ilícito penal, compreende não apenas a consciência do agente quanto ao risco criado pela sua omissão, mas também a exigibilidade de uma conduta diversa – o que se encontra amplamente verificado no caso concreto. A conduta do arguido, consubstanciada na omissão de medidas mínimas de protecção para uma tarefa de risco previsível, preenche inteiramente o juízo de censurabilidade que está na base da culpa penal, sendo evidente que lhe era exigível uma actuação positiva: desde a instrução rigorosa dos trabalhadores, ao fornecimento efectivo dos equipamentos de segurança, até à fiscalização do seu uso em contexto operativo.
A prova dos autos revelou, sem margem para dúvida, que o trabalhador sinistrado não dispunha, no momento do acidente, de capacete de protecção, de arnês, de cinto de segurança com cabos de amarração ou de escadote em condições de estabilidade e segurança. Mais se demonstrou que o acidente decorreu da queda provocada por desequilíbrio num equipamento deficiente, utilizado numa tarefa executada a cerca de dois metros de altura. O arguido, conhecedor da organização da empresa, das funções desempenhadas pelos trabalhadores e dos riscos associados à actividade de pintura de veículos pesados, não apenas não tomou medidas eficazes para garantir a segurança do trabalhador, como se desinteressou activamente da supervisão das tarefas, limitando-se, conforme declarou em audiência, a "viabilizar financeiramente" a aquisição de materiais que lhe fossem propostos. Esta atitude revela um grau de desvalorização da função de garante que, sendo voluntária, consciente e reiterada, preenche de forma inequívoca o elemento subjectivo do tipo legal imputado.
Não colhe, por conseguinte, o argumento de que a ausência de culpa decorre da alegada impossibilidade de controlar todas as actividades desenvolvidas nas empresas do grupo, nem da eventual delegação prática de funções a outros colaboradores. É, pois, de afastar este tipo de alegações como causa de exclusão de culpa, salientando que quem aceita exercer funções de gerência ou de direcção assume, com essa função, a responsabilidade pessoal e intransmissível pela organização e fiscalização das condições laborais. Não se trata, pois, de exigir do arguido uma omnipresença funcional, mas sim de assegurar que, enquanto garante jurídico, criou e aplicou mecanismos eficazes de prevenção dos riscos previsíveis, o que manifestamente não sucedeu nos presentes autos. A omissão das obrigações de fiscalização e de implementação de medidas de segurança não é uma mera falha administrativa: é uma conduta juridicamente censurável, que se integra no tipo penal previsto no artigo 152.º-B do Código Penal e que gera responsabilidade tanto para a pessoa colectiva como para o seu representante legal.
A tentativa de escudar-se na complexidade estrutural do grupo empresarial e na descentralização das funções operacionais constitui, no fundo, uma estratégia de desresponsabilização que contradiz os próprios princípios estruturantes do direito penal do trabalho. A função de garante, nos termos da lei, é inseparável do exercício do poder directivo, e quem aceita esse poder – com as vantagens patrimoniais e estatutárias que lhe são inerentes – não pode, em caso de falha, pretender exonerar-se das obrigações correlativas. O sistema penal não tolera um modelo de gestão que apenas reconhece os méritos do cargo quando corre bem, mas rejeita as consequências legais quando, por acção ou omissão, se infringe gravemente a ordem jurídica.
Concluindo, é forçoso afirmar que a tese sustentada pelos recorrentes, segundo a qual o arguido AA não poderia ser responsabilizado pelos factos em causa por ausência de culpa, não resiste a uma leitura crítica e rigorosa à luz do direito penal. A argumentação centrada na alegada delegação de funções, na ausência de contacto directo com o trabalhador sinistrado e na complexidade estrutural da empresa não configura, nem pode configurar, uma causa de exclusão da responsabilidade subjectiva. Pelo contrário, a prova constante dos autos, devidamente valorada e fundamentada pelo tribunal a quo, demonstra que o arguido se encontrava numa posição funcional e jurídica que lhe impunha o dever de prevenir o risco que se veio a concretizar, sendo-lhe exigível a adopção de comportamentos positivos e diligentes que, se praticados, teriam evitado o acidente.
A culpa penal, no plano da omissão, consubstancia-se na violação de um dever de garante, acompanhado de censurabilidade concreta pela conduta omissiva do agente. No caso sub judice, o arguido, enquanto gerente único da sociedade empregadora, não só detinha a responsabilidade formal pela gestão da empresa, como exercia, de forma efectiva, funções directivas que lhe permitiam (e impunham) controlar as condições de segurança em que os trabalhadores exerciam as suas tarefas. O seu incumprimento sistemático dessas obrigações – que incluiu a ausência de imposição do uso de equipamentos de protecção individual, a inexistência de fiscalização dos meios técnicos de acesso utilizados e a falta de verificação das condições operacionais da tarefa executada – não pode ser reconduzido a uma mera negligência ocasional ou a um erro de supervisão: traduz-se numa conduta omissiva relevante à luz do direito penal, porquanto viola de forma directa e consciente o dever jurídico de proteger a integridade física do trabalhador.
O facto de o arguido ter instituído, em abstracto, alguns mecanismos formais de segurança (como a designação de técnico de segurança ou a aquisição genérica de equipamentos em anos anteriores) não o exime da responsabilidade concreta pelo incumprimento desses deveres no momento do acidente. A posição de garante exige um controlo efectivo da legalidade no domínio que lhe está confiado, e não apenas a criação de estruturas que, na prática, se revelam inoperantes. A culpa do arguido resulta precisamente dessa atitude de desinteresse funcional e de ausência de controlo material sobre a actividade concreta dos trabalhadores, demonstrando-se que, ao não actuar, violou conscientemente o seu dever de agir, colocando os trabalhadores numa situação objectiva de perigo que veio a concretizar-se com consequências gravosas.
Do ponto de vista dogmático, não há margem para afastar a imputação subjectiva com base nos argumentos esgrimidos pelos recorrentes.
Por conseguinte, o recurso deve ser julgado improcedente, nesta parte.
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3.3. Falta de preenchimento do tipo objectivo e subjectivo do crime de violação de regras de segurança (artigo 152.º-B do CP)
A imputação da prática do crime de violação de regras de segurança, previsto no artigo 152.º-B do Código Penal, exige, como é próprio do modelo penal de incriminação, a verificação cumulativa de um tipo objectivo e de um tipo subjectivo. No plano objectivo, a norma penal exige que o agente, enquanto responsável por uma actividade profissional, industrial ou laboral, omita a adopção de medidas legalmente exigidas de protecção da vida ou da integridade física dos trabalhadores, colocando-os numa situação de perigo concreto, susceptível de produzir um resultado danoso. No plano subjectivo, impõe-se a verificação, pelo menos, do dolo genérico, na forma de representação, isto é, a consciência e vontade de omitir o comportamento devido, com conhecimento do risco que tal omissão comporta.
A análise do tipo objectivo não pode ser dissociada da estrutura normativa em que a incriminação se insere. O artigo 152.º-B é uma norma penal em branco, que se completa com os deveres jurídicos previstos na legislação laboral e na regulamentação técnica sobre segurança e saúde no trabalho. No caso sub judice, o conteúdo normativo relevante encontra-se plasmado, nomeadamente, na Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, no Decreto-Lei n.º 50/2005 e no Código do Trabalho, os quais estabelecem obrigações concretas do empregador quanto à identificação e prevenção de riscos profissionais, fornecimento de equipamentos de protecção individual, formação adequada, fiscalização do cumprimento das normas de segurança e intervenção activa na eliminação ou redução de situações de perigo.
Ora, a sentença recorrida identificou, com minucioso rigor, que os factos dados como provados revelam o incumprimento directo dessas obrigações. O trabalhador sinistrado executava uma tarefa classificada, nos termos da legislação aplicável, como trabalho em altura – a pintura da lateral de uma galera –, sem capacete, sem arnês ou cinto de retenção e utilizando um escadote instável, em mau estado de conservação. Estes elementos demonstram, de forma inequívoca, que a entidade empregadora – e, por via da posição funcional do seu gerente, o arguido AA – não assegurou o cumprimento das exigências legais mínimas em matéria de segurança. Tal omissão é tanto mais grave quanto a previsibilidade do risco era elevada, sendo notório que uma queda de altura, em contexto laboral, constitui uma das ocorrências mais frequentes e mais severas no domínio da sinistralidade profissional.
A argumentação dos recorrentes, segundo a qual não houve, objectivamente, violação de deveres legais por inexistência de prova técnica ou documental específica, não apenas falha no plano jurídico como ignora o entendimento que afirma que o tipo objectivo do artigo 152.º-B do Código Penal se preenche com a colocação do trabalhador numa situação concreta de perigo, resultante da omissão das medidas exigidas pelas normas técnico-legais aplicáveis. A verificação dessa situação de perigo não exige que se demonstre, por via de relatório pericial ou registo fotográfico, cada elemento em falta, bastando que, no conjunto da prova testemunhal e documental, resulte demonstrado que o trabalhador executava a tarefa em condições inseguras, imputáveis ao empregador. No presente caso, os meios de prova considerados credíveis pela 1.ª instância – designadamente o depoimento da vítima e a descrição da dinâmica do acidente – suportam com clareza a conclusão de que a omissão das medidas de segurança criou um perigo concreto e directo para a integridade física do trabalhador, que veio a materializar-se sob a forma de lesões graves.
No plano do tipo subjectivo, também não colhe a alegação de que o arguido não tinha consciência do risco ou não podia prever a ocorrência do acidente. Tal como se demonstrou na análise antecedente, a posição de gerente único da sociedade atribui ao arguido um dever jurídico de garante, implicando o conhecimento dos riscos associados às tarefas desempenhadas pelos seus trabalhadores e a obrigação de agir para os prevenir. A omissão da conduta devida – fornecimento de equipamentos, fiscalização da sua utilização, formação adequada e vigilância activa – é, no contexto do regime penal, suficiente para preencher o elemento subjectivo do tipo legal, uma vez que o arguido, mantendo-se deliberadamente inactivo face a um risco previsível, actuou com dolo eventual, assumindo a possibilidade de que a sua omissão pudesse causar dano aos trabalhadores. O dolo não exige que o agente antecipe com exactidão o modo de produção do resultado, mas tão-só que compreenda o risco da sua inacção e, ainda assim, opte por não actuar. A prova recolhida em audiência permite concluir, com segurança, que o arguido tinha perfeita consciência de que a tarefa em causa comportava riscos e que nada fez para os neutralizar.
Esta conclusão é reforçada pelo facto de a entidade empregadora não ter implementado qualquer mecanismo eficaz de controlo ou supervisão da segurança nas operações quotidianas. A invocação da existência de um técnico de segurança, cuja actuação concreta nunca foi demonstrada nos autos, é insuficiente para afastar o dolo, tanto mais que os elementos colhidos em julgamento indicam que não existiam ordens claras, procedimentos internos padronizados, nem sequer um sistema mínimo de fiscalização funcional. A omissão do arguido, reiterada e institucionalizada, revela um grau de indiferença perante o cumprimento das normas legais que, juridicamente, equivale à aceitação do risco como consequência da sua própria inacção.
Nesta medida, a condenação do arguido AA pelo crime de violação de regras de segurança não apenas é legítima e proporcional, como representa a aplicação rigorosa e tecnicamente fundamentada dos princípios que norteiam a tutela penal da segurança laboral. A subsunção dos factos ao artigo 152.º-B do Código Penal encontra-se, pois, inteiramente preenchida nos seus pressupostos objectivos e subjectivos, não havendo qualquer falha, deficiência ou excesso na qualificação jurídica operada pelo tribunal de primeira instância. Qualquer tentativa de esvaziar a norma penal mediante a invocação de alegadas dificuldades de controlo ou desconhecimento técnico revela-se incompatível com o dever de diligência funcional que impende sobre quem assume, voluntariamente, a direcção de uma entidade empregadora.
Concluindo, torna-se manifesto que a argumentação dos recorrentes, segundo a qual não se verificam os elementos objectivos e subjectivos do crime previsto no artigo 152.º-B do Código Penal, carece de fundamento factual e jurídico, revelando-se inócua face ao quadro probatório e normativo em que assenta a condenação proferida pelo tribunal de primeira instância. A imputação da prática de um crime de violação de regras de segurança laboral exige, nos termos da referida norma, a demonstração de que o arguido, na qualidade de responsável por uma entidade empregadora, omitiu a adopção de medidas legalmente exigidas para protecção da integridade física dos trabalhadores, colocando-os em situação de perigo concreto. Exige-se ainda que essa omissão decorra de uma actuação dolosa, ainda que sob a forma eventual, traduzindo a consciência da omissão e a aceitação do risco que tal conduta implica.
No caso sub judice, a sentença recorrida demonstrou, com base em prova sólida e devidamente fundamentada, que o trabalhador sinistrado executava uma tarefa perigosa – pintura da lateral de um veículo de grande porte – sem os equipamentos de protecção obrigatórios, designadamente capacete, arnês, cinto de segurança ou qualquer sistema de retenção, utilizando para o efeito um escadote em mau estado de conservação. A empresa não apenas não forneceu os equipamentos de protecção exigidos por lei, como não fiscalizou a sua utilização, nem promoveu medidas organizativas destinadas a prevenir os riscos associados a esse tipo de operação. Esta omissão objectiva corresponde, de forma directa e inequívoca, à violação das obrigações previstas na legislação de segurança e saúde no trabalho, os quais impõem ao empregador um dever proactivo de eliminação ou redução dos riscos profissionais.
O tipo objectivo do crime em causa está, pois, preenchido. O perigo concreto, juridicamente relevante, resultou da conjugação de factores que podiam e deviam ter sido prevenidos pela entidade empregadora, sob pena de violação de deveres de garantia com relevância penal. O argumento de que não existem elementos periciais que atestem a insegurança do escadote ou a exacta altura da queda é, além de juridicamente irrelevante, contraditado pela prova testemunhal e pelas inferências válidas extraídas da análise da dinâmica do acidente. A valoração da prova, realizada com base nas regras da experiência comum e nos princípios da livre convicção do julgador, permitiu apurar que o trabalhador foi exposto a uma situação de perigo concreto, evitável mediante o cumprimento de obrigações legais elementares, o que consubstancia, em termos dogmáticos, o conteúdo típico do ilícito.
Quanto ao tipo subjectivo, também não subsistem dúvidas de que o arguido AA actuou com dolo, ao omitir, de forma reiterada e consciente, as condutas a que estava juridicamente obrigado. Como gerente único da sociedade, cabia-lhe assegurar que os trabalhadores desempenhavam as suas funções em condições de segurança adequadas, o que manifestamente não sucedeu. A sua passividade face à inexistência de equipamentos, à ausência de formação específica e à utilização de estruturas inseguras revela uma postura de indiferença perante o risco, incompatível com o standard de diligência exigido por lei a quem ocupa posição de garante. O dolo eventual, forma mínima do elemento subjectivo, resulta da aceitação do risco como possível consequência da omissão, o que ficou demonstrado pelo modo como o arguido organizou (ou deixou de organizar) a actividade laboral da empresa.
Esta conclusão articula-se de modo orgânico com a análise anteriormente desenvolvida sobre a responsabilidade pessoal do arguido enquanto garante. A alegada delegação de funções, a estrutura complexa da empresa e a confiança nos quadros intermédios não bastam, em direito penal, para excluir a imputabilidade do agente, quando está demonstrado que este se absteve de actuar em domínios cuja fiscalização lhe incumbia directamente por força da lei.
Em face do exposto, conclui-se que a condenação do arguido pela prática do crime previsto no artigo 152.º-B do Código Penal é não apenas legítima, mas juridicamente irrepreensível. Os factos dados como provados preenchem integralmente o tipo objectivo e o tipo subjectivo do ilícito. A impugnação apresentada, ao tentar invocar uma alegada ausência de tipicidade, falha tanto na análise factual como na interpretação normativa, não apresentando qualquer argumento susceptível de abalar a solidez da decisão recorrida. O recurso deve, assim, ser também julgado improcedente, nesta parte.
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3.4. Responsabilidade penal da pessoa colectiva mal fundamentada (artigo 11.º, n.º 2, al. a) do CP)
A imputação penal da pessoa colectiva constitui uma das mais relevantes mutações dogmáticas do direito penal moderno, rompendo com o princípio societas delinquere non potest e acolhendo, no ordenamento jurídico, a responsabilidade das entidades colectivas pela prática de factos ilícitos quando estes são cometidos no seu interesse e por conta da sua estrutura organizativa. O artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal consagra este regime, estabelecendo que as pessoas colectivas são criminalmente responsáveis pelos factos praticados por quem nelas ocupe uma posição de liderança, designadamente os titulares dos respectivos órgãos ou representantes legais, quando os mesmos ajam no exercício das suas funções e em nome ou benefício da organização.
Esta previsão legal pressupõe, para o efeito da imputação, uma actuação típica e ilícita de um sujeito individual qualificado, que actue no interesse da pessoa colectiva, assim como a inexistência de causas de exclusão da responsabilidade desta última – como, por exemplo, a adopção de modelos de prevenção eficazes ou a actuação dolosa do agente em benefício próprio e contra ordens expressas da organização. A responsabilidade penal da pessoa colectiva é, por isso, uma responsabilidade mediata, ou seja, que depende da actuação de um agente singular que a vincule funcionalmente, dentro de um quadro de estrutura orgânica.
Ora, a decisão recorrida, ao condenar a XX, Lda., fê-lo com base na actuação do seu gerente único, AA, nos termos da norma acima referida. Os recorrentes, todavia, sustentam que tal responsabilização se encontra mal fundamentada, uma vez que a sentença não teria demonstrado de forma suficiente a ligação entre o comportamento do arguido e a actuação da sociedade, nem o alegado benefício da pessoa colectiva com o ilícito cometido. Tal argumento, contudo, não consegue resistir a uma análise crítica da estrutura dogmática da responsabilidade penal colectiva, nem à leitura atenta da fundamentação constante dos autos.
Desde logo, a sentença recorrida traça com clareza o percurso argumentativo que conduz à imputação da responsabilidade penal da empresa. Ficou demonstrado que o arguido AA, na qualidade de gerente único, detinha a plenitude dos poderes de direcção e representação da sociedade, exercendo efectivamente tais funções, nomeadamente na definição das condições de trabalho dos funcionários, na afectação dos recursos materiais da empresa, na contratação de pessoal e na supervisão da execução das tarefas. A sua actuação omissiva, ao não assegurar o cumprimento das obrigações legais em matéria de segurança laboral, não foi um acto isolado ou pessoal, mas um comportamento jurídico-funcional ocorrido no exercício das suas funções de administração. Trata-se, pois, de um acto imputável à própria organização empresarial, na medida em que a sociedade se estrutura precisamente a partir da vontade e da actividade dos seus órgãos, sendo estes o seu modo próprio de acção no mundo jurídico.
A alegação de que não se provou qualquer benefício concreto da sociedade com a prática da infracção revela, mais uma vez, uma compreensão incompleta da estrutura típica do artigo 11.º do Código Penal. O benefício a que se refere a norma não é um proveito económico imediato ou quantificável, mas antes um interesse organizacional ou funcional, entendido como o resultado natural do funcionamento da empresa com base nos actos praticados pelos seus dirigentes.
In casu, o benefício que a sociedade visou obter foi precisamente o desempenho de uma actividade laboral com maior celeridade, comodidade ou economia de meios, nomeadamente através da não disponibilização de equipamentos de protecção individual ou da ausência de investimento em dispositivos de segurança. Esta omissão, ainda que gravemente ilegal, corresponde a uma prática organizacional que redunda, num primeiro momento, num benefício empresarial – típico, aliás, das práticas negligentes que o legislador pretendeu sancionar com o artigo 152.º-B do Código Penal.
Não é exigido, em termos dogmáticos, que se demonstre um lucro líquido ou uma vantagem objectiva no resultado final da actividade ilícita. Basta que a conduta do representante legal tenha sido praticada no interesse e por conta da pessoa colectiva, o que se verifica de forma inequívoca nos autos, como decorre da forma como a empresa se organizava, das instruções dadas (ou omitidas) pelo gerente e da ausência de medidas efectivas para a prevenção de riscos. A empresa, enquanto centro de imputação de deveres jurídicos, falhou de forma grosseira no cumprimento das suas obrigações legais, por via da actuação do seu representante. Essa falha foi funcional, previsível e estrutural – não se tratando de uma conduta pessoal do arguido, mas de uma omissão com repercussão directa na forma como a empresa exercia a sua actividade no mercado.
De igual modo, a imputação da responsabilidade penal à pessoa colectiva não exige que se demonstre a existência de uma política deliberada de violação da lei, bastando que a infracção resulte de uma omissão sistemática e institucionalizada de comportamentos que a norma legal impõe. É precisamente isso que se verifica no presente caso: a empresa, através do seu órgão de gestão, omitiu a implementação de medidas básicas de segurança no trabalho, numa área onde o risco era elevado e as obrigações legais eram claras e concretas. O acidente que se veio a verificar decorre directamente dessa falha estrutural, sendo esta a razão pela qual a responsabilidade da sociedade não só foi correctamente imputada como se encontra plenamente fundamentada na prova dos autos e no quadro normativo aplicável.
A crítica formulada pelos recorrentes, segundo a qual a sentença padece de deficiência argumentativa por não ter demonstrado de forma suficiente a existência de uma conduta imputável à sociedade e a obtenção de um benefício próprio, revela-se infundada, tanto à luz dos factos provados como do quadro normativo aplicável.
O elemento central da imputação penal à pessoa colectiva reside na actuação de um representante legal – no caso, o arguido AA – no exercício das suas funções e em nome ou por conta da organização. Este requisito encontra-se amplamente verificado nos autos. Como gerente único da sociedade, o arguido exercia a direcção efectiva da empresa, sendo o único responsável pela definição das condições de trabalho, pela organização da actividade operacional e pela adopção de medidas de segurança. A sua omissão consciente e reiterada das obrigações legais em matéria de protecção da integridade física dos trabalhadores – obrigações essas claras, específicas e impostas pela Lei n.º 102/2009 – constitui não apenas uma infracção individual, mas uma falha institucional, cuja origem reside na estrutura e no modo de funcionamento da própria empresa.
Não subsiste dúvida de que os factos praticados pelo arguido ocorreram no âmbito da actividade empresarial e no interesse organizacional da sociedade arguida. A falta de equipamentos de protecção, a ausência de fiscalização e a tolerância com práticas operacionais de risco resultam de decisões (ou omissões) que, sendo imputáveis ao seu gerente, reflectem a conduta da empresa enquanto pessoa jurídica. A imputação penal não decorre da responsabilidade objectiva, mas sim da integração do facto ilícito praticado pelo dirigente no plano funcional e organizativo da pessoa colectiva.
As sociedades comerciais são penalmente responsáveis pelas acções ou omissões dos seus dirigentes quando estas se inscrevem no exercício das respectivas competências e não colidam com determinações expressas ou com planos de prevenção eficazmente implementados – o que, manifestamente, não é o caso.
A tentativa de afastar essa responsabilidade com o argumento de que não houve prova de benefício directo ou imediato para a empresa falha no essencial. O “benefício” a que alude a norma penal não se reduz a um ganho material, financeiro ou patrimonial. Trata-se, antes, de um benefício funcional, consistente na prossecução de objectivos empresariais (produção, cumprimento de prazos, contenção de custos operacionais) à custa da omissão de deveres legais. O benefício pode assumir a forma de redução de custos, simplificação de procedimentos, aceleração de tarefas ou qualquer outra vantagem prática que resulte da inobservância das obrigações legais. In casu, a omissão de investimentos em equipamentos de segurança, a ausência de controlo interno sobre as condições de trabalho e a tolerância perante comportamentos de risco revelam uma lógica organizacional centrada na maximização da eficiência produtiva com negligência pela legalidade – o que consubstancia, inequivocamente, um benefício funcional, ainda que obtido à margem da lei.
De igual modo, não se verifica qualquer deficiência na fundamentação da sentença quanto à ligação entre o comportamento do arguido e a actuação da sociedade. A decisão recorrida explicita a posição de liderança do gerente, a ausência de qualquer sistema efectivo de fiscalização interna, a inexistência de protocolos de segurança ou registos de formação prática e a dinâmica concreta da tarefa que originou o acidente. Todos estes elementos foram integrados na análise probatória com rigor e sistematicidade, permitindo concluir que a omissão das medidas de segurança não se deveu a um erro ocasional ou a um desvio pessoal do dirigente, mas sim a uma falha estrutural da própria organização empresarial. Esta falha constitui o núcleo da responsabilidade penal da pessoa colectiva: uma conduta omissiva funcional, praticada no exercício das funções de gestão e em benefício da dinâmica operativa da empresa.
A crítica dos recorrentes, ao reduzir a responsabilidade penal da pessoa colectiva a uma mera consequência reflexa da responsabilidade individual do gerente, ignora que a autonomização da imputação colectiva decorre precisamente da circunstância de que os órgãos da sociedade não actuam apenas em nome próprio, mas representam a vontade jurídica da empresa. Quando essa vontade se expressa através de condutas violadoras da lei penal, cometidas no exercício das funções orgânicas e no interesse funcional da empresa, está preenchido o modelo de responsabilidade que o artigo 11.º do Código Penal consagra.
Em face de todo o exposto, impõe-se concluir que a sentença recorrida está devidamente fundamentada no que respeita à responsabilidade penal da pessoa colectiva, não se verificando qualquer vício de fundamentação, de subsunção jurídica ou de estruturação dogmática. Os factos dados como provados preenchem os pressupostos legais exigidos para a condenação da sociedade, sendo a imputação penal feita com base numa actuação funcional do seu representante, em benefício da sua actividade e no exercício das suas funções. A tese dos recorrentes, que pretende afastar essa responsabilidade com base numa leitura restritiva e materialista do conceito de benefício, não encontra acolhimento na lei nem na jurisprudência dominante. O recurso, nesta parte, é manifestamente improcedente, devendo ser rejeitado por ausência de fundamento jurídico bastante.
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3.5. Aplicação da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto)
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, aprovada pelo Parlamento português em virtude da realização da Jornada Mundial da Juventude, estabelece um regime excepcional de amnistia e perdão de penas, com fundamentos expressamente indicados de natureza político-criminal e simbólica. Trata-se de uma medida de clemência colectiva, adoptada em contexto extraordinário e orientada por critérios previamente definidos, tanto de natureza objectiva como subjectiva, cuja aplicação deve obedecer a uma leitura estrita, compatível com os princípios estruturantes do direito penal constitucional.
A aplicação desta lei foi suscitada no âmbito do recurso interposto nos presentes autos, tendo o recorrente alegado que se encontrava abrangido pelo seu regime, e que a não aplicação do benefício da amnistia à sua situação jurídica representaria uma forma de exclusão arbitrária, alegadamente violadora de princípios constitucionais como o da igualdade, da legalidade penal e da proporcionalidade. Importa, por isso, apreciar com rigor técnico os requisitos fixados na Lei da Amnistia, os factos dados como provados na decisão recorrida, e a eventual pertinência das invocadas objecções constitucionais.
Nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, a medida de amnistia aplica-se às infracções penais cometidas por pessoas com idade compreendida entre os 16 e os 30 anos à data da prática do facto. Esta condição, de natureza subjectiva, não suscita qualquer obstáculo relevante no caso concreto, uma vez que o arguido se encontra dentro do intervalo etário fixado. Já no plano objectivo, o artigo 4.º da mesma lei estipula, de forma clara e taxativa, que são amnistiadas apenas as infracções penais às quais corresponda, em abstracto, uma pena de prisão não superior a um ano, ou uma pena de multa não superior a 120 dias.
É precisamente neste ponto que se encontra o núcleo da ininteligibilidade da pretensão dos recorrentes. Os factos que lhes foram imputados foram subsumidos ao crime previsto no artigo 152.º-B, n.º 2, do Código Penal, ou seja, a forma negligente da violação de regras de segurança, cuja pena abstractamente cominada é a de prisão até três anos. Ora, é essa moldura legal, e não a pena concreta aplicada pelo tribunal, que releva para efeitos de aplicação da amnistia, conforme decorre da letra inequívoca do artigo 4.º da Lei da Amnistia. O legislador não condicionou a amnistia à medida da sanção aplicada no caso específico, mas ao limite da pena possível para o tipo legal. Assim, estando em causa um crime cuja pena máxima excede um ano de prisão, é manifesto que tal infracção se encontra, desde logo, fora do campo de aplicação do regime de clemência previsto na lei.
Não se verifica, pois, qualquer exclusão implícita ou injustificada. O legislador traçou um critério objectivo, centrado na gravidade abstracta das infracções, e dentro desse critério, delimitou racionalmente o universo de comportamentos que, por razões de política criminal excepcional, considerou merecedores de clemência. A exclusão do artigo 152.º-B do Código Penal, ainda que não expressamente enunciada no artigo 7.º da Lei da Amnistia – que contém a enumeração dos crimes especificamente retirados do seu âmbito –, resulta directa e imediatamente da aplicação do artigo 4.º, por força da moldura penal aplicável. Não estamos, assim, perante uma discriminação oculta, mas sim perante a aplicação coerente de um critério legal claro, que fixa como limite material da amnistia os crimes puníveis com pena até um ano de prisão.
Este entendimento não apenas se impõe à luz da literalidade da norma, como também se revela inteiramente conforme ao princípio da legalidade penal, enquanto corolário do Estado de Direito democrático. A amnistia não constitui um direito subjectivo dos condenados, mas uma prerrogativa do legislador, que pode, por motivos ponderosos e dentro dos limites da Constituição, estabelecer os critérios de aplicação e de exclusão da clemência penal.
A configuração das medidas de graça e clemência colectiva situa-se dentro da margem de livre conformação do legislador, sendo constitucionalmente legítimo que este limite os seus efeitos a certos crimes, certos escalões etários ou certos tipos de pena.
A alegada violação do princípio da igualdade, por outro lado, não colhe. O princípio da igualdade, nos termos do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, proíbe apenas discriminações arbitrárias ou desprovidas de fundamento racional. No presente caso, a exclusão dos crimes cuja pena abstractamente aplicável exceda um ano de prisão é justificada pela maior gravidade dos bens jurídicos em causa, pela relevância das condutas incriminadas e pelas exigências de prevenção geral e especial que ainda subsistem. A negligência penal em contexto de segurança laboral, mesmo sem resultado lesivo, representa uma conduta que o legislador não quis amnistiar, exactamente porque os riscos criados são intoleráveis à luz da ordem jurídica e social, sobretudo num país que enfrenta, reiteradamente, acidentes laborais com consequências fatais. Esta opção de política criminal está materialmente justificada e não traduz qualquer discriminação arbitrária ou irrazoável.
A tentativa dos recorrentes de reconduzir a sua exclusão da amnistia à inconstitucionalidade da pena de multa aplicada, ou de ver na condenação por um crime não lesivo uma contradição com o espírito da clemência legal, parte de uma confusão entre pena concreta e pena abstractamente aplicável. O que a Lei n.º 38-A/2023 exige não é que a sanção efectivamente imposta se contenha dentro de certos limites, mas que o tipo legal de crime preveja, no máximo, a pena de um ano de prisão. Tal critério é normativamente claro e tecnicamente verificável, não podendo ser ultrapassado pela invocação genérica de princípios constitucionais. A constitucionalidade da lei não é aferida pela adequação subjectiva das suas consequências a casos concretos, mas pela legitimidade dos seus critérios gerais, e esses encontram-se, neste caso, plenamente justificados.
Por conseguinte, e em face do exposto, a pretensão dos recorrentes quanto à aplicação da Lei da Amnistia é integralmente rejeitada. A sua situação jurídica, ainda que aparentemente mais leve por não ter resultado dano físico grave, continua enquadrada numa tipologia penal cuja gravidade abstracta impede a aplicação do regime de clemência. A sua exclusão da amnistia não resulta de qualquer falha de interpretação, nem de qualquer omissão inconstitucional do tribunal recorrido, mas sim da aplicação correcta do regime legal vigente. Por consequência, o recurso, nesta parte, deve ser julgado totalmente improcedente, por manifesta insubsistência jurídica dos fundamentos invocados.
Improcede, pois, o recurso in totum.
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III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a 5 (cinco) unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma), a cada um.
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Lisboa e Tribunal da Relação, 14 de julho de 2025
Processado e revisto pelo relator (artº 94º, nº 2 do CPP).
(O relator escreve de acordo com a antiga ortografia)
Alfredo Costa
Cristina Almeida e Sousa
Carlos Alexandre