Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | PAULA PENHA | ||
| Descritores: | ASSISTENTE ABERTURA DE INSTRUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/29/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I – No âmbito de um inquérito criminal, face à tomada de posição do Ministério Público, proferindo dois despachos de arquivamento e um de suspensão provisória do processo, o ofendido/denunciante (com faculdade de se constituir assistente ou já constituído como tal) pode lançar mão do mecanismo legalmente previsto para o efeito que é suscitar a intervenção do imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público. Não o tendo feito, no prazo legal, de nada vale agora (em sede de recurso abrangendo despachos judiciais) querer invalidar todo os actos do processo inquérito desde um dos aludidos despachos do Ministério Público (inclusive) com qual discorde. Pois, os despachos e/ou actos decisórios do Ministério Público não são susceptíveis de recurso - este Tribunal de recurso não sindica promoções, despachos ou decisões do Ministério Público, a sua fundamentação ou a falta dela, nem o acerto dela ou não. II – O denunciante/ofendido pode e deve ser admitido a constituir-se como assistente se, aquando da formulação deste pedido, estava representado por advogado, pagara a respectiva taxa de justiça, tinha legitimidade, estava em tempo e tinha interesse em agir. Tendo interesse em poder agir como assistente, por não ser inútil a constituição/aquisição dessa qualidade nos autos, isto é, por ainda não se terem esgotado as possibilidades da sua intervenção neste processo penal de inquérito. III – Também pode e deve ser admitido o requerimento de abertura de instrução, apresentado válida e tempestivamente, no exercício de um direito que lhe assiste e que não lhe pode ser sonegado - que é o de ser levada a cabo a fase de instrução destinada à (judicial) comprovação, ou não, de um despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público relativamente aos demais factos e crimes por aquele denunciados – com vista a ser, judicialmente, comprovado o arquivamento desta parte do processo ou a ser submetida esta parte do processo a julgamento. IV – Como sabemos, a fase de instrução é facultativa. Mas, uma vez requerida, válida e tempestivamente, torna-se obrigatória a sua realização – sob pena de tal falta constituir uma nulidade insanável e que deve ser declarada em qualquer fase do processo (até ao trânsito em julgado da decisão final) -. Por isso, revoga-se o despacho recorrido e determina-se que, em substituição do mesmo, o Exmo Juiz admita o requerimento de abertura de instrução. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção deste Tribunal da Relação RELATÓRIO Nos autos nº 255/21.7PTLSB que correm termos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa – J4, na sequência de determinação do arquivamento do inquérito quanto ao arguido AA, do arquivamento do inquérito quanto aos suspeitos BB e CC e ao arguido DD e de uma proposta de suspensão provisória do processo quanto aos arguidos BB e CC, formuladas pelo Ministério Público (em 1/7/2022 sob a ref.ª 417109969 aqui dada por reproduzida) e depois de obtida, quanto a esta proposta, a concordância do Exm.º Juiz de Instrução (em 5/7/2022 sob a ref.ª 7971651 aqui dada por reproduzida), a Digna Procuradora do Ministério Público determinou (em 12/7/2022 sob a refª.417393381 aqui dada por reproduzida) a suspensão provisória do processo [pelo prazo de 4 meses para o arguido BB e pelo prazo de 2 meses para o arguido CC, com a obrigação de pagarem, em prestações mensais durante o respectivo prazo, ao Fundo para a Modernização da Justiça, a quantia respectiva de €400], ao abrigo do disposto no art.º 281º, nº 1, do Código de Processo Penal (doravante com a abreviatura CPP). Tais decisões do Ministério Público foram notificadas, via postal, incluindo ao AA na qualidade de arguido e de ofendido (em 22/7/2022 sob a ref.ª 417819221 aqui dada por reproduzida). Tendo o arguido CC depositado à ordem dos autos a aludida quantia de €400 (em 31/8/2022 sob a ref.ª 418386257 aqui dada por reproduzida). Tendo o arguido BB depositado à ordem dos autos as quantias de €100 e €100 (em 19/8/2022 sob as ref.ªs 701880032036418 e 701980032036426). O ofendido, AA (em 1/9/2022 sob a ref.ª 33460117 aqui dada por reproduzida), apresentou requerimentos através dos quais arguiu nulidades dos despachos do Ministério Público e requereu a sua constituição como assistente. O Ministério Público (em 6/9/2022 e sob a ref.ª 418386324 aqui dada por reproduzida) veio pronunciar-se, por um lado, consignando que tal reclamação não configura nenhuma das formas legalmente previstas para reagir aos despachos de arquivamento e suspensão provisória do processo e, por outro lado, consignando a não oposição à requerida constituição de assistente. Tendo sido proferido despacho judicial (em 14/9/2022 e sob a ref.ª 8035401 aqui dada por reproduzida), ordenando o cumprimento do disposto no art.º 68º, nº 4, do CPP. E foram enviadas notificações para o efeito, via postal (em 15/9/2022 e sob as ref.ª 8039513, 8039514 e 8039515 aqui dadas por reproduzidas). Tendo o arguido BB depositado à ordem destes autos a quantia de € 100 (em 21/9/2022 sob a ref.ª 701080032036434). O ofendido, AA veio requerer a abertura de instrução (em 21/9/2022 e sob a ref.ª 33639803 aqui dada por reproduzida). O arguido CC (em 29/9/2022 e sob a ref.ª 140664 aqui dada por reproduzida) veio manifestar-se no sentido do indeferimento do pedido do ofendido para se constituir como assistente . Tendo sido proferido despacho judicial (em 24/10/2022 sob a ref.ª 8100264 aqui dada por reproduzida) a indeferir quer a constituição do ofendido como assistente quer o requerimento de abertura de instrução nos seguintes termos: «No final do inquérito foi determinado o arquivamento dos autos crime de denúncia caluniosa, de um crime de sequestro, de falsificação, de falsidade de testemunho, de denegação de justiça e prevaricação e decidida a suspensão provisória do processo quanto aos crimes em causa. Nessa sequência o ofendido AA requereu a sua constituição como assistente e a abertura da instrução. O arguido CC opôs-se à constituição como assistente referida por entender que a mesma é intempestiva. Analisado o despacho final do inquérito é manifesto que o mesmo não implicou um efectivo arquivamento quanto a quaisquer factos. O que aconteceu é que o Ministério Público entendeu que os factos não se subsumiam às incriminações denúncia caluniosa, de um crime de sequestro, de falsificação, de falsidade de testemunho, de denegação de justiça e prevaricação e, perante tal discordância jurídica, no entender do Ministério Público deveria reflectir-se em despacho de arquivamento. Assim, pelos factos em investigação no inquérito e quanto ao enquadramento jurídico que o Ministério Público adoptou, foi decidida a suspensão provisória do processo, com a devida concordância judicial. Não foi, como não tinha de ser ouvido o ofendido, que não se tinha constituído assistente, não sendo necessária tal audição (art.º 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Nesta sequência, o ofendido AA requereu a sua constituição como assistente e a abertura da instrução, pretendendo a pronúncia dos arguidos e de pessoas indeterminadas por esses factos. Nos termos do disposto no art.º 68.º, n.º 3, b), do Código de Processo Penal, o ofendido pode requerer a sua constituição como assistente no prazo previsto no art.º 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Como dispõe o artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a abertura da instrução pode ser requerida pelo assistente no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento. No entanto, o despacho de arquivamento que permite a abertura da instrução é apenas aquele que é proferido ao abrigo do disposto no art.º 277.º do Código de Processo Penal e que se refira a factos autónomos daqueles foi determinada a suspensão provisória do processo (ou eventual acusação). Isto porque o despacho de suspensão provisória do processo, bem como o despacho de arquivamento proferido na sequência da suspensão provisória do processo, se inclui numa previsão clara que proíbe a continuação ou reabertura dos autos (art.º 282.º, n.º 3, do Código de Processo Penal). Nos presentes autos não foi proferido qualquer despacho de arquivamento autónomo da decisão de suspensão provisória do processo em que seja ofendido AA. Por isso, quando foi requerida a constituição como assistente e a abertura da instrução, não se encontrava em curso prazo para o efeito, nomeadamente ao abrigo do disposto nos art.º 68.º, n.º 3 e 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Assim, o requerimento para a constituição como assistente apresentado é extemporâneo, não se incluindo no mencionado art.º 68.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e tendo sido apresentado já depois de determinada a suspensão provisória do processo. E, pelos mesmos fundamentos, o requerimento para a abertura da instrução apresentado é também inadmissível, por proibição legal de o processo prosseguir, para além, de não ter sido admitida a constituição como assistente (art.ºs 282.º, n.º 3 e 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal). Pelo exposto, indefiro o requerimento para a constituição como assistente e o requerimento para a abertura da instrução apresentados por AA. Notifique.» * Inconformado, este ofendido veio (em 29/11/2022 sob a ref.ª 149009 aqui dada por reproduzida) interpor o recurso a que se reportam os presentes autos, contendo as seguintes conclusões e o seguinte pedido: « I — O despacho recorrido enferma de nulidade por falta de pronúncia, dado que, tendo conhecido, apreciado e decidido indeferir os requerimentos para constituição do ora Recorrente como Assistente e para Abertura de Instrução, apresentados em juízo a 09.11.2022, e a 20.22.2022, respectivamente, não conheceu, apreciou, nem decidiu o requerimento, também apresentado, pelo ora Recorrente, a 09.11.2022, no qual este requereu, designadamente (sic): "(a) que sejam, desde já, declarados NULOS os despachos proferidos pela Senhora Procuradora da República titular do inquérito de fls. 297, 312 e 319, e por V. Ex. a, a fls. 316; (b) que seja ordenada a notificação do Arguido e Lesado nos termos e "em cumprimento do disposto nos art.°s 75.º e 247.º do Código de Processo Penal" e "em cumprimento do disposto no n.0 5 da Lei n.º 130/2015 de 04.09 que cria o Estatuto de Vítima e o Artigo 11.º do mesmo diploma legal [...]"; II — Esse requerimento, precedia, cronológica e logicamente, os dois requerimentos que foram objecto de decisão constando do mesmo que (sic)"Dado que o fim visado pelo Arguido e Lesado no presente requerimento é a declaracão de nulidade, não só do "despacho de arquivamento", mas também dos actos processuais que o precederam, identificados no cabeçalho, incluindo um despacho subscrito pelo Sr. Juiz de Instrução, entende o mesmo que o meio processual adequado para esse fim não é a abertura da instrução"; III — Acresce que o requerimento para constituição do ora Recorrente como Assistente, que foi conhecido, apreciado e decidido pelo Tribunal "a quo", foi expressamente (sic) "apresentado sem conceder quanto às nulidades arguidas no requerimento também hoje dirigido a V. Ex. a, maxime a preterição do seu direito a ser ouvido nos autos como Queixoso e Lesado, e a receber as notificações legais obrigatórias, nessa qualidade e na de Vítima"; IV — O requerimento para Abertura de Instrução, que também foi conhecido, apreciado e decidido pelo Tribunal "a quo", foi apresentado com a ressalva de que (sic) "Não tendo o Requerente sido, até esta data, notificado de qualquer decisão relativa ao requerimento que dirigiu a V. Ex. a 01.09.2022, a arguir a nulidade dos despachos proferidos pela Sr.a Procuradora da República titular do inquérito de fls. 297, 312 e 319, e por V. Ex. a, a fls. 316, vê-se este, assim, obrigado a, por mera cautela, requerer a abertura da Instrução" - ou seja, expressamente "por cautela", e a "título subsidiário", - vd. art.°s 1 a 4.º do requerimento para Abertura de Instrução; V - Assim, tendo apreciado, conhecido e decidido os requerimentos para constituição do ora Recorrente como Assistente e para Abertura da Instrução, o Tribunal teria também de ter conhecido, apreciado e decidido o requerimento - que era prévio e prejudicial relativamente a estes - a arguir a nulidades de quatro despachos proferidos do inquérito, incluindo o "despacho de arquivamento" que pôs termo ao mesmo; VI - Violou, assim, o despacho recorrido o n.º 2 do art.º 608.º do CPC - aplicável ao processo penal nos termos do art.º 4.º do CPP - e, ainda, da primeira parte da alínea c), do n.º 1, do art.º 379.º do CPP, uma vez que não "resolve[u] todas as questões que as partes [submeteram] à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" - pelo contrário, conheceu, pronunciou-se e decidiu um requerimento - o para Abertura da Instrução - o qual foi apresentado em data posterior e foi expressamente formulado "por mera cautela" e "a título subsidiário" sem apreciar a questão prévia e prejudicial da qual a dependia decisão deste - e "deix[ou] de pronunciar-se sobre questões que dev[ia] apreciar" - a nulidade do próprio "despacho de arquivamento" por cuja aplicação pugnou; VII - Com efeito, não podia, licitamente, o despacho recorrido ter decidido, como fez, da "extemporaneidade" da apresentação do requerimento para constituição do ora Recorrente como Assistente, sem ter conhecido, apreciado e decidido a questão prévia, que foi suscitada - não só no requerimento descrito na Conclusão I, que "in totum" ignorou, mas também nos art.ºs 10.º a 21.º do requerimento para Abertura da Instrução - de o "despacho de arquivamento" ter sido tomado em absoluta violação dos deveres de informação do Recorrente, na qualidade de Lesado e Vítima, o qual nunca foi informado, nos termos legais, nos direitos que lhe assistem, em flagrante violação dos art.° 75.º e 247.º do CPP, e do n.º 5 e dos art.ºs 8.° e 11.º da Lei n.º 130/2015 de 04.09 que cria o Estatuto de Vítima; VIII - Sem prejuízo de entender que a apreciação e decisão do requerimento descrito na Conclusão I é questão prévia e prejudicial da apreciação do deferimento ou indeferimento da sua constituição como Assistente e do requerimento para abertura da Instrução - o ora Recorrente, por cautela, impugna a decisão do Tribunal "a quo", segundo o qual o "despacho de arquivamento" proferido nos presentes autos, não "permite a abertura da instrução" uma vez que o "despacho de arquivamento proferido na sequência da suspensão provisória do processo, se inclui numa previsão clara que proíbe a continuação ou reabertura dos autos (art.º 284.º, n.º 3 do Código de Processo Penal)" (sic) e de que "Nos presente autos não foi proferido qualquer despacho de arquivamento autónomo da decisão de suspensão provisória do processo em que seja ofendido AA" pelo que "quando foi requerida a constituição de assistente e a abertura de instrução não se encontrava em curso prazo legal para o efeito" (sic). IX - Antes de mais, tal entendimento não qualquer tem correspondência com o teor da notificação que foi feita ao Recorrente aos 26.07.2022, em cujos termos (sic) é comunicado a este "nos termos e para os termos do disposto no art.° 277.° do C. P. Penal foi proferido despacho de arquivamento no Inquérito acima referenciado, cuja cópia se anexa", nem do "despacho de arquivamento", a fls. 312 dos autos, o qual reportando-se à "queixa contra os agentes da PSP envolvidos nos autos" promovida pelo ora Recorrente "imputando-lhes a prática de um crime de denúncia caluniosa, de um crime de sequestro, de falsificação, de falsidade de testemunho, de denegação de justiça e de prevaricação" expressamente determina "o arquivamento dos autos quanto a esses crimes quanto a esses suspeitos, e quanto a esse arguido [o arguido DD], ao abrigo do art.º 277.º n.º 1 do CPP" (sic); X - Se um, expressamente denominado (sic) "despacho de arquivamento", encerra um inquérito criminal - e, como refere a decisão recorrida, "proíbe a continuação ou reabertura dos autos", assim inviabilizando que os factos denunciados, objecto do inquérito, sejam apreciados num julgamento, sejam sancionados com uma pena, e que o agente dos mesmos seja condenado a ressarcir a vítima e lesado por esses factos, então - se tem exactamente o mesmo nome e produz exactamente os mesmos efeitos de um despacho de arquivamento - então é um despacho de arquivamento que "permite a abertura da instrução"; XI — Decorrendo a impossibilidade de prosseguimento da acção penal de uma "discordância jurídica", e de um "enquadramento jurídico que o Ministério Público adoptou [...] com a devida concordância judicial", não é compatível com o ordenamento jurídico português que órgãos jurisdicionais possam adoptar uma decisão lesiva dos direitos, liberdades e garantias fundamentais de um particular — máxime de uma Vítima e lesado por crimes, sem que aquele seja ouvido e/ou, caso o não tenha sido ouvido, sem que este possa sindicar e impugnar tal decisão — ficando privado desse direito se não se tiver constituído Assistente antes dessa decisão lesiva ser tomada; XII — Assim, a interpretação que o douto despacho recorrido faz das alíneas a) e e) do n.º 1 e da alínea b) e c) do n.º 3 do art.º 68.º e do n.º 3 do art.º 287.º ambos do CPP — do qual decorre, necessariamente, que o Agente do Ministério Público e o Senhor Juiz de Instrução, bem sabendo que existe uma Vítima, lesada por um conjunto de crimes, atentatórios de vários direitos fundamentais, podem produzir, conjuntamente, uma decisão que a priva de tutela jurisdicional criminal e civil (i) sem a informar previamente dessa intenção, v.g. convidando-a a, querendo, constituir-se Assistente; e (ii) sem que esta, tendo sido notificado "a posteriori" de tal decisão, possa impugná-la, viola os art.ºs 2.0 (Estado de Direito Democrático), 20.º, n.º 1 (Tutela Efectiva dos Direito), e 32.º, n.º 7 (Direito do Ofendido a Intervir no Processo), da Constituição da República Portuguesa; XIII — Por maioria de razão são lesados esses princípios e normas no caso "sub judice", dado que o ora Recorrente nunca foi ouvido como queixoso ou vítima nos autos, facto que decorre da mera consulta dos mesmos — nem, por tal, foi advertido, como a Lei impõe, de que se poderia constituir Assistente e/ou deduzir pedido de indemnização cível; XIV — Incidia sobre o Juiz "a quo" a obrigação de apurar se o ora Recorrente foi ouvido como queixoso ou vítima nos autos: (i) seja antes de dar "a devida concordância judicia" à proposta de suspensão provisória do processo — quando lhe incumbia verificar a existência dos pressupostos da suspensão do processo; (ii) seja antes de proferir o despacho recorrido, que fundamenta o indeferimento dos pedidos aí formulados no facto de o ora Recorrente se ter constituído Assistente "extemporaneamente" — porque tal questão foi expressamente suscitada nos requerimentos para constituição como Assistente e para Abertura da Instrução - violando, com a sua omissão o comando constante do n.º 2 do art.º 202 da CRP: "Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos"- nestes, obviamente, se incluindo as vítimas de crimes, bem como o disposto na Lei n.º 130/2015, de 04.09; XV - É especialmente intolerável a imputação ao ora Recorrente, vítima e lesado pelos graves crimes que os autos atestam, da "culpa" por lhe estar a ser, objectivamente, negada Justiça - a título da sua pretensa "falta de diligência" em constituir-se Assistente - quando dos autos decorre, sim, a reiterada falta de diligência, seja do Ministério Público, seja do julgador "a quo", que, na qualidade de Juiz de Instrução teria a obrigação de fiscalizar o cumprimento de requisitos processuais tão básicos e essenciais como os que impõem os art.º 75.º e 247.º do CPP, e do n.º 5 e dos art.ºs 8.º e 11.º da Lei n.º 130/2015 de 04.09, antes de produzirem decisões judiciais - e foram duas - que, objectivamente impedem o sancionamento legal dessas condutas e, em especial, o ressarcimento moral e patrimonial da vítima das mesmas; XVI - Sendo pacífico que pode ser sindicada, em sede de Instrução, a decisão do Ministério Público de deduzir acusação, quando, no entender do Arguido, este poderia/deveria ter-se socorrido do mecanismo da Suspensão Provisória do Processo, e não o fez - o mesmo se deverá concluir relativamente à "a comprovação judicial" da decisão inversa - ou seja, a de determinar a suspensão provisória do processo - com vista a aferir se tal decisão deverá ser revogada por violar a lei - seja processual, seja materialmente - e/ou se tiver sido adoptada sem que tenham sido levados a cabo, no inquérito, todos os actos necessários ao apuramento das responsabilidades e da culpa dos agentes, pelos factos criminalmente relevantes cuja prática aí se tenha provado; XVII - Assim, dado que o "despacho de arquivamento" proferido a fls. 319 inviabiliza definitivamente - em caso de cumprimento do mesmo - o prosseguimento do procedimento que visa sancionar a responsabilidade criminal dos agentes dos factos objecto desse inquérito e ressarcir a vítima desses mesmos factos, "in casu", o prazo para se constituir Assistente e requerer a Abertura da Instrução terá de iniciar-se na data em que o ora Recorrente, Vítima e Lesado pelos crimes praticados nos autos, tomou conhecimento do efectivo arquivamento dos mesmos - ou seja, o despacho de fls. 316 e a fls. 319, em cujos termos o ora Recorrente foi notificado de que a Sr.ª Procuradora da República titular do inquérito determina que "obtida que foi a concordância judicial, determino a suspensão provisória do processo, ao abrigo do disposto no art.º 281.º n.º 1 do CPP" - o qual Ire foi notificado a 26.07.2022, ou seja, no decurso das "férias judiciais", vd. fls. 321 e 322; XVIII - entende o ora Recorrente que o douto despacho recorrido, ao rejeitar, por "extemporâneo", os requerimentos do ora Recorrente para se constituir assistente e para Abertura de Instrução, violou o disposto nas alíneas a) e e) do n.º 1 e da alínea b) e c) do n.º 3 do art.º 68.º e do n.º 3 do art.º 287.º ambos do CPP; Termos em que deve proceder o presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, devendo, assim: ser ordenado ao Juiz "a quo" que profira novo despacho no qual conheça do requerimento que deu entrada nos autos às 11h36m do dia 1 de Setembro de 2022, e no qual o ora Recorrente arguiu a nulidade dos doutos despachos proferidos nos autos a fls. 297, a fls. 312, a fls. 316 e a fls. 319; devendo, em conformidade com o aí exposto, o inquérito identificado em epígrafe retomar os seus termos, e devendo ser restituída, ao ora Recorrente, a taxa de justiça que pagou pela apresentação do requerimento de abertura da instrução; subsidiariamente, e sem prescindir: deverá ser substituído por outro que admita a requerida constituição do ora Recorrente como Assistente, e declare aberta a Instrução, dando sem efeito todos os actos subsequentes; assim se fazendo Justiça!» * O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu (sob a refª. 155420 aqui dada por reproduzida), concluindo: «1- A aferição das diversas nulidades previstas na legislação processual é da competência de cada uma das entidades judiciárias que em cada uma das fases do processo; 2- As nulidades de inquérito são suscitadas e apreciadas pelo MP, máxime pelo superior hierárquico, por meio de intervenção hierárquica. 3- A prolação de despacho de SPP, apos a concordância do BC, não constituiu um despacho arquivamento no sentido formal do mesmo, mas um despacho de Suspensão provisória do processo, sujeito a normativos próprios. 4- Nos termos do art.º 281º nº 1 a) do CPP é, entre outros, pressuposto de determinação de despacho de SPP a concordância do arguido e do assistente; 5- A qualidade de assistente não se identifica com a qualidade de lesado ou ofendido e nem sempre o ofendido se pode constituir assistente - cf. art.º 68º do CPP; 6- O assistente é um colaborador da justiça e não mera parte; 7- Quisesse o legislador considerar o ofendido/ vítima / lesado como titular dos direitos consignados para o assistente tê-lo-ia feito de forma expressa, como aliás o faz nas alíneas a) e b) do nº 2, ou mesmo no nº 7 do citado artigo 281º do CPP; 8- A obrigatoriedade de concordância com a suspensão, duração, injunções e regras de conduta da SPP é apenas exigida ao assistente, não sendo permitida uma interpretação extensa do vocábulo lesado /vitima; 9- Constitui causa de inadmissibilidade legal da instrução e consequente rejeição o requerimento por alguém que ao tempo da prolação do despacho de SPP não possuía legitimidade para dar a sua concordância com a mesma, como é o caso do mero lesado não patrimonial. 10- A decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução não violou quaisquer normas, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos, e, consequentemente, ser negado provimento ao recurso. Nestes termos, e noutros que V. Excelências doutamente suprirão, deverá o recurso interposto ser rejeitado, mantendo-se o douto despacho proferido pelo tribunal a quo, assim se fazendo Justiça.» * A Digna Procuradora do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer (sob a ref.ª 19902067 aqui dada por reproduzida), pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido, aderindo à resposta apresentada pelo Ministério Público junto da 1ª instância. * O recorrente veio responder (sob a ref.ª 636971 aqui dada por reproduzida), pugnando pela procedência do recurso. * Foram obtidas informações a propósito dos pagamentos pelo arguido BB e da manutenção da suspensão provisória do processo durante a pendência deste recurso. * Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. ÂMBITO e APRECIAÇÃO do RECURSO Dispõe o art.º 412º, nº 1, do Código de Processo Penal (doravante com a abreviatura CPP) que: “A motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. O objecto do processo (recursivo) define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido – art.ºs 402º, 403º e 412º do CPP - naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, pág. 340; e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição, 2009, pág. 1027 a 1122; e Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 2008, pág. 103). Assim, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior (ad quem), as questões a decidir e as razões pelas quais devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que, eventualmente, existam. No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo ofendido/recorrente, as questões a apreciar e decidir são: 1ª Questão – O despacho recorrido enferma de nulidade por falta de pronúncia com inerente invalidação de actos anteriores? O ofendido/recorrente alega que o Tribunal (a quo), como questão prévia e prejudicial, devia ter apreciado e decidido os requerimentos por si apresentados em 1/9/2022 e que tal omissão constitui violação do disposto no art.º 608º, nº 2, do Código de Processo Civil aplicável por força do disposto no art.º 4º do CPP e, também, da primeira parte da alínea c), do nº 1 do art.º 379º do CPP. O Ministério Público (na 1ª instância e junto deste Tribunal ad quem) considera que não, por não caber na competência do Juiz de Instrução Criminal, mas sim do superior hierárquico do Ministério Público por reclamação hierárquica. Cumpre apreciar e decidir. Desde já, se adianta que – salvo o devido respeito pela opinião do recorrente – não vislumbramos que o despacho recorrido padeça da alegada omissão de pronúncia. Isto pela simples razão de que a arguição de nulidades (efectuada pelo ofendido em 1/9/2022 através da ref.ª 33460117) se reportava a despachos proferidos pelo Ministério Público. E em relação aos quais a Sr.ª Procuradora da República se pronunciou (em 6/9/2022 e sob a ref.ª 418386324 aqui dada por reproduzida), consignando que tal reclamação efectuada pelo ofendido não configura nenhuma das formas legalmente previstas para reagir aos despachos de arquivamento e suspensão provisória do processo. Pelo que, em face daquela e desta tomada de posição do Ministério Público no âmbito do processo de inquérito em apreço, este ofendido podia ter lançado do mecanismo legalmente previsto para o efeito (mais concretamente, da intervenção hierárquica nos termos do art.º 278º do CPP). Não o tendo feito e já tendo decorrido o prazo contido no art.º 278º do CPP, de nada vale pretender imputar (esta sua omissão) ao Sr. Juiz de Instrução, sob a mera alegação de uma pretensa obrigação de pronúncia deste e, nesta sede recursiva, voltar a fazê-lo com vista a pretender invalidar todo os actos do processo inquérito desde o aludido despacho do Ministério Público em 1/7/2022 inclusive. O nosso legislador consagrou (nomeadamente nos art.ºs 262º a 285º do CPP) a disciplina que rege a fase de inquérito de um processo criminal e nela está prevista, expressamente, que a direcção do inquérito cabe ao Ministério Público (art.º 263º do CPP) e que o denunciante com faculdade de se constituir assistente pode suscitar a intervenção do imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público (art.º 278º do CPP). Quer isto dizer que os despachos e/ou actos decisórios do Ministério Público (nos termos previstos pelo art.º 97º, nºs 3 a 5, do CPP) não são susceptíveis de recurso, mas tão só susceptíveis de reclamação hierárquica. Por conseguinte, este Tribunal de recurso não sindica promoções, despachos ou decisões do Ministério Público, a sua fundamentação ou a falta dela, nem o acerto dela ou não. Por isso, estava e está prejudicada a apreciação judicial de tal arguição. E, consequentemente, fica prejudicada a invocada omissão de pronúncia judicial. 2ª Questão – O despacho recorrido deve ser revogado com inerente admissão da constituição como assistente e com admissão do requerimento de abertura de instrução? O ofendido/recorrente considera que, por um lado, podia e devia ter sido admitido como assistente nos autos e, por outro lado, podia e devia ter sido admitido o seu requerimento de abertura de instrução. O Ex.mo Juiz de instrução da 1ª instância entendeu que não e o Ministério Público (junto da 1ª instância e junto deste Tribunal) também entendeu que não. Cumpre apreciar e decidir. No caso em apreço, conforme consta das respectivas referências do sistema citius já supra referidas (para as quais se remete, respectivamente): - Em 1/7/2022, o Ministério Público declarou encerrado o inquérito: » determinando o arquivamento do inquérito quanto ao arguido AA; » determinando o arquivamento do inquérito quanto aos suspeitos BB e CC e ao arguido DD; » e propondo a suspensão provisória do processo quanto aos arguidos BB e CC, tudo nos seguintes termos que se transcrevem na íntegra: «Declaro encerrado o inquérito. * A) Questão prévia Requerimento de fls. 306: Defere-se o requerido. * B) Do arquivamento Iniciaram-se os autos com auto de notícia por detenção, dando conta que o arguido AA se recusou a identificar-se e que efectuada a cominação da prática de crime de desobediência caso mantivesse a recusa, o mesmo recusou novamente. Tais factos são consubstanciar de consubstanciar, em abstracto, a prática pelo arguido de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348º nº 1 al. b) do CP. Procedeu-se a inquérito. Juntaram-se imagens onde é visível o arguido a entregar o seu passaporte, para se identificar, aos agentes da PSP, contrariando o narrado no auto de notícia. Face ao exposto, não se pode ter por preenchido o tipo do ilícito em causa. Atento o exposto, determino o arquivamento do inquérito, nesta parte, ao abrigo do disposto no art.º 277º nº 1 do CPP. * No decurso do inquérito veio o arguido AA apresentar queixa contra os agentes da PSP envolvidos nos autos, imputando-lhes a prática de um crime de denúncia caluniosa, de um crime de sequestro, de falsificação, de falsidade de testemunho, de denegação de justiça e prevaricação. Ora, do inquérito levado e cabo e devidamente compulsados os autos, cumpre concluir que os factos enquadram a prática de um crime de falsificação e de um crime de abuso de poder, cfr constante na proposta de SPP abaixo, e não os demais crimes elencados. Mais se apurou que, para além dos agentes da PSP BB e CC, mais nenhum agente teve qualquer participação nos factos, nomeadamente o agente da PSP, e aqui arguido, DD, que procedeu ao visionamento do CD, uma vez que quando lhe foi determinado que procedesse ao visionamento ficou convencido que os factos em apreço nos autos eram o furto de um molho pelo arguido AA e posteriormente um crime de ofensas à integridade física pelos dois agentes da PSP, daí não ter “procurado” as imagens do arguido AA com o passaporte na mão. Atento o exposto, determina-se o arquivamento dos autos quantos a esses crimes, quanto a esses suspeitos e quanto a esse arguido, ao abrigo do disposto no art.º 277º nº 1 do CPP. *** C) Da suspensão provisória do processo Remetam-se os autos ao TIC, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 281º nº 1 do CPP. Resulta dos autos que, no circunstancialismo descrito nos autos, os dois agentes da PSP BB e CC fizeram constar falsamente do auto de notícia que o arguido AA se recusou a identificar-se, abusando dos poderes que lhes estão conferidos, visando prejudicá-lo. Assim, indiciam, suficientemente, os autos a prática, pelos dois arguidos, em co-autoria e em concurso real de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382º do CP, punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa; e de um crime de falsificação ou contrafacção de documento agravado, p. e p. pelo art.º 256º nº 1 al. d) e nºs 3 e 4 do CP, punível com pena de prisão de 1 a cinco anos. O art.º 281º do CPP prevê a possibilidade de suspensão provisória do processo, mediante a imposição de injunções ou regras de conduta, relativamente a crimes a que seja aplicável pena de prisão não superior a cinco anos ou sanção diferente de prisão e desde que se verifiquem os pressupostos ali enunciados. Vejamos se no caso em apreço se encontram reunidos os pressupostos de que depende a aplicação da suspensão provisória do processo: - Desde logo, a moldura penal do crime em apreço permite a aplicação do mecanismo processual em questão. - Os arguidos manifestaram a sua concordância com a suspensão provisória do processo, nos termos que lhes foram propostos (cfr. fls. 303 a 311). - Não foi requerida a constituição de assistente nos autos, pelo que não há que apurar da sua, eventual, concordância. - Os arguidos não foram anteriormente condenados, nem há notícia de que lhes tenha sido, anteriormente, aplicada a suspensão provisória do processo, pela prática de crime da mesma natureza (cfr. fls. 291 a 296). - Não há lugar à medida de segurança de internamento, uma vez que os arguidos não se enquadram na previsão do art.º 91º do CP. - O grau de culpa não é elevado. Antevê-se, assim, que as exigências de prevenção no caso concreto serão garantidas mais pela aplicação de uma injunção, do que pela aplicação de uma pena, surgindo como pertinente a aplicação do instituto de suspensão provisória do processo: - pelo prazo de 4 meses, submetendo–se, o arguido BB, a entregar €400,00 ao Fundo para a Modernização da Justiça, durante o período da suspensão, em 4 prestações mensais de €100,00; e - pelo prazo de 2 meses, submetendo-se o arguido CC a entregar €400,00 ao Fundo para a Modernização da Justiça, durante o período da suspensão. Lisboa, d.s.»; - Em 5/7/2022, foi dada a concordância pelo Juiz de Instrução nos seguintes termos que se transcrevem na íntegra: «Fls. 313 e 314: Verificados que estão os respetivos pressupostos legais (art.ºs 281º, n.ºs 1, als. a) a f), 2, al. c) e 282º, n.º 1, ambos do C.P.P.), concordo com a suspensão provisória do processo nos termos propostos pelo M.P.. Devolva-se aos serviços de apoio do M.P.. Ls.»; - Em 12/7/2022, o Ministério Público proferiu os seguintes despachos quer de arquivamentos quer de determinação da suspensão provisória do processo nos seguintes termos que se transcrevem na íntegra: «Requerimento de fls. 284: Remeta cópia do presente despacho, bem como dos despachos de fls. 312 a 314 e 316. * Despacho de fls. 312 a 314, questão prévia e arquivamento: Notifique. * Obtida que foi a concordância judicial, determino a suspensão provisória do processo, ao abrigo do disposto no art.º 281º nº 1 do CPP. Notifique. * Oportunamente, dê cumprimento ao disposto na Circular n.º 2/2008, da PGR. * Decorrido que seja o período da SPP, sem que os dois arguidos tenham junto o comprovativo do cumprimento da injunção determinada, notifique-os para, em 5 dias, dizerem o que tiverem por conveniente e decorrido que seja tal prazo sem que nada tenha dito, solicite à O.A. a nomeação de defensor e abra conclusão. Caso os arguidos tenham comprovado o cumprimento da injunção determinada, junte CRC e abra conclusão. Lisboa, d.s.» - Em 22/7/2022, foram enviadas, via postal, notificações de tais despachos/decisões do Ministério Público, incluindo ao arguido e ofendido, AA; - Em 19/8/2022, o arguido BB depositou à ordem destes autos as quantias de €100 e €100; - Em 31/8/2022, o arguido CC depositou à ordem destes autos a aludida quantia de €400; - Em 1/9/2022, o ofendido requereu a sua constituição como assistente e pagou a respectiva taxa de justiça; - Em 6/9/2022, o Ministério Público declarou a sua não oposição a esta requerida constituição de assistente; - Em 14/9/2022, foi proferido despacho no sentido de os arguidos, querendo, se pronunciarem sobre esta requerida constituição como assistente e em 15/9/2022, foram enviadas notificações para este efeito, via postal; - Em 21/9/2022, o arguido BB depositou à ordem destes autos a quantia de €100; - Em 21/9/2022, o ofendido, AA veio requerer a abertura de instrução (doravante com a abreviatura RAI) nos seguintes termos: « AA, Arguido e Lesado nos autos acima referidos, (i) tendo sido notificado do douto Despacho de Acusação, (ii) tendo, a 01.09.2022, requerido a constituição como Assistente, (iii) e não tendo sido notificado, até esta data, de qualquer despacho a decidir o requerimento, que dirigiu a V. Ex.ª a 01.09.2022, a arguir a nulidade dos despachos proferidos pela Sr.ª Procuradora da República titular do inquérito de fls. 297, 312 e 319, e por V. Ex.ª, a fls. 316, vem, nos termos e para os efeitos da al. a) do n.º 1 do art.º 287.º do Código de Processo Penal (CPP), REQUERER A ABERTURA DE INSTRUÇÃO, nos termos e pelos fundamentos seguintes: I – PREVIAMENTE: 1.º Como referiu em epígrafe, a 01.09.2022, o Requerente deu entrada, simultaneamente, a dois requerimentos em anexo, dirigidos a V. Ex.ª: (i) um requerendo a nulidade de três despachos subscritos pela Senhora Procuradora da República titular do mesmo e de um despacho subscrito por V. Ex.ª; (ii) e o outro requerendo a constituição do aqui Requerente como Assistente – sem conceder quanto às nulidades arguidas no primeiro requerimento, maxime a preterição do direito do Requerente a ser ouvido nos autos como Queixoso e Lesado, e a receber as notificações legais obrigatórias, nessa qualidade, e na de Vítima. 2.º No art.º 2.º do primeiro desses requerimentos, o aqui Requerente esclareceu que, dado que visava com este a declaração de nulidade, não só do “despacho de arquivamento”, mas também dos actos processuais que o precederam, identificados no cabeçalho, incluindo um despacho subscrito por V. Ex.ª, entendia o mesmo que o meio processual adequado para esse fim não é a abertura da instrução. 3.° Todavia, no art.º 3.º do primeiro desses requerimentos, o aqui Requerente deu conta que, “prejuízo do supra-exposto, e caso o presente requerimento não seja decidido até ao dia 20 de Setembro, o Arguido e Lesado irá, por cautela de patrocínio, requerer a abertura da instrução” 4.° Não tendo o Requerente sido, até esta data, notificado de qualquer decisão relativa ao requerimento que dirigiu a V. Ex.ª a 01.09.2022, a arguir a nulidade dos despachos proferidos pela Sr.ª Procuradora da República titular do inquérito de fls. 297, 312 e 319, e por V. Ex.ª, a fls. 316, vê-se este, assim, obrigado a, por mera cautela, requerer a abertura da Instrução. II – DOS FUNDAMENTOS DA INSTRUÇÃO: 5.° Nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 287.º do CPP “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.”. 6.° Ora, nos presentes autos, a decisão de não deduzir acusação, de arquivar o inquérito, decompõe-se nos três doutos despachos cuja nulidade, nos termos supra-expostos, o Requerente requereu, a saber, os doutos despachos proferidos a fls. 297, a fls. 312, a fls. 316 e a fls. 319 dos autos – ou seja, respectivamente: a) aquele em que a Senhora Procuradora da República – face ao enquadramento jurídico que deu aos actos praticados pelos Arguidos, que se dá por reproduzido, ordena que estes sejam notificados para indicar “se concordam com a, eventual, suspensão provisória do processo, pelo prazo de 2 meses sujeito à seguinte injunção: entregarem, cada um, €400,00, ao Fundo para a Modernização da Justiça”; b) aquele em que a Senhora Procuradora da República dá por encerrado o inquérito, e conclui “que do inquérito levado e cabo e devidamente compulsados os autos cumpre concluir que os factos enquadram a prática de um crime de falsificação e de um crime de abuso de poder, cfr constante na proposta de SPP abaixo e não os demais crimes elencado [«um crime de denúncia caluniosa, de um crime de sequestro, de falsificação, de falsidade de testemunho, de denegação de justiça e de prevaricação»]” bem como pelo arquivamento do procedimento contra “o agente da PSP, e aqui arguido, DD, que procedeu ao visionamento do CD, uma vez que quando lhe foi determinado que procedesse ao visionamento ficou convencido que os factos em apreço eram o furto de um molho pelo arguido AA e posteriormente um crime de ofensa à integridade física pelos dois agentes da PSP, daí não ter procurado as imagens do arguido AA com o passaporte na mão” ordenando a suspensão provisória do processo nos termos e pelos fundamentos que se dão por reproduzidos; c) aquele em que o Senhor Juiz de Instrução enuncia que “verificados que estão os respetivos pressupostos legais [...] concordo com a suspensão provisória do processo nos termos propostos pelo M.P.”; d) e, por fim, aquele em que a Senhora Procuradora da República determina que “obtida que foi a concordância judicial, determino a suspensão provisória do processo, ao abrigo do disposto no art.º 281.º n.º 1 do CPP”. 7.º Não parecendo haver lugar a dúvidas de que a decisão de pôr termo ao inquérito mediante a suspensão provisória do processo é susceptível de ser comprovada em sede de instrução – tal como o é a decisão inversa, vd. por todos, o douto acórdão da Relação de Évora proferido a 06.11.2018, no proc. n.º 139/17.3T9VVC.E1, disponível in www.dgsi.pt – 8.º também se mostra indubitável que tal decisão, sendo sujeita a comprovação judicial no âmbito da instrução, deverá ser revogada, se violar a lei, seja processual, seja materialmente e/ou se tiver sido adoptada sem que tenham sido levados a cabo, no inquérito, todos os actos necessários ao apuramento das responsabilidades e da culpa dos agentes, pelos factos criminalmente relevantes cuja prática se tenha provado no inquérito. 9.º Ora, salvo melhor opinião, é isso, precisamente, o que sucede com a decisão de arquivamento do inquérito, substanciada nos despachos acima identificados. 10.º desde logo porque foram proferidos em absoluta violação dos deveres de informação à vítima lesada pelos crimes aí descritos – e dos que não se encontram aí descritos mas resultam provados dos autos – a qual nunca foi ouvida no processo, nessa qualidade, de Lesado e Vítima, nem foi informada, nos termos legais, nos direitos que lhe assistem, em flagrante violação dos art.º 75.º e 247.º do CPP, e dos art.ºs do Lei n.º 130/2015 de 04.09, tendo, por esse modo, sido objectivamente impedida de exercer os seus direitos processuais. 11.º Aliás, dos quatro despachos ora postos em crise, só o último lhe foi notificado, vd. fls. 321 e 322, em 26.07.2022, ou seja, no decurso das “férias judiciais”. 12.º Isto quando, tal como descreveu no requerimento em que arguiu a nulidade dos mesmos despachos, identificado em epígrafe: 13.º - Em requerimento que apresentou aos autos a 09.04.2021, (vd. fls. 51 e segs.) o Requerente narrou, em sua defesa, “e, ainda, para todos os restantes efeitos previstos na Lei” (sic, n.º 2 do requerimento, cheio e sublinhado do original) factos dos quais decorria “que vários agentes da Polícia de Segurança Pública violaram, dolosamente, e de forma reiterada, vários direitos do Arguido, como o direito à sua integridade física, à liberdade, à sua dignidade pessoal e ao respeito que lhe é devido, e ao acesso à assistência de um advogado, tendo incorrido em várias condutas previstas e punidas não só no seu regime disciplinar, mas também pela lei penal, e causado danos relevantes ao Arguido” (sic n.º 38 do requerimento), ou seja, que integravam a prática de crimes pelos Arguidos identificados em epígrafe, dos quais ele era a vítima; 14.º - Em requerimento que apresentou aos autos a 09.04.2021, a requerer a nulidade do inquérito, o Requerente, tendo “constat[ado] o que, não obstante ter dado conhecimento ao Ministério Público, no requerimento a que deu entrada nos autos a 09.04.2021 (a fls. 51), de um conjunto de factos dos quais resulta que «vários agentes da Polícia de Segurança Pública violaram, dolosamente, e de forma reiterada, vários direitos do Arguido, como o direito à sua integridade física, à liberdade, à sua dignidade pessoal e ao respeito que lhe é devido, e ao acesso à assistência de um advogado, tendo incorrido em várias condutas previstas e punidas não só no seu regime disciplinar, mas também pela lei penal, e causado danos relevantes ao Arguido», aparentemente, não foi iniciado, para apuramento desses factos, qualquer procedimento criminal, pelo que [requereu], agora, expressamente, a promoção desse procedimento criminal, contra os agentes da PSP aí identificados: “CC” e “BB” (sic, n.º 19 do requerimento, cheio e sublinhado do original); 15.º - Em requerimento que apresentou aos autos a 09.09.2021, a requerer o arquivamento da acusação contra si deduzida, o Requerente, tendo “confirma[do] que não foi aberto inquérito criminal pela prática desses e dos demais factos reportados no sobredito requerimento do Arguido, e dos quais resultava que “vários agentes da Polícia de Segurança Pública violaram, dolosamente, e de forma reiterada, vários direitos do Arguido, como o direito à sua integridade física, à liberdade, à sua dignidade pessoal e ao respeito que lhe é devido, e ao acesso à assistência de um advogado, tendo incorrido em várias condutas previstas e punidas não só no seu regime disciplinar, mas também pela lei penal, e causado danos relevantes ao Arguido”, requer-se, de novo, e pela terceira vez, a promoção desse procedimento criminal, contra os Agentes da PSP, BB e CC, bem como contra todos os mais envolvidos nos factos descritos nesse requerimento de 09.04.2021, e ainda (i) na truncagem de oito minutos às “imagens captadas pelas câmaras de videovigilância instaladas no hipermercado “Pingo Doce” de Telheiras entre as 15h:30 do dia 10.03.2021 e o momento da saída daquele estabelecimento, do Arguido e de todos os elementos da Polícia de Segurança Pública que o detiveram ou que acompanharam a detenção, cuja conservação e entrega o Arguido requereu atempadamente ao Ministério Público, e/ou a entrega ao Arguido de uma cópia dessa gravação” (ii) no visionamento das imagens anteriormente truncadas, com omissão, no respectivo relatório, que as mesmas exoneravam o Arguido do crime de desobediência que lhe é imputado” (sic, n.º 13 do requerimento, cheio e sublinhado do original); 16.º - E mais, no seu douto despacho de arquivamento, de fls. 312, a Senhora Procuradora da República subscritora expressamente enuncia que “No decurso do inquérito veio o arguido AA apresentar queixa contra os agentes da PSP envolvidos nos autos, imputando-lhes a prática de um crime de denúncia caluniosa, de um crime de sequestro, de falsificação, de falsidade de testemunho, de denegação de justiça e de prevaricação.”. 17.º Sucede, todavia, que, pese quanto a Senhora Procuradora da República enunciou e acima se transcreveu, e apesar de, por três vezes – três – o Requerente ter reportado aos autos factos previstos e punidos no Código Penal, que lesaram – e de forma grave e intensamente dolosa – a sua liberdade, a sua integridade física, a sua saúde, a sua dignidade e o respeito que lhe era devido, e o direito a não ser acusado pela prática de um crime que não cometeu, requerendo a “promoção desse procedimento criminal”, o Requerente nunca foi ouvido, nos presentes autos, na qualidade de denunciante, lesado ou vítima. 18.º Omissão tanto mais indiscutível, evidente, e insólita, porque, tendo-se o Sr. Agente BB (doravante BB) “recordado”, na inquirição que teve lugar a fls. 93 e 94 dos autos, de que tinha sido vítima de uma “tentativa de agressão” por parte do Requerente, logo lhe foi perguntado, e este logo respondeu, que “deseja procedimento criminal contra o suspeito”, 19.º e de imediato aquele (agora) Arguido foi notificado, a fls. 95, nos termos e “em cumprimento do disposto nos art.ºs 75.º e 247.º do Código de Processo Penal” e ainda do “ESTATUTO DA VÍTIMA (informações obrigatórias à vítima)”, “em cumprimento do disposto no n.º 5 da Lei n.º 130/2015 de 04 de Setembro que cria o Estatuto de Vítima e o Artigo 11.º do mesmo diploma legal”. 20.º Tendo o Requerente esperado, pacientemente, que tal audição e notificação também sucedesse consigo, e ficado a aguardar por essa diligência legal obrigatória – como decorre do texto citado supra – após a qual ficaria estabilizada a sua posição processual, como Queixoso e Lesado e não mais (ou não apenas) como Arguido – para se constituir Assistente e para formular o seu pedido de indemnização cível, como decorre das normas acima referidas – tal nunca veio a suceder – uma vez que, em vez de ser notificado para tal audição e notificado para exercer os seus direitos enquanto vítima de crimes contra a sua liberdade, a sua integridade física, a sua saúde, a sua dignidade pessoal e o direito a não ser acusado por um crime que não cometeu, o Requerente, foi, ao invés, notificado da decisão de arquivamento do inquérito – mediante a decisão de suspensão provisória do processo, ora posta em crise, antes de mais por ter sido proferida, sem que o Requerente tenha sido consultado, com o fundamento de este não se ter constituído Assistente – decisão subscrita pela mesma Senhora Procuradora da República que nunca ordenou que o Requerente nos autos fosse ouvido, na qualidade do Queixoso e de Lesado, do que decorreu, necessariamente, que nunca lhe foram comunicados, portanto, os seus direitos, designadamente, o de se constituir Assistente e formular pedido de indemnização cível. 21.º Ainda que desta absoluta omissão dos direitos do Requerente como vítima e lesado não resultasse a ilegalidade da decisão de arquivamento do inquérito – de que só soube “post facto” – o que só por cautela de patrocínio se concebe – os despachos que consubstanciaram essa decisão seriam nulos, por serem manifestamente inconstitucionais, por violarem os art.ºs 2.º (Estado de Direito Democrático), 20.º, n.º 1 (Tutela Efectiva dos Direito), 25.º n.º 1 (Direito à Integridade Pessoal, Física e Moral), 27.º (Direito à Liberdade), e 32.º, n.º 7 (Direito do Ofendido a Intervir no Processo), da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do art.º 281.º do CPP que permita ao Ministério Público promover a suspensão provisória do processo, sem consentimento da vítima lesada e/ou sem que à mesma seja arbitrada indemnização ou dada satisfação moral quando os crimes praticados tenham, comprovadamente, causado lesões nos direitos à liberdade, à integridade física, e à dignidade do queixoso e ao seu direito a não ser falsamente acusado da prática de um crime – e em particular quando tais crimes foram praticados por agentes de órgão de polícia criminal no exercício das suas funções. 22.º Ainda que assim não fosse, o que só por cautela de patrocínio se concebe, tais despachos seriam nulos, por ser pressuposto da suspensão provisória do processo, por eles preconizada ou determinada, e dele constar, a qualificação, contrária à ordem pública, da conduta dos Arguidos como tendo um “grau de culpa” que “não é elevado”, quando estes – sendo ambos agentes de órgão de polícia criminal no exercício das suas funções, um deles com o cargo de “Chefe” – detiveram um cidadão sem qualquer fundamento legal, privando-o de liberdade durante mais de 5 (cinco) horas, causando ofensas relevantes à sua integridades física (hematomas e escoriações nas pernas, costas e pulsos) e sujeitando-o a situações objectivamente humilhantes, como ser imobilizado contra uma parede, num cubículo, durante 30 minutos; ser conduzido algemado em público, e ser revistado totalmente nu; falsificaram auto de notícia, bem sabendo que o mesmo faz prova plena do seu teor, imputando ao cidadão a prática de um crime punido com pena de prisão até 1 ano; e prestaram, por um total de quatro vezes, falsas declarações como testemunhas, tendo sido advertidas das consequências penais de faltarem à verdade – e, uma vez apanhados nas suas descaradas mentiras, tendo um optado por, contra todas as evidências, mantê-las e outro pelo silêncio – nenhum deles, tendo, portanto, assumido responsabilidades pelos seus actos. 23.º Ainda que assim não fosse, tais despachos seriam nulos por violação do dever de fundamentação que incide sobre todas as decisões jurisdicionais, uma vez que é pura e simplesmente inexistente a explicação do enquadramento jurídico dado aos actos praticados pelos arguidos nos três despachos acima identificados, sic “em concurso real de: um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.0 382.0 do CP, e de um crime de falsificação ou contrafacção de documento agravado, p. e p. pelo art.º 256.º n.º 1 al d) e n.ºs 3 e 4 do CP”. 24.º Com efeito, é esta a totalidade da fundamentação desse enquadramento jurídico: “Resulta dos autos que, no circunstancialismo descrito nos autos, os dois agentes da PSP BB e CC fizeram constar falsamente do auto de notícia que o arguido AA se recursou a identificar-se, abusando dos poderes que lhe estão conferidos, visando prejudicá-los” (sic). 25.º Da mera leitura do trecho citado, decorre a conclusão que não se acha explicitada a razão pela qual as condutas dos Arguidos foram enquadradas nesses crimes – isto porque o conceito “abusando os poderes que lhe estão confiados” é um conceito de direito no qual têm de ser subsumidos factos, sob pena de incumprimento do dever de fundamentação – nem, em especial, porque não foram enquadrados noutros crimes – nem foi justificada a relação de “concurso real” entre as várias acções criminosas dos Arguidos – isto face à quantidade e variedade de actos criminais que os autos atestam que os Arguidos praticaram, e que nem de perto, nem de longe, se enquadram nos tipos indicados. 26.º Resulta particularmente incompreensível a qualificação dos actos praticados pelos Arguidos no crime previsto e punido pelo art.º 382.º do CP, quando o artigo em causa expressamente enuncia que esse crime “é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”, e os Arguidos praticaram, dolosamente, na pessoa do Requerente – sem margem para dúvidas, face ao que os autos evidenciam – os crimes de sequestro, de denúncia caluniosa, e de ofensas à integridade física, todos na forma agravada, por força das funções por eles exercidas, e, ainda, os de falsificação de documento e de falsidade de testemunho, todos puníveis com pena igual ou superior a 3 anos. A saber: 27.º Ao preencher o auto de notícia de fls. 1 a 4, visando que fosse iniciado um procedimento penal contra o Requerente AA pelo crime de desobediência, punível com prisão até um ano – bem sabendo que ele o não tinha cometido e que esse documento tem valor probatório reforçado – o Arguido BB praticou, com dolo directo, sem qualquer margem para dúvidas, um crime de denúncia caluniosa, p.p no art.º 365.º CP, cujo tipo é assim descrito “Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”, prevendo a alínea a) do n.º 365.º CP que, “Se o meio utilizado pelo agente se traduzir em apresentar, alterar ou desvirtuar meio de prova”, como sucedeu no caso presente, o mesmo será punido com pena de prisão até cinco anos. 28.º E, ao deter o Requerente AA, com o fundamento – falso – de este se ter recusado a identificar, como expressamente declarou, por três vezes nos autos – mantendo-o detido, contra a sua vontade e sem poder contactar advogado ou a sua família, por 5 horas e 20 minutos – o Arguido BB e o Arguido CC (CC) – pessoa a quem o Requerente entregou o seu passaporte e que, por tal, bem sabia que este não se tinha recusado identificar-se – praticaram, em co-autoria, com dolo directo, e sem qualquer margem para dúvidas, um crime de sequestro, p.p no art.º 158.º CP, punível, na forma simples, com pena de prisão até três anos, ou, na forma agravada, por força do disposto nos termos da alínea g) “por funcionário com grave abuso de autoridade”, com pena de prisão de dois a dez anos. 29.º E, ao ter causado ofensa da integridade física do Requerente AA, para efeitos da detenção, a que procedeu com o fundamento – falso – de este se ter recusado a identificar, como expressamente declarou, por três vezes nos autos – sujeitando-o, com recurso à violência, contra uma parede, pontapeando-os nas pernas, de modo a causar-lhe hematomas visíveis, e dando-lhe palmadas na cabeça e nas costas, e algemando-o, também de modo a causar-lhe hematomas e escoriações visíveis – o Arguido BB praticou, com dolo directo, sem qualquer margem para dúvidas, um crime de ofensa à integridade física: p.p no art.º 143.º CP, punível, na forma simples, com pena de prisão até 3 anos, ou, na forma agravada, por força do disposto nos termos da alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do art.º 145.º e na alínea m) do n.º 2 do art.º 132.º do CP “por funcionário com grave abuso de autoridade”, com pena de prisão até quatro anos. 30.º Não existe qualquer “concurso real” entre estes crimes, dado que protegem bens jurídicos totalmente diversos, e nenhum deles obrigava à comissão dos restantes, sendo o dolo de uns e de outros totalmente autonomizável – não implicando a detenção ilegal o subsequente preenchimento de um auto de notícia falsificado, com vista a forjar um documento autêntico do qual resultasse a imputação ao Requerente da prática de um crime, nem a comissão das agressões perpetradas durante o tempo em que este esteve privado de liberdade. 31.º Tão pouco se compreende o motivo porque foi imputado aos arguidos BB e CC apenas um crime de falsificação de documento – e não de falsificação praticada por funcionário, apesar de ambos os Arguidos terem essa qualidade – e nenhum crime de Falsidade de Testemunho, 32.º quando decorre, ipso facto, dos autos que o Arguido BB, que é um agente da PSP, falsificou um documento com valor probatório reforçado, o Auto de Notícia, de Fls. 1 a 4, de onde fez constar as seguintes falsidades, várias delas atestadas nos autos: - “estão reunidos os pressupostos para detenção em flagrante delito” - falso; “contactou a família: prescindiu” - falso; “contactou o defensor: prescindiu” - falso; “modus operandi: ameaça/Coacção verbal: em edifício” - falso; tudo entre “foi o mesmo conduzido ... e formalismos legais” – falso; “sendo descoberto nas suas vestes o seu passaporte” – falso – actuação esta que, sendo o agente um funcionário, estando ele no exercício das suas funções, e tendo plena consciência do valor probatório dos autos de notícia e de que prejudicava a boa administração da justiça, se enquadra no crime de “Falsificação praticada por funcionário”, p.p. no art.º 257.º CP, e é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. 33.º Sendo que decorre daqueles autos que, das duas vezes em que cada um daqueles Arguidos foi ouvido na qualidade de testemunha, estes prestaram juramento e foram advertidos de que estavam obrigados a dizer toda a verdade “sob pena de não o fazendo incorrer em crime punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias” vd. fls. 93, e 144, autos de inquirição do Arguido BB, e fls. 92 e 145, autos de inquirição do Arguido CC – tendo, ainda assim, ambos, de cada uma das vezes que foram ouvidos, faltado, dolosamente, à verdade, com o fim de imputar ao Requerente um crime – que bem sabiam que este não tinha praticado – punível com pena de prisão. 34.º Tendo, assim, o Arguido BB e o Arguido CC praticado, cada um, dois crimes de Falsidade de Testemunho, p.p. no n.º 3 do art.º 360.º CP, punido (tal como foi dito aos Arguidos) com pena de prisão até 5 anos. 35.º Tão pouco existindo qualquer “concurso real” entre estes crimes, dado que não há uma única resolução criminosa, pois o facto de terem prestado falso depoimento da primeira vez que foram ouvidos, como testemunhas, sob juramento, nos autos, não os obrigava a voltar a prestar falso depoimento da segunda vez que foram ouvidos, como testemunhas, sob novo juramento, nos autos – tendo tomado, em cada uma dessas ocasiões, uma decisão autónoma de depor falsamente, para imputar ao Requerente a prática de um crime que este não tinha cometido. 36.º Aliás, igualmente insólita é a absoluta inexistência, nos trechos acima transcritos, de qualquer referência, na qualificação jurídica dos actos dos dois Arguidos aí identificados, ao elemento subjectivo – sendo, como é, inequívoco, que a actuação dos Arguidos foi dolosa, que foi reiterada no tempo – e que, dada a sua qualidade de agentes da autoridade pública, era especialmente censurável – acrescendo, que, ao serem confrontados com a prova cabal das suas condutas criminosas, os Arguidos não manifestaram qualquer arrependimento. 37.º Tal como é insólita a conformação da Sr.ª Procuradora da República com a existência nos autos de inquérito que dirige, a fls. 80, de um DVD falsificado – uma vez que, nesse suporte digital, as imagens de videovigilância captadas e facultadas pelo “Pingo Doce”, foram truncadas em oito minutos – minutos nos quais se incluíam as imagens que vieram a provar a inocência do Requerente e a atestar as condutas criminosas dos Arguidos, vd. DVD junto a fls. 154. 38.º É, ainda, insólita a aceitação, sem qualquer análise crítica, da “justificação” dada pelo Agente DD, que o Ministério Público incumbiu de visionar as imagens de videovigilância captadas e facultadas pelo “Pingo Doce”, para nunca ter dado conta (i) seja da omissão, por efeito de evidente truncagem, de oito minutos de imagens do DVD junto a fls. 80; (ii) seja para o facto, evidente nas imagens do DVD junto a fls. 154, de que o Requerente não cometeu o crime de desobediência por cuja prática, na ocasião em que esse Agente visionou as imagens, o Requerente já sabia que iria ser acusado – e, sem apurar se o processo que foi remetido àquele Agente incluía os requerimentos em que aquele descrevia as circunstâncias da sua detenção, e da falsidade lhe ser imputado o crime de desobediência. 39.º Os factos referidos nos dois anteriores artigos justificam, salvo melhor opinião, a promoção de actos de inquérito tendentes ao apuramento de responsabilidade que, pura e simplesmente, não foram adoptados – por exemplo, nunca tido sido perguntado ao Senhor Agente DD, que o Ministério Público incumbiu de visionar as imagens de videovigilância captadas e facultadas pelo “Pingo Doce”, se se tinha, ou não, apercebido da truncagem de oito minutos de imagens do DVD junto a fls. 80, e, sendo esse o caso, porquê – uma vez que, fosse qual fosse o teor dessas imagens e seja qual fosse o objectivo do seu visionamento pelo Senhor Agente, a sua supressão não poderia deixar de ser considerada relevante por este. 40.º Sendo, ainda, essencial a audição da testemunha indicada pelo ora Requerente no seu requerimento que apresentou a 09.04.2021 (a fls. 61), ..., desde logo porque presenciou as consequências directas das agressões de que aquele foi vítima – e tirou as fotografias juntas aos autos com aquele requerimento – tendo ainda presenciado o enfarto do miocárdio que o Requerente sofreu três dias depois de ter sido abusivamente detido, injuriado, agredido, algemado, e revistado, todo nu, e para o qual, salvo o devido respeito, é absolutamente óbvio, à luz das regras da lógica, da experiência e do bom senso que estas circunstâncias contribuíram decisivamente. III – NARRAÇÃO, SINTÉTICA, DOS FACTOS QUE FUNDAMENTAM A APLICAÇÃO AOS ARGUIDOS DE PENAS E A INDICAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS APLICÁVEIS: 41.º Atestam os elementos de prova, constantes nos autos, que os Arguidos: - BB, Agente da Polícia de Segurança Pública com a matrícula n.º …10, melhor identificado a fls. 144 e 231 dos autos, - CC, Agente da Polícia de Segurança Pública com a matrícula n.º …25, melhor identificado a fls. 145 e 235 dos autos, 1. No dia 10.03.2021, no hipermercado “Pingo Doce” em Telheiras, na Rua Projectada à Azinhaga dos Ulmeiros, em Lisboa, pelas 15h59, o Ofendido foi abordado por um segurança daquele estabelecimento, que lhe solicitou que levasse e pagasse um molho de alho da marca “Pingo Doce”, com o preço era €0,99 (noventa e nove cêntimos), produto que o Ofendido não levava consigo e não queria comprar, com o fundamento de que este o tinha aberto. 2. Tendo, na sequência deste episódio, o segurança ido “chamar a polícia”, sem que tivesse regressado, pelas 16h02 o Ofendido, acompanhado de um segurança do “Pingo Doce”, dirigiu-se à porta do referido estabelecimento, onde se encontrava o Arguido CC, Agente da Polícia da Segurança Pública, a executar serviço gratificado, o qual, tendo-lhe o Ofendido pedido para esclarecer a situação, lhe perguntou, em voz alta, “Tem a sua identificação?”, ao que o Ofendido respondeu que sim e lhe facultou, de imediato, pela 16h04, o seu documento de identificação, um passaporte da República Federal da Alemanha, que o Arguido CC consultou e guardou. 3. Tendo-lhe o Ofendido pedido que este devolvesse o seu passaporte, o Arguido CC respondeu: “Fique quieto e calado, o passaporte fica comigo!” 4. Tendo, sucessivamente, o segurança do “Pingo Doce” acompanhado do Arguido BB, também ele Agente da Polícia da Segurança Pública, a executar serviço gratificado, chegado ao local onde estavam o Ofendido e o Arguido CC, o Arguido BB, disse-lhe, em tom agressivo: “Pensa bem o que nos vais dizer. Se eu for lá abaixo ver as câmaras e vir que tu tiraste o frasco vai ser sério!”, ordenando-lhe que permanecesse junto do Arguido CC. 5. Ao regressar, pelas 16h09, o Arguido BB disse ao Arguido, sempre em tom agressivo: “Mentiste-me, isto é uma falta de respeito, comigo não fodes! Vamos lá para dentro! Vai à minha frente!”, instruções que o Ofendido acatou, sem contestar, tendo regressado ao interior do hipermercado, 6. Pelas 16h11, o Arguido BB disse ao Ofendido: “Entra aqui nesta sala técnica [...] Vou-te revistar para ver se roubaste outras coisas e não te vou revistar aqui à frente de toda a gente”, tendo-o conduzido para um compartimento fechado e vedado ao público, com 2 x 4 metros de área, para onde levou o passaporte do Ofendido, que o Arguido CC lhe tinha mostrado e entregado à porta daquele local. 7. Todavia, tendo o Arguido BB fechado a porta do compartimento, ele não fez qualquer revista ao Ofendido, tendo-lhe dito, sempre num tom agressivo: “Mentiste-me, eu avisei, não tolero que me faltes ao respeito, filho da puta! Como podes nestes tempos de pandemia mexer no molho, chupá-lo e depois colocá-lo outra vez na prateleira!? Fazes isto também no teu país!?”, ao que o Ofendido respondeu “Senhor agente Ferreira, agradecia que me tratasse por você. Eu também o trato com respeito e por você”, tendo aquele Arguido respondido: “Cala-te cabrão! Já tens idade para ter juízo! Já vais ver!” 8. Tendo o Ofendido dito ao Arguido BB querer contactar o seu advogado, tal foi-lhe negado por este nos seguintes termos: “Não vais ligar para ninguém! Ligar para o teu advogado, não querias mais nada, não? Vira-te para a parede, não olhes para mim!”, ordem a que o Ofendido obedeceu. Nessa sequência, o Arguido BB retirou o telemóvel do Ofendido do bolso das suas calças, e sem dar qualquer aviso ou justificação ao Ofendido, algemou o com as mãos cruzadas atrás das costas; e, após ter manietado o Ofendido, que se mantinha de frente para a parede e de costas para ele, uma vez mais, sem qualquer aviso ou justificação, bateu-lhe, de mão aberta, por quatro vezes, na parte de trás da sua cabeça, com bastante força, causando-lhe dor, tendo-lhe dito, de seguida: “Vê lá se agora ficas calado e não te viras mais!” 9. Tendo o Arguido BB aberto a porta do compartimento, o Ofendido disse, de dentro do corredor onde estava algemado, a outros agentes da Polícia de Segurança Pública, que se encontravam no exterior, e incluíam o Arguido CC: “O vosso colega BB deteve-me e já me bateu várias vezes na cabeça. Quero ligar para o meu advogado”, ao que o Arguido BB lhe gritou: “Já te disse para não olhares para mim e te virares para a parede!”, e, tendo o Ofendido obedecido, acto contínuo, o pontapeou, com violência, na parte inferior das suas pernas, causando-lhe hematomas que eram visíveis dois dias depois, e causando-lhe dor intensa. 10. Tendo deixado o Ofendido fechado no referido compartimento meia-hora, o Arguido BB regressou, pelas 16h44, e foi buscar o passaporte e o telemóvel do Ofendido, que tinha largado em cima de uma das caixas de cartão arrumadas naquele local, tendo, de seguida, o Arguido CC conduzido o Ofendido ao longo da linha de caixas do hipermercado e para fora do mesmo até ao interior de um veículo da PSP, ordenando-lhe que, mesmo algemado, carregasse a sua mochila e as compras, e numa posição que lhe causava dor – com o seu braço esquerdo por baixo dos braços do Ofendido, ou seja, entre os seus braços e as suas costas, levantando-os. 11. Uma vez na 19.ª esquadra de Lisboa (Telheiras), aproximadamente pelas 17h00, foi ordenado ao Ofendido que se despisse por completo, o que este fez, numa casa-de-banho sem condições de higiene e com uma porta entreaberta, permitindo a qualquer pessoa que passasse diante dela ver o Ofendido. 12. Após ser revistado, e voltado a vestir, o Ofendido voltou a ser algemado, desta feita a um banco, até que cerca das 18h:30, foi-lhe apresentado um documento com a constituição de arguido, da qual constava o seguinte texto ou equivalente: “O suspeito detido acima identificado prescindiu de contactar com a família”, e “O suspeito detido acima identificado prescindiu de contactar com o defensor” – sendo que, por não serem verdade, o Ofendido rasurou as duas frases acima transcritas. Ao ver o referido documento rasurado, o Arguido BB saiu do seu gabinete e dirigiu-se ao Ofendido, uma vez mais, de forma agressiva, dizendo-lhe: “Estou-me a lixar se assinas ou não a constituição de arguido, tens que assinar a notificação para amanhã ires ao tribunal, se não passas a noite nos calabouços!”, ao que o Ofendido lhe respondeu que já tinha assinado a notificação, mas que nunca prescindiu do direito de contactar com a família ou defensor. 13. Cerca das 19h10, foram retiradas as algemas ao Ofendido, as quais lhe tinham causado escoriações e hematomas nos pulsos que eram visíveis dois dias depois, e dor intensa nos pulsos e braços. 14. Sucessivamente, foi apresentado ao Ofendido, para assinar, novo auto de constituição de arguido, já sem a declaração de que tinha prescindido de contactar a família, mas mantendo a frase de que teria prescindido de contactar com defensor, tendo-se este, por estar preocupado pelo facto de a sua filha menor ir ficar sem jantar, conformado com essa declaração falsa, e assinado o documento, após o que, cerca das 19h:40m, foram entregues ao Arguido a sua mochila e o saco de compras, e foi este posto em liberdade. 15. Na sequência dos eventos acima descritos, e da violência física e psicológica de que foi vítima, o Ofendido experimentou efectivo medo e aflição, e ficou num estado anímico de profunda revolta e inquietação, de tal modo perturbadores da sua saúde, que, três dias depois, a 13.03.2021, sofreu um enfarte agudo do miocárdio, de muito alto risco, que resultou no seu internamento, de urgência, na unidade de cuidados intensivos no Hospital de Santa Maria, tendo sido sujeito a angioplastia da coronária direita, com implante de 2 “stents”; 16. No mesmo dia 10.03.2021, na 19.ª esquadra de Lisboa, o Arguido BB preencheu o auto de notícia de fls. 1 a 4, visando que fosse iniciado um procedimento penal contra o Requerente pela prática do crime de desobediência, ao fazer constar desse documento, designadamente, que o Ofendido foi “conduzido até uma zona mais recatada, para que desta forma salvaguardando a sua dignidade e pudor fosse devidamente identificado e revistado sem estar a ser o foco das atenções nesta superfície comercial” e de que foi no “corredor técnico” que lhe “foi devidamente solicitado o documento de identificação para que o mesmo fosse identificado respeitando os normativos do artigo 250 do Código Processo Penal” ao que “de imediato o suspeito informou em viva voz que não se identificava, que o documento era dele e que não o ia facultar a ninguém” e que tendo sido “o suspeito alertado que teria de facultar identificação, em virtude de ser suspeito da prática de crime [e] efetuada cominação legal que caso o mesmo não o fizesse seria detido por Desobediência”, foi nessa sequência que o suspeito “avançou bruscamente na minha direcção de forma agressiva num contexto de tentar a fuga, com clara intenção de me agredir”, e de que “foi o suspeito no interior da subunidade policial devidamente revistado, salvaguardando sempre a sua dignidade e pudor, sendo descoberto nas suas vestes o seu passaporte” numa revista feita – e concluindo com a imputação, ao Ofendido, para promoção de procedimento criminal da “tipificação [...] 096 – Crimes contra a autoridade pública” com o “modus operandi: ameaça/Coacção verbal: em edifício”. 17. No dia 30.06.2021, na 7.ª Esquadra de Investigação Criminal de Lisboa, no âmbito dos presentes autos, e a fls. 92, o Arguido CC foi ouvido na qualidade de testemunha, tendo declarado que tendo-lhe sido “solicitado pelo vigilante para irem identificar um indivíduo aqui que tinha danificado um produto e o tinha colocado novamente na prateleira [..] que em virtude de o suspeito não querer pagar o produto foi conduzido para um corredor de segurança a fim de ser identificado”. 18. No dia 30.06.2021, na 7.ª Esquadra de Investigação Criminal de Lisboa, no âmbito dos presentes autos, e a fls. 93, o Arguido BB foi ouvido na qualidade de testemunha, tendo declarado que “confirma integralmente o conteúdo do auto de notícia por detenção por si elaborado e que reproduz para todos os efeitos legais”. 19. No dia 08.10.2021, na 13.ª Secção do DIAP, no âmbito dos presentes autos, e a fls 144, o Arguido BB foi ouvido, perante a Senhora Procuradora da República titular do inquérito, na qualidade de testemunha, e, tendo sido advertido, depois de ter prestado juramento, “que está obrigado a dizer toda a verdade e só a verdade sob pena de não o fazendo incorrer em crime punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias” – declarou quanto segue: “que os factos ocorreram tal como se encontram narrados no auto de notícia por detenção por si elaborado, sendo que o arguido manteve a recusa de se identificar mesmo após lhe ter sido feita a cominação pela prática de um crime de desobediência e que foram feitas duas revistas ao mesmo, uma sumária no local e outra na esquadra, sendo que só na segunda foi encontrado o passaporte do mesmo que permitiu a sua identificação”. 20. No dia 08.10.2021, na 13.ª Secção do DIAP, no âmbito dos presentes autos, e a fls 144, o Arguido BB foi ouvido, perante a Senhora Procuradora da República titular do inquérito, na qualidade de testemunha, e, tendo sido advertido, depois de ter prestado juramento, “que está obrigado a dizer toda a verdade e só a verdade sob pena de não o fazendo incorrer em crime punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias” – declarou quanto segue: “os factos ocorreram tal como se encontram narrados no auto de notícia de detenção, sendo que o arguido manteve a sua recusa de se identificar mesmo após lhe ter sido feita a cominação pela prática de um crime de desobediência”. Tendo actuado de forma livre, consciente e deliberada, e perfeitamente cientes de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, os Arguidos incorreram na prática dos seguintes crimes, todos na forma consumada, e com dolo directo e culpa agravada, por força de serem agentes da autoridade pública a actuar no exercício das suas funções: a) Denúncia Caluniosa, p.p. no art.º 365.º do Código Penal (CP) – imputável a ambos os Arguidos, ao, em conjugação de esforços e intentos, terem preenchido o auto de notícia de fls. 1 a 4, visando que fosse iniciado um procedimento penal contra o Ofendido pelo crime de desobediência, punível com prisão até um ano – e no âmbito do inquérito assim aberto, terem prestado falsas declarações, cada um deles, por duas vezes, reiterando a imputação, ao Ofendido, da prática de factos de natureza criminal que bem sabiam que o Ofendido não tinha praticado, assim incorrendo em pena de prisão até cinco anos, nos termos da alínea a) do n.º 3 daquele artigo (aplicável, se, como sucede no caso presente, “o meio utilizado pelo agente se traduzir em apresentar, alterar ou desvirtuar meio de prova”); b) Sequestro, p.p. no art.º 158.º do CP – imputável a ambos os Arguidos, ao, em conjugação de esforços e intentos, terem detido o Ofendido, com o fundamento – que bem sabiam ser falso – de este se ter recusado a identificar, como expressamente declararam ambos os Arguidos, cada um, por duas vezes, nos autos, e fizeram constar no Auto de Notícia – mantendo-o detido e fisicamente manietado, contra a sua vontade e sem poder contactar advogado ou a sua família, por cinco horas e vinte minutos, punível, na forma simples, com pena de prisão até três anos; c) Ofensa à Integridade Física: p.p. no art.º 143.º do CP – imputável ao Arguido BB, por ter causado lesões na integridade física do Ofendido, ostensivamente para efeitos da detenção, a que procedeu com o fundamento – que bem sabia ser falso – de este se ter recusado a identificar, como expressamente declarou, por duas vezes, nos autos, e fez constar no Auto de Notícia – sujeitando-o, com recurso à violência, contra uma parede, pontapeando-os nas pernas, por trás, e de modo a causar-lhe hematomas visíveis, e dando-lhe palmadas na cabeça e nas costas, e algemando-o, também de modo a causar-lhe hematomas e escoriações visíveis, causando-lhe dor, crime que é punível, na forma simples, com pena de prisão até três anos; d) Falsificação Praticada por Funcionário, p.p. no art.º 257.º do CP – imputável ao Arguido BB, por lavrar o Auto de Notícia, de fls. 1 a 4, fazendo dele constar vários factos que bem sabia serem falsos, tratando-se ele de um funcionário, estando ele no exercício das suas funções, e tendo plena consciência do valor probatório reforçado dos autos de notícia e de que, ao fazê-lo, prejudicava a boa administração da justiça, e que é punido com pena de prisão de um a cinco anos; e) Falsidade de Testemunho, p.p. no n.º 3 do art.º 360.º CP – imputável a ambos os Arguidos, por, das duas vezes em que cada um deles foi ouvido na qualidade de testemunha (vd. fls. 92, 93, e 144 e 145 dos autos), e após terem prestado juramento e sido advertidos de que estavam obrigados a dizer toda a verdade “sob pena de não o fazendo incorrer em crime punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias” – terem, ainda assim, ambos, de cada uma dessas vezes, faltado, dolosamente, à verdade, com o fim de imputar ao Requerente um crime – que bem sabiam que este não tinha praticado; crime este punível (como foi dito aos Arguidos) com pena de prisão até cinco anos; PROVA: Documental: toda a dos autos, nomeadamente os documentos a fls. acima expressamente referidas, bem como as imagens de videovigilância constantes do CD junto a fls. 154 (e suprimidas no CD junto a fls. 80) nas quais se vê: (i) a partir das 16h04m03s e até às 16h04m45s, a câmara do canto superior direito do ecrã, com o número “C80”, a mostrar claramente o Arguido CC (com a identificação “Jesus Santos” no uniforme) a segurar e manusear na mão direita, o passaporte do Ofendido; (ii) a partir das 16h10m54s, na câmara “C13”, ao meio – na linha inferior – a mostrar o Arguido CC, a segurar o passaporte do Ofendido, entregando-o, ao minuto 16h11m09s, ao Arguido BB (com a identificação “BB” no uniforme), que, de seguida, entra na “sala técnica” com o Ofendido, levando na mão o passaporte deste; Bem como os fotogramas de algumas dessas imagens e a fotografia do passaporte do Requerente, constantes do requerimento deste, apresentando de 09.02.2021, junto a fls. 191. Testemunhal: ..., residente no domicílio do Requerente Nestes termos, e nos mais de Direito, requer-se: a) Que seja declarada a abertura de instrução para apreciação das questões suscitadas, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 287.º do CPP; b) Que sejam levados a cabo os actos de instrução abaixo indicados; e c) Que, a final, seja proferido despacho de acusação dos aqui Arguidos pela prática dos crimes de que vêm acusados, bem como do autor da truncagem do CD de fls., caso se venha a apurar quem seja. REQUER-SE A SEGUINTE PROVA: a) Declarações do Arguido ..., melhor identificado a fls. 81, 159 e 245 dos autos, para apuramento da pessoa responsável pela supressão de 8 (oito) minutos de gravações de imagens de videovigilância no CD junto a fls. 80, que foi o primeiro facultado, pela secretaria, ao Ofendido – entre as 16 horas e 2 minutos, quando este, acompanhado de um segurança da “Pingo Doce, SA”, se dirige à porta do hipermercado, e as 16 horas e 10 minutos, quando o Ofendido reaparece, na linha de caixas – minutos esses que correspondem, precisamente, às imagens que vieram provar a veracidade da versão dos factos descrita por este , sem as ter visto – e são, também, aquelas que, inversamente, provam a falsidade do teor do “Auto de Notícia do Detenção” subscrito pelo Arguido BB e dos depoimentos prestados por este e pelo Arguido CC, uma vez que tal documento constitui um indício fortíssimo da práticas dos crimes de falsificação, p.p. nos n.ºs 1 e 4 do art.º 256.º do CP – caso o autor seja agente da “Pingo Doce, SA” – e/ou – caso se tratem de funcionários – de denegação de justiça, e/ou prevaricação, p.p. nos n.ºs 1 a 3 do art.º 369.º do CP. b) Testemunhal: ..., residente no domicílio do Requerente, para prova dos factos alegados pelo Requerente quanto ao efeitos físicos e morais, na sua pessoa, dos actos praticados pelos Arguidos, e conforme foi requerido expressamente pelo Requerente, aos 09.04.2021 (a fls. 61).» - Em 29/9/2022, o arguido CC veio manifestar-se no sentido do indeferimento do pedido do ofendido para se constituir como assistente; - Em 24/10/2022, foi proferido o despacho judicial (agora recorrido) a indeferir quer a constituição do ofendido como assistente quer o requerimento de abertura de instrução nos seguintes termos já supra transcritos (aqui novamente reproduzidos): «No final do inquérito foi determinado o arquivamento dos autos crime de denúncia caluniosa, de um crime de sequestro, de falsificação, de falsidade de testemunho, de denegação de justiça e prevaricação e decidida a suspensão provisória do processo quanto aos crimes em causa. Nessa sequência o ofendido AA requereu a sua constituição como assistente e a abertura da instrução. O arguido CC opôs-se à constituição como assistente referida por entender que a mesma é intempestiva. Analisado o despacho final do inquérito é manifesto que o mesmo não implicou um efectivo arquivamento quanto a quaisquer factos. O que aconteceu é que o Ministério Público entendeu que os factos não se subsumiam às incriminações denúncia caluniosa, de um crime de sequestro, de falsificação, de falsidade de testemunho, de denegação de justiça e prevaricação e, perante tal discordância jurídica, no entender do Ministério Público deveria reflectir-se em despacho de arquivamento. Assim, pelos factos em investigação no inquérito e quanto ao enquadramento jurídico que o Ministério Público adoptou, foi decidida a suspensão provisória do processo, com a devida concordância judicial. Não foi, como não tinha de ser ouvido o ofendido, que não se tinha constituído assistente, não sendo necessária tal audição (art.º 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Nesta sequência, o ofendido AA requereu a sua constituição como assistente e a abertura da instrução, pretendendo a pronúncia dos arguidos e de pessoas indeterminadas por esses factos. Nos termos do disposto no art.º 68.º, n.º 3, b), do Código de Processo Penal, o ofendido pode requerer a sua constituição como assistente no prazo previsto no art.º 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Como dispõe o artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a abertura da instrução pode ser requerida pelo assistente no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento. No entanto, o despacho de arquivamento que permite a abertura da instrução é apenas aquele que é proferido ao abrigo do disposto no art.º 277.º do Código de Processo Penal e que se refira a factos autónomos daqueles foi determinada a suspensão provisória do processo (ou eventual acusação). Isto porque o despacho de suspensão provisória do processo, bem como o despacho de arquivamento proferido na sequência da suspensão provisória do processo, se inclui numa previsão clara que proíbe a continuação ou reabertura dos autos (art.º 282.º, n.º 3, do Código de Processo Penal). Nos presentes autos não foi proferido qualquer despacho de arquivamento autónomo da decisão de suspensão provisória do processo em que seja ofendido AA. Por isso, quando foi requerida a constituição como assistente e a abertura da instrução, não se encontrava em curso prazo para o efeito, nomeadamente ao abrigo do disposto nos art.ºs 68.º, n.º 3 e 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Assim, o requerimento para a constituição como assistente apresentado é extemporâneo, não se incluindo no mencionado art.º 68.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e tendo sido apresentado já depois de determinada a suspensão provisória do processo. E, pelos mesmos fundamentos, o requerimento para a abertura da instrução apresentado é também inadmissível, por proibição legal de o processo prosseguir, para além, de não ter sido admitida a constituição como assistente (art.ºs 282.º, n.º 3 e 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal). Pelo exposto, indefiro o requerimento para a constituição como assistente e o requerimento para a abertura da instrução apresentados por AA. Notifique.». - Em 21/11/2022, o arguido BB depositou à ordem destes autos a (restante) quantia de €100 (sob a ref.ª 701080032036442); - Em 30/11/2022 foi admitido o recurso em apreço (com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo) e, desde então, os autos não voltaram ao Ministério Público. Ora, em face deste concreto quadro factual cronológico, afigura-se-nos que, no tocante ao pedido de constituição como assistente, aquando da formulação deste pedido (em 1/9/2022), o requerente estava representado por advogado, pagara a respectiva taxa de justiça, tinha legitimidade, estava em tempo e tinha interesse em agir como tal. Pois, só no dia 22/7/2022 (em plenas férias judiciais), lhe havia sido notificadas as supras transcritas decisões do Ministério Público quer de dois arquivamentos, quer de suspensão provisória do processo. Ainda estava a decorrer o prazo para, querendo, este (denunciante com faculdade de se constituir assistente) requerer a abertura da instrução (nos termos do art.º 287º, nº1, al. b), do CPP) ou suscitar a intervenção hierárquica (nos termos do art.º 278º do CPP) quanto ao segundo despacho de arquivamento [relativamente aos alegados crime de denúncia caluniosa, crime de sequestro, crime de falsidade de testemunho e de denegação de justiça e prevaricação]. E, mesmo que tal não fosse suscitado (quanto àquela parte do processo), atenta a duração da respectiva suspensão provisória do processo fixada aos arguidos BB (durante 4 meses) e CC (durante 2 meses), o processo ainda não estava arquivado quanto a esta parte. Por isso, ainda havia duas possibilidades em aberto: » a possibilidade de ser requerida a abertura de instrução ou a reclamação hierárquica quanto ao segundo despacho de arquivamento [relativamente aos alegados crime de denúncia caluniosa, crime de sequestro, crime de falsidade de testemunho e crime de denegação de justiça e prevaricação] =» pondo em causa esta parte do processo que havia sido arquivada com, eventual, prosseguimento desta parte do processo – podendo dar lugar, respectivamente, a uma eventual pronúncia ou não pronúncia relativamente à demais factualidade e respectiva subsunção jurídica constantes do RAI ou a uma eventual dedução de uma outra acusação pelo Ministério Público; e » a possibilidade de a outra parte do processo prosseguir [no tocante aos imputados crime de abuso de poder e crime de falsificação ou contrafacção de documento agravado] por, eventual, falta de cumprimento da respectiva obrigação/injunção e/ou por, eventual, cometimento de crime da mesma natureza durante o respectivo prazo (nos termos da previsão contida no art.º 282º, nº 4, do CPP) =» podendo dar lugar à dedução de acusação pelo Ministério Público contra os arguidos, por tal factualidade e por tal subsunção jurídica (nos termos do art.º 283º do CPP). Por isso, face a essas possibilidades, o requerente tinha interesse em poder agir como assistente (nos termos da previsão do art.º 69º do CPP). Por isso, aquando do despacho recorrido, não era inútil a constituição deste denunciante/ofendido como assistente nos presentes autos, por ainda não se terem esgotado as possibilidades da sua intervenção neste processo penal de inquérito. Nessa conformidade, podia e devia ter sido admitida tal pretendida constituição do denunciante/ofendido AA como assistente nos autos – o que se determina que seja feito pelo Exmo Juiz, em substituição dessa parte do despacho recorrido que se revoga. No tocante ao pedido de abertura de instrução, afigura-se-nos que, em face de tudo o supra exposto, nomeadamente, da cronologia supra exposta e do teor transcrito do segundo despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público relativamente aos denunciados/arguidos BB, CC e DD, também, assiste razão ao denunciante/ofendido AA, impondo-se revogar a restante parte do despacho recorrido. Pois, (conforme já referimos) no processo penal em apreço, o Ministério Público, em 1/7/2022, proferiu três despachos distintos: - arquivamento do inquérito quanto ao arguido AA pela prática de um crime de desobediência; - arquivamento do inquérito quanto aos suspeitos BB e CC e ao arguido DD pela prática dos crimes de denúncia caluniosa, de sequestro, de falsidade de testemunho e de denegação de justiça e prevaricação; - proposta de suspensão provisória do processo quanto aos arguidos BB e CC pela prática dos crimes de abuso de poder e de falsificação ou contrafação de documento agravado. Mas, o Exmo Juiz, aquando do despacho recorrido partiu, de uma premissa errada, ao considerar que o objecto factual do processo e o seu enquadramento jurídico respectivo ficaram delimitados e fixados pelo Ministério Público aquando daquele primeiro despacho de arquivamento e aquando desta proposta de suspensão provisória do processo. Tendo o Exmo Juiz considerado, erradamente, que esta última abrangia todos os restantes factos relativamente ao ofendido AA e que só quanto à sua distinta configuração jurídica houvera o segundo despacho de arquivamento. Ou seja, erradamente, considerou que este segundo despacho de arquivamento não implicara um efectivo arquivamento quanto a quaisquer factos e, por isso, não fora um despacho de arquivamento autónomo da decisão de suspensão provisória do processo relativamente ao ofendido AA. E, por isso mesmo e erradamente, considerou ser inadmissível, legalmente, o processo prosseguir com abertura de instrução relativamente ao segundo despacho de arquivamento. Ora - salvo o devido respeito -, este entendimento não corresponde à realidade e não tem sustentação legal. Há, efectivamente, dois despachos de arquivamento e uma proposta de suspensão provisória do processo. -» Quanto a esta última, depois de obtida a concordância do Exmo Juiz de instrução, o Ministério Público veio proferir decisão de suspensão provisória do processo (nos termos supra-transcritos): quanto à prática, pelos arguidos BB e CC, em co-autoria e concurso real, de um agravado crime de falsificação de documento e um crime de abuso de poder (previstos e puníveis, respectivamente, pelos art.ºs 256º, nº 1, al. d), nºs 3 e 4, e 382º do Código Penal); por esses, enquanto agentes da PSP, terem feito constar, falsamente, do auto de notícia (que dera origem aos autos) que o arguido/ofendido AA se recusou a identificar-se, abusando esses dos poderes que lhes estão conferidos, visando prejudicar este; suspensão essa durante 4 meses para o arguido BB e durante 2 meses para o arguido CC, sob a condição de pagarem, no respectivo prazo e a favor do Fundo para a Modernização da Justiça, a quantia de € 400 cada um (nos termos previstos pelo art.º 281º do CPP). Em face desta decisão do Ministério Público, (conforme já referimos) o denunciante/ofendido apenas podia ter lançado mão do mecanismo da intervenção hierárquica, mas não o fez. E, conforme resulta, expressamente, previsto no art.º 281º, nº 7, do CPP, a decisão de suspensão provisória do processo não é susceptível de impugnação. Por isso, face ao já demonstrado cumprimento de tal respectiva injunção por parte dos mesmos arguidos e se não houver a demonstração do cometimento pelos mesmos, durante o respectivo período de suspensão, de crime de idêntica natureza, o Ministério Público irá arquivar o processo que (nessa parte) não poderá ser reaberto (face à previsão contida no art.º 282º, nº 3, do CPP). Caso contrário, o processo prosseguirá, sem repetição das prestações já pagas e com dedução de acusação pelo Ministério Público contra os arguidos, pelos factos e pelos crimes que haviam determinado (nessa parte) aquela suspensão provisória do processo (face à previsão contida nos art.ºs 282º, nº 4, e 283º do CPP). -» Quanto ao segundo despacho de arquivamento do inquérito, proferido pelo Ministério Público (nos termos supra-transcritos): relativamente aos demais denunciados factos, por parte do denunciante/ofendido AA, relativamente aos referidos suspeitos BB e CC e ao referido arguido DD (nos termos previstos pelo art.º 277º, nº 1, do CPP); este mesmo denunciante/ofendido, com faculdade de se constituir assistente, podia (querendo e dentro dos respectivos prazos - conforme já referimos) requerer a intervenção hierárquica ou, constituindo-se assistente, requerer a abertura da instrução (nos termos previstos pelo art.º 278º, nºs 1 e 2, e 287º, nº 1, al. b), e nº 2, do CPP). Em face desse mesmo despacho de arquivamento (e conforme já referimos) o denunciante/ofendido AA veio requerer, válida e tempestivamente: - por um lado, a sua constituição como assistente nos autos; e, - por outro lado, a abertura de instrução, com vista à comprovação judicial daquele respectivo arquivamento, relativamente aos demais denunciados factos e aos demais denunciados crimes respectivos (nos termos do RAI supra transcritos), nomeadamente: de mais um crime de falsificação de documento por parte do denunciado BB; de um crime de denúncia caluniosa por parte dos denunciados BB e CC; de um crime de ofensa à integridade física por parte do denunciado BB; de dois crimes de falsidade de testemunho de cada um dos denunciados BB e CC. Em suma, perante os sobreditos e distintos rumos decisórios dados pelo Ministério Público no âmbito deste processo penal, naturalmente, que também são distintos os respectivos meios quer de fiscalização hierárquica quer de comprovação judicial das respectivas decisões do Ministério – cfr. a este propósito “Código de Processo Penal Comentado”, 3ª edição revista, com o comentário de Maia Costa aos sobreditos art.ºs 277º, 278º, 281º, 282º, 286º e 287º do CPP. Por isso, o Exmo Juiz não podia fazer (como fez) tábua rasa disso mesmo e sonegar ao ofendido AA a possibilidade de, válida e tempestivamente, se constituir como assistente nos autos e sonegar ao mesmo ofendido a possibilidade de, válida e tempestivamente, através do RAI exercer um direito que lhe assiste que é o de ser levada a cabo a fase de instrução destinada à (judicial) comprovação, ou não, daquele despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público relativamente aos demais factos e crimes por aquele denunciados – com vista a ser, judicialmente, comprovado o arquivamento desta parte do processo ou a ser submetida esta parte do processo a julgamento (conforme prevê o art.º 286º, nº 1, do CPP). Aliás, como sabemos, a fase de instrução é facultativa. Mas, uma vez requerida, válida e tempestivamente, torna-se obrigatória a sua realização – sob pena de tal falta constituir uma nulidade insanável e que deve ser declarada em qualquer fase do processo (até ao trânsito em julgado da decisão final), nos termos e com os efeitos, expressamente, previstos pelos art.ºs 118º, nº 1, 119º, al. d), e 122º do CPP. Compulsado o teor do respectivo RAI (supra transcrito), para além de tempestivo, o mesmo obedece às demais exigências legais contidas no art.º 287º, nº 1, al. b), nº 2, em conjugação com o remetido art.º 283º, nºs 2 e 3, als. b) e d), do CPP, segundo os quais: «Artigo 287º 1 – A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento: (…) b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação. 2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 283.º, não podendo ser indicadas mais de 20 testemunhas.»; «Artigo 283º 2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. 3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:(…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;(…) d) A indicação das disposições legais aplicáveis; …». Por isso, o Ex.mo Juiz, ao proferir o despacho recorrido, inviabilizou a feitura da fase instrutória neste concreto processo penal. E, por isso, ficaram por realizar actos instrutórios e o obrigatório debate instrutório, seguido de obrigatória decisão instrutória com eventual conhecimento (judicial) de questões prévias/incidentais e/ou com eventual pronúncia de arguido(s) (judicialmente comprovando, total ou parcialmente, os indiciados factos constantes do RAI e suficientes para preencher a imputada prática do tipo ou tipos legais de crime e com vista à submissão do/os arguido(s) a julgamento) ou (caso contrário) com a não pronúncia do(s) arguido(s) (judicialmente arquivando esta parte dos autos, sem prosseguir para a fase de julgamento). Por conseguinte, o aludido requerimento de abertura de instrução apresentado pelo denunciante/ofendido AA podia e devia ter sido admitido – o que se determina que seja feito pelo Exmº Juiz, em substituição dessa parte do despacho recorrido que se revoga. DECISÃO Pelo exposto, os juízes da 9ª secção deste Tribunal acordam em julgar procedente o recurso interposto pelo ofendido, AA, nos termos sobreditos e, consequentemente, determinando-se a revogação da totalidade do despacho recorrido, devendo ser substituído por outro que, por um lado, admita a sua constituição como assistente nos autos e, por outro lado, admita o seu requerimento de abertura de instrução. * Sem tributação. Notifique. (Texto elaborado pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos) Lisboa, 26 de Junho de 2023 Paula de Sousa Novais Penha Carlos da Cunha Coutinho Raquel Correia de Lima |