Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28190/21.1T8LSB-J.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: NULIDADES DE DECISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Em processos com vários apensos, em que o juiz é confrontado com argumentações semelhantes, é natural (e até conveniente) que decida as questões da mesma forma, o que nunca pode ser confundido com qualquer falta de imparcialidade.
2- Não corresponde a qualquer excesso de pronúncia (e muito menos a uma decisão surpresa), a decisão do Tribunal quanto à suspensão da execução proferida no âmbito do art.º 733º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, na medida em que não se trata de decisão que conhece do mérito dos embargos.
3- A suspensão da execução sem prestação de caução por força da dedução de embargos de executado é uma situação excepcional e nunca ocorre por mero efeito do recebimento da P.I., mas tão só quando, em face do alegado pelo embargante quanto à exigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda, seja de concluir perfunctoriamente pela manifesta razão que lhe assiste, em razão dos elementos já existentes nos autos e da consistência e verosimilhança que emprestam à versão factual apresentada pelo mesmo.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 27/11/2021 Novo Banco, S.A., instaurou acção executiva para pagamento de quantia contra P., S.A., L V., V V. e M D., tendo em vista o pagamento da quantia de € 7.555.643,05, acrescida de juros de mora vencidos liquidados em € 6.624,13 e juros vincendos, e apresentando como título executivo livrança no valor de € 7.555.643,05, subscrita pela executada P., S.A. e avalizada pelos demais executados.
O executado M D. veio deduzir oposição à execução por embargos de executado, aí requerendo a suspensão da execução sem prestação de caução, ao abrigo do disposto no art.º 733º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil.
Na contestação que apresentou a embargada pronunciou-se sobre a requerida suspensão da execução, aí concluindo pelo indeferimento de tal pretensão.
Relativamente à requerida suspensão da execução sem prestação de caução, foi proferido o despacho de 30/5/2022, com o seguinte teor:
O Embargante requereu a suspensão da execução, de harmonia com o disposto no art. 733º, 1, al. c, do Código de Processo Civil, tendo-se oposto o exequente.
Estabelece a norma legal em referência que, o recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz o considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
É preciso ter redobradas cautelas na aplicação deste preceito. Em primeiro lugar, não poderemos perder de vista que o legislador pretendeu que a suspensão da execução, em consequência do recebimento dos embargos de executado, constituía uma situação excepcional e não a regra.
No que respeita à impugnação da exigibilidade, como refere José Lebre de Freitas (A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, cit., p. 82-83), a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777º, nº 1, do CC, de simples interpelação do devedor. Não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como é o caso da obrigação de prazo certo que ainda não decorreu (art. 779º CC), sendo o prazo incerto e a fixar pelo tribunal (art. 777º, nº 2 CC), quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva, que ainda não se verificou (arts. 270º CC e 715º) ou ainda, quando em caso de sinalagma, o credor não satisfez a contraprestação (art. 428º CC).
Por sua vez, no que concerne à impugnação da liquidação, afigura‑se-nos que a suspensão apenas deverá ter lugar nos casos em que a obrigação deva ser liquidada no processo executivo, nos termos do art. 716º, fora dos casos em que apenas depende de simples cálculo aritmético. Ou seja, deverá ter-se em consideração que a previsão da al. c) incide sobre a verificação de uma excepção dilatória (inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda) e não sobre uma excepção peremptória.
Logo daqui resulta que não deverá ser atendido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução com base na pretensa inexigibilidade da obrigação exequenda se o fundamento não respeitar aos pressupostos processuais da acção executiva, tendo antes natureza substantiva (p. exp., a alegação de que a quantia exequenda já está paga).
Pela referida razão, dado incidir sobre uma excepção dilatória, entendemos que poderá ser atendido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução, por exp., sendo a execução fundada em requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória, caso no mesmo tenha sido referida a existência de domicílio convencionado e a notificação efectuada no âmbito do procedimento de injunção tenha sido feita pela via simples por meio de depósito de carta simples no respectivo receptáculo postal, ao invés de carta registada com aviso de recepção  e o executado nos respectivos embargos invoque a inexistência dessa convenção. Neste caso, se o exequente não demonstrar logo com a apresentação da contestação, através de documentação adequada, a existência de domicílio convencionado, o pedido de suspensão deverá ser deferido.
Sobre o caso que nos debruçamos, pronunciou-se o Ac. da RC de 05/05/2015, proc. 505/13.3 TBMMV-B.C1, in www.dgsi.pt., no qual se decidiu que “Deixando o art. 733º, nº 1, al. c) do CPC ao critério do juiz a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução, não bastará a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, máxime o título executivo, nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva”. Também o Ac. da RP de 2/7/2015, proc. 602/14.8 TBSTS-B.P1, in www.dgsi.pt., se decidiu que “Para obter a suspensão da execução sem prestar caução não basta ao embargante impugnar a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, sendo ainda necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica excepcionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da prestação de caução.
No caso que nos ocupa, o vencimento da prestação resulta do título que serve de base à execução. Ou seja, a obrigação exequenda é exigível, por ter ocorrido o seu vencimento.
O que o embargante vem alegar são fundamentos de ordem substantiva.
Ora, conforme se decidiu na providência cautelar de arresto, que quanto ao montante de juros vencidos que ora se executa foi acordado que os mesmos seriam regularizados nos termos previstos no Acordo de Reconhecimento de Dívida a celebrar entre o Novo Banco a P., S.A. e os avalistas das operações, aqui embargantes.
Deste modo, a dívida encontra-se vencida, pelo que o exequente podia preencher a livrança, como fez.
Por outro lado, o facto de existir ou não interpelação não impede o facto da dívida estar vencida.
A consequência (para os que seguem tal entendimento), caso não tenha existido interpelação, é que o exequente só pode pedir os juros a partir da data da citação.
Finalmente, conforme vem sendo entendimento da Jurisprudência, o portador de livrança para accionar o subscritor e os avalistas não carece de fazer o protesto do título.
Por todo o exposto, decido indeferir o pedido de suspensão da execução.
Notifique”.
O embargante recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
I - O presente recurso surge para impugnação do despacho de indeferimento do efeito suspensivo ao recebimento dos embargos de oposição à execução.
II - O despacho recorrido é proferida numa fase liminar do incidente em que se enquadra (no âmbito do qual ainda não houve lugar a despacho saneador), mas integra um acervo decisório que remonta à providência cautelar de arresto, que precedeu o processo executivo e na qual o Recorrente não foi parte.
III - Ocorre que, tanto aquele arresto, como esta instância, assim como o apenso de oposição à penhora, liminarmente indeferido e igualmente recorrido, estão a ser presididos e dirigidos pelo mesmo Juiz, que, inevitavelmente, traz para estes autos os ecos do que foi o seu julgamento anterior, mas que, em momentos processualmente prematuros, tece afirmações, categóricas e conclusivas, que antevêem o que virá a ser a decisão final.
IV - Compreende-se que um Juiz seja limitado pela sua condição humana e que as decisões que profere sejam, inevitavelmente, reflexo da sua experiência, da sua visão do mundo e da posição que já tomou quanto às matérias por si apreciadas, mas é-lhe exigido o esforço adicional a que consiga, nos diversos momentos e fases processuais, manter o distanciamento, a imparcialidade e o recato processual que a Lei impõe.
V - É difícil perscrutar, face ao que consta dos despachos já proferidos e recorridos, que a decisão de primeira instância não esteja já tomada.
VI - Ora, tal como tem sido entendido no âmbito da interpretação doutrinária e jurisprudencial do artigo 6.º da Convenção Europeia do Direitos do Homem, existe parcialidade subjectiva do julgador quando o mesmo, através de actos anteriores à decisão denuncia qual o sentido da mesma.
VII - Pelo que, a decisão proferida é, nessa medida, nula, ademais
VIII - O Recorrente requereu a concessão de efeito suspensivo aos embargos de oposição à execução que apresentou, nos termos e ao abrigo do disposto no Art. 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
IX - Essa pretensão foi deduzida após um extenso articulado, em que o Recorrente impugnou a exigibilidade e a liquidação da obrigação exequenda.
X - Nesse sentido, alegou, em síntese e entre outros aspectos, o preenchimento abusivo da livrança, a aplicação do disposto no Art. 782.º do Código Civil e a perda do direito de acção, a que aditou o facto da livrança preenchida e executada não titular a totalidade da obrigação exequenda já de si prescrita - e a impossibilidade de ser exigido o pagamento de juros após a data de vencimento do título cambiário.
XI - O Recorrente apresentou ainda prova documental demonstrativa que a obrigação em causa estará sempre garantida por hipotecas que o Recorrido detém sobre património de terceiro.
XII - Invocou, finalmente, que a prossecução dessa instância executiva produziu e produz danos efectivos sobre o seu património, bom nome, imagem e direito ao crédito, todos estes valores constitucionalmente consagrados.
XIII - Portanto, na ponderação de interesses que o Art. 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, impõe ao Julgador tem de se aferir a afectação de direitos do Recorrente, constitucionalmente consagrados, por contraponto com o interesse do Recorrido em não ter o andamento da execução refém da reacção processual daqueles.
XIV - In casu, a exigibilidade e a liquidação da obrigação exequenda foram impugnadas no âmbito de um caso em que o ressarcimento desse valor está salvaguardado por outros momentos temporais e outras garantias.
 XV - Como tal, é inequívoco que se encontram preenchidos os requisitos de que depende a concessão de efeito suspensivo ao recebimento dos embargos de oposição à execução.
XVI - Contudo, assim não entendeu o Tribunal a quo, por considerar que tem de ser feita uma interpretação restritiva do referido preceito aos casos em que a oposição encerra uma defesa por excepção dilatória.
XVII - Tal conclusão não se infere da letra da lei, nem resulta inequívoca do caracter excepcional da norma invocada, não podendo, por outro lado, serem desconsiderados a totalidade dos fundamentos invocados pelo Recorrente, que põe em causa, de forma consistente e documentalmente sustentada, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda.
XVIII - Pelo que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, impunha-se e impõe‑se o deferimento do efeito suspensivo ao recebimento dos embargos deduzidos.
XIX - O objecto do despacho sobre os efeitos do recebimento dos embargos de oposição à execução está delimitado pelo disposto no Art. 733.º do Código de Processo Civil.
 XX - Porém, o Tribunal de Primeira Instância, no despacho recorrido, tece considerações, vertidas em afirmações finais e categóricas, acerca dos factos e do direito alegados e a apreciar em sede do julgamento e decisão sobre os embargos de oposição à execução, ainda que sobre estes não exista sequer despacho saneador, prova produzida e debate de Direito concluído.
XXI - Tal decisão consubstancia, dessa forma, uma nulidade por excesso de pronúncia (Art. 615.º, n.º 1, alínea d), in fine do Código de Processo Civil) e uma verdadeira decisão‑surpresa, proibida pelo disposto no Art. 3.º, n.º 3 desse diploma legal.
XXII - O despacho, sobre os efeitos dos embargos de oposição à execução, visa conformar a adequação processual do pleito e jamais coarctar o exercício do direito de defesa, que a Lei confere às partes, sob pena de violação do disposto no Art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
XXIII - Ao ter indeferido a concessão de efeito suspensivo aos embargos deduzidos, por fazer uma interpretação restritiva do Art. 733.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil e por antecipar uma pronúncia que só poderá ter lugar a jusante, o Tribunal a quo violou não apenas o disposto no Art. 11.º do Código Civil, como as demais normas acima elencadas.
XXIV - Pelo que, a decisão proferida terá de ser revogada e substituída por outra que determine o deferimento da concessão de efeito suspensivo ao recebimento dos embargos de oposição à execução, com o subsequente cumprimento da demais tramitação processual.
A embargada apresentou alegação de resposta, aí pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem-se com:
- A nulidade da decisão recorrida por parcialidade subjectiva do julgador;
- A nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia e por corresponder a uma decisão surpresa;
- A interpretação da al. c) do nº 1 do art.º 733º do Código de Processo Civil, a determinar a admissibilidade da suspensão da execução sem prestação de caução.
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A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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Da nulidade da decisão recorrida por parcialidade subjectiva do julgador
A questão em apreço foi suscitada igualmente pela executada P., S.A. (na apelação 28190/21.1T8LSB-I.L1) e pelos executados L V. e V V. (na apelação 28190/21.1T8LSB-H.L1), nos mesmos termos argumentativos em que vem suscitada neste recurso de apelação pelo executado M D. (sendo, inclusive, em tudo iguais as conclusões de cada um dos três recursos em questão).
Assim, na apelação 28190/21.1T8LSB-I.L1 foi proferido acórdão em 13/9/2022 (relatado por Edgar Taborda Lopes e disponível em www.dgsi.pt) onde foi afirmada a inexistência da referida nulidade processual, com os seguintes fundamentos (não se reproduzem as notas de rodapé):
Começando pela primeira situação, e sem necessidade de grandes considerandos atenta a sua simplicidade, importa dizer que:
- se anota que a Embargante-Recorrente apenas se limita, dentro da sua estratégia e estilo processual, a insinuações de parcialidade (algo despropositadas e deselegantes, mas que não ultrapassam os limites da falta de cortesia), sem que tenha usado os mecanismos processuais previstos nos artigos 119.º a 129.º do Código de Processo Civil;
- se constata que o juiz em causa vem decidindo (fundamentadamente) os processos que tem a seu cargo no âmbito do Processo n.º 28190/21.1T8LSB e as partes exercido os seus direitos processuais;
- havendo vários processos apensos e sendo o mesmo juiz a despachá-los é natural (e desejável, sob pena de alguma esquizofrenia processual) que haja coerência no que se decide em cada um deles relativamente aos outros, sendo certo que será sempre a concreta fundamentação do que em cada um se decida, que para cada um relevará e que é (será) apreciado pelo(s) Tribunal(is) superior(es);
- coerência não é parcialidade (levada ao limite, a tese da Recorrente leva à conclusão de que sempre que o juiz decide é… parcial);
- é a fundamentação da decisão, inexistindo qualquer das situações descritas nos artigos 115.º a 129.º do Código de Processo Civil, que releva para apreciação das decisões do juiz do processo;
- o juiz do processo não decretou o arresto apenso (com outros intervenientes), mas decidiu a oposição ao arresto (já confirmada aliás, por Acórdão desta Relação de 07/04/2022, transitado em julgado);
- na decisão sob recurso e estando em causa o mesmo tipo de questão e, logo, de argumentação, o Tribunal a quo limita-se a, a propósito do vencimento da prestação, proferir uma decisão assinalando que esta é “conforme se decidiu na providência cautelar de arresto”. A referência é não só natural, como conveniente para a economia e coerência do processo, sendo certo que não se trata de uma remessa para o que aí se decidiu e fundamentou, mas simplesmente a referenciação a que a questão também aí foi decidida da mesma maneira;
- para além da matéria abordada no arresto, a decisão sob recurso aborda ainda outras questões de direito referenciadas pela Recorrente-Embargante (falta de interpelação e de protesto), matérias que naquele procedimento cautelar não tinham sido apreciadas;
- é manifestamente despropositada e infundada a invocação do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a propósito da putativa falta de imparcialidade do juiz, como o é a confusão que faz entre processos de natureza criminal e cível (uma decisão de arresto não tem a mesma natureza do decretamento duma prisão preventiva), esquecendo que as providências cautelares não constituem um fim em si mesmas, sendo apenas um meio para se acautelar um determinado efeito jurídico (daí a sua instrumentalidade traduzida na inidoneidade de se transformarem numa tutela definitiva, por se destinarem a ser absorvidas pelo juízo de mérito que vier a resultar do processo de declaração plena);
- tudo o que o Tribunal a quo decidiu nesta fase do processo, no que à suspensão da execução respeita, é tudo o que tinha que decidir nesta fase do processo e com este âmbito delimitado (fazendo o “juízo sumário” a que há lugar nesta fase do processo, para usar a expressão da própria Recorrente-Embargante nas suas alegações). E fê-lo de forma fundamentada, assertiva e clara (independentemente de se concordar ou não). Mas não decidiu, nem podia decidir, nem quis decidir a acção (os embargos), nem sequer disse o que a final decidiria (desde logo porque o processo ainda está no seu início);
- a Recorrente-Embargante confunde discordância das suas pretensões com parcialidade;
- nenhuma garantia de imparcialidade por parte do Tribunal se mostra afectada com as decisões até agora tomadas, e muito menos com aquela que deu origem ao presente recurso;
- subjectiva e objectivamente nada faz duvidar da imparcialidade do juiz do Tribunal a quo que proferiu a decisão sob recurso, e muito menos em termos de daí poder retirar-se uma qualquer nulidade processual que, assim, se julga inexistente”.
Por sua vez, na apelação 28190/21.1T8LSB-H.L1 foi proferido acórdão em 29/9/2022 (relatado por Orlando Nascimento, aqui segundo adjunto, e ainda não disponível em base de dados), onde também foi afirmada a inexistência da referida nulidade processual, com os seguintes fundamentos:
Aduzem os apelantes que, tendo o juiz da decisão recorrida proferido anteriores decisões em procedimento de arresto e em apenso de oposição à penhora, tal facto denuncia o sentido da decisão recorrida, revela parcialidade subjectiva e que tal constitui nulidade processual.
Relativamente à primeira subquestão, da prolação de decisões em diversos procedimentos processuais relativos, grosso modo, ao mesmo conflito, é certo que a nossa lei processual não consagra no instituto que lhe é próprio, previsto nos art.ºs 115.º a 117.º, do C. P. Civil - Impedimentos do Juiz – a inibição do exercício das funções de juiz nesses e neste procedimento.
Em teses, tanto poderemos perspectivar nessa ausência de tipificação como impedimento do juiz o risco de denúncia do sentido de decisão invocado pelos apelantes, como poderemos perspectivar na intervenção do mesmo juiz nessas decisões um valor acrescido pelo conhecimento e coerência que tal facto proporciona.
Uma e outra dessas perspectivas, a primeira pela negativa e a segunda pela positiva, acabam por ser mitigadas/equilibradas em sede de recurso, uma vez que com as distribuições no tribunal de recurso, a sindicância das decisões de 1ª instância determinará a intervenção de outros/diversos juízes, como resulta do disposto nos art.ºs 213.º e 218.º, este a contrario, do C. P. Civil.
Relativamente à segunda subquestão, da parcialidade subjectiva do juiz, constituindo a imparcialidade do juiz o cerne da respectiva função, de tal modo que função e sua característica se confundem, podendo dizer-se que não é nem pode ser juiz quem não é imparcial, a nossa lei processual regula essa matéria de uma forma ampla e abrangente, tipificando casos a que pode ser associada a ausência de imparcialidade, nas als. a) a g), do art.º 120.º, do C. P. Civil, consagrando uma previsão genérica de ausência de imparcialidade no corpo do n.º 1, do art.º 120.º, do C. P. Civil) e consagrando uma previsão ainda mais aberta e residual de ausência de imparcialidade, para os casos não abrangidos por aquela previsão genérica, na 2.ª parte do n.º 1, do art.º 119.º, do C. P. Civil. A invocação dos apelantes, de que o juiz proferiu anteriores decisões em procedimento de arresto e em apenso de oposição à penhora não integra, só por si, qualquer desses fundamentos de suspeição.
Aliás, a dedução de suspeição pela parte interessada tem o procedimento próprio, como incidente, previsto no art.º 122.º e sgts., do C. P. Civil, e não há indícios nos autos de que os apelantes tenham feito uso desse procedimento.
Nestas circunstâncias, não vislumbramos que esteja indiciada a parcialidade subjectiva do julgador e consequentemente que a decisão recorrida enferme da invocada nulidade.
Improcede, pois, a questão”.
Acompanhando a fundamentação acima reproduzida, que aqui se acolhe na sua totalidade, logo há que afirmar que a circunstância de um mesmo juiz ser confrontado com argumentações semelhantes, em várias etapas de um mesmo processo, decidindo pela mesma forma as questões que se lhe vão colocando, não significa que demonstra falta de imparcialidade, mas antes que demonstra uma coerência argumentativa susceptível de aportar valor acrescido à decisão.
E, por isso, é que há que concluir, como no primeiro dos acórdãos referidos, que em processos com vários apensos, em que o juiz é confrontado com argumentações semelhantes, é natural (e até conveniente) que decida as questões da mesma forma, o que nunca pode ser confundido com qualquer falta de imparcialidade.
Assim, e sem necessidade de ulteriores considerações, improcedem as conclusões do recurso, no que respeita a esta questão da nulidade da decisão recorrida por parcialidade subjectiva do julgador.
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Da nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia e por corresponder a uma decisão surpresa
Também esta questão foi igualmente suscitada pela executada P., S.A. (na já identificada apelação 28190/21.1T8LSB-I.L1) e pelos executados L V. e V V. (na já identificada apelação 28190/21.1T8LSB-H.L1), nos mesmos termos argumentativos em que vem suscitada neste recurso de apelação pelo executado M D. (sendo, inclusive, em tudo iguais as conclusões de cada um dos três recursos em questão).
Assim, no acórdão proferido na referida apelação 28190/21.1T8LSB-I.L1 foi afirmada a inexistência da nulidade a que se reporta a al. d) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, com os seguintes fundamentos (não se reproduzem as notas de rodapé):
Entende a Recorrente que “todas as considerações tecidas a partir do segundo parágrafo da terceira página da decisão proferida extrapolam o objecto do despacho em causa, por configurarem pronúncias conclusivas (não fundamentadas e prematuras) quanto a questões sobre as quais estava o Tribunal, neste despacho, impossibilitado de conhecer da forma categórica e afirmativa como o fez, o que consubstancia uma nulidade por excesso de pronúncia enquadrável nos termos do Art. 615.º, n.º 1, alínea d), in fine do Código de Processo Civil”.
Não assiste qualquer razão à Recorrente-Embargante assinalando-se apenas alguma criatividade na sua argumentação.
De facto, o despacho sob recurso incide apenas e só sobre a eficácia suspensiva ou não dos embargos relativamente à execução.
E quanto a isto, tal despacho limita-se a decidir o que tinha de decidir nesta fase do processo, nos termos do artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
A Recorrente-Embargante pediu a suspensão da execução sem prestação de caução e o Tribunal a quo decidiu essa matéria e apenas essa, pelo que não pode – sob qualquer pretexto – dizer-se que há uma decisão surpresa ou que o Tribunal tenha decidido o que quer que seja mais do que isso.
O Tribunal não decidiu mais do que isso, nem se pronunciou sobre qualquer outra questão, tendo-se limitado a abordar a argumentação usada pela Recorrente‑Embargante, no seu requerimento: como bem assinala a Recorrida‑Embargada, o que respeita à alegada inexigibilidade do crédito exequendo era uma das questões de mérito por aquela suscitadas para fundamentar a sua pretensão de suspensão (a Recorrente defende que o crédito não é exigível, por – de acordo com a sua narrativa (que será oportunamente verificada, por estar impugnada) – não estar vencido.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/01/2005 (Processo n.º 05S2137-Sousa Peixoto), o “excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso”.
Nada disso ocorreu in casu, de forma alguma se podendo dizer que o Tribunal se tenha pronunciado “sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedidos”.
Por outro lado, sempre haverá que assinalar que é inevitável que alguns dos fundamentos invocados como causa da suspensão coincidam com os dos embargos, mas isso não faz com que estes fiquem decididos, porque a apreciação feita – assumidamente (e com a assertividade que se exige numa decisão judicial) – respeita apenas à decisão sobre a suspensão.
Com pertinência também para a situação dos presentes autos, assinala o Acórdão da Relação de Évora de 11/07/2019 (Processo n.º 3447/18.2T8STB-A.E1-Florbela Moreira Lança) que é “consabido que os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões” - não integram matéria que deva ser objecto de pronúncia judicial.
Na verdade, o tribunal recorrido conheceu a questão decidenda suscitada nos embargos de executado deduzidos pelos apelantes – a suspensão da tramitação do curso da execução ao abrigo da previsão da alínea c) do n.º 1 do art.º 733.º do CPC -, sendo certo que o facto de, para tanto, ter invocado argumentos que, na óptica dos apelantes, extravasam o âmbito dessa norma e se relacionam com o mérito não integra a nulidade a que vimos aludindo”.
Por outro lado, e no que respeita à putativa decisão-surpresa, a sua invocação carece de sentido.
O artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil dispõe que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Trata-se de uma norma que consagra, em termos de processo civil, a norma constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Constituição da República), da qual decorre, no âmbito do direito a um processo equitativo, o princípio do contraditório.
Uma vez que, por força dos artigos 8.º, n.º 2 e 16.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, vigora directamente na nossa ordem jurídica e num plano superior ao das leis ordinárias internas, tem aqui aplicação ainda, o artigo 6.º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
O princípio da audiência contraditória ou, simplesmente, do contraditório, sublinham Jorge Miranda e Rui Medeiros, traduz-se em que “cada uma das partes deve poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes do tribunal decidir questões que lhe digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras (Acórdãos nºs 1185/96 e 1193/96)”.
Ora, como bem assinala Marco Carvalho Gonçalves no Comentário à Convenção dos Direitos Humanos, à “luz do princípio da audiência contraditória, o tribunal não pode decidir questões de facto ou de direito – ainda que sejam de conhecimento oficioso – sem antes conceder às partes a possibilidade de apresentarem o seu «ponto de vista». Deste modo, o princípio da audiência contraditória veda ao julgador a possibilidade de proferir «decisões surpresa» ou decisões solitárias, isto é, decisões sobre questões em relação às quais as partes não tiveram a possibilidade ou a oportunidade de se pronunciar, sob pena de nulidade da decisão, por violação do princípio da audiência contraditória”.
A dúvida a colocar sempre é a de saber se, tratando-se de questão de conhecimento oficioso, as partes podiam ou deviam ter antevisto que a causa poderia ser decidida de determinada forma, com o recurso a um determinado instituto jurídico.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/2018, o Conselheiro Hélder Roque - com particular clarividência – escreveu que a “decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspectivavam, de decisões que já eram esperadas”.
A decisão surpresa, conclui, não se confunde “com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento”.
Mas mais: só estaremos “perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela”, como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 31/10/2018 (Processo n.º 1101/15.6T8PVZ-C.G1-Jorge Teixeira).
No caso dos autos, a decisão do Tribunal é sobre a questão que estava suscitada e tinha de ser decidida, é dada depois de ambas as partes sobre ela se terem pronunciado e com base na argumentação por elas desenvolvida.
Bem vistas as coisas e na prática, a Recorrente-Embargante, que começa – e bem – por dizer que é “irrefutável que a apreciação e decisão sobre o efeito a atribuir aos embargos de oposição à execução é uma matéria prévia ao conhecimento do mérito dos embargos em si, não fazendo parte do objecto dos mesmos, nem determinando a sua procedência ou improcedência” acaba, depois, por vir esgrimir contra moinhos de vento imaginários, impondo-se a conclusão pela ausência de qualquer nulidade por excesso de pronúncia, associada a uma inexistente decisão- surpresa”.
Por sua vez, no acórdão proferido na referida apelação 28190/21.1T8LSB-H.L1 também foi afirmada a inexistência da referida nulidade processual, com os seguintes fundamentos:
A regra geral sobre os efeitos da oposição à execução é a estabelecida, a contrario, no art.º 733.º, do C. P. Civil, no sentido de que a dedução de embargos não suspende a execução.
A par desta, a nossa lei processual estabelece duas outras regras, que poderemos também classificar como gerais, sendo a primeira no sentido de que o recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se o embargante prestar caução, consagrada na al. a), do n.º 1, do art.º 733.º, do C. P. Civil, e a segunda no sentido de que, não sendo suspensa (prosseguindo) a execução, o exequente ou qualquer outro credor não podem obter pagamento, na pendência dos embargos, sem prestar caução, consagrada no n.º 4, do art.º 733.º, do C. P. Civil.
As als. b), c) e d), do n.º 1, do art.º 733.°, do C. P. Civil consagram outros fundamentos de suspensão da execução em consequência da dedução de embargos, estando em causa nesta apelação o fundamento previsto na al. c), a saber, quando “Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
Os apelantes deduziram a excepção da inexigibilidade da obrigação exequenda nos art.ºs 6.º a 130.º, da petição inicial dos embargos e requereram a suspensão do processo executivo nos art.ºs 208.º até final e tendo o apelado apresentado requerimento de reposta a esse pedido de suspensão, foi proferida decisão, conhecendo do pedido e indeferindo-o com fundamento, em síntese, em que “...o vencimento da prestação resulta do título que serve de base à execução. Ou seja, a obrigação exequenda é exigível, por ter ocorrido o seu vencimento”.
Pretendem os apelantes que tal decisão é nula por excesso de pronúncia e constitui uma decisão surpresa, mas não lhe assiste razão em qualquer das asserções.
Com efeito, em relação à primeira (excesso de pronúncia), sem prejuízo de o efeito (de caso julgado) da decisão sob recurso se esgotar na não suspensão da execução por não se verificarem, verosimilhantemente, os pressupostos previstos na c), do n.º 1, do art.º 733.º, do C. P. Civil, o certo é que essa decisão, apesar de invocar a decisão proferida na providência cautelar de arresto, se limitou a conhecer da invocada inexigibilidade, como se infere das expressões “Deste modo, a dívida encontra-se vencida...” e “...o facto de existir ou não interpelação não impede o facto da dívida estar vencida”.
E em relação à segunda (decisão surpresa), o tribunal a quo proferiu decisão sobre questão que lhe foi suscitada pelos apelantes e que foi submetida a contraditório da parte contrária, pelo que não se ocorre a violação do princípio pronúncia e contraditório, consagrado no n.º 3, do art.º 3.º, do C. P. Civil.
Improcede, pois, a questão”.
Voltando a acompanhar a fundamentação acima reproduzida, que aqui se acolhe na sua totalidade, logo há que afirmar ser totalmente pacífico na jurisprudência e na doutrina que o vício do excesso de pronúncia, seja na sua vertente de conhecimento de questão que não compete ao tribunal conhecer (por carecer de ter sido colocada pelas partes), seja na sua vertente de conhecimento prematuro de questão (por não ter permitido às partes o exercício prévio do contraditório), não corresponde a qualquer uma das situações elencadas pelo embargante.
Com efeito, quanto o embargante sustenta que a fundamentação utilizada na decisão recorrida corresponde a “afirmações tão contundentes” que “não são meras premissas”, mas “inadmissíveis antecipações de decisão final quanto a matéria susceptível de contraditório, a factos dependentes de prova e a Direito, cuja aplicação tem de ser debatida em sede de oposição à execução”, mais não está que a reconhecer implicitamente que o que está em causa é a sua discordância quanto à fundamentação utilizada pelo tribunal recorrido para concluir pelo indeferimento da requerida suspensão da execução sem prestação de caução, na medida em que o que foi decidido foi essa pretensão, e não o mérito dos embargos de executado. E, do mesmo modo, o conhecimento da pretensão apresentada pelo embargante (a suspensão da execução sem prestação de caução), depois de ser dada a oportunidade à parte contrária (a embargada) de se pronunciar (na contestação), de modo algum pode configurar um acto decisório prematuro, porque praticado em desrespeito do princípio que emerge do nº 3 do art.º 3º do Código de Processo Civil, na exacta medida em que o contraditório prévio à decisão mostra-se assegurado através da intervenção das partes na fase dos articulados.
Assim, também quanto a esta questão há que concluir, como no primeiro dos acórdãos referidos, que não corresponde a qualquer excesso de pronúncia (e muito menos a uma decisão surpresa), a decisão do Tribunal quanto à suspensão da execução proferida no âmbito do art.º 733º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, na medida em que não se trata de decisão que conhece do mérito dos embargos.
Pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações, improcedem igualmente as conclusões do recurso, no que respeita a esta questão da nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia e por corresponder a uma decisão surpresa.
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Da interpretação da al. c) do nº 1 do art.º 733º do Código de Processo Civil, a determinar a admissibilidade da suspensão da execução sem prestação de caução
Também esta questão foi igualmente suscitada pela executada P., S.A. (na já identificada apelação 28190/21.1T8LSB-I.L1) e pelos executados L V. e V V. (na já identificada apelação 28190/21.1T8LSB-H.L1), nos mesmos termos argumentativos em que vem suscitada neste recurso de apelação pelo executado M D. (sendo, inclusive, em tudo iguais as conclusões de cada um dos três recursos em questão).
Assim, no acórdão proferido na referida apelação 28190/21.1T8LSB-I.L1 foi afirmada a inexistência de qualquer fundamento para suspender a execução sem prestação de causa, através da seguinte argumentação (não se reproduzem as notas de rodapé):
 “A norma que importa ter presente é a do n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil, a qual, sob a epígrafe “Efeito do recebimento dos embargos”, diz o seguinte:
“1. O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se:
a) O embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respectiva assinatura, apresentando o documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
O que começa por resultar deste normativo é que o simples recebimento de uns embargos à execução, não suspende o processo executivo, só ocorrendo tal suspensão nas situações expressamente referidas.
Ou seja, a suspensão da execução por força da dedução de embargos é uma situação excepcional, nunca sendo “de mais salientar que em nenhuma circunstância, a instância executiva se suspende, por mero efeito do recebimento da petição de oposição à execução”.
E essa excepcionalidade não corresponde a um mero capricho do legislador, pois que decorre da necessidade de garantir o pagamento da dívida exequenda mediante a penhora dos bens de quem está a ser executado, donde a suspensão da execução ocorrer, fundamentalmente, mediante a prestação de caução, de forma a “acautelar o risco de dissipação do património do executado durante o período de suspensão da execução; cautela essa que abrangerá, consoante as circunstâncias do caso, não só o assegurar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo exequente com o atraso na satisfação da obrigação exequenda ou com a impossibilidade dessa mas também garantir o pagamento do crédito exequendo”.
Ainda antes do novo Código de Processo Civil, mas mantendo a pertinência, Gonçalves Sampaio escrevia que ao “exigir a prestação de caução por parte do executado o legislador visou evitar o protelamento da execução através de oposições infundadas pois, se se exige ao credor, para a promoção da acção executiva, a apresentação do título executivo que consubstancia o direito que se arroga, parece evidente que, enquanto a sua eficácia não for destruída ou modificada, subsiste a presunção de que o exequente é portador do direito que se arroga”.
É neste contexto e enquadramento que o citado artigo 733.º surge. E é com ele que Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, na análise aprofundada que dele fazem, escrevem com particular acuidade o seguinte:
“Mas é preciso ter redobradas cautelas na aplicação deste preceito. Em primeiro lugar, não poderemos perder de vista que o legislador pretendeu que a suspensão da execução, em consequência do recebimento dos embargos de executado, constitua uma situação excepcional e não a regra.
Daí ter de haver também uma particular exigência na admissibilidade da suspensão da execução por via da norma em análise. Ademais, tem o juiz de considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução. No que respeita à impugnação da exigibilidade, como refere José Lebre de Freitas, a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777-1 CC, de simples interpelação ao devedor. Não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como é o caso da obrigação de prazo certo que ainda não decorreu (artigo 779.º, CC), sendo o prazo incerto e a fixar pelo tribunal (artigo 777.º, n.º 2, CC), quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva que ainda não se verificou (artigos 270.º CC e 715.º), ou ainda, quando em caso de sinalagma, o credor não satisfez a prestação (artigo 428.º CC). Por sua vez, no que concerne à impugnação da liquidação, afigura-se-nos que a suspensão apenas deverá ter lugar nos casos em que a obrigação deva ser liquidada no processo executivo, nos termos do artigo 716.º, fora dos casos em que apenas depende de simples cálculo aritmético. Ou seja, deverá ter-se em consideração que a previsão da alínea c) incide sobre a verificação de uma excepção dilatória (inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda) e não sobre uma excepção peremptória. Logo, daqui resulta que não deverá ser atendido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução com base na pretensa inexigibilidade da obrigação exequenda se o fundamento não respeitar aos pressupostos processuais da acção executiva, tendo antes natureza substantiva (p. ex., a alegação de que a quantia exequenda já está paga). Pela referida razão, dado incidir sobre uma excepção dilatória, entendemos que poderá ser atendido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução, por ex., sendo a execução fundada em requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória, caso no mesmo tenha sido referida a existência de domicílio convencionado e a notificação efectuada no âmbito do procedimento de injunção tenha sido feita pela via simples por meio de depósito de carta simples no respectivo receptáculo postal, ao invés de carta registada com aviso de recepção e o executado nos respectivos embargos invoque a inexistência dessa convenção. Neste caso, se o exequente não demonstrar logo com a apresentação da contestação, através de documentação adequada, a existência de domicílio convencionado, o pedido de suspensão deverá ser deferido”.
A jurisprudência tem vindo a dar algum auxílio também, na interpretação da norma:
- Acórdão da Relação de Coimbra de 05/05/2015 (Processo n.º 505/13.3TBMMV-B.C1-Manuel Capelo):
“Deixando o art. 733º, nº1, al. c) do CPC ao critério do juiz a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução (não bastará a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva”;
- Acórdão da Relação de Porto de 02/07/2015 (Processo n.º 602/14.8TBSTS‑B.P1-Aristides Almeida):
“I - A suspensão da execução em virtude da dedução de embargos apenas ocorre em três situações: -independentemente do título executivo: (1) ter sido prestada caução ou (2) ter sido impugnada nos embargos a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e desde que se justifique a suspensão sem prestação de caução; sendo o título executivo um documento particular: (3) ter o executado impugnado a genuinidade da sua assinatura e apresentado documento que constitua princípio de prova e desde que se justifique a suspensão sem prestação de caução.
II - Para obter a suspensão da execução sem prestar caução não basta ao embargante impugnar a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, sendo ainda necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica excepcionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da prestação de caução.
III - O critério da justificação é normativo e relaciona-se com a interacção entre as finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que foi alegada uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão sobre o executado das diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo”;
- Acórdão da Relação de Coimbra de 13/11/2018 (Processo n.º 35664/15.1T8LSB-C.C1-Fonte Ramos): porque “A situação da alínea c) do n.º 1 do art.º 733º do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda (art.ºs 713º e 729º, alínea e) do CPC), justificativa da suspensão da execução sem prestação de caução e, ainda, que o juiz entenda que se justifica tal suspensão”, quando “o executado/embargante impugna a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, nos termos do art.º 733º, n.º 1, alínea c) do CPC, a conclusão de que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução há-de exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento, sob pena de não se poder afastar a regra de que para obter a suspensão da execução se deverá prestar caução (art.º 733º, n.º 1, alínea a), do CPC)”;
- Acórdão da Relação de Évora de 11/07/2019 (Processo n.º 3447/18.2T8STB‑A.E1-Florbela Lança):
I. A previsão da al. c) do n.º do art.º 733.º do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda; justificar-se a suspensão sem prestação de caução.
II. O primeiro dos dois pressupostos é puramente factual e depende apenas da configuração que os executados deram à sua oposição à execução. Já quanto ao segundo pressuposto é de exigir que dos termos da impugnação da exigibilidade e/ou da liquidação da obrigação exequenda, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva ou do empreendimento de manobras dilapidatórias por parte dos executados.
III. O critério da justificação não é o critério individual do juiz do processo, caso em que a decisão seria discricionária, mas é verdadeiramente um critério normativo, ou seja, depende estritamente da interacção entre os fundamentos e finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo (obter o cumprimento do direito) que naturalmente decorre de se prescindir da caução.
IV. A conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-de exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento.
V. Cuidando-se de saber se deverá ser suspensa a execução sem necessidade de prestação de caução, não está obviamente em causa apreciar o mérito dos embargos mas, exclusivamente, se perante os elementos disponíveis ao julgador em primeira instância, e sendo tais elementos, exclusivamente, o teor dos articulados e os documentos juntos, é razoável, por justificado, determinar a suspensão da execução sem prestação de caução, sendo que para emitir este juízo, não se realiza nenhuma produção de prova, fazendo-se incidir a análise na observação exterior dos elementos aludidos, à luz das regras que regem disciplinam o processado da execução”;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 21/11/2019 (Processo n.º 10839/14.4 T2SNT‑C.L1-8-Teresa Sandiães):
“A suspensão da execução com fundamento na alínea c) do nº 1 do artº 733º do CPC, assente na impugnação da inexigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda, apenas invocável por via de oposição à execução por embargos, deve ser deduzida na petição de embargos, atentos os princípios da concentração da defesa e da preclusão”;
- Acórdão da Relação de Guimarães de 21/05/2020 (Processo n.º 1773/19.2T8GMR-D.G1-Ramos Lopes):
“I- Porque o âmbito de aplicação da alínea c) do nº 1 do art. 733º do CPC não abrange excepções peremptórias, apenas estarão em causa, no que concerne à impugnação da liquidação e da exigibilidade da obrigação como fundamento de suspensão da execução sem prestação de caução, razões atinentes aos pressupostos processuais da acção executiva, não já motivos de natureza substantiva.
II- Não questionando a embargante a liquidez da obrigação, tão só a justeza do montante reclamado (que sustenta exceder o que poderá ser devido), é manifesto que não impugna a iliquidez da obrigação nos termos pressupostos pela alínea c) do nº 1 do art. 733º do CPC.
III- Alegando a embargante que, no âmbito da relação subjacente à relação cartular (relações mediatas), a embargada não procedeu à sua interpelação, não questionando, porém, a exigibilidade que os títulos dados à execução (livranças) demonstram à evidência, tem de concluir-se não se enquadrar a situação na previsão normativa da alínea c) do nº 1 do art. 713º do CPC”;
- Acórdão da Relação de Guimarães de 14/10/2021 (Processo n.º 6423/19.4T8VNF-B.G1-José Cravo):
“I – A situação da alínea c) do nº 1 do art. 733º do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda [arts. 713º e 729º, e) do CPC], justificativa da suspensão da execução sem prestação de caução e, ainda, que o juiz entenda que se justifica tal suspensão.
II – Quando o executado/embargante impugna a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, nos termos do art. 733º/1, c) do CPC, a conclusão de que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução há-de exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento, sob pena de não se poder afastar a regra de que para obter a suspensão da execução se deverá prestar caução [art. 733º/1, a) do CPC]”.
- Acórdão da Relação de Porto de 18/11/2021 (Processo n.º 4698/19.8T8OAZ-B.P1-Isoleta Almeida Costa);
“I – É em face do título executivo apresentado e sua interpretação que se deve apreciar se a obrigação obedece às exigências do art.º 713 do Código de Processo Civil, ou seja, se ela é certa, líquida e exigível, sendo por referência a esses títulos que a impugnação da certeza, liquidez e exigibilidade deve ser dirigida.
II - Daí que, se nos embargos, o executado tiver alegado factos destinados a demonstrar que a obrigação exequenda não é exigível, e tiver requerido a suspensão da execução ao abrigo do disposto no artigo 733º, nº 1, alínea c) do mesmo código, não pode a suspensão ser recusada com o fundamento de que essa matéria é controvertida”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/02/2022 (Processo n.º 5242/20.0T8VNF-C.G1-Maria dos Anjos Nogueira): “Justificar-se-á, pois, suspender a execução (trazendo justo equilíbrio à relação de interesses opostos e conflituantes), ao abrigo da alínea c), do n.º 1 do art. 733.º do CPC, quando os elementos carreados aos autos (conjugando os que constem do processo executivo com os carreados aos embargos) permitam concluir (num juízo forçosamente sumário e não definitivo – prévio ao que a contraditoriedade da audiência permitirá formular a final), pela consistência da argumentação, ou seja, quando os elementos existentes nos autos imponham concluir estar abalada (pelo menos consistentemente questionada) a exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda”;
- Acórdão da Relação de Porto de 10/03/2022 (Processo n.º 8778/21.1T8PRT‑B.P1-Judite Pires):
“I - O recebimento de embargos deduzidos pelo executado só suspende a execução quando ocorra alguma das circunstâncias tipificadas no n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil.
II - A acção executiva pode ser suspensa na sequência do recebimento dos embargos quando “tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
III - Do executado que nos embargos impugne a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, exige-se, para que se justifique a suspensão da execução sem prestação de caução, que suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento.
IV - O poder do juiz, nestas circunstâncias, de considerar ou não justificada a suspensão da execução sem a prestação de caução é um verdadeiro poder-dever, o que implica que sempre que houver elementos em função dos quais se justifique suspender a execução sem a prestação de caução o juiz não apenas pode como deve mesmo fazê‑lo.
V - Nestas circunstâncias a realização de diligências com vista à penhora de bens de executado deve aguardar que previamente se profira decisão sobre a suspensão da execução na sequência do recebimento de embargos de executado quando ocorra a circunstância prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil”;
Esta a base legal, doutrinal e jurisprudencial de que partimos.
E que vai, linearmente, no sentido da posição assumida perante os factos pelo Tribunal a quo.
Repare-se que a Recorrente ignora - de forma ostensiva - que a regra no processo civil português é a de que os embargos não suspendem a execução, sendo que, das três excepções avançadas pelo artigo 733.º, n.º 1, apenas a da sua alínea c), poderia estar em causa.
Por outro lado, atento o momento em que a decisão sobre a suspensão da execução ocorre e o juízo perfunctório que implica, o legislador tem o cuidado de exigir que quando se ponha em causa nos embargos a exigibilidade ou a liquidação da quantia exequenda, o Tribunal, perante a factualidade alegada e a prova já apresentada, desde logo possa apontar (justificadamente) para a procedência dessa impugnação. Ou seja, só perante uma situação clara em termos factuais e jurídicos é que o Tribunal pode - logo perante o articulado inicial dos embargos e do requerimento de suspensão da execução e da posição sobre a matéria assumida pela Exequente-Embargada - considerar e entender que está justificada a suspensão da execução sem prestação de caução: tem que se revelar “algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva” (para usar a expressão feliz do Acórdão da Relação de Coimbra de 05/05/2015, Processo n.º 505/13.3TBMMV‑B.C1‑Manuel Capelo), “trazendo justo equilíbrio à relação de interesses opostos e conflituantes […], quando os elementos carreados aos autos (conjugando os que constem do processo executivo com os carreados aos embargos) permitam concluir[…] pela consistência da argumentação, ou seja, quando os elementos existentes nos autos imponham concluir estar abalada (pelo menos consistentemente questionada) a exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda”
Importa ter presente (e é evidente que a Recorrente-Embargante não o tem) que a decisão sobre a suspensão da execução não é o julgamento do mérito dos seus embargos, mas apenas - como se sublinhou neste último Acórdão - “exclusivamente, se perante os elementos disponíveis ao julgador em primeira instância, e sendo tais elementos, exclusivamente, o teor dos articulados e os documentos juntos, é razoável, por justificado, determinar a suspensão da execução sem prestação de caução. Sendo que para emitir este juízo, perfunctório, não se realiza nenhuma produção de prova, fazendo-se incidir a análise na observação exterior dos elementos aludidos, à luz das regras que regem disciplinam o processado da execução”
Complementando, o Acórdão da Relação de Évora de 11/07/2019 (Processo n.º 3447/18.2T8STB-A.E1-Florbela Lança) remata afirmando mesmo que “não se trata de determinar se a obrigação exequenda é ou não inexigível ou ilíquida, mas antes de considerar se, perante os termos em que foram questionados aqueles pressupostos, se justifica que se suspenda o decurso da execução”.
Trata-se, como se disse, de um juízo perfunctório, ou, se se preferir, de “um juízo forçosamente sumário e não definitivo – prévio ao que a contraditoriedade da audiência permitirá formular a final”, sobre a consistência da argumentação, no sentido de os elementos existentes nos autos imporem a conclusão de estar fortemente abalada a exigibilidade ou a liquidez da obrigação exequenda.
Ora, verificando a situação dos autos, o que desde logo podemos constatar é que a clareza manifesta exigida no sentido de a narrativa processual defendida pela Embargante ser a correcta, pura e simplesmente não existe.
De facto, alegando o preenchimento abusivo da livrança, a aplicação do disposto no artigo 782.º do Código Civil (a perda do benefício do prazo não se estende aos co‑obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia), a violação da confiança bancária e a falta de apresentação do título a pagamento, a que aditou o facto da livrança preenchida e executada não titular a totalidade da obrigação exequenda - já de si prescrita - e a impossibilidade de ser exigido o pagamento de juros após a data de vencimento do título cambiário.
Perante estas questões, o Tribunal a quo seguiu este processo de raciocínio:
I - por opção legislativa, a suspensão da execução em consequência do recebimento dos embargos de executado é uma situação excepcional e não a regra;
II - quanto à impugnação da exigibilidade
- a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende (de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777.º, n.º 1, do Código Civil), de simples interpelação do devedor;
- a prestação não é exigível quando, “não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como é o caso da obrigação de prazo certo que ainda não decorreu (art. 779º CC), sendo o prazo incerto e a fixar pelo tribunal (art. 777º, nº 2 CC), quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva, que ainda não se verificou (arts. 270º CC e 715º) ou ainda, quando em caso de sinalagma, o credor não satisfez a contraprestação (art. 428º CC)”;
III - quanto à impugnação da liquidação, a suspensão apenas deverá ter lugar nos casos em que a obrigação deva ser liquidada no processo executivo, nos termos do artigo 716.º, fora dos casos em que apenas depende de simples cálculo aritmético. Ou seja, deverá ter-se em consideração que a previsão da al. c) incide sobre a verificação de uma excepção dilatória (inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda) e não sobre uma excepção peremptória;
IV - daqui se conclui que deve ser indeferido o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução com base numa pretensa inexigibilidade da obrigação exequenda, quando o fundamento dessa inexigibilidade não respeite aos pressupostos processuais da acção executiva, tendo antes natureza substantiva (p. exp., a alegação de que a quantia exequenda já está paga);
V - não basta a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, máxime o título executivo, no momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva;
VI - é necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica excepcionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da prestação de caução;
VII - o vencimento da prestação resulta do título que serve de base à execução, sendo a obrigação exequenda é exigível, por ter ocorrido o seu vencimento;
VIII - a Embargante alega fundamentos de ordem substantiva;
IX - quanto ao montante de juros vencidos que ora se executa foi acordado que os mesmos seriam regularizados nos termos previstos no Acordo de Reconhecimento de Dívida a celebrar entre o Novo Banco a P., S.A. e os avalistas das operações, aqui embargantes;
X - a dívida encontra-se vencida, pelo que o exequente podia preencher a livrança, como fez;
XI - o facto de existir ou não interpelação não impede o facto da dívida estar vencida;
XII - o portador de livrança para accionar o subscritor e os avalistas não carece de fazer o protesto do título.
O raciocínio é linear, compreensível e solidamente ancorado em termos jurídicos, sendo de sublinhar que – objectivamente – a Embargante-Recorrente, nas suas alegações de recurso, (como - com sentido de oportunidade - assinala a Embargada-Recorrida), “não suporta aquilo que alega numa única prova, designadamente documental, limitando-se a defender que, no seu pedido de suspensão da execução, impugnou a exigibilidade e a liquidação da obrigação, mas sem evidenciar em que medida é que tal impugnação justifica a suspensão da execução.
Na verdade, pelo menos no que respeita à impugnação da exigibilidade da obrigação, não está em causa que tal impugnação tenha ou não existido. Nem o Tribunal a quo fundamentou o seu despacho na ausência de impugnação.
O que está em causa é se a inexigibilidade (e a iliquidez) do crédito é de tal forma manifesta que revele a elevadíssima probabilidade de os próprios embargos de executado virem a proceder com base em tal fundamento, o que a Recorrente, nem em sede do requerimento de suspensão da execução, nem tão-pouco agora em sede de recurso, mostrou existir.
Ou seja, a Recorrente não ofereceu com as suas alegações de recurso nenhum elemento que permita ao Tribunal ad quem alterar a decisão proferida, nomeadamente indicação da prova que sustenta que a (pouca) factualidade alegada demonstra, quase sem margem para dúvida, que a dívida é inexigível e ilíquida”.
E, de facto, remeter para o que “exaustivamente” tenha escrito nos “embargos de oposição à execução apresentados”, e considerá-los reiterados e reproduzidos na íntegra, nas Alegações, acrescentando que “encontram conformação na prova documental” junta aos embargos, não é forma de dar corpo à pretensão recursiva.
Perante o que dos autos consta (o requerimento, a decisão, as alegações e as contra-alegações) e compulsada a livrança dada à execução (e o Acordo de Reconhecimento de Dívida subjacente) podemos concluir que a simples alegação da Recorrente-Embargante no sentido de que a quantia exequenda lhe não é exigível (com referência a matérias de direito substantivo que não constituem excepções dilatórias), não é susceptível de determinar por si só a pretendida suspensão da execução, pois tal documentação não aponta, prima facie, no sentido e na interpretação por si apresentada.
Por outro lado e como se viu, a decisão não só se mostra bem fundamentada, como está na linha do que jurisprudencialmente tem sido decidido quanto à matéria, circunstância que, sendo embora vista com desdém por parte da Recorrente, não pode funcionar como argumento a seu favor: o facto de o decidido ser jurisprudência maioritária (ou unânime, pois não é conhecida nem a recorrente a indica) tem a vantagem da segurança jurídica e da solidez da argumentação que lhe subjaz, mas não obsta a que possa ser alterada, assim o argumentário o permita (o que manifestamente não ocorre in casu).
Por outro lado, não pode deixar de se fazer o reparo a que a repercussão patrimonial, comercial, bancária, mediática e reputacional que a pendência e prossecução da presente instância tenha para o bom nome, imagem e direito ao crédito de todos os Executados (por estarem em causa mais de sete milhões de euros, “um dos maiores bancos nacionais” e “uma das principais figuras públicas contemporâneas do futebol português, relacionado com questões que têm vindo a merecer uma intensa e impiedosa atenção por parte dos media”), nunca poderia servir como uma espécie de imunidade contra a regra de que as execuções não se suspendem sem caução: são questões que podem servir como enquadramento, mas não seriam nunca factores essenciais para a decisão sobre a suspensão.
Usando a terminologia já aqui referenciada, o critério normativo que faz interagir os fundamentos e finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada nos embargos pelo executado, tem de permitir concluir que estamos diante de uma situação “que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo”.
O que não sucede, in casu, pelo que cabe à Embargante, ora Recorrente, se assim o entender, prestar caução, de forma a que o Exequente se mantenha “a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva ou do empreendimento de manobras dilapidatórias por parte dos executados” (como constitui a regra no nosso processo civil).
*
Em suma e face a tudo o exposto, a decisão do Tribunal a quo não suspender a execução sem a prestação de caução, foi a adequada, mostrando-se bem estruturada e fundamentada, impondo-se a sua confirmação, sem hesitações”.
Por sua vez, no acórdão proferido na referida apelação 28190/21.1T8LSB-H.L1 também foi afirmada a inexistência de qualquer fundamento para suspender a execução sem prestação de caução, através da seguinte argumentação:
A decisão recorrida foi proferida nos termos do disposto no art.º 733.º, n.º 1, al. c), do C. P. Civil, para efeito de suspensão ou não execução da execução, como um juízo perfunctório dos fundamentos de suspensão invocados, não se confundindo nem podendo confundir com a decisão de mérito sobre o fundo da causa/embargos, que conhecerá dos fundamentos da oposição, nos termos do disposto nos art.º 731.º e 729.º, em especial, a sua al. e), do C. P. Civil.
Nestes termos, a decisão recorrida, proferida em face do título executivo e da posição declarada pelas partes, sem produção de prova e fixação de matéria de facto, em suma, sem a estrutura de sentença, não antecipa nem pode antecipar a decisão dos embargos como decorre da previsão legal pertinente segundo a qual a suspensão é decretada se “...o juiz considerar, ...que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
Isso mesmo decorre da fundamentação da decisão recorrida quando declara “No caso que nos ocupa, o vencimento da prestação resulta do título que serve de base à execução”.
Não se vislumbra, pois, que a decisão recorrida tenha operado uma interpretação restritiva da al. c), do n.º 1, do art.º 733.º, do C. P. Civil ou antecipado a decisão sobre o mérito dos embargos, que não deixará de ser proferida na altura própria, nem que a mesma viole a norma do art.º 11.º, do C. Civil. Improcede, pois, esta terceira questão e com ela a apelação”.
Também aqui há que acompanhar a fundamentação acima reproduzida, que se acolhe na sua totalidade.
Com efeito, o embargante (como os demais embargantes, em cada um dos recursos já decididos) entende que, porque “no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade e a liquidação da obrigação exequenda foram impugnadas”, e porque “existem fundamentos, de imperiosa razão, que justificam a suspensão da instância executiva sem prestação de caução” (sendo que os mesmos se reconduzem à circunstância de “um dos maiores bancos nacionais” ter demandado executivamente “uma das principais figuras públicas contemporâneas do futebol português”, ascendendo a quantia exequenda a mais de sete milhões de euros), tal basta para admitir a suspensão da execução sem a prestação de caução, sob pena de deixar o embargante totalmente à mercê da vontade discricionária da embargada, quando a mesma se assume como “rei e senhor” da forma como o título é preenchido e dado à execução, verificando-se a violação do seu legítimo direito à tutela do seu património.
Sucede que, por um lado, os direitos patrimoniais de qualquer executado que deduza embargos de executado são, desde logo, salvaguardados pelo disposto nos nº 4 e 5 do art.º 733º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, e repetindo aquilo que vem sendo dito pela jurisprudência (e que o embargante opta por ignorar), a suspensão da execução sem prestação de caução por força da dedução de embargos de executado é uma situação excepcional e nunca ocorre por mero efeito do recebimento da P.I., mas tão só quando, em face do alegado pelo embargante quanto à exigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda, seja de concluir perfunctoriamente pela manifesta razão que lhe assiste, em razão dos elementos já existentes nos autos e da consistência e verosimilhança que emprestam à versão factual apresentada pelo mesmo.
Ora, nem o invocado mediatismo de um dos executados empresta essa consistência e verosimilhança à versão factual apresentada pelo embargante, nem tão pouco os elementos que os autos já fornecem conduzem a essa conclusão, única a partir de onde se poderia afirmar a necessidade excepcional de suspender a execução, sem a prestação de caução pelo embargante.
Pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações, improcedem igualmente as conclusões do recurso, no que respeita a esta questão da interpretação da al. c) do nº 1 do art.º 733º do Código de Processo Civil.
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Em suma, na total improcedência das conclusões do recurso do embargante, é de manter a decisão recorrida.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

13 de Outubro de 2022
António Moreira
Carlos Castelo Branco
Orlando Nascimento