Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | AMÉLIA SOFIA REBELO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO ADMINISTRADOR DE FACTO CÔNJUGE NOMEAÇÃO DE GERENTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - A impugnação da decisão de facto pode ter como objeto: a convicção ou juízo fáctico que o tribunal recorrido formou sobre os factos que descreveu, caso em que o recorrente lhe imputa de erro de julgamento (de facto); a violação de regra de direito probatório material, caso em que o recorrente invoca erro de direito na sua elaboração; a seleção dos factos operada pelo tribunal recorrido, caso em que o recorrente os reputa de insuficientes à apreciação de mérito face ao alegado pelas partes e/ou discutido nos autos. II – A impugnação da decisão de facto não abrange a valoração jurídica dos factos operada em sede de enquadramento jurídico dos mesmos, nem tem por objeto a motivação da convicção do julgador, cuja censura é instrumental à alteração da decisão de facto por aquela visada. III - Nos processos de jurisdição voluntária vigora o princípio do inquisitório em toda a linha, pela que a ampliação da decisão de facto, requerida ou oficiosamente ordenada, pode abranger factos não alegados pelas partes mas que tenham resultado da instrução e discussão da causa e relevem na resolução da questão a dirimir. IV - A decisão de facto corresponde ao julgamento de facto operado no âmbito de cada ação e tem eficácia e valor jurídicos apenas no concreto processo em que foi produzida, sendo legalmente inadmissível importar para uma ação o substrato factual julgado provado em sentença proferida numa outra ação para nesta fundamentar a decisão de facto, o raciocínio lógico-dedutivo subjacente à motivação da mesma, ou o enquadramento normativo que sobre ela cumpre operar em sede de julgamento de direito da ação. V - É administrador de facto quem participa na “gestão estratégica e global da sociedade” o que pressupõe a prática de concretos atos materiais característicos do exercício dos referidos poderes de direção da sociedade, praticados com autonomia decisória e de forma constante (de tal forma que “é a atividade que cria o administrador de facto”). VI – As menções a ‘exercício de facto’, ‘desempenho’ e ‘disponibilidade para a gerência’ não concretizam qualquer factualidade, limitam-se a identificar ou a enunciar questão de facto relevante por recurso a conceitos normativos, mas cuja apreciação e verificação no caso concreto carece de ser feita por recurso a factos reais suscetíveis de os preencher, sendo que só a descrição destes cumpre o requisito da impugnação à decisão de facto previsto pelo art. 640º, nº 1, al. c) do CPC. VII - A sindicância da idoneidade para o cargo de gerente é feita por referência aos deveres fundamentais a que o gerente da sociedade está adstrito e implica avaliar parâmetros de competência técnica, disponibilidade, incompatibilidades, e independência. VIII - Requisitos que não são demonstrados pelo simples facto de o requerente ter mantido aquela qualidade desde a constituição da sociedade, circunstância que, por si só, não revela se a gerência de direito era acompanhada da gerência de facto, nem em que termos era exercida. IX - O vínculo conjugal com sócio não retira ao cônjuge deste a qualidade de terceiro estranho à sociedade se dela não for igualmente sócio ou seu gerente. X - O sócio que: ‘delegou’ no seu cônjuge, não sócio e não gerente, o poder de iniciativa e de decisão em matérias estratégicas da sociedade, bem como a liberdade de atuar em nome da sociedade de acordo com essas mesmas decisões, que em audiência declarou que aquele é a pessoa melhor indicada para o cargo e se manifestou no sentido de este ser nomeado seu único gerente, não manifesta competência técnica nem disponibilidade para ser judicialmente nomeado para o cargo de gerente. XI - O sócio que, através do cônjuge que o representou em assembleia geral de sócios, assumiu que quando foi gerente da sociedade esta pagou despesas pessoais suas e da sua residência pessoal, não manifesta idoneidade para ser judicialmente nomeado para o cargo de gerente. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam as juízas da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, I - RELATÓRIO 1. Em 19.07.2022 A. instaurou a presente ação sob a forma de processo especial para nomeação judicial de titular de órgão social contra F & R, Ldª, pedindo a nomeação da requerente como gerente desta sociedade e a dispensa de audição do respetivo órgão de administração. Em fundamento alega, em síntese: ela e outra são sócias da requerida, cada uma delas com uma participação social representativa de 50% do capital social, ambas designadas gerentes, sendo necessária a assinatura de dois gerentes para obrigar validamente a sociedade em todos os seus atos e contratos; ambas acordaram renunciar em simultâneo ao cargo, a requerente declarou renunciar em 06.08.2020, e a gerente B. veio posteriormente a revogar a sua renúncia, mantendo-se desde 06.08.2020 como única gerente da requerida; que a repartição das quotas na prolação de 50% entre as duas sócias tem sido um obstáculo à nomeação de um novo gerente por deliberação dos sócios; que a requerida fica impedida de praticar ou validar quaisquer atos de gestão para o seu desenvolvimento; que ela, requerente, é pessoa idónea para o cargo de gerente, idoneidade que justificou com o seu desempenho no dito órgão desde a constituição da sociedade até à referida renúncia. Requereu a dispensa da audição do órgão de administração por incapaz de exercer as suas funções por falta de um segundo gerente. Requereu depoimento de parte da requerida, representada pela gerente única B., arrolou testemunha, e juntou documentos. 2. Apresentados os autos a despacho, em 02.09.2022 foi de imediato proferida sentença que, com fundamento no facto de não se encontrar em funcionamento o órgão de administração da sociedade requerida, dispensou a audição desta e, julgando a ação procedente, nomeou a requerente gerente da sociedade requerida e condenou a requerente em custas. 3. A sociedade requerida interpôs recurso desta sentença, que foi revogada por acórdão deste coletivo em ordem ao prosseguimento dos autos com audição da gerente da sociedade e realização das diligências requeridas e/ou tidas por pertinentes para averiguar a idoneidade da requerente ou de outrem que venha a ser indicado para o cargo de gerente da recorrente. 4. Na resposta àquele recurso a requerente suscitou incidente de litigância de má fé e requereu a condenação da sócia gerente subscritora da procuração apresentada com as alegações de recurso no pagamento de multa e indemnização, incluindo o reembolso de despesas e os honorários dos mandatários da recorrida, bem como a indemnizar a sociedade em todas as custas e despesas devidas à litigância de má fé e à irregular representação da sociedade requerida na presente ação. Em fundamento desse pedido alegou que a ali recorrente distorce os factos e alega inverdades porque, contrariamente ao por esta alegado, diligenciou pela regularização da gerência através da entrega à apelante de missiva a solicitar a convocatória de Assembleia Geral para “Regularização da gerência, ao abrigo do artigo 253º nº2 do Código das Sociedades Comerciais”, pelo que a situação de representação irregular até à presente data deve-se única e exclusivamente à inércia de B. enquanto sócia gerente, que se recusa a suprir tal irregularidade. Pedido que foi julgado improcedente por decisão da Relação proferida no âmbito do acórdão que conheceu do recurso. 5. Na sequência da arguição, em sede de contra-alegações da requerente/recorrida, da irregularidade da representação da sociedade requerida/recorrente para estar em juízo (na medida em que o recurso foi interposto com base num mandato conferido apenas por um gerente quando a sociedade só se vincula validamente com a intervenção de dois), previamente à admissão daquele recurso foi decidida a nomeação de representante especial da sociedade que, citado para os termos do processo, na qualidade que lhe foi atribuída, juntou procuração e declarou ratificar o processado nos autos em representação da sociedade. 6. Na sequência da revogação da sentença a 1ª instância cumpriu a audição da gerente da sociedade requerida que, por requerimento de 05.09.2023 (apresentado em nome da sociedade) e novamente em 09.10.2023 (apresentado na qualidade de gerente da sociedade), deduziu oposição por impugnação defendendo que a nomeação da requerente para o cargo de gerente é prejudicial para a sociedade requerida devido aos conflitos existentes na sociedade e porque aquela não é pessoa idónea para o cargo, em síntese, porque: - nos 28 anos em que manteve o cargo de gerente de direito nunca foi gerente de facto da sociedade porque esta foi exercida pelo marido da requerente, irmão da opoente, através de procuração; - abandonou a sociedade no período crítico da pandemia em 2020 renunciando à gerência e, como sócia titular de 50% do capital social, não diligenciou pela regularização da gerência da sociedade e impediu alteração do pacto social quanto à forma de obrigar a sociedade; - na sequência da sentença de 02.09.2022 a requerente e o seu marido comunicaram aos trabalhadores que a partir daquela data eram eles que mandavam e quem não estivesse de acordo poderia ter problemas no trabalho, as ordens da opoente, bem como o trabalho da Diretora Pedagógica e das Educadoras e Auxiliares passaram a ser postas em causa sem justificação pela requerente; aqueles passaram a frequentar diariamente as instalações da requerida apenas para contrariarem todas as decisões ou instruções da opoente independentemente de serem ou não em benefício da sociedade; - existe uma outra sociedade da qual são sócios a requerente e o seu marido e que fazia o fornecimento das refeições ao Colégio, o que foi por aqueles suspenso privando as crianças das refeições sob o falso pretexto de dívida da requerida àquela sociedade, o que não corresponde à realidade; a requerente consentiu na privação dos fornecimentos de água e de eletricidade à sociedade requerida, e fechou a porta ‘corta-fogo’ que dá acesso à cozinha para impedir a entrada das trabalhadoras do colégio colocando as crianças em perigo pela violação de regras de segurança; tudo com efeitos negativos na imagem transmitida aos pais das crianças do colégio e jardim da infância, após a renúncia da requerente à gerência em agosto de 2020 a opoente assumiu-a sozinha, tendo ultrapassado os resultados negativos dos anos anteriores em que a gerência esteve confiada ao marido da requerente por procuração, apesar do período da pandemia, e ultrapassou a crise financeira gerada pela mesma. Concluiu pela improcedência da ação e pela não nomeação da requerente para gerente da sociedade requerida. Arrolou testemunhas e juntou documentos. 7. O nomeado nos autos em representação especial da sociedade requerida manifestou que face ao impasse gerado com as posições assumidas por cada uma das sócias se vai limitar a acompanhar a evolução dos autos e a intervir quando se revelar necessário ou mediante instrução judicial para tal. 8. Em 07.12.2023 a requerente deduziu novo incidente de litigância de má fé contra a gerente da requerida, B., e requereu a sua condenação em multa e indemnização imputando-lhe a alegação de factos que sabe serem falsos e a ocultação de outros que conhece e são relevantes na presente ação. 9. A requerente mais veio requerer que com a sua nomeação para gerente da sociedade requerida lhe seja fixada remuneração pelo cargo em montante equivalente ao da remuneração auferida pela outra gerente, de €1.200,00. 10. Produzida a prova pessoal requerida e admitida, em sede de audiência foram prestadas as seguintes declarações: a) A recorrente declarou que até 2003 era ela quem fazia as contratações, tratava das refeições e recebia os pagamentos dos pais e, quando nesse ano o colégio mudou de instalações, passou a ter uma secretaria e, nessa altura, a parte administrativa passou para a sua sócia e ela, requerente, passou a estar em sala e a tratar da parte pedagógica, mantendo as contratações em comum com B. até 2008, altura em que esta passou a trabalhar no Lar. b) Questionada sobre a razão de em dezembro de 2020 ter conduzido ao registo a renúncia à gerência que apresentou em 30 de julho de 2020, respondeu “Acho que tinha a ver ali com um processo que estávamos a ter de empréstimo, e foi depois ali uma situação que se opôs, a Dona B. já não aceitou que eu voltasse, foi uma confusão muito grande.”, “Foi mesmo por qualquer apoio que queriam fazer ao nível bancário e a B. não estava a aceitar outra vez a minha nomeação e foi talvez para não haver consequências para mim, penso…”, “Qualquer apoio que queriam fazer a nível bancário, e acho que pusemos eu a renunciar para não haver aí outras consequências”. c) Questionada sobre o motivo para a procuração conferida pelas gerentes a C., declarou que o fez porque “quando começaram as obras tinha que haver alguém para ir aos Bancos, à Câmara.”, “Em 1992 fizemos um colégio de raiz num edifício e foi tudo feito e tratado pelo Sr. C. porque a outra sócia não estava. Tinha que haver outra pessoa para além da diretora pedagógica e que fazia a validação, a Dona B. não podia ser porque estava na Suíça.”, “O C. praticou o que era da gerência”. d) A testemunha C., questionado sobre a renovação do contrato com o Ministério de Educação e a recusa da requerente e de ele próprio procederem à sua assinatura, respondeu que “Quem consta no Ministério da Educação era a A. e ele como representante da empresa, e disse à Dona B. que não podia continuar a fazer essas funções porque não estava mandatado para o fazer.”, “Eu próprio digo à Dona A. para não o fazer porque se não é gerente não pode cumprir essas funções.” f) Individualmente questionados sobre os termos em que perspetivam a resolução da situação da sociedade requerida gerada pelo conflito descrito nestes autos: i) A opoente B. respondeu que para si a melhor solução seria a nomeação de alguém independente, idóneo porque “assim não havia que é uns ou que é outros”, mais acrescentando que não poderá ser ela a indicar/sugerir porque senão vão dizer (a recorrente e C.) que é do seu interesse e não vai ser aceite. ii) A recorrente respondeu que “arranjar uma gerência de acordo de nós as duas não vai ser fácil, já foi muita coisa feita e muita coisa dita, e muita coisa feita que não devia ter sido feita. Ou chegamos a acordo a uma gerência fora de nós as duas para levar esta empresa para a frente, talvez só mesmo alguém acima de nós que possa colmatar isto. A situação que se criou não está fácil, tem-se mesmo que chegar a acordo. À pergunta “conhece alguém que pudesse ocupar esse lugar?” mais respondeu “imparcial não há, não há pessoa que conheça melhor a empresa que o sr. C., e não conheço outra que possa entrar, teria que ser isenta realmente.” À pergunta “com o seu regresso acha possível conciliação entre as duas gerentes quanto à repartição das funções de uma e de outra para não haver contradições ou instruções postas em causa e os funcionários saberem a quem se devem dirigir e acatar (em função do assunto em questão)?”, respondeu “Pois, agora não era fácil.” iii) A testemunha C. respondeu que a nomeação da recorrente, sua mulher, para gerente, “é a que traz mais estabilidade às diretivas da empresa, de quais são os objetivos para a sociedade, que anda há anos a exigir isso e não foi feito, e que é a única possibilidade que a sociedade tem para não insolver.” À pergunta, porque razão não foram aprovadas as contas da sociedade subsequentes ao exercício de 2019, respondeu que “As contas da sociedade não estão aprovadas porque a B. não aceita as suas propostas” e, instado a indicar quais são essas propostas, respondeu “sejam regularizados os débitos da Dona A..” 11. Após a produção de prova foi proferida a seguinte decisão: “Face ao exposto, julgando a presente acção improcedente, o tribunal decide não nomear como gerente da sociedade requerida F & R, Lda., a requerente A.. Absolve-se, ainda, B. do pedido de condenação como litigante de má fé. Custas pela requerente.” 12. Inconformada, a requerente deduziu o presente recurso requerendo que na sua procedência a sentença seja revogada e substituída por outra que a nomeie para o cargo de gerente da sociedade e condene a gerente B. como litigante de má fé. Apresentou alegações que sintetizou nas seguintes conclusões: 1) O presente recurso vem interposto da decisão que julgou improcedente a presente ação especial de nomeação judicial de titulares de órgãos sociais, decidindo "por falta de disponibilidade e por não ser adequada à prossecução do interesse social, não ser a requerente idónea para ser nomeada gerente da requerida.", onde conclui o tribunal "não nomear como gerente A., julgando improcedente a sua pretensão”; 2) Com o devido respeito, conforme abaixo melhor se irá expor, o Tribunal a quo errou ao considerar que não estão reunidos os pressupostos necessários, designadamente a idoneidade da pessoa a nomear e o carácter provisório da nomeação, atuando, assim em erro de julgamento pois demonstrou não ter considerado toda a factualidade em torno da questão controversa e ainda interpretou mal as normas de direito no que concerne ao carácter provisório da nomeação judicial de gerente; 3) Ademais, a Apelante não se pode ainda conformar com a matéria de facto dada como provada da sentença em crise, pois foram por si alegados e demonstrados outros factos para além daqueles que resultaram como provados da decisão recorrida, os quais não foram devidamente valorados pelo Tribunal a quo e que implicavam a prolação de decisão diversa da que ora se recorre, conforme se adiante se aprofundará. 4) Bem como foram por si alegados e demonstrados factos que foram erroneamente dados como não provados da decisão recorrida, sendo que também estes implicavam a prolação de decisão diversa da que ora se recorre, conforme também se irá expor. 5) Assim e desde logo, a sentença recorrida não deu como provado "que as duas sócias A. e B. houvessem acordado renunciar em simultâneo à gerência" (cfr. sentença, factos não provado, al a). 6) Todavia, entende a Apelante que os elementos que constam dos autos, nomeadamente, os esclarecimentos prestados pela própria Apelante (cfr. ata de audiência de julgamento de 13.03.2024, minutos 14h06 a 15h22), conjugado com os depoimentos de C. (cfr. audiência de julgamento de 28.02.2024, minutos 14hl0 a 15h50), às declarações de parte B. (cfr. audiência de julgamento de 28.02.2024, minutos 15h50 a 17hl9) e o facto dado como provado no ponto 38 dos factos dados como provados na sentença que é Doc. 1 junto com a contestação, tudo coadjuvado por raciocínio lógico, impunham decisão diversa da recorrida, dando-se como provado o facto que consta da al. a) dos factos não provados. 7) Acresce que, a sentença recorrida entendeu ainda que "o requerente não demonstrou disponibilidade para o exercício do cargo". 8) Ora, esta presunção da sentença recorrida encontra-se abundantemente ilidida pelos depoimento da testemunha C. (cfr. ata da audiência de 28.02.2024, minutos 14h10 a 15h50); T. (cfr. ata da audiência de 28.02.2024, minutos 11h45 a 11h51); S. (cfr. ata da audiência de 28.02.2024, minutos 11h52 a 12h23), M. (cfr. ata da audiência de 28.02.2024, minutos 12h23 a 12h39) e declarações de parte de B. (cfr. ata da audiência de 28.02.2024, minutos 15h50 a 17h19, e de 13.03.2024, minutos 10h22 a 12b23), conjugados com os factos dados como provados em 48, 49, 50, 51, 53, 58 a 70 das sentença que são Doc. 1 e Doc. 2, ambos juntos com a contestação, e em 144 da sentença que é Doc. 2 junto com a contestação; 9) De facto, estes elementos de prova não considerados pela sentença recorrida provam abundantemente que a Apelante, mesmo depois da sua renúncia, sempre esteve disponível para exercer o cargo, o que se demonstra pelas inúmeras tarefas e preocupações que a mesma assumiu já após a sua renúncia, muitas das vezes para suprir as omissões de B., a qual era, à data destes factos, a única gerente da sociedade; 10) Sendo certo que o facto de a Apelante ter conferido procurações conjuntas com B. a C. para a prática de determinados atos de gestão relacionados com a parte financeira da sociedade, constituindo o exercício legitimo do direito consagrado no art.º 252, nº 7 do Código das Sociedades Comerciais, não pode ser valorado como uma prova da sua indisponibilidade para exercer o cargo; 11) O mesmo se diga relativamente à procuração conferida pela Apelante a C. no que respeita à sua representação nas assembleias gerais, o que apenas se verificou em 2020 e por causa do conflito existente na sociedade; 12) Em primeiro lugar, porque a Apelante apenas o fez por entender que, tratando-se de um conflito familiar entre irmãos, seria mais adequado à resolução deste conflito a presença de C. em tais assembleias gerais da sociedade; 13) Depois, porque o facto de a Apelante ter outorgado esta procuração a favor de C. não constitui mais do que o exercício legitimo do direito consagrado no art. 249, n 5 do Código das Sociedades Comerciais; 14) Razão pela qual mal andou o Tribunal o quo ao presumir a indisponibilidade da Apelante para exercer a gerência também com fundamento nestes factos. 15) Ou ainda, ao presumir, com base nos mesmos factos, que "é previsível que a requerente, caso nomeada gerente, torne a conferir procuração ao seu cônjuge para a prática de atos de gerência”; 16) Isto porque o facto de a Apelante ter delegado poderes no passado a C., o que fez nas circunstâncias de tempo e modo supra descritas, não permite concluir que o fará novamente, uma vez que essas circunstâncias se alteraram drasticamente; 17) Nomeadamente, o acordo que existia entre ambas as sócias para delegar poderes em C. para resolver as questões financeiras da sociedade deixou de existir, sendo inultrapassável a necessidade atual de obter a assinatura dos dois gerentes para vincular a sociedade, deixando, assim, de fazer sentido a outorga de uma procuração apenas por uma das gerentes. 18) Alteração de circunstâncias estas que, mais uma, a sentença recorrida não considerou. 19) Pelo que mal andou a sentença recorrida ao basear a sua decisão numa presunção cujos factos existentes nos autos são suficientes para ilidir, nomeadamente, ao referir que "é previsível que a requerente, caso nomeada gerente, torne a conferir procuração ao seu cônjuge para a prática de atos de gerência". 20) Em conclusão, os factos que se referiram supra ao longo da motivação demonstram, sem margem para duvidas, que a Apelante sempre esteve, e está, disponível para exercer o cargo de gerente, tal como, aliás, fez durante os mais de 20 anos em que B. assumidamente se demitiu de tais funções. 21) O mesmo se diga relativamente à disponibilidade da Apelante para a prossecução do interesse social. 22) No sentido de demonstrar a disponibilidade por parte da Apelante para a prossecução do interesse social, apontam fortemente os factos dados como provados nos pontos 7 a 9, 14, 22, 32, 34 a 36 da matéria de facto dada como provada nas sentenças que são Doc. 1 e Doc. 2 juntos com a contestação, conjugados com o esclarecimento prestados pela própria Apelante [cfr. ata de audiência de julgamento de 13.03.2024, minutos 14h06 a 15h22), depoimento de C. [cfr. ata da audiência de 28.02.2024, minutos 14hl0 a 15h50), os quais impunham também, nesta parte, decisão diversa da recorrida. 23) Mal andou, pois, a sentença recorrida, ao julgar improcedente a presente acção por entender, com base nas presunções que foram ilididas nos termos supra descritos, que "por falta de disponibilidade e por não ser adequada à prossecução do interesse social, não ser a requerente pessoa idónea para ser nomeada gerente da requerida". 24) Acresce que, a sentença recorrida, ao decidir como decidiu, i.e., deixando as partes exactamente na mesma situação que conduziu a interposição desta acção, deixou a Apelante sem tutela jurisdicional efectiva, com a consequente violação do disposto nos artº 253º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais, art.º 1053º do Código Civil; artº 20º, da Constituição da República Portuguesa e art.º 2º do Código de Processo Civil. 25) E quanto aos critérios de conveniência e oportunidade que devem ser acolhidos nas decisões proferidas no âmbito dos processo de jurisdição voluntária, face ao caso concreto dos autos, sempre se dirá que a nomeação da Apelante como gerente se apresenta como sendo uma solução mais adequada e conveniente e oportuna do que a solução que foi acolhida pela sentença recorrida, a qual optou por deixar tudo como estava antes da interposição da presente acção, obrigando a Apelante a recorrer a mais uma acção judicial para regularizar a gerência; 26) Razão pela qual deve a sentença recorrida ser substituída por outra que declare procedente a presente acção, nomeando a Requerente A. como gerente da sociedade requerida F & R, Lda., por se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos legais. 27) Acresce ainda que, ao alegar que "a Requerente A. nunca foi gerente da sociedade", ou ainda, que "a Requerente não diligenciou pela regularização da gerência da sociedade F & R Lda durante dois anos", a Ré B. não podia desconhecer que estava a faltar conscientemente à verdade. 28) Pelo que, ao ter decidido como decidiu, isto é, não condenando B. como litigante de má-fé, o Tribunal recorrido violou ainda o disposto no artigo 542º do Código de Processo Civil. 13. Não foram apresentadas contra-alegações. II – Objeto do recurso Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto desta, tal qual como surge configurado pelas partes de acordo com as questões por elas suscitadas, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a analisar e a criar soluções sobre questões de facto ou de direito que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas; sem prejuízo das questões que oficiosamente cumpra conhecer. Acresce que o tribunal não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações das partes, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, contidas nos elementos da causa, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, salvo as que resultem prejudicadas pela solução das questões que logicamente as precedem. Assim balizado o objeto do recurso, considerando o teor da sentença e das conclusões de recurso, cumpre apreciar: 1. No âmbito da impugnação da matéria de facto: a. Do erro de julgamento relativamente ao facto descrito sob a al. a) dos factos não provados; b. Ampliação da matéria de facto. 2. Da idoneidade da requerente para o cargo de gerente da sociedade requerida. 3. Da verificação da imputada situação de non liquet com fundamento na violação do disposto nos artº 253º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais, art.º 1053º do Código Civil, artº 20º, da Constituição da República Portuguesa e art.º 2º do Código de Processo Civil. 4. Da litigância de má fé imputada à opoente B.. III - Fundamentação de Facto A) O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto: Com interesse para a decisão da causa mostram-se assentes os seguintes factos, em face dos documentos apresentados: 1. F & R, Lda., pessoa colectiva n.º …., com sede no Rua …, Charneca da Caparica, ... Charneca da Caparica, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial e tem por objecto social a exploração de jardim infantil. 2. Tem o capital social de € 7.481,08, repartido da seguinte forma: - A. – € 3.740,99; e – B. – € 3.740,99. 3. A sociedade obriga-se com a intervenção conjunta de dois gerentes. 4. As sócias A. e B. foram nomeadas gerentes da sociedade aquando da sua constituição (13/03/1992). 5. A autora renunciou à gerência em 31/08/2020, facto inscrito no registo comercial em 17/12/2020. 6. A. subscreveu documento datado de 06/08/2020, no essencial, do seguinte teor: “Serve o presente para renunciar ao cargo de “Gerente” da sociedade “F & R, Lda.” (…).” 7. B. subscreveu documento datado de 30/07/2020, no essencial, do seguinte teor: “Venho pela presente renunciar ao cargo de Gerente da sociedade comercial por quotas denominada “F & R” (…) produzindo a mesma efeitos oito dias após o recebimento da presente comunicação.” 8. B. subscreveu documento datado de 30.07.2020 pelo qual declarou “renunciar ao cargo de Gerente da sociedade comercial por quotas denominada “F & R, Ldª” (…) produzindo a mesma efeitos oito dias após o recebimento da presente comunicação.” 8. B. subscreveu documento, não datado, do qual consta que, “presente na assembleia geral extraordinária de 31 de Agosto de 2020 declaro que: 1. Considerando que, continuam por me serem prestados pela sócia A., assim como pelo procurador da sociedade, Sr. C., os devidos esclarecimentos e informação que requeri dia 23 de Junho de 2020, em seguimento da assembleia geral realizada no pretérito dia 16 de Junho do mesmo ano, 2. Considerando ainda que, apesar de já o ter requerido e indicado, continuam por ser corrigidas e alteradas, várias actas de assembleias anteriores, relativamente àquelas que foram as minhas posições e firmações declaradas nessas mesmas assembleias, impossibilitando assim a assinatura e subsequente aprovação das mesmas, 3. Considerando igualmente o impasse relativamente aos créditos laborais que me são devidos, 4. E considerando finalmente as indevidas, injustificadas e continuadas acusações que me são atribuídas relativamente à situação financeira que a sociedade atravessa, Entendi não dever manter o pedido de renúncia à gerência que havia apresentado, antes de devidamente serem esclarecidas todas as questões e factos que acima enuncio. Pelas razões apresentadas, não poderia votar favoravelmente qualquer uma das questões constantes da Ordem de Trabalhos da presente Assembleia Geral Extraordinária, razão pela qual Votei Contra, todos os pontos constantes da respectiva convocatória e apresentados nesta assembleia 9. No dia 30/09/2021, a sociedade requerida reuniu em assembleia geral extraordinária, na qual estiveram presentes a sócia B., pessoalmente, e a sócia A., representada pelo seu procurador C., a fim de deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos: Ponto Um: Apreciação do Balanço e Contas referentes ao exercício do ano de 2020; Ponto Dois: Esclarecimento sobre Suprimentos efectuados em favor da sociedade; Ponto Três: Alteração do contrato de sociedade para efeitos de registo comercial, em sede das deliberações tomadas em assembleias anteriores, nomeadamente com a renúncia à gerência por parte da sócia A.; Ponto Quatro: Regularização do CAE da Creche tendo o mesmo o número 88910; Ponto Cinco: Apreciação do incumprimento contratual referente ao pagamento de rendas da Sociedade “Botequim, Lar de Idosos, Lda”; Ponto Seis: Exigência verificada pela sociedade “Botequim, Lar de Idosos, Lda”, referente ao pagamento de refeições por parte do “Colégio Vale Rosal”; Ponto Sete: Clarificação das funções da Gerência e responsabilidade da Direcção Pedagógica; Ponto Oito: Vencimento a auferir pela Sócia Gerente; Ponto Nove: Regularização e Criação do Endereço de Email da Directora Pedagógica; Ponto Dez: Esclarecimento sobre o eventual contrato celebrado com a Sociedade de Advogados “V…. & Associados”, nomeadamente data, condições e acta com deliberação; Ponto Onze: Apreciação da Proposta de Compra dos imóveis das sociedades “F & R, Lda” e “Botequim, Lar de Idosos, Lda”. 10. Na aludida assembleia, a sócia B. questionou a outra sócia, através do seu procurador C., pedindo-lhe esclarecimento sobre “como tinha sido possível que em 17 de dezembro de 2020 tivesse sido efectuado um registo de alteração da gerência da sociedade, através de uma ata que não estava por si assinada e na qual nem tinha sido junta a declaração de voto que a mesma apresentou nessa mesma assembleia, nem tão pouco tinha sido apresentado um novo Pacto social da sociedade , nomeadamente indicando a alteração de gerência da sociedade”. 11. A resposta foi dada por C., seguindo-lhe intervenção dos mandatários de cada uma das sócias presentes na assembleia, sem que da ata conste descrito qualquer esclarecimento à questão colocada. 12. Iniciada a discussão do ponto Um da ordem de trabalhos, C. questionou a razão de um prejuízo de cerca de €35.000,00, havendo a sócia B. “para além dos factores transmitidos pelo gabinete de contabilidade, existiram despesas de índole particular que estavam naturalmente inscritas no balanço e contas, mas que não eram despesas da Instituição, conforme listagem que descreveu, nomeadamente : Despesas particulares de restaurantes, Gás para a habitação particular da sócia A., encargos particulares com despesas da “MEO” da habitação da sócia A., um pagamento à “Google”, no montante de € 1.439,78 (Mil Quatrocentos e Trinta e Nove Euros e Setenta e Oito Cêntimos), cuja factura não havia sido apresentada e ainda uma notificação fiscal, relativa a IVA em atraso, no montante de € 333,15 (Trezentos e Trinta e Três Euros e Quinze Cêntimos), de 28 de Julho de 2020, o qual ainda fora, naturalmente, acrescido dos respectivos juros, entre outros. A estas questões, e valores, justificou o Sr. C. que constariam de um acordo particular entre as sócias que assim se procedesse, o que a Dona B., veementemente contestou. Afirmou ainda o Sr. A. que durante ano de 2020, teria remetido um mail a solicitar informação sobre esses valores, com vista ao seu pagamento, por se tratarem de facto de despesas particulares, mas, uma vez mais, a Dona B. afirmou não ter recebido qualquer mail nesse sentido, solicitando ao Sr. C. que apresentasse o indicado email, o que aquele se comprometeu fazer, assim como se comprometeu de igual forma a pagar as indicadas despesas, por se tratarem de despesas e encargos que são particulares e não da responsabilidade da sociedade.” 13. Colocados a votação o balanço e contas foram aprovados por unanimidade. 14. Relativamente ao ponto Dois, B. questionou o Procurador da sócia A., Sobre “quando é que teria existido acordo para quaisquer suprimentos dos sócios à sociedade, quais os montantes desses suprimentos, condições e prazos de pagamento dos mesmos” e “com autorização de quem e quando, foram dadas indicações aos gabinetes responsáveis pela contabilidade da sociedade, para saídas de montantes vários e sem qualquer controle, a favor da sócia A., assim como, igualmente, em nome do procurador presente, Sr. C.”, havendo C. remetido a resposta para a Acta n° 19, de 20 de Dezembro de 2004, mas não tendo explicado, nem justificado as questões colocadas pela sócia Dona B.. 15. Relativamente ao ponto 3, B. realçou “que, se a sócia A., sem seu conhecimento, apresentou, ou solicitou que fosse apresentada a registo, a sua renúncia à gerência da sociedade, porque razão não diligenciou para que se alterasse a forma de obrigar a sociedade, bem sabendo que, se a sociedade se obrigava por duas assinaturas e ela se havia demitido voluntariamente da gerência, naturalmente a sociedade ficaria de forma irregular e com sérias dificuldades de gestão, pois apenas com a assinatura da actual gerente, naturalmente é insuficiente para muitas das obrigações que a sociedade tem.” 16. Relativamente ao ponto 5, “a sócia Dona B., chamou a atenção, estando presentes a Dona A. e o Sr. C., que igualmente são os sócios majoritários e com a gerência da sociedade “Botequim, Lar de Idosos, Lda.” que, conforme carta que já foi remetida àquela sociedade, a mesma se encontra, desde há algum tempo, em incumprimento no pagamento da renda estipulada contratualmente com a proprietária e senhoria que é a sociedade “F & R, Lda”, cujo montante, a esta data, ascende a cerca de € 21.000,00 (Vinte e Um Mil Euros), pois apenas pagou os meses de Janeiro e Fevereiro de 2020. Mais curioso ainda, é o facto de o incumprimento apenas se ter verificado após a renúncia à gerência da sociedade “F & R, Lda” apresentada pela sócia A. que é gerente da “Botequim, Lar de Idosos, Lda”. Tendo em conta os valores em causa, a sócia B., expressou a vontade de que, se não for encontrada uma solução a curto prazo, conforme foi indicado na carta, outra alternativa não terá que não seja a de recorrer à via judicial, o que não gostaria de fazer.” 17. Quanto ao ponto Seis, “aceitou a sócia Dona B. a proposta apresentada e posteriormente rectificada por ambos os mandatários presentes que se passasse a pagar à sociedade “Botequim, Lar de Idosos, Ldª”, o valor de €3,15 (Três Euros e Quinze Cêntimos) por cada refeição de criança e o valor de €4,00 (Quatro Euros) por cada refeição de adulto, a partir da data da presente assembleia e sem retroactividade. Ficou ainda aprovado que as despesas de produção e confecção serão da responsabilidade da Sociedade “Botequim, Lar de Idosos, Lda., e que a sociedade “F&R, Lda.”, suportará o vencimento da sua funcionária que sempre esteve na referida cozinha (…)”. 18. Relativamente ao ponto Sete, “foi afirmado pela Dona B. que a Directora Pedagógica, Dona A., independentemente da sua condição de sócia, é funcionária da sociedade “F & R, Lda” e, como tal, tem de cumprir, como qualquer outra trabalhadora, as funções que lhe estão atribuídas, não as questionando sistemática e continuadamente, (…), esta só tem de as cumprir e, se for caso disso, transmitir as mesmas ás restantes funcionárias e não sistematicamente questioná-las e não as cumprir, como se tem verificado, obrigando a que seja a Dona B. a ter de assumir funções que não lhe estão atribuídas quando existe uma funcionária para as executar. 19. Decidiu ainda a assembleia, no que se refere ao Ponto Oito da Ordem de Trabalhos que a Gerente não deverá ser remunerada. 20. Relativamente ao ponto Dez, “[Q]uestionou B., quando, com que deliberação, para que efeitos e quais as condições em que havia sido solicitado pela sociedade “F & R, Lda” a contratação dos serviços da sociedade de Advogados “V… & Associados”, pois ela desconhecia todas essas razões, mas surge uma verba de € 4.500,00 (Quatro Mil e Quinhentos Euros) a favor daquela sociedade, assim como existe inscrito um montante de € 20.000,00 (Vinte Mil Euros) no Balanço e Contas da sociedade “F & R, Lda”, quando na verdade se apurou em sede de julgamento de audiência que afinal esses montantes seriam de despesas pessoais da Dona A.. Assim e apesar de igualmente estarem inscritas no Balanço e Contas Notas de Crédito para alguns desses valores, emitidos pela indicada sociedade, questionou a Dona B. os esclarecimentos que acima se identificaram.//Respondeu e esclareceu a esta questão o próprio Dr. AC, afirmando que a Direcção da sociedade teria pedido em 2020, um parecer sobre implicações fiscais em que a sociedade se encontrava, relativamente aos capitais negativos e igualmente sobre a situação de uma das funcionárias da sociedade.//Face a estas explicações, questionou a Dona B., porque razão não teve a mesma conhecimento destas solicitações, nem dos custos das mesmas, quando enquanto gerente, nada lhe foi comunicado pela outra sócia, ou pelo seu procurador e marido.//Ficou, no entanto, esta questão sem resposta. 21. Relativamente ao ponto Doze, B. “começou por afirmar que desejava que os valores que lhes tinham sido doados, a ela e ao Sr. C., enquanto irmãos, pela mãe de ambos, deveriam constar como suprimentos de ambos (…). Manifestou ainda que nunca teve, nem tem qualquer problema em trabalhar com a sócia, Dona A., mas que é impossível e não consegue trabalhar com o Sr. C., pois ele quer controlar tudo, não presta informações e não a respeita, nem como sócia nem como gerente.” 22. Correu termos no Juízo de Comércio do Barreiro Juiz 3, do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, o processo n.º 3/21.1T8BRR, em que era autora A. e eram rés B. e F & R, Lda., na qual foi peticionada a suspensão e a destituição da primeira ré da gerência da sociedade segunda ré. 23. Por sentença de 21/05/2021, foi a aludida acção julgada improcedente e foram as rés absolvidas do pedido. 24. Interposto recurso da sentença, por acórdão, transitado em julgado, proferido em 11/01/2022 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi julgado improcedente o recurso e confirmada a sentença recorrida. 25. Correu termos no Juízo de Comércio do Barreiro Juiz 2, do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, o processo n.º 2712/20.3T8BRR, em que era autora F & R, Lda. e era ré B., na qual foi peticionada a exclusão da ré da qualidade de sócia da autora, bem como a condenação da ré a pagar indemnização à sociedade pela perda de um financiamento no âmbito do programa Portugal 2020 e ainda indemnização pelos prejuízos causados pela ré à autora no valor que se vier a liquidar em execução de sentença e correspondentes aos danos decorrentes da impossibilidade de recurso à banca. 26. Por sentença de 16/03/2023, transitada em julgado, foi a aludida acção julgada improcedente e foram as rés absolvidas do pedido. 27. Correu termos no Juízo do Trabalho de Almada Juiz 2, do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, o processo n.º 6054/22.1TBALM, no qual era autora A. e era ré F & R, Lda., na qual foi peticionada a declaração de ilicitude do despedimento da autora e a condenação da entidade empregadora na reintegração da autora, no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e no pagamento de indemnização por danos de natureza não patrimonial no valor de €15.000. 28. Por sentença de 27/10/2023, transitada em julgado, foi F & R, Lda., condenada a reintegrar a trabalhadora A. no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar à trabalhadora, desde 8 de Agosto de 2022 e até ao trânsito em julgado da sentença, o valor das retribuições que a trabalhadora deixou de auferir, à razão mensal de €1.000,00, incluindo retribuições de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, sem prejuízo da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho que a entidade empregadora deverá entregar na Segurança Social, a liquidar em sede de incidente de liquidação prévio à execução de sentença, sendo os juros de mora apenas devidos após efectiva liquidação. 29. Com a renúncia à gerência, era pretensão da Requerente que o seu marido e irmão da sócia B. fosse nomeado como único gerente da sociedade F & R Lda., com o que a sócia B. não concorda. 30. Por instrumento denominado de “Procuração”, lavrado no dia 22/04/1998, A. e B., na qualidade de sócias gerentes, em representação de F & R, Lda., constituíram procurador C., a quem conferiram poderes necessários para: a) Aceitar, sacar e endossar letras e livranças ou outros títulos de crédito; b) Contratar quaisquer compras ou vendas, estabelecendo prazos de entrega, preços e condições de pagamento; ajustar contas com devedores e credores. c) Receber todas as quantias, valores, bem como quaisquer documentos que pertençam ou venham a pertencer à sociedade ou a que ela venha a ter direito, qualquer que seja a proveniência ou natureza, podendo dar as respectivas quitações. d) Movimentar a débito ou crédito, quaisquer contas de depósito de que a sociedade seja titular junto de qualquer Banco ou Instituição de Crédito, podendo assinar recibos ou cheques, requisitar cheques e extractos de conta e proceder a transferências bancárias. e) Assinar todos os documentos respeitantes ao expediente da sociedade; representar a sociedade junto de quaisquer Repartição Públicas, designadamente, Repartição de Finanças podendo aí proceder ao pagamento de contribuições e impostos e reclamar dos excessos ou indevidos, prestando as necessárias declarações e Câmaras Municipais. f) Representar a sociedade junto das entidades alfandegárias nacionais, podendo expedir ou receber do estrangeiro, quaisquer mercadorias destinadas à actividade da sociedade, podendo assinar qualquer documentação que entenda necessária a este fim e prestar as declarações que tiver por convenientes. g) Representar a sociedade junto dos CTT, podendo proceder ao levantamento de qualquer correspondência ou encomendas endereçadas à sociedade, registadas, com aviso de recepção ou à cobrança. Mais lhe confere os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, os quais deverão ser substabelecidos em advogado ou procurador habilitado sempre que a Lei o exija.” 31. Por instrumento denominado de “Procuração”, lavrado no dia 06/02/2015, A. e B., na qualidade de sócias gerentes, em representação de F & R, Lda., constituíram procurador da sociedade C., a quem conferiram poderes necessários para: a) Aceitar, sacar e endossar letras e livranças ou outros títulos de crédito; b) Contratar quaisquer compras ou vendas, estabelecendo prazos de entrega, preços e condições de pagamento; ajustar contas com devedores e credores. c) Receber todas as quantias, valores, bem como quaisquer documentos que pertençam ou venham a pertencer à sociedade ou a que ela venha a ter direito, qualquer que seja a proveniência ou natureza, podendo dar as respectivas quitações. d) Movimentar a débito ou crédito, quaisquer contas de depósito de que a sociedade seja titular junto de qualquer Banco ou Instituição de Crédito, proceder a transferências bancárias. e) Assinar todos os documentos respeitantes ao expediente da sociedade; representar a sociedade junto de quaisquer Repartição Públicas, designadamente, Repartição de Finanças podendo aí proceder ao pagamento de contribuições e impostos e reclamar dos excessos ou indevidos, prestando as necessárias declarações e Câmaras Municipais. f) Representar a sociedade junto das entidades alfandegárias nacionais, podendo expedir ou receber do estrangeiro, quaisquer mercadorias destinadas à actividade da sociedade, podendo assinar qualquer documentação que entenda necessária a este fim e prestar as declarações que tiver por convenientes. g) Representar a sociedade junto dos CTT, podendo proceder ao levantamento de qualquer correspondência ou encomendas endereçadas à sociedade, registadas, com aviso de recepção ou a cobrança. Mais lhe conferimos os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, os quais deverão ser substabelecidos em advogado ou procurador habilitado sempre que a lei o exija.” 32. Por instrumento denominado de “Procuração”, lavrado no dia 28/01/2020, A. F, por si e na qualidade de sócia de F & R, Lda., constituiu seu procurador C., a quem conferiu poderes necessários para: “em seu nome e representação, praticar todos os actos relacionados com o objecto social da sociedade, exercendo quaisquer direitos sociais inerentes à sua posição de sócia e participar em assembleias gerais, deliberando da forma que entender sobre os assuntos constantes da ordem de trabalhos e sobre eventuais alterações ao pacto social, aumentos de capital, divisão e cessão de quotas dissolução da supra identificada sociedade, podendo, inclusive, prescindir do direito de preferência que lhe assista, ou à sociedade, em quaisquer cessões de quotas, entre sócios ou com terceiros, outorgando e assinando as respectivas escrituras, títulos ou outros documentos particulares, praticando todos os actos, requerendo e assinando todos os documentos que se tornem necessários ou convenientes aos indicados fins.” 33. Aquando da renúncia decorria a pandemia por SARS Covid-19, na sequência da qual ocorreu a obrigatoriedade de, por força dos confinamentos decretados, encerrar-se periodicamente as instalações da requerida. 34. A sociedade Botequim, Lar de Idosos, Lda., da qual são sócios C., A. e B., explora um lar de idosos no mesmo edifício em que a sociedade F & R, Lda., explora jardim infantil. 35. A sociedade Botequim fornecia diariamente a alimentação das crianças do colégio explorado por F & R, Lda., por ali se situar a cozinha. 36. Em 05/05/2021, A., através do endereço larhotel@gmail.com, remeteu a B. e-mail com o seguinte teor: “Atendendo a que não foram aceites as nossas propostas, para viabilizar a empresa F & R Lda., somos forçados a cancelar o crédito que lhes foi concedido, devido ao elevado montante em débito. 1 -Perante esta situação deve ser transferido mensalmente até ao dia 10 de cada mês, o montante previsto para gastos de alimentação. 2- Qual o número de refeições pretendido diariamente? 3- O não pagamento acarreta a suspensão do fornecimento de alimentação.” 37. Por carta datada de 15/06/2021, dirigida por Botequim, Lar de Idosos, Lda., a F & R, Lda., e subscrita por A., junta como documento 8 da contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, aquela conclui afirmando que “(…) caso V. Exa. Continue sem dar resposta às questões colocadas nos nossos emails de 5/05 e 11/05 no prazo máximo de 5 dias úteis após a recepção da presente carta, não nos resta outra alternativa senão a de deixar de fornecer refeições à sociedade “F & R, Lda.” a partir do próximo mês de Julho.” 38. Em 15/07/2021, B., enquanto gerente de F & R, Lda., responde à aludida carta, pelo mesmo meio, no essencial afirmando: “1. Bem sabe V. Exa. que a cozinha existente, assim como os serviços que a mesma presta, se encontra localizada em espaço comum à sociedade Botequim, Lda, assim como à Sociedade F&R, Lda. desde a sua abertura. 2. Mais, acresce que, na mesma e para efeitos dos serviços prestados, se encontram trabalhadoras de ambas as sociedades. 3. Por conseguinte e pelas razões supra, não pode a Sociedade F & R ficar impedida de ter acesso a essas mesmas instalações. 4. Contrariamente ao exposto nos pontos I e 2 da V/carta, não obstante a prática continuada desde a constituição das duas sociedades, qualquer deliberação, quer referente a este assunto, ou qualquer outro, carece sempre de aprovação em sede de assembleia geral da sociedade. 5. Da mesma forma e respondendo aos pontos 5 e 6 da V/carta, mais direi que as condições legalmente impostas para o bom funcionamento da sociedade Botequim, Lda. as quais obrigam à existência de uma cozinha, são exactamente as mesmas que, tendo em consideração a actividade e serviços prestados pelo Colégio da sociedade F & R, da mesma forma obrigam à existência de uma instalação desse género. 6. Razão pela qual e desde o início de actividade das duas sociedades sempre a cozinha foi uma valência comum, encontrando-se aliás, em terrenos da Sociedade F & R. 7. Do exposto apenas se pode confirmar que aquele é um espaço comum às duas sociedades. 8. No que respeita aos pontos 5 e 6 da V/carta, sou a esclarecer que na qualidade de sócia, tenho todo o direito a consultar o livro de actas da sociedade, ficando apenas com a responsabilidade de o devolver nas instalações da sede da sociedade, após consulta do mesmo. 9. Em resposta ao V/último parágrafo e se se verificar o não fornecimento das refeições ás crianças que se encontram inscritas no colégio da sociedade F & R, apenas poderei considerar que essa será uma atitude de clara má-fé, consciente, premeditada e ilegitimamente tomada por V. Exa., pois, bem sabe que com esse acto irá privar das respectivas alimentações as crianças do colégio, sendo que, se assim se verificar, outra alternativa não terei que não seja a de recorrer e intentar os procedimentos legalmente admissíveis, por forma a impedir esse acto e atitude total e completamente desumano, apenas com o único objectivo de privar as crianças dos seu alimentos e refeições diárias.” 39. A., através do endereço …@gmail.com, enviou a B., em 08/09/2021, mensagem de correio eletrónico do seguinte teor: “Como é do teu conhecimento eu não tenho, nem quero acesso aos emails da empresa até que assuma as minhas funções de Gerente. Mais informo que enviei vários emails a solicitar informações e até ao momento não recebi qualquer resposta aos mesmos.” 40. C., através do endereço …@gmail.com, enviou a B., em 22/11/2021, mensagem de correio electrónico com o assunto “RLVT_Renovação do Contrato de Desenvolvimento para o ano lectivo 2021/2022 343-Jardim Escola Vale Rosar, no qual reencaminha a mensagem de correio electrónico que recebeu da DSPEC - Direcção de Serviços do Ensino Particular e Cooperativo respeitante à renovação do contrato de desenvolvimento. 41. B., em 24/11/2021, respondeu, pelo mesmo meio, o seguinte: “Como bem te lembras, eu pedi-te as passes, e tu respondeste-me que não me davas. O que eu não entendo, dado que é algo que diz respeito ao Colégio e a A. tem que assinar tudo o que é feito e enviado. Eu tentei alterar, o teu nome para meu para assim assumir juntamente com a Diretora esse processo. Quando telefonei para saber como fazer, pediram-me as passes para poder substituir, como não colaboraste agora serás tu com a A., pois é a ela que compete fazer todo esse trabalho, como Diretora Pedagógica. Como és tu que ainda continua no contrato, terás que assumir em conjunto com a A..” 42. C. replicou, em 25/11/2021, o seguinte: “Eu sempre assinei como representante da Gerência e tinha procuração para o acto. Só com a gerência efectiva da A., poderei assumir essas funções como falado na última Assembleia Geral. Mais informo que no email que enviei tens toda a informação e documentação necessária para o efeito.” 43. Na sequência de email remetido por B., em 07/12/2021, dirigido a A., para o endereço larhotel@gmail.com, solicitando que validasse o pagamento dos subsídios de Natal, C. respondeu, em 10/12/2021, mensagem de correio electrónico com o seguinte teor: “Só vou validar as operações quando receber a nomeação da A. como gerente. Só os gerentes ou seus representantes, podem proceder a pagamentos. ” 44. B. enviou e-mail, em 16/12/2021, do seguinte teor: “(…) 1. No passado dia 07 de Dezembro, processei e validei junto do Banco, os procedimentos necessários para pagamento dos valores correspondentes aos Subsídios de Natal, 2. Ou seja, fi-lo muito a tempo de os valores em causa serem transferidos para as respectivas contas. 3. Verifica-se no entanto que, como a maioria de Vós tem conhecimento, a Dona A., Directora Pedagógica do Colégio, é igualmente sócia da sociedade "F & R, Lda", sendo que, por vontade exclusiva dela, renunciou há algum tempo à gerência. 4. Tal facto originou que desde então eu sou a única Gerente da Sociedade. 5. No entanto e porque a sociedade se obriga perante o banco com duas assinaturas, para que os pagamentos pudessem ter sido efectuados, tornava-se necessário a validação por parte da Dona A., ou do seu Procurador, o Sr. C.. 6. Lamentavelmente e não pensando no prejuízo que causava ás trabalhadoras e colaboradoras do Colégio e da mesma forma, tendo um procedimento claramente intencional de prejudicar o bom funcionamento da empresa, a Dona A., através do seu procurador, Sr. C., entendeu não validar as transferências que eu havia processado no passado dia 07 de Dezembro, 7. Impossibilitando dessa forma que os pagamentos que eu havia tentado fazer dia 07 de Dezembro, pudessem ser processados, 8. Mas mais, não contentes com essa situação e porque a conta do Colégio é da sociedade e como tal a Dona A. e o seu procurador têm acesso e podem movimentar a mesma, bloquearam-me qualquer movimento na referida conta, 9. Graças a esta situação, apenas ontem me foi possível desbloquear e ultrapassar os obstáculos criados pela Dona A. e pelo seu procurador, por forma a que os subsídios pudessem ser finalmente pagos. Devo ainda esclarecer que não me intimidam, quaisquer acções por parte das trabalhadoras, ou colaboradoras do Colégio, nomeadamente quando afirmam que estão, ou estariam, na disponibilidade de se deslocarem à ACT para apresentarem queixa sobre eventuais atrasos nos pagamentos. Penso mesmo que o deverão fazer se tal voltar a suceder, pois que, da minha parte e naquilo que é de minha responsabilidade, os procedimentos, assim como o cumprimento dos procedimentos legais, serão sempre cumpridos e realizados no devido tempo, agora, infelizmente, devo confessar, alguns deles não dependem apenas de mim. Logo, se eventualmente alguma queixa for efectuada junto da ACT, eu estarei sempre disponível para provar que, se algum impedimento, ou atraso se verificou, foi por culpa exclusiva da Dona A., enquanto sócia da sociedade e do seu procurador que claramente e desde há algum tempo vêm assumindo procedimentos e atitudes que claramente tendem a prejudicar o bom funcionamento da empresa, assim como prejudicam as trabalhadoras e colaboradores do Colégio, naqueles que são os seus direitos. Aliás, permito-me esclarecer que quer a Dona A., quer o seu procurador, Sr. C., não têm qualquer legitimidade para convocar reuniões de trabalhadores, ou darem qualquer directriz sem meu conhecimento e concordância, pois e para já, eu sou a única gerente da sociedade e qualquer decisão, ou esclarecimento, como aqueles que foram transmitidos pelo Sr. C. na última reunião que indevidamente convocou com as trabalhadoras do Colégio, não só são incorrectas, como não têm qualquer legitimidade ou justificação. Perante este esclarecimento, e pelo presente transmito que, toda e qualquer trabalhadora que abandone o seu posto de trabalho, como se verificou, sem que para tal tenha a devida justificação por parte da gerência do Colégio, ou seja, sem minha autorização, ou conhecimento, eventualmente terá de ser responsabilizada por esse mesmo abandono do posto de trabalho, assim como das consequências que advierem desse mesmo abandono. Não quero e espero que não entendam esta nota que aqui deixo como uma qualquer ameaça, ou coação sobre qualquer uma de Vós, nada disso. Poderão ver pelo que aqui afirmo que muito em tempo procedi para que os vossos subsídios fossem pagos em atempadamente, assim como sempre estive e estou, disponível para qualquer esclarecimento, ou para convosco falar, não posso no entanto aceitar, a bem do Colégio e principalmente das crianças a nosso cargo e responsabilidade que sem qualquer justificação, como foi o caso ocorrido, abandonem os Vossos postos de trabalho, para irem a uma reunião, indevidamente convocada por quem não tem legitimidade para tal e que, claramente, usa a Vossa boa fé, incluindo-vos num litígio que nada tem a ver convosco e que inclusivamente poderá colocar em risco o Vosso próprio posto de trabalho, pois de quem seria a responsabilidade se algo sucedesse a qualquer uma das crianças na Vossa ausência, senão a Vós mesmas??. Acredito que que entendem as justificações que aqui Vos presto, pois o respeito que tenho por todas Vós e pelo trabalho que desempenham, impede-me de aceitar ver que terceiros, estejam, por razões exclusivamente próprias e pessoais, a usar-vos num litígio que não é Vosso. (...)” 45. B. enviou email em 22/12/2021 para os endereços ….@gmail.com e A.@gmail.com. junto como documento 11 da contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual refere que “(...) quanto à afirmação de que existe falta de pagamento das refeições do colégio, devo informar-te, pois pelos vistos esqueces-te, ou pretendes alterar o que foi acordado, devo esclarecer que o apresentado de cerca de € 30.000,00 (trinta mil euros), está, como bem sabes, incorrecto. (...) Apenas e só se poderá aplicar o acordado relativamente aos meses de Outubro e Novembro e posteriormente, o presente mês de Dezembro. (...) Agradeço a correcção dos valores apresentados, tendo em consideração o acordo celebrado e as verbas definidas para crianças e adultos, devendo a correcção ser-me remetida para eu confirmar. (...) Posteriormente (...) deverá ser emitida fatura do valor correto a pagar (…).” 46. Em 23/12/2021, Botequim - Lar de Idosos, Lda., por carta subscrita por A., dirigida a F & R, Lda., comunicou o seguinte “Uma vez que se encontra há muito esgotado o prazo legal, para o pagamento das refeições fornecidas à Sociedade F & R, Lda. (Jardim Escola Vale Rosal) sem que tenha sido efectuado qualquer pagamento ao longo do corrente ano a dívida ascender a 32.724,00 (trinta e dois mil setecentos e vinte e quatro euros). Atendendo a que todas as diligências efectuadas junto da Dona B., para resolver a situação não obtiveram qualquer resultado. Somos forçados a interromper o fornecimento de refeições a partir da presente data.” 47. F & R, Lda., não procedeu ao pagamento das refeições conforme solicitado por Botequim - Lar de Idosos, Lda.. 48. Por força da suspensão do fornecimento de refeições a F & R, Lda., teve esta de passar a recorrer à encomenda de refeições a entidade externa. 49. No dia 08/01/2022, B. enviou o seguinte e-mail para os endereços A.@gmail.com e …@gmail.com: “Ontem, dia 07 de janeiro pelas 11h recebi contacto por parte do C. dizendo que a partir de próxima segunda-feira não iria ser servida refeição às crianças e funcionárias da F e R até que a A. volte a ser gerente da empresa F e R. Relembro, que já por diversas vezes, eu referi, que só na Assembleia Geral de 30 de Setembro de 2021, é que foi deliberado que a F e R iria começar a pagar a alimentação à Botequim. E os valores acordados nessa mesma AG foram de 3 euros por criança e 4 euros por adulto. Já solicitei várias vezes a retificação dos valores que até agora me têm sido enviados e solicitados para pagamento. Ainda não procedi a nenhum pagamento até ao dia de hoje, não recebi nenhuma retificação dos valores nem envio de fatura. Pelos mapas de presença que me foram entregues referente ao mês de Outubro, houveram: - 1018 refeições de crianças; -134 de adultos. O que totaliza um valor de 3.590,00 euros. Em anexo envio o comprovativo de pagamento de 2.000,00 euros. Amanhã será realizada transferência do restante valor. Fico aguardar o envio da fatura/recibo deste mesmo valor. (...)” 50. C., em representação de A., enviou a B., a carta datada de 19/01/2022, que esta recebeu no mesmo dia, com o assunto “Regularização da gerência da sociedade F & R, Lda. ”, na qual se requer: “(...) a convocação de uma Assembleia Geral face à atual deficiente representação da sociedade por força do contrato social, sendo necessária a regularização da gerência (…).” 51. C., em Março de 2022, reduziu o caudal da água disponibilizada ao colégio através da sociedade Botequim - Lar de Idosos, Lda., e desligou parcialmente o quadro eléctrico. 52. Na sequência do fecho parcial do abastecimento de água, as casas de banho do colégio ficaram sem água fria e sem caudal suficiente. 53. C. encerrou, ainda, a porta que dá acesso à cozinha, situada no lar de idosos adjacente, impedindo, assim, o acesso de F & R, Lda., à cozinha do edifício. 54. Após a prolação da sentença nos presentes autos, em 02/09/2022, que nomeou a requerente como gerente da sociedade requerida, a requerente e o seu marido marcaram reunião com todos os trabalhadores da sociedade, na qual lhes deram conhecimento da nomeação de A. como gerente. 55. A sociedade F & R, Lda., continuou a exercer a sua actividade comercial após a renúncia à gerência por parte de A., havendo B. assumido, por si, como gerente em funções, o rumo da sociedade. 56. No relatório de gestão de F & R, Lda., referente ao ano de 2021, datado de 31 de Março de 2022 e assinado por A. e B., foi feito constar o seguinte: “1. No Exercício de 2021 a empresa teve um resultado muito positivo. 2. Para o exercício de 2021 esperamos a continuação da melhoria do negócio. 3. Propomos que o resultado do exercício traduzido num lucro de €23.819,09 (...) seja levado a resultados transitados.” 57. Nos últimos anos, cresceu o número de crianças inscritas no Colégio/Jardim de Infância explorado pela sociedade F & R Lda.. 58. A requerente A. tem bacharelato em educação de infância e exerceu o cargo de directora pedagógica desde a constituição da sociedade até ao despedimento com invocação de justa causa em 15 Julho de 2022, tendo sido reintegrada por sentença de 27/10/2023, proferida no processo a que se alude em 27) e 28). 59. A. justificou a decisão de renunciar à gerência com a existência de conflitos entre as sócias e a pretensão de nomear como gerente único o seu marido C. e fundamentou a decisão de levar a registo a sua renúncia, após a revogação da renúncia por parte de B., com receio de responsabilização pelos actos por esta praticados. * Não se provaram os seguintes factos: a. que as duas sócias A. e B. houvessem acordado renunciar em simultâneo à gerência; b. que A. nunca foi gerente de facto da sociedade requerida; c. que a requerente haja consentido na actuação de C. descrita em 51); d. que a requerente haja actuado em conluio com A. na actuação descrita em 53); e. que, a partir da data da reunião referida em 54), tudo quanto fosse instruções dadas pela sócia gerente B., ou até pela Directora Pedagógica do Colégio então em funções, eram de imediato contestadas ou postas em causa, sem justificação plausível, pela requerente; f. que, a partir dessa data, a requerente e o seu marido, alegadamente na qualidade de procurador da mesma, passaram a frequentar diariamente as instalações da Requerida, não com a intenção de desenvolver algum trabalho benéfico para a sociedade, mas apenas para contrariarem todas as decisões ou instruções tomadas ou dadas pela sócia gerente B., independentemente de serem ou não em prol do desenvolvimento e bem estar da sociedade; g. que a requerente e o seu marido já chegaram a exigir que determinada mesa lhes fosse atribuída no refeitório onde as crianças e trabalhadoras da sociedade tomam diariamente as suas refeições, apesar de a mesma estar a ser usada por crianças ou trabalhadoras, apenas porque aquela seria a mesa onde habitualmente tomam as refeições; h. que a Requerente se imiscui diversas vezes no trabalho da actual Directora Pedagógica, assim como das Educadoras e Auxiliares, desautorizando-as e opondo-se ao modo como as mesmas fazem o seu trabalho, esquecendo-se que existe um plano pedagógico delineado e sem apresentar justificações válidas para contrariar esse mesmo plano de trabalho; i. que enquanto ainda era Directora Pedagógica e já depois de ter renunciado à gerência, a requerente incumpriu sistematicamente as instruções que lhe eram dadas pela sócia gerente B., de modo a criar conflitos com a gerente em funções e exigindo sempre ser nomeada novamente para a gerência; j. que requerente A. muitas das vezes dizia à sócia B. que só cumpriria determinada instrução se fosse novamente nomeada gerente, sempre com o intuito de persuadir a sócia B.. B) Da impugnação da decisão de facto 1. Dispõe o art. 640º, nº 1 do CPC que, pretendendo o recorrente a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto em sede de recurso, sob pena de rejeição sobre ele recai o ónus de delimitar o objeto e o sentido da sua pretensão recursiva especificando: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…). A estes requisitos, específicos da impugnação da decisão de facto, acresce o ónus de sintetização previsto pelo art. 639º, nº 1 do CPC, através da indicação, em sede de conclusões de recurso, dos pontos de facto cuja alteração o recorrente requer. A impugnação da decisão de facto pode ter como objeto: a convicção ou juízo fáctico que o tribunal recorrido formou sobre os factos que descreveu, quando o recorrente lhe imputa de erro de julgamento (de facto); a violação de regra de direito probatório material, quando o recorrente invoca erro de direito na sua elaboração; a seleção dos factos operada pelo tribunal recorrido, quando o recorrente os reputa de insuficientes à apreciação de mérito face ao alegado pelas partes e/ou discutido nos autos. Não abrange o juízo de direito com que o tribunal operou o enquadramento legal dos factos provados e fundamentou o sentido da decisão recorrida, que enquadra no erro de julgamento de direito, nem visa a motivação da convicção do julgador, cuja censura é instrumental à impugnação da decisão de facto e resultado por esta visado. Acresce que só releva apreciar a impugnação da decisão de facto quando a matéria dela objeto seja essencial, relevante ou pertinente à decisão de mérito na qualidade de factos concretizadores dos pressupostos constitutivos do pedido, da defesa excetiva ou da impugnação motivada (quando seja suscetível de conferir distinta valoração aos factos fundamento do pedido), por contraposição com os factos de natureza instrumental que, conforme da própria designação resulta, apenas relevam para fundamentar raciocínios lógicos-indutivos que concluam ou não pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da exceção, tarefa que tem o seu lugar próprio na valoração ou julgamento da matéria de facto. Nesse sentido, acórdão da Relação de Lisboa de 26.09.2019: Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)[1]. Por outro lado, diversamente do que sucede na jurisdição contenciosa, nos processos de jurisdição voluntária vigora o princípio do inquisitório em toda a linha[2], pela que a impugnação pode abranger factos essenciais não alegados pelas partes nos respetivos articulados mas que tenham resultado da instrução e discussão da causa e relevem na resolução da questão a dirimir. “O inquisitório neste tipo de processos significa que o juiz pode ir além das partes e a equidade refere-se à decisão substantiva, podendo o juiz aqui optar fundamentadamente por uma solução que não respeitando o rigor do direito substantivo satisfaça mais cabalmente os interesses em jogo.”[3] Prevê-se no nº 4 do art. 607º do CPC que o juiz compatibiliza toda a matéria de facto adquirida e extrai dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, e acrescenta o nº 5 que O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. O princípio da livre apreciação da prova – por contraposição com o sistema da prova legal, caraterizado por regras, medidas ou critérios legais de avaliação - não significa julgamento arbitrário e insindicável do juiz, mas sim o resultado da apreciação crítica e analítica dos meios de prova concretamente produzidos, designadamente, das narrativas testemunhais, conjugando-as per si, entre si, e/ou com outros meios de prova de distinta natureza, e por recurso à lógica e às regras da experiência comum, deles extraindo juízos valorativos e/ou conclusivos de facto - face à impossibilidade de reconstituição natural da realidade -, com indicação dos fundamentos condutores e determinantes dos raciocínios lógico-indutivos e dedutivos subjacentes a cada julgamento de facto. O que vale por dizer que o sistema da prova livre não corresponde a convicção pessoal, emotiva ou subjetiva, mas a convicção motivada e formada na prova produzida e nas regras da lógica e da experiência comum, correspondendo estas a realidades que, pela sua habitualidade, definem um “standard” de prova de natureza objetiva passível de sindicância, mas sem prejuízo da abertura do julgador para a exceção que, para além dos quadros mentais que a regra tende a definir/padronizar, resulte concretamente demonstrada. Nas palavras de Luis Pires de Sousa, “[e]ste standard consubstancia-se em duas regras fundamentais: (i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.//Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.//Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis.//(…) para que um enunciado sobre os factos possa ser escolhido como a versão relativamente melhor é necessário que, além de ser mais provável que as demais versões, tal enunciado em si mesmo seja mais provável que a sua negação. Ou seja, é necessário que a versão positiva de um facto seja em si mesma mais provável que a versão negativa simétrica.”[4] Conforme vertido no acórdão da Relação do Porto de 05.02.2018[5] (apud acórdão de 19.12.2012 da mesma Relação), “[o] princípio da livre apreciação da prova, que alicerça o julgamento da matéria de facto, sustenta-se em critérios racionais e objetivos, em juízos de ilações e inferências razoáveis, mas sempre de mera probabilidade e conduz a um juízo positivo de prova quando, em face dos instrumentos disponíveis, do seu conteúdo, consistência e harmonia, se afigure aceitável à consciência de um cidadão medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada já se possa ter como efetivamente assumida, devendo a avaliação dos depoimentos das testemunhas ser realizada de acordo com o princípio enunciado no artigo 396º do Código Civil, assentando em dois polos, via de regra; de um lado, na razão de ciência evidenciada (artigo 516º, n.º 1, do CPC); do outro, no maior ou menor afastamento (ou comprometimento pessoal) que, com a controvérsia em discussão, se afigure existir (artigo 513º, n.º 1, final, do CPC); sendo estes fatores que, além do mais, permitem escrutinar o nível da credibilidade que lhes pode ser conferido.” Finalmente, “[a]través dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostre acessíveis”, “no pressuposto, certeiro, de que só assim fica assegurado o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise.”[6] Sem prejuízo, porém, da perceção que a imediação em 1ª instância proporciona, designadamente, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, para a qual e para além do concreto conteúdo e sentido objetivo do que é dito, concorrem particularidades de difícil reprodução, descrição ou explicitação em sede de motivação, tais como hesitações, gestos, expressões faciais, às quais apenas a reprodução vídeo permitiria aceder em 2ª instância. Feita esta contextualização - dos requisitos, âmbito e regras na apreciação da impugnação da decisão de facto - cumpre a esta instância verificar se existem fundamentos que alicercem a censura que a recorrente dirige à decisão de facto da sentença recorrida, o que significa, “reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado”, que inclui sanar deficiente ou lacunosa descrição da matéria de facto “a partir dos elementos que constem do processo ou da gravação.”[7] Tarefa que se cumpre por recurso à valoração da prova documental e pessoal produzida nos autos e relevante ao julgamento dos factos que permanecem controvertidos, não estando a Relação “limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (…).[8]”. 2. A recorrente restringiu a imputação de erro de julgamento ao facto descrito sob a al. a) dos factos não provados, que requer seja julgado provado, e indicou os meios de prova que no seu entender suportam esse resultado. Nesta parte surge delimitado o objeto da impugnação e o resultado por ela pretendido, e cumprida a indicação dos meios probatórios e a valoração que a recorrente deles faz. Mais deu cumprimento ao ónus previsto pelo al. a) do nº 2 do preceito em referência através da localização das passagens da gravação onde constam registados os depoimentos que invocam por recurso ao momento temporal em que foram prestados. Mostram-se assim cumpridos todos os requisitos processuais da impugnação à matéria de facto, pelo que nada obsta ao seu conhecimento, atividade a que se procede pautada pelas regras e critérios que supra se expuseram. O tribunal justificou a ausência de convicção positiva sobre o facto em questão nos seguintes termos: “Relativamente ao facto dado não provado em a), a resposta negativa resultou da contradição entre as declarações de parte prestadas por B., por um lado, e por A., por outro, sendo esta acompanhada pelo depoimento da testemunha C., seu marido e, a determinado momento, procurador de uma e/ou das duas gerentes. Apesar dos esforços realizados na produção de prova, não foi possível ultrapassar a contradição em causa. Aliás, por tudo o relatado pelas depoentes e pela referida testemunha, considerando as datas das declarações de renúncia (próximas, mas não coincidentes) atenta a experiência comum, que também há que relevar na decisão de facto, não é de crer que a renúncia à gerência houvesse provindo de acordo entre as sócias.” A recorrente fundamenta o resultado oposto que requer nas declarações que prestou por determinação ex officio do tribunal recorrido, e nas declarações prestadas por B. e por C., marido da primeira e irmão da segunda. Mais invocou os factos aqui provados e descritos sob os pontos 6º, 30º e 31º, o facto descrito sob o ponto 38º da sentença proferida na ação nº3/21.1T8BRR, e as regras de experiência comum, estas no pressuposto de que as sócias não “iriam renunciar à gerência sem saber que chegariam a bom porto no que concerne à gestão da sociedade”, ‘bom porto’ que a recorrente identifica com a nomeação de C. para o cargo, e porque por vontade de ambas já havia sido constituído procurador da sociedade requerida. Alega que o seu depoimento é convergente e coerente com o prestado pelo seu marido, C., e que com eles converge também o depoimento da gerente, B.. Na perspetiva da recorrente esta declarou que acordou com aqueles a renúncia à gerência e a realização de assembleia geral para nomeação de C. como único gerente mas, “após debater com outras pessoas sobre o assunto, conforme refere nas suas declarações de parte, prestadas na audiência de julgamento de 28.02.2024 (vide minuto 16h04 das mesmas), mudou a sua opinião, mas sem nunca informar a Apelante ou C. até ao momento em que anunciou a revogação à renúncia.” Ouvidos na íntegra os referidos depoimentos confirma-se que, até onde a recorrente conseguiu responder de forma clara e esclarecida às perguntas que lhe foram feitas, o seu depoimento foi totalmente convergente com o do seu marido, C. que, como dos depoimentos de ambos manifestamente resulta, foi sempre quem, na condução dos destinos e da evolução da atividade da sociedade requerida, tomou todas as iniciativas e decisões, pelo menos, ao nível da gestão financeira, no âmbito dos financiamentos e investimentos a realizar, e que explica a ausência de conhecimento próprio da recorrente nestas matérias, revelada pela vaguidade e imprecisão de muitas das suas respostas. Porém, tal convergência – e imprecisão - não reflete senão a justaposição e acomodação da vontade da recorrente à vontade do seu marido, que resultou evidente das declarações prestadas por ambos e é reforçado pelo facto descrito em 43.[9], mas que não tem a virtualidade de conferir fiabilidade à sua versão em detrimento da versão apresentada pela gerente B., e muito menos de confirmar a correspondência entre o que declararam e a realidade dos factos, mais concretamente, a vontade que imputam a B. como subjacente à sua declaração de renúncia do cargo de gerente, no sentido de o ter feito de comum acordo com a sua cunhada e o seu irmão com vista à nomeação deste como único gerente. Antes reflete o interesse comum do casal que, conforme consta do ponto 59, era a nomeação de C. como gerente único da requerida – de facto e de direito - e, gorado esse propósito pela falta de adesão da sócia B., o interesse comum daqueles no resultado da presente ação, de nomeação da recorrente para a restituir ao cargo de gerente de direito da sociedade requerida e, como resultou manifesto das declarações por ambos prestados, restituir C. ao status quo que nela sempre beneficiou e está convicto de que ainda beneficia por direito. Juízo que sem esforço interpretativo se extrai das suas declarações e que se passam a descrever pela relevância do que delas se extrai na apreciação do presente recurso: Assim, em sede de identificação e aos costumes C. declarou ter trabalhado no Ministério da Administração Interna e encontrar-se na situação de reformado; colabora com a sociedade desde que ela existe no apoio direto a ambas as sócias e que o fez pelo facto de se tratarem de familiares; não tem nenhum litígio com a sociedade mas esta tem para consigo dívidas de suprimentos que ele e a recorrente fizeram à sociedade nos últimos 20 anos, no valor de cerca de €300.000,00, “ou mais”, que já em 2003 pediu para lhe serem pagos no âmbito de uma assembleia geral (que disse corresponder à ata nº9) e formalmente através de uma carta. Sobre os factos em discussão declarou não ser verdade que C. é gerente desde a constituição posto que só o é desde 2005 e porque assim o exigiu o marido desta como condição para um financiamento à sociedade; que a recorrente – à qual se referiu como Dona A. - era gerente ativa em todos os aspetos, o que justificou com o facto de ter sido sempre ela quem assumiu todo o processo educativo perante o Ministério da educação e tratava de toda a documentação, das férias e da gestão de pessoal, com o seu apoio (da testemunha) na parte burocrática e nas relações com a Segurança Social e o Ministério da Educação, e que assim foi até a recorrente se ‘demitir’ em 2020; o processamento dos salários era feito diretamente pela contabilista e os pagamentos eram feitos por ele porque “a Dona A. me deu esses privilégios junto do Banco”, para o que tinha uma procuração, primeiro apenas da Dona A. e, a partir de 2005, das duas gerentes. Mais declarou que em 2008 abriram o Lar e a B. resolveu que só queria trabalhar no Lar e, só quando houve a ‘destituição’, é que esta passou a praticar atos de gestão na sociedade requerida (nesta parte, descrição em total sintonia com o declarado por B.); que os conflitos começaram em 2003 quando B. não quis continuar a injetar dinheiro para continuar as obras – referiu que eram necessárias porque estava tudo velho, abriam novas escolas, e “começamos a perder clientes”; alertado para o facto de terem decorridos muitos anos desde 2003 até 2020, a testemunha acrescentou que o problema se agudizou porque se foi protelando e que sempre que foi pedido à B. que acompanhasse nos suprimentos e no apoio à empresa não fez uma nem outra coisa, e a partir daí a B. votava contra tudo, acrescentando “contra tudo o que a A. propusesse”, que a empresa estava com ‘capitais completamente desequilibrados’ e com o Covid ficou pior porque as empresas com capitais próprios negativos não podiam concorrer a auxílios; que numa altura em que a recorrente já não era gerente a B. pagou os salários mas os subsídios de férias disse que não ia pagar, “e eu não ia permitir isso” e, “mais uma vez nesse momento fui eu que tive que por dinheiro para pagar os subsídios de férias”; que “é falso que a A. virou as costas à empresa com a pandemia porque concorreu aos financiamentos, foi tudo tratado por ela”, foi ele e a recorrente quem tratou das candidaturas aos apoios Covid porque a B. disse que não ia assinar nada, “fui eu que organizei o processo, a A. instruiu, assinou, e conseguimos receber esse apoio, e ainda está a receber desse apoio”; que ele tinha ficado encarregue de ir ao Banco e a B. disse que tinha que falar com o advogado e no dia seguinte ela apareceu “e disse ‘ah espera aí’ rasurou a assinatura dela, e perdeu-se esse financiamento”, “já se tinha perdido um outro financiamento que eu tinha pedido para energia fotovoltaica.” Mais à frente declarou que quem consta no Ministério da Educação é a A. e, ele, como representante da empresa, que disse à B. que não podia continuar a fazer essas funções porque não estava mandatado para o fazer, que esta contactou o Ministério da Educação para tentar resolver a situação mas que lhe responderam que até à retificação do alvará – através da indicação da B. como representante – era a A. quem tinha que ratificar, “eu próprio digo à Dona A. para não o fazer porque se não é gerente não pode cumprir essas funções.” À pergunta se a partir da decisão do tribunal (de nomeação da recorrente como gerente que foi revogada por acórdão deste coletivo) passou a frequentar as instalações do colégio para contrariar as instruções de B., respondeu “Isso é completamente falso! Eu sempre fiz, faço e vou continuar a fazer porque é um direito que assiste quer à Dona A., quer a mim, a sociedade foi feita por nós os três, foi constituída por nós os três, e tem sido gerida por nós os três, durante 27 anos, só nos últimos 4 anos é que não foi assim. Continuo a entrar, continuo a tomar as minhas refeições no mesmo local onde tomo há 27 anos. É o mesmo procedimento. Continua a comer no mesmo local onde como há 27 anos. Foi sempre onde eu comi, não admito que a usem enquanto eu lá estiver.”. Perguntado sobre o que mudou nas sociedades (a requerida e a sociedade titular do Lar) para além da renúncia da recorrente à gerência da F & R, C. respondeu que “Houve uma alteração radical, que foi o afastamento da Dona A., quando a gerência era feita pelos três.”; questionado sobre a situação da ausência de aprovação das contas da sociedade requerida a partir do exercício de 2019 disse que “as contas da sociedade não estão aprovadas porque a B. não aceita as suas propostas”; perguntado quais eram essas propostas referiu “que sejam regularizados os débitos da (à) Dona A.”, altura em que acrescentou que “foi a partir do momento em que ‘elas’ se desentenderam que passou a cobrar ordenado pelo trabalho que faz.” Terminadas as instâncias das partes, questionado pela Srª juiz sobre como acha que se vão resolver estas situações (de conflitos e impasses) se a requerente vier a ser nomeada gerente da sociedade, respondeu que “Deixa de haver uma divisão entre o pessoal, mais antigos e mais novos, traz mais estabilidade às diretivas da empresa, de quais são os objetivos que se quer para a sociedade, eu ando há anos a exigir isso, e nunca foi feito, e a verdade é que a B. não apresentou um plano de contas”, e que essa “é a única possibilidade que a sociedade tem para não insolver.” Destes segmentos que, de um modo geral, correspondem ao tom e sentido do depoimento prestado por C. – assim como do facto de sequer figurar na constituição da sociedade requerida -, resulta evidente qual a sua atitude e (pre)disposição relativamente a esta, não sendo demais afirmar que se assume como seu ‘dono’ e com aspiração ao domínio, pelo menos, da gestão financeira e do desenvolvimento da sua atividade ao nível das decisões sobre financiamentos e investimentos, mas também quanto ao livre acesso e circulação nas instalações afetas à sua atividade e utilização de espaços da mesma a que se arroga como sendo um direito que lhe assiste, esquecendo em absoluto que não é sócio nem gerente da sociedade. Ou seja, comporta-se como se a gestão/dos destinos da F & R lhe pertencesse ou convicto de que esta lhe pertence ou deve pertencer, convicção que assenta numa prática de domínio e controlo com que se assumiu na sociedade requerida e que lhe foi autorizada e/ou aceite pelas sócias e gerentes da mesma, até 2020 pela sua irmã, até hoje pela recorrente, sua mulher. Particularmente relevante para o ponto de facto ora em questão, mais declarou que em 2020 C. só quis saber das contas e entendeu aconselhar-se e que só nessa altura é que ela viu qual era a situação da empresa e começou a levantar problemas, “até assinou as atas todas de rajada - não sei porquê, e eu nunca mais vi o livro de atas.”; que “a situação estava como estava, e foi por isso que a A. renunciou”, e “eu injetava capital na empresa, mas para isso tinha que ficar com quota da sociedade, e nessa situação era completamente impossível gerir a empresa”, a despesa que havia naquele momento já ia ascender a €50.000,00, “elas concordaram em renunciar à gerência e depois davam-me a gerência a mim para conseguir financiamentos e salvar a empresa daquela situação”, “nessa altura a B. já estava com advogado, houve várias negociações, mas depois ela fez ao contrário.” Porém, contrariamente ao que sucedeu na descrição de outras vicissitudes, que pormenorizou, sobre o alegado acordo de C. (na renúncia de ambas as gerentes da sociedade requerida para que ele fosse nomeado gerente) limitou-se a afirmar apenas isso mesmo, sem qualquer descrição circunstanciada sobre o momento, lugar, e concretas circunstâncias em que foi e expressamente declarado por cada um deles; particularmente, e porque qualquer acordo pressupõe aceitação nesse sentido, em que foi como tal declarado e expressamente assumido/aceite por B.. Por sua vez, pela sócia e gerente C. foi dito que estava emigrada quando lhe foi proposto integrar a sociedade, que a empresa começou de raiz e ela entrou com dinheiro, e depois de regressar a Portugal, em 2000, limitou-se a trabalhar sem nada questionar porque confiava a 100% ‘neles’, que quando C. se reformou este quis afastá-la da sociedade, que este a confrontava apenas com pedidos para assinar isto ou assinar aquilo, e que em 2019 começaram os desentendimentos e ela entendeu que devia sair e procurou um advogado para a ajudar a chegar a um valor justo para sair da sociedade, que a partir de 2020 pediu informações sobre as contas, que propôs vender (a sua parte) e não aceitaram, que propôs cada um ficar com uma sociedade (ela com a requerida, titular do Colégio, e os seus irmão e cunhada com o Botequim, titular do Lar), também não aceitaram, que após várias reuniões com ‘eles’ e o seu advogado este transmitiu-lhe que as discussões estavam a tomar proporções que não eram a área dele, que se sentiu ‘perdida’ e enviou a carta de renúncia à gerência e que o seu irmão a chamou e lhe apresentou um documento como se ela estivesse estado numa reunião, numa assembleia, em que ela e a sua cunhada renunciavam e ficava ele como gerente a ganhar €2.000,00, com o que ela não concordou, discordância que reiterou quando novamente questionada a respeito, negando perentoriamente o dito acordo e referindo novamente que foi o seu irmão quem lhe apresentou aquele documento para assinar – acrescentando a possibilidade de nesse momento estar apenas o seu irmão porque era nesses momentos que este aproveitava para a pressionar -, e que depois disso falou com o seu advogado e outras pessoas e ficou mais inteirada sobre a dinâmica de uma empresa, de uma sociedade e resolveu dar sem efeito a sua renúncia à gerência. Finalmente, oficiosamente determinada a sua inquirição, a recorrente declarou que desde 1992 foi sempre Diretora Pedagógica das duas valências do Colégio da sociedade requerida (creche e jardim de infância), que começou a haver conflitos entre as sócias (conflitos que não concretizou ou especificou), que “o ‘gerente’ tinha uma procuração de nós as duas”, que numa assembleia ficou acordado que renunciávamos à gerência e ficava o Sr. C., “penso que se falou, acertamos fazer um documento com os advogados para ficar assim estipulado”. Perguntada sobre os motivos da sua renúncia à gerência, declarou que existiam “vários conflitos, várias coisas a nível monetário e nós achávamos que ia ser outra pessoa a gerir”, e que estavam ambas de acordo que a outra pessoa era o seu marido. Perguntada porque razão procedeu ao registo da sua renúncia em dezembro de 2020 depois de saber que a sua cunhada havia assumido a gerência da sociedade requerida, respondeu “Acho que tinha a ver ali com um processo que estávamos a ter de empréstimo, e foi depois ali uma situação que se opôs, a B. já não aceitou que eu voltasse, foi uma confusão muito grande. Foi mesmo por qualquer apoio que ‘queriam’ fazer ao nível bancário e a B. não estava a aceitar outra vez a minha nomeação e foi talvez para não haver consequências para mim, penso…” Resposta vaga e imprecisa, a denunciar que o que quer que se tenha decidido ou ocorrido na sociedade a respeito de um financiamento não passou por si e teve conhecimento (vago) por outra pessoa, e que não foi ela quem tomou a iniciativa e decisão de proceder ao registo da sua renúncia posto que demonstrou não estar cabalmente por dentro da situação que motivou a iniciativa desse ato. Ato (de registo, aliás, legítimo) que, na ausência de prova desinteressada e fiável, é tão compatível com o propósito de evitar a responsabilização da recorrente por terceiros com fundamento em atos praticados pela gerente B. - como a recorrente anuiu que sim a ‘pergunta com resposta’ que nesse mesmo sentido lhe foi colocada a instâncias do seu mandatário -, como é igualmente compatível com eventual intenção de causar perturbação no exercício da gestão singular da sociedade (pela gerente B.) pelo facto de no registo constar apenas uma gerente quando dele também consta que a sociedade se obriga com a assinatura de dois gerentes. Neste contexto, para além da ausência de produção de outra prova sobre o alegado acordo, que se restringe às declarações dos que nisso revelaram interesse direto, acresce a inverosimilhança da alegada aceitação da sócia B. na nomeação do seu irmão como único gerente da sociedade, precisamente, num momento da vida da sociedade em que, como ambos afirmaram, aquela quis inteirar-se das contas e viu qual era a situação da empresa e, nas palavras de C., começou a levantar problemas. Contexto que, por referência ao critério do ‘standard’ de prova a que supra se aludiu, confere mais probabilidade positiva à versão apresentada por B. do que à versão apresentada nos autos pela recorrente e que foi corroborada apenas por quem, de facto, se revelou tão (ou mais) interessado do que esta no resultado da presente ação. Mais carece de racionalidade lógica argumentar que o mais provável é que a vontade de B. fosse de nomeação de C. para o cargo por ser essa a única forma de sair da gerência sem conflito posto que colide frontalmente com o que os autos manifestam – a expressa oposição da sócia B. à nomeação da recorrente ou de C. para a gerência –, além de que no contexto societário por ambos relatado em audiência - de capitais próprios negativos e de falta de entendimento e consenso a respeito da injeção de dinheiro e de financiamento da sociedade, e de negociações para resolução do conflito com assessoria de uma das partes por advogado e apresentação e rejeição de propostas apresentadas por cada uma das partes –, as renúncias sucessivamente apresentadas por cada uma das gerentes também é teoricamente compatível com a possibilidade de cada uma delas, por via dos constrangimentos e/ou dos efeitos que eventualmente assumissem que iria causar[10], cada uma delas pretender pressionar a outra a ceder e a aceitar as soluções que reciprocamente apresentaram e que foram reciprocamente recusadas. Finalmente, as procurações conferidas a C. reforçam a versão dos factos apresentada por B. – de quebra da confiança que depositava no seu irmão e cunhada a partir de 2019 - na medida em que a ultima procuração subscrita pelas duas gerentes foi em 2015 e em janeiro de 2020 foi subscrita apenas pela recorrente (apenas na qualidade de sócia). O que torna ainda mais inverosímil a alegada aceitação de B. na nomeação do seu irmão como gerente único. Quanto ao facto dado como provado na ação 3/21.1T8BRR sob o ponto 38[11], se a recorrente pretendia fosse aqui considerado deveria ter diligenciado pela sua prova no âmbito destes autos através da junção de documento processual e materialmente apto para o efeito, que o não é a decisão de facto de sentença proferida no âmbito de um outro processo, como infra se analisa. 3. Na indicação do objeto do recurso (ponto I) a recorrente mais alegou que “foram por si alegados e demonstrados outros factos para além daqueles que resultaram como provados da decisão recorrida” (ponto 4 da motivação), o que sugere a pretensão de requerer a ampliação da decisão de facto com fundamento na sua insuficiência para a apreciação do mérito da ação. Por pertinente ao caso relembra-se que, nos termos da al. c) do nº 1 do art 640º do CPC, a impugnação da decisão de facto pressupõe a especificação da decisão que pretende seja proferida sobre a questão de facto objeto da impugnação, e o seu incumprimento, nas elucidativas palavras de Abrantes Geraldes[12], impõe a rejeição da impugnação por “e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação; e por f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam alguns dos elementos referidos.” Fazendo referência aos objetivos propostos pelo legislador no contexto histórico da introdução de um efetivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto, acrescenta o ilustre autor que o ónus imposto às partes e a consequência que do seu incumprimento resulta, corresponde a [u]ma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Mais acrescentando, e citando o legislador do Decreto Lei nº 39/95 de 15.02, que “este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processual, assegurando, em ultima análise, a seriedade do próprio recurso intentado”. “Os aspetos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição do objeto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de factos em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados) e com assunção clara do resultado pretendido.” [13]. 3.1. Na alegação dos fundamentos do recurso (ponto II), sob a epígrafe “Do facto não considerado que impõe decisão diversa” (ponto II, B.) a recorrente alega que do facto descrito sob o ponto 74 da decisão de facto das sentenças juntas com a contestação (docs. 1 e 2) resulta que a recorrente procedeu ao registo da sua renúncia à gerência em dezembro de 2020 por recear pelas condutas praticadas pela gerente B. entre agosto e dezembro de 2020. Com esse fundamento requer seja incluído na matéria de facto provada que: "A inscrição no registo comercial da renúncia à gerência da requerente (meses depois) em momento em que já era conhecida a revogação da renúncia por parte da outra gerente justifica-se pelo facto de a requerente recear que lhe fossem imputadas responsabilidades pelos atos de gestão praticados por B. ". Nesta parte a pretensão da recorrente ou, mais precisamente, o fundamento documental em que a suporta, suscita a questão do valor ou da eficácia extra-processual da decisão de facto que integra a sentença, da sua oponibilidade fora do processo onde esta foi proferida. Como se sabe, o objeto ou âmbito do caso julgado está em evidente conexão com o objeto do processo que, de acordo com a teoria da substanciação, é dualmente integrado e identificado pela pretensão manifestada pelo pedido (efeito jurídico) e pela concreta causa de pedir que factualmente o fundamenta e individualiza (facto jurídico), concorrendo um com o outro para delimitarem o objeto da sentença e, assim, o âmbito do caso julgado. Sem prejuízo de, nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[14], o caso julgado incidir sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos, atingindo estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão, o caso julgado forma-se diretamente sobre o pedido ou efeito jurídico pretendido pelo autor, e não se estende aos fundamentos da decisão – “Apesar de o juiz dever resolver na sentença todas as questões que as partes tenham suscitado (…), só constituirá caso julgado a resposta final dada à pretensão concretizada no pedido e coada através da causa de pedir.” “O caso julgado só se forma, em princípio, sobre a decisão proferida quanto aos bens ou direitos materiais em causa, e não sobre a motivação. (…).//(…) o caso julgado deverá formar-se pelo menos até onde se contenha a resposta do tribunal ao pedido do autor, excluídos os antecedentes lógicos essa resposta – isto é, os juízos preliminares sobre pontos de facto e de direito em que o tribunal a motivou.” O que vale por dizer que “[p]ode haver – e haverá no comum das sentenças – muitos julgamentos, quer sobre matéria de facto, quer sobre questões de direito que, por não estarem compreendidos na decisão final, embora integrem os seus fundamentos, não são abrangidos pela eficácia do caso julgado.” [15] Assim, e contrariamente ao pressuposto pela recorrente, a lei nega a autonomização da decisão de facto da sentença transitada em julgado para efeitos de aquisição do valor de caso julgado ou de meio de prova, nega eficácia extra processual ao resultado do julgamento de facto operado no âmbito de outras ações[16]. A decisão de facto vale e tem eficácia jurídica apenas no concreto processo em que foi produzida. No dizer de Castro Mendes e Teixeira de Sousa, “O objeto do caso julgado é a decisão referente ao pedido, não cada uma das suas premissas de facto ou de direito. O caso julgado não se estende a cada uma dessas premissas, quando consideradas de forma isolada e separada da decisão, pois que não é possível desligar esses fundamentos da respetiva decisão e atribuir-lhes a indiscutibilidade própria do caso julgado.”[17] Como é referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2005[18], “transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.” Do exposto decorre que a decisão de facto proferida no âmbito de uma sentença não constitui meio de prova – positiva ou negativa - dos factos nela descritos[19]. A eficácia extra processual está legalmente prevista apenas para os meios de prova produzidos no âmbito de um determinado processo contra quem nele foi parte, nos termos previstos pelo art. 421º, nº 1 do CPC, e já não para o julgamento ou resultado da sua valoração. Conforme é referido no aresto citado, “[n]ão pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.” Os factos positivos a considerar em cada ação são os que nela foram demonstrados, sendo legalmente inadmissível importar para uma ação o substrato factual julgado provado em sentença proferida numa outra ação, seja para fundamentar a decisão de facto, o raciocínio lógico-dedutivo subjacente à motivação da mesma, ou o enquadramento normativo que sobre ela cumpre operar em sede de julgamento de direito da ação. Com o que nesta parte se conclui pela ausência de indicação de meio de prova que fundamente a ampliação requerida e, assim, pela improcedência da mesma. 3.2. Sob a epígrafe “Da disponibilidade da apelante para o exercício do cargo” (ponto II, C.) a recorrente refere que a recorrida alegou nos autos que (a recorrente) nunca foi gerente de facto da sociedade requerida para alegar que a prova produzida demonstra o contrário e que foi B. que nunca exerceu a gerência de facto antes de agosto de 2020. Em suporte dessa alegação indica declarações prestadas pelas testemunhas C., T. (mãe de um ex-aluno do Colégio entre 1993 e 2005), R. funcionária de 1998 a setembro de 2023), e P. (funcionária de 1993 a outubro de 2023), e por B., referindo que por esta foi declarado que depois de ter regressado da Suíça (em 2000) não praticou nenhum ato de gestão, da qual disse não estar sequer inteirada, e que só em 2020 assumiu funções como gerente da requerida; e mais procedeu à transcrição de factos descritos nas sentenças proferidas nos processos nº3/21.1T8BRR e nº2712/20.3T8BRR. Com fundamento nuns e outros elementos a recorrente foi consignando que deles resulta que desde a constituição da empresa até 2020 a gerência da sociedade requerida foi desempenhada por si e pelo seu marido C., este com base nas procurações que lhe foram conferidas, e que continuou a assumir responsabilidades como gerente mesmo depois de ter renunciado ao cargo. Relembra-se antes de mais, que, como foi oportunamente salientado pela Srª juiz a quo em sede de audiência e reiterou na sentença, nos presentes autos não está em causa a nomeação (nem a destituição) de B. para o cargo de gerente da sociedade requerida, pelo que não relevam os factos que esta nela tenha ou não praticado (nessa ou outra qualidade). Conforme peticionado pela recorrente, em causa está a sua ‘recondução’ para o cargo, pelo que é a sua atuação que para o efeito releva apreciar. A este respeito a recorrente não especificou, identificou ou descreveu os factos que pretendia ver aditados à decisão de facto. Com efeito, na sequência da transcrição e referência a declarações prestadas em audiência e a factos julgados provados nas sentenças que invoca e das considerações que sobre os mesmos faz, limitou-se a concluir pela sua disponibilidade para o cargo para refutar o juízo oposto com que a sentença recorrida concluiu sobre esse requisito da nomeação judicial para órgão social, e a tecer considerações de direito para refutar o que a este respeito a decisão recorrida argumentou com fundamento nas procurações conferidas pela gerência e pela recorrente ao marido desta (de ser previsível que, sendo nomeada gerente, a recorrente volte a conferir procuração ao seu marido para a prática de atos de gerência). Ora, para além do que supra se expôs sobre o valor processual das decisões de facto proferidas no âmbito de outras ações entre os que aqui interessados, as menções a ‘exercício de facto’, ‘desempenho’ e ‘disponibilidade para a gerência’ não correspondem a factos nem concretizam qualquer factualidade, limitam-se a identificar ou a enunciar questão de facto relevante por recurso a conceitos normativos, mas cuja apreciação e verificação no caso concreto carece de ser feita por recurso a factos reais suscetíveis de os preencher. O exercício de facto do cargo de gerente/administrador pressupõe a prática de concretos atos materiais característicos do exercício de poderes de direção e de gestão da sociedade, praticados com autonomia decisória e de forma constante, pelo que só pelo conhecimento e descrição da concreta atividade e dos termos em que é concretamente exercida permite concluir pela sua qualificação ou não como atos de administração, qualificação que tem o seu lugar próprio em sede de aplicação do direito aos factos, e não em sede de decisão de facto, que não comporta o resultado da apreciação e do enquadramento normativo dos factos, mas tão só o resultado da valoração da prova da qual resulte o substrato factual a considerar; máxime quando aquela qualidade constitui questão essencial determinante do resultado da ação para a parte que a invoca e/ou para a parte contra a qual é invocada. Em síntese, o julgamento e a decisão de facto não são o momento processualmente próprio para a resolução de questões de direito fundamento da ação, como urge ser o exercício de facto do cargo de gerente. Com o que nesta parte se conclui pela ausência de indicação de factos concretizadores do pedido de ampliação da decisão de facto e, assim, pela improcedência do mesmo. 3.3. Sob a epígrafe “Da disponibilidade da apelante para a prossecução do interesse social” (ponto II, C.) a recorrente remete para o que alegou em fundamento do pedido de litigância de má-fé da opoente B. - que "o litigio teve inicio na necessidade de capitalizar a sociedade através de suprimentos dos sócios, face à situação dos capitais próprio negativos, capitalização essa que vem sendo sistematicamente recusada por B. menos desde 2004" –, e alega que esta origem do conflito resulta dos depoimentos convergentes, seu e de C., e de factos julgados provados nas sentenças proferidas nos processos já identificados e juntas com a contestação, e que destes elementos decorre a sua disponibilidade durante mais de 20 anos ou desde a constituição da sociedade para a prossecução do interesse social da sociedade, inclusivamente, para capitalizar a sociedade se necessário for, e que a sócia B. se recusa a capitalizar a sociedade desde 2004, com o que conclui que tem sido a apelante quem se tem mostrado sempre disponível para a prossecução do interesse social da sociedade, inclusive através do necessário apoio financeiro, e que “[m]al andou, pois, a sentença recorrida, ao julgar improcedente a presente acção por entender, com base nas presunções que foram ilididas nos termos supra descritos, que "por falta de disponibilidade e por não adequada à prossecução do interesse social não ser a requerente pessoa idónea para ser nomeada gerente da requerida." Vale aqui o já exposto sobre a fiabilidade da convergência do depoimento da recorrente e do seu marido C. e sobre o valor das decisões de facto de outras sentenças na decisão de facto que aqui cumpre proferir, que dispensamos reproduzir. Acresce que, nos termos em que a recorrente alega e invoca o conjunto de factos que parece pretender sejam aditados à decisão de facto (posto que não o peticiona expressamente e outros factos não descreve) - que se resumem a existência de conflito entre os interessados na sociedade requerida gerado pelo facto de os capitais próprios desta serem negativos e B. se recusar a prestar suprimentos à sociedade -, para além da ausência de demonstração da premissa de que parte - verificação de capitais próprios negativos, que não consta documentada nos autos -, a questão de facto invocada respeita e pressupõe a qualidade de sócio, não a qualidade de gerente, sendo que é a aptidão e a disponibilidade para o exercício deste cargo que está em causa. Termos em que, por irrelevante ao mérito da ação, se indefere o pretendido aditamento à decisão de facto e se conclui pela total improcedência da impugnação a esta dirigida. 4. Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, prevê o art. 662º do CPC que, 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Da conjugação dos arts. 662º nº 1 e 2, al. c) e 663º, nº 2 do CPC resulta que os poderes cognitivos da Relação em matéria de julgamento de facto abrangem o poder-dever de proceder ex offício a ampliação da matéria de facto necessária ou pertinente à boa decisão do mérito da causa caso do processo constem elementos que o permitam. Nesse sentido, considerando que este recurso respeita a processo de jurisdição voluntária e que nestes o tribunal pode recolher as informações convenientes (art. 986º, nº 2 do CPC) e decretar a medida que julgue mais conveniente e oportuna às circunstâncias da situação que é chamado a dirimir ou a regular, e mais considerando que foram prestadas declarações por quem é e por quem se manifestou com interesse direto no resultado da presente ação e que, no termo das mesmas, a Srª juiz mais questionou cada um deles sobre como perspetivam a resolução da situação da sociedade face ao impasse em que se nela encontram – de ausência de acordo para alteração do pacto social quanto à forma de obrigar a sociedade ou para nomeação do segundo gerente -, para além da oportuna consideração, em sede de enquadramento jurídico, da atividade processual descrita no relatório, por pertinente ao enquadramento do substrato pessoal inicial da sociedade requerida amplia-se a redação conferida ao ponto 1 da decisão de facto para passar a constar nos seguintes termos (cfr. contrato de sociedade junto com a petição): 1. F & R, Lda., pessoa colectiva n.º …., com sede no Rua …, Charneca da Caparica, ... Charneca da Caparica, tem por objecto social a exploração de jardim infantil e foi constituída por escritura pública inscrita na Conservatória do Registo Comercial, outorgada em 12.02.1992 entre D. (solteiro) e A. (casada sob o regime de comunhão de adquiridos com C.), esta por si e na qualidade de procuradora de B. (solteira), pela qual declararam que o primeiro outorgante, a segunda e a sua representada celebram entre si um contrato de sociedade comercial por quotas que se vai reger nos termos dos artigos seguintes: Primeiro (..).//Segundo – (…).// Terceiro – O capital social é de novecentos mil escudos, integralmente realizado em dinheiro já entrado na caixa social e corresponde à soma de três quotas iguais no valor de trezentos mil escudos cada uma pertencentes a cada sócio, D., A. e B..//Quarto – Um – A gerência da sociedade, remunerada ou não conforme for deliberado em Assembleia Geral, pertence a todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes.// (…). IV - Fundamentação de Direito 1. Consigna-se que, até onde o objeto do presente recurso o justifica, reproduz-se parcialmente a fundamentação de direito exposta no acórdão inicial que este coletivo proferiu nos autos (atinente com o enquadramento jurídico-processual da ação para nomeação de titular de órgão social). No contexto da realidade dinâmica da vida de uma sociedade comercial - que apela a providências que não se adequam ou compadecem com a tramitação do processo comum -, a lei previu mecanismos judiciais simplificados e céleres com o objetivo de, com o mínimo de ingerência nos desígnios e vida interna da sociedade, desmobilizar situações de pontual boicote, estrangulamento ou de impasse gerados no âmbito das relações privadas que nela se geram, e suscetíveis de paralisar o regular exercício de direitos sociais ou da própria sociedade. Mecanismos que o legislador integrou no âmbito dos processos de jurisdição voluntária que, como é consabido e expressamente resulta dos arts. 986º a 988º do CPC, caracterizam-se pelo inquisitório, pela liberdade e oficiosidade instrutória, e pela modificabilidade das decisões adotadas, sem que o julgador esteja vinculado à observância rigorosa do direito aplicável ou às soluções apresentadas pelas partes, podendo proferir a decisão que julgue mais conveniente e oportuna, em detrimento da legalidade estrita. Demarca-se de forma evidente da jurisdição contenciosa, essencialmente caracterizada pelo princípio do dispositivo, com os ónus preclusivos que para as partes e com as limitações que para o poder-dever de conhecimento do tribunal dele resultam. Sob a epígrafe “Nomeação judicial de titulares de órgãos sociais” prevê o art. 1053º do CPC, no nº 1, que “Nos casos em que a lei prevê a nomeação judicial de titulares de órgãos sociais, ou de representantes comuns dos contitulares de participação social, deve o requerente justificar o pedido de nomeação e indicar a pessoa que reputa idónea para o exercício do cargo.” e, no nº 2, que “Antes de proceder à nomeação, o tribunal pode colher as informações convenientes, e, respeitando o pedido a sociedade cujo órgão de administração esteja em funcionamento, deve este ser ouvido.” Sobre este concreto procedimento anotam A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa que “A nomeação judicial constitui um meio rápido e expedito para a resolução imediata do impasse decorrente de a representação da sociedade não se encontrar assegurada, sendo uma solução provisória, até que os sócios ou acionistas consigam resolver o conflito pelas vias normais: nomeação de um novo gerente por deliberação ou alteração da cláusula societária que exige a vinculação através de uma gerência plural (STJ 18-06-19, 3145/17, que confirmou RC 15-1-19, e RP 1-2-11, 302/10).”[20] Nestes autos o objeto do processo corresponde à nomeação de administrador para sanação de irregularidade do órgão de administração que, por falta de um ou mais administradores exigidos pelo pacto para representar a sociedade, se vê limitada ou constrangida na sua atuação no âmbito das relações jurídicas com terceiros. Como no acórdão de 02.05.2023 se avançou e surge confirmado pela matéria de facto descrita na sentença objeto do presente recurso, não obstante o pacto social da sociedade requerida exigir a intervenção da assinatura de dois gerentes para a obrigar, desde agosto de 2020 que se mantém a exercer a sua atividade e a prosseguir e a cumprir o escopo lucrativo da empresa com apenas um gerente formalmente no cargo[21], realidade que não é prejudicada pelo facto de se conceder que o é de forma irregular sendo que, como também naquela peça se referiu, em abstrato tal situação apenas seria suscetível de permitir à sociedade invocar a inoponibilidade, perante terceiros, dos atos com estes celebrados pela gerente em nome da sociedade com fundamento em ausência de poderes desta para, por si só, vincular a sociedade, mas que seria sempre sem prejuízo da tutela dos terceiros de boa fé (cfr. art. 260º do CSC). Porém, ainda que assim seja, desde já se avança que esse estado de coisas não retira oportunidade, utilidade e interesse no cumprimento do objeto imediato da presente ação, que é a de regularização do órgão de gestão, no caso, de acordo com o pacto estatutário em vigor na sociedade. Neste âmbito o tribunal recorrido emitiu juízo sobre a oportunidade da pretensão de nomeação judicial de administrador, concluindo acertadamente pela verificação dos pressupostos legais de que depende, questão que não mereceu qualquer impugnação e que, por isso, não integra o objeto da presente apreciação que, como supra se enunciou, se restringe à apreciação do pedido de nomeação da requerente para o cargo e, caso não resulte prejudicado, se ao tribunal se impõe nomear outrem para o cargo. 2. Do pedido de nomeação da requerente para o cargo de gerente Prevê o nº 1 do art. 1053º do CPC que “… deve o requerente justificar o pedido de nomeação e indicar a pessoa que reputa idónea para o exercício do cargo.” A sindicância da idoneidade para o cargo de gerente é feita por referência aos deveres fundamentais a que o gerente da sociedade está adstrito (cfr. art. 64º do CSC) e implica avaliar parâmetros de competência técnica, disponibilidade, incompatibilidades, e independência. Referindo-se ao enquadramento a considerar pelo tribunal na nomeação de titulares de órgãos sociais, José Ferreira Gomes elucida que “a sociedade comercial dá forma jurídica a um projeto empresarial dos sócios e é um mecanismo institucionalizado de gestão de conflitos de interesses entre estes, pelo que as pessoas a nomear têm de ser idóneas para cumprir o seu papel neste contexto, demonstrando ter competência técnica e disponibilidade, não estarem sujeitas a incompatibilidades e cumprirem os demais critérios aplicáveis, incluído os de independência”[22]. Como já foi dito nos autos por este coletivo, e aqui se reitera, para justificar ou demonstrar a sua idoneidade para o cargo a requerente limitou-se invocar o seu desempenho no dito órgão desde a constituição da sociedade até à sua renúncia. Absteve-se no entanto de concretizar esse desempenho através da alegação da atividade por si concretamente realizada no exercício da gestão e da representação da recorrente e os resultados que à mesma imputa no cumprimento do objeto social da sociedade e do respetivo natural escopo lucrativo – de maior ou menor eficiência dos recursos ‘produtivos’ da sociedade, de maior ou menor aviamento e faturação, de maior ou menor perceção de rendimentos, de maior ou menor volume de gastos ou de despesas, etc. Como também ali se referiu, aqueles requisitos não são demonstrados pelo simples facto de a recorrente ter mantido aquela qualidade desde a constituição da sociedade, circunstância que, por si só, não revela se a gerência de direito era acompanhada da gerência de facto e/ou em que termos era exercida. Com a referida limitação factual, na apreciação daqueles parâmetros a sentença recorrida atendeu ao facto de a recorrente ter a formação de educadora de infância e exercer na sociedade o cargo de diretora pedagógica desde a constituição da sociedade (até ao despedimento com invocação de justa causa em 15 Julho de 2022, tendo sido reintegrada por sentença de 27.10.2023), considerou a dimensão, o cariz familiar[23] e o objeto social da sociedade, e concluiu que a formação académica na área da atividade explorada pela empresa confere à requerente competência técnica para assumir o cargo de gerente. Mais considerou que ao longo do período em que assumiu a gerência a requerente conferiu procuração ao seu marido para a prática de extensos atos de gerência, primeiro em 1998 e novamente em 2015, e em janeiro de 2020 constituiu-o procurador para, em sua representação, exercer os seus direitos sociais e, com base neste facto, entendeu que ao delegar a prática de extensos poderes de gerência a um terceiro à sociedade a requerente afasta-se do destino da sociedade e que é previsível que, sendo nomeada gerente, volte a conferir procuração ao seu marido para a prática de atos de gerência, probabilidade que considerou reforçada pela pretensão de que este fosse nomeado único gerente da sociedade, e concluiu pela ausência de demonstração de disponibilidade da requerente para o exercício do cargo. A recorrente opõe que a gerência foi de facto exercida quase exclusivamente por si durante mais de 20 anos e que isso foi confirmado por declarações prestadas nestes autos, cujo teor transcreveu: de C., designadamente, que “A partir desse momento [em que lhe foi conferida procuração pelas gerentes] continuou a ser como era antes. A Dona A. tratava de todo o processo burocrático que tinha respeito da sociedade e de orientação quer do pessoal, quer de compras, quer de gestão corrente da escola. Eu colaborava com a Dona A. como tinha feito até aí.”; de T., mãe de aluno que frequentou o colégio de 1993 a 2005, que à resposta sobre quem fazia a gestão do colégio, disse que era a A., com quem sempre falou, “Quando havia alguma questão do meu filho ou em geral de organizações de passeios, de atividades da escola, alguma dúvida que eu tivesse, era sempre à A. que eu me dirigia.”; de R., funcionária da sociedade entre 1998 e 2023, e P., funcionária entre 1993 e 2023 que, às perguntas “quando tinha questões para resolver, com quem é que discutia todos os seus problemas laborais? No fundo quem é que era a gerência para resolver?” e com quem falavam a respeito de “questões relacionadas com férias ou salários, pagamentos de salários”, responderam a Dona A., à pergunta “…aquela reunião em 2008... A reunião que a Sra. referiu que houve uma situação em que a empresa estava com dificuldades e houve a necessidade de realmente reduzir ordenados? - aí sim, temos um ato verdadeiro de gestão (…)" foi dito que “Foi só o Sr. C. e a Dona A. e o resto da equipa que estava...", e à pergunta “quem resolveu todos os seus problemas, cada vez que tinha problemas nesse período, foi a A., foi o Sr. C.?”, foi assentido de que eram os dois; de B., designadamente, à pergunta sobre quem estava à frente da sociedade – quem contratava e despedia funcionários e fazia contratos com os pais das crianças (desde a constituição até 2003, ano em que o colégio mudou de instalações) - respondeu que “eram eles”, “eu nunca tive contacto com nada dessas coisas”, “eu confiava a 100%. Não pus nada em causa. Se eles estavam, durante aqueles anos todos, eram eles que estavam, eu confiei plenamente nas coisas.”, e sobre como se passou a fazer a partir de 2003, respondeu que “Aí nós fizemos, tínhamos a secretaria, passei a fazer a organização de todas as pastas (…). Eu assumi essa responsabilidade. De faturas, de recebimentos, tanto recebia ela como eu, mas eu cheguei a começar a fazer a faturação das crianças, todas as pastas, com toda a documentação...", "O processamento dos salários sempre foi feito pela contabilidade. Nós apenas dávamos a folha com os dados das pessoas, dos dias de falta, dos dias de férias. Mas depois os pagamentos sempre foram feitos pelo meu irmão. Isso nunca me deram.” Adianta-se que, ainda que sem total adesão, no essencial acolhe-se a avaliação realizada pelo tribunal e o resultado que dela retirou, exceto quanto ao risco de a requerente conferir novamente procuração ao seu marido para a prática de atos de gestão, posto que a representação legalmente admissível por procuração não é do gerente, mas sim do órgão da gerência e, por isso, seria nula ou ineficaz; e exceto quanto à assunção da competência técnica que presumiu assistir à requerente para a gestão da sociedade que, como presunção de princípio (que extraiu da conjugação da habilitação académica da requerente, cargo funcional por ela desempenhado desde a constituição da sociedade, objeto social e dimensão desta, e do que é a realidade da grande maioria das pequenas e médias empresas no País), foi infirmada pelos termos em que a gerência da sociedade vinha sendo exercida e foi revelado pelas declarações da própria requerente e do seu marido C. das quais, conforme se consignou em sede de apreciação da impugnação à decisão de facto e factos/declarações que à mesma foram aditados pela Relação (pontos 60 a 64), resultou que é este, e não a requerente, quem chama a si, forma e domina a vontade da sociedade, pelo menos no âmbito dos investimentos, da gestão financeira e da gestão corrente de tesouraria em função do que ele próprio – e não as gerentes - entende ser o melhor para a sociedade. Avocação que, no que respeita à requerente, estende aos deveres desta como sócia – indiciada pela não aprovação das contas dos exercícios de 2020 e seguintes da sociedades por ausência de aceitação, pela gerente em funções, das exigências de C. -, e aos deveres da requerente como diretora pedagógica - indiciada pelo facto de a requerente não ter assinado a renovação do contrato de desenvolvimento do colégio para o ano letivo 2021/2022 porque o seu marido lhe disse para se abster de o fazer. Em síntese, das declarações destes, nessa parte confirmadas por B., resultou que é o marido da requerente quem detém o domínio de facto sobre a condução da situação patrimonial da sociedade e foi através das decisões e atuações deste que aquelas ‘exerceram’ o cargo de gerentes para o qual foram designadas no pacto social (relativamente à opoente, até agosto janeiro de 2020), sentido com o qual, no contexto da motivação do julgamento de facto e da motivação do julgamento de direito da sentença recorrida, se impõe interpretar o segmento da sentença que a recorrente invoca nas suas alegações - “é sócia da sociedade desde a data da sua constituição e exerceu o cargo de gerente desde essa data até ao momento em que renunciou à gerência.” De resto, foi a própria recorrente quem no requerimento do incidente de litigância de má fé salientou facto que foi dado como provado na sentença proferida na ação que instaurou para destituição da opoente B. – “5. Todavia, é C., irmão da ré B. e marido da autora, quem desde o início exerce a gerência de facto.” – e que para esclarecimento do mesmo acrescentou que “até 06.02.2015 a Requerente sempre exerceu a gerência de facto juntamente com o seu marido C.”.[24], assumindo assim que, pelo menos a partir da outorga da procuração naquela data, não mais assumiu as funções de gestão e de representação do cargo de gerente em que foi formalmente investida. Neste âmbito – exercício de atos de administração da sociedade pela recorrente - a insistente alegação desta e, em alguma medida, a avaliação do tribunal recorrido, incorrem num erro de princípio, que é de confundir o papel do administrador da sociedade com as funções da diretora pedagógica que a recorrente, na qualidade de educadora de infância, assumiu no estabelecimento de ensino de que aquela é titular e explora no âmbito do objeto da atividade lucrativa para a qual foi constituída e a que se dedica. Conforme se prevê no art. 252º, nº 1 do CSC, a administração concentra-se na dupla atividade de administrar e de representar a sociedade, conceitos aos quais correspondem atos e funções distintas, ainda que incindíveis na prática de determinados atos. Por recurso à síntese de Ricardo Costa e Carolina Cunha, “[a] administração em sentido amplo compreende: a) a administração gestionária, relativa à prática (decisão e execução) dos atos necessários e convenientes à realização do objeto social (dirigida à consecução do escopo lucrativo), em esp. implicada pela exploração da empresa social, nos termos previstos no art. 259º (onde se inclui a execução de deliberações lícitas os sócios sobre a esfera de poderes próprios da gerência); b) a administração técnica ou organizativa, respeitante à organização e funcionamento da própria sociedade, seja no que toca à gerência em si mesma, seja na relação com os outros órgãos (e respetivos membros) da SQ; c) a representação orgânica em nome da sociedade perante outros sujeitos (os gerentes ligados à sociedade por um “nexo de organicidade”); seja nas relações internas (com o sócio ou sócios, o órgão de fiscalização e o ROC); seja nas relações com terceiros externos à sociedade; (…). A administração gestionária divide-se nos patamares de (i) “alta direção”, (ii) gestão extraordinária e (iii) gestão corrente (onde se incluem os “atos de mero expediente”).[25] Em síntese, é administrador de facto quem participa na “gestão estratégica e global da sociedade”[26] o que pressupõe a prática de concretos atos materiais característicos do exercício dos referidos poderes de direção da sociedade, praticados com autonomia decisória e de forma constante (de tal forma que “é a atividade que cria o administrador de facto”). A atividade exercida pela sociedade é regulada pelo Decreto Lei nº 152/2013 de 04.11, que aprovou o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior e que impõe como requisito para a concessão de autorização como estabelecimento de ensino a existência de uma direção pedagógica designada pela entidade titular dessa autorização. Órgão ou entidade que, nos termos do art. 41º daquele diploma, e na complexidade relacional em que se materializa a função educativa escolar, tem como competências, designadamente: a) Representar a escola junto do Ministério da Educação e Ciência em todos os assuntos de natureza pedagógica;//b) Planificar e superintender nas atividades curriculares e culturais;//c) Promover o cumprimento dos planos e programas de estudos;//d) Velar pela qualidade do ensino;//e) Zelar pela educação e disciplina dos alunos. A título de exemplo, planificar e superintender as atividades curriculares e culturais e promover o cumprimento dos planos de estudo implica, logicamente, poder de decisão na planificação e gestão das férias, folgas e faltas dos docentes e dos auxiliares da ação educativa, bem como planificar e promover a aquisição dos materiais didáticos e outros, designadamente, para assegurar as refeições de alunos e funcionários; velar pela qualidade de ensino implica zelar pela verificação das condições dos docentes para o exercício da docência (arts. 43º e 45º daquele diploma); zelar pela educação e disciplina dos alunos implica interagir, comunicar, com os respetivos encarregados de educação. Competências que identificam este profissional como representante da instituição escola perante o Ministério da Educação, alunos e encarregados de educação, perante os quais é responsável pelo cumprimento do projeto educativo, e por causa das quais o seu papel na escola é qualificado como de “líder” ou “maestro”. Como com pertinência ao caso é sintetizado por Ana Patrícia Marques Salgado[27], salientando a importância do trabalho de cooperação e de coordenação entre a administração e a direção pedagógica, “De acordo com Barnard (1971, p.94) «a organização é um sistema de atividades ou forças de duas ou mais pessoas conscientes coordenadas.» (…). É neste seguimento que afirmamos que o Diretor Pedagógico desempenha diversas funções no seu quotidiano e que é permeado de muito trabalho que nem sempre se encontra descrito nas suas responsabilidades e atribuições.” (subl. nosso) Nesta linha, externamente as funções de um diretor pedagógico poderão aparentar-se com atos de administração da entidade titular do estabelecimento de ensino - máxime nas áreas em que as testemunhas arroladas pela recorrente afirmaram a intervenção desta na escola, ao nível das relações entre o estabelecimento de ensino e os funcionários (professores e auxiliares de ação educativa), alunos, e respetivos encarregados de educação -, mas o certo é que não se confundem nem a esta se sobrepõe. A direção da sociedade, designadamente e logo à cabeça, ao nível da angariação e manutenção dos recursos logísticos, humanos e materiais necessários ao exercício da atividade, e da orçamentação, angariação e gestão dos recursos financeiros para o efeito necessários, bem como da gestão das disponibilidades de tesouraria e dos pagamentos, ainda que em diálogo e colaboração reciproca com a direção pedagógica, são da competência da administração/gerência. Matérias que se enquadram na gestão estratégica e global da sociedade, das quais depende a instalação e exploração da empresa estabelecimento de ensino, e relativamente às quais a requerente se mostrou alheada – designadamente, pelas respostas vagas, imprecisas e de conteúdo pouco percetível que deu sobre questões de financiamento da sociedade quando quis referir a causa dos conflitos com a sócia e gerente B. -, sendo certo que nessas matérias também não foi referida qualquer participação e intervenção da requerente para além da outorga da procuração ao seu marido. Contexto factual que, contrariamente ao que a sentença recorrida concluiu, não permite presumir a capacidade técnica da requerente para assumir o exercício da gerência da sociedade. De todo o exposto mais resulta a ausência de demonstração de disponibilidade e de independência da requerente para o exercício do cargo posto que, numa confusão entre relações de família e relações societárias[28], para além de conjuntamente com a outra gerente ter conferido poderes de representação da sociedade ao seu marido (que, sob pena de nulidade, a lei apenas permite para atos ou categoria concreta de atos[29]), contrariando preceitos legais imperativos e inderrogáveis (arts. 252º, nº 4, 5 e 6 e 261º, nº 2 o CSC[30]), mais delegou naquele o poder de iniciativa e de decisão em matérias estratégicas da sociedade, como o são (pelo menos) a gestão de relações patrimoniais da sociedade e do financiamento da atividade desta, bem como a liberdade de atuar em nome da sociedade de acordo com essas mesmas decisões, o que espelha a convicção manifestada pela requerente, de que o seu marido seria a pessoa mais indicada para o cargo, e o desejo de que o mesmo fosse nomeado seu único gerente; status quo que as declarações de ambos revelaram permanecer atual, sendo certo que, não sendo sócio nem gerente da sociedade, aquele vínculo conjugal não retira a C. a qualidade de terceiro estranho à mesma. Como é referido por Alexandre Soveral Martins, “temos entendido que a qualificação de alguém como administrador de facto não pode constituir um prémio ou um benefício do grande infrator: o administrador de facto não é, por isso, um membro de um órgão da sociedade. Não se trata, a nosso ver, de reconhecer, mas sim de sancionar. E de sancionar tanto o que atua como administrador de facto, como a sociedade que aceitou essa atuação ou, pelo menos, a tolerou.”[31] Censura que se justifica pelo caráter pessoal e intransmissível da gerência. “As funções de gerente devem ser exercidas a título pessoal e não por intermédio de outro sujeito.” Ainda no sentido da rejeição da prática e da consolidação de realidades de gestão como a manifestada nestes autos, com a pertinência das palavras de Coutinho de Abreu “(a) Frequentemente, todos os sócios são designados gerentes nos estatutos. Mesmo quando se sabe à partida que alguns deles (com outras profissões) não vão exercer, de facto, a gerência (…). O que, além de disfuncional, pode acarretar consequências inesperadas em matéria de responsabilidade: alguém que aceita ser gerente (ainda que não executivo) tem deveres cujo incumprimento pode levar à responsabilização (civil, tributária).//(b) Os sócios só devem ser designados gerentes quando tenham competência e disponibilidade para exercer o cargo. (…).”[32] No âmbito da idoneidade - e independentemente de ser ou não consequência do exercício da gerência da sociedade pela recorrente por intermédio dos desígnios do seu cônjuge -, no cômputo do já exposto também não é de desprezar o exarado na ata da assembleia de sócios de 30.09.2021, na qual aquele teve intervenção em representação da recorrente (ponto 9 dos factos) e que, confrontado pela sócia B. com evidências de pagamentos pela sociedade de despesas particulares/da casa daquela sócia, “[a] estas questões, e valores, justificou o Sr. C. que constariam de um acordo particular entre as sócias que assim se procedesse, o que a D. B., veementemente contestou. Afirmou ainda o Sr. C. que durante ano de 2020, teria remetido um mail a solicitar informação sobre esses valores, com vista ao seu pagamento, por se tratarem de facto de despesas particulares, mas, uma vez mais, a D. B. afirmou não ter recebido qualquer mail nesse sentido, solicitando ao Sr. C. que apresentasse o indicado email, o que aquele se comprometeu fazer, assim como se comprometeu de igual forma a pagar as indicadas despesas, por se tratarem de despesas e encargos que são particulares e não da responsabilidade da sociedade.” Mais acresce o facto de a recorrente ter cessado voluntariamente o vínculo da gerência que tinha com a sociedade através da renúncia que apresentou ao cargo, sendo que não logrou demonstrar a causa que alegou para a justificar e que, como gestora – e relembrando que não é a nomeação de B. para o cargo que está em causa -, contra a requerente joga o facto público e notório de na altura o país atravessar grave situação sócio económica, transversal a vários sectores empresariais, que incluiu estabelecimentos educativos que foram encerrados, afetando os moldes em que empresas de vários sectores funcionavam e exerciam a sua atividade e impondo-lhes reorganizações e o acudir a situação de crise, inclusive na gestão dos recursos humanos e financeiros. De resto, ainda que o propósito da sua renúncia fosse o que alega, se nada obstou a que a gerente B. tenha dado sem efeito a sua renúncia à gerência e à aceitação dessa revogação pela recorrente, igual prorrogativa e possibilidade assistiria à recorrente de dar igualmente sem efeito a sua própria renúncia. Com o que se conclui pela não verificação, na pessoa da requerente-recorrente, dos parâmetros que justificariam e tornaria objetivamente aceitável a sua nomeação judicial para o cargo de gerente, e pela confirmação da sentença recorrida nessa parte. 3. Da situação de non liquet A recorrente mais se insurge contra o sentido da sentença recorrida na parte em que, a par com a decisão de não a nomear como gerente da sociedade, concluiu pela improcedência da ação, abstendo-se de proceder a nomeação de novo gerente à sociedade requerida, omissão que o tribunal recorrido fundamentou com o caráter excecional e provisório da nomeação judicial de gerente na medida em que este apenas subsistirá até à designação do gerente em falta através dos mecanismos estatutários ou legais e, prossegue, no caso a nomeação tornar-se-ia definitiva e assim contrária à lei porque perante o conflito existente entre as sócias e à igual proporção da participação de cada uma no capital social da sociedade, não é previsível que a curto ou a médio prazo se entendam na nomeação de gerente ou na alteração do pacto social para contemplar a vinculação da sociedade apenas com uma assinatura. Arrepiando caminho desde já se adianta que aquele resultado, de total improcedência da ação, está em contradição com os pressupostos de facto e de direito que o fundamentam na medida em que o não consentem. Ao invés, impunham ao tribunal que determinasse o prosseguimento da ação com vista à averiguação de terceiro a nomear para o cargo, eventualmente, se assim fosse entendido, precedida de prévia notificação formal das partes para indicação de outra pessoa a nomear (distinta da recorrente e do seu marido) sob pena de, na ausência de acordo, o tribunal diligenciar oficiosamente pela nomeação, por exemplo, por recurso às listas oficiais dos administradores judiciais ou solicitando a Associação profissional a indicação de possíveis candidatos, designadamente, à Ordem dos Economistas ou dos Revisores Oficiais de Contas, ou a Instituições de ensino superior que ministrem cursos nestas matérias, de gestão ou outras. Com efeito, a decisão de total improcedência do pedido de nomeação de gerente só teria cabimento processual e seria legítima se o tribunal tivesse concluído pela não verificação dos pressupostos da medida de nomeação judicial de gerente, o que não é o caso posto que há mais de 30 dias que a sociedade tem apenas um gerente e o pacto/estatutos da sociedade exigem que esta se vincule e seja representada por dois gerentes. Situação de facto que coloca a sociedade sob a alçada da tutela jurídica para que tende e está gizado o processo de jurisdição voluntária de nomeação judicial, sendo que é por referência à verificação dos requisitos de que legalmente depende a sua admissibilidade que esta constitui ou se caracteriza como medida excecional; medida que qualquer uma das sócias (ou a gerente em funções e nessa qualidade) teria e tem legitimidade para requerer. Com efeito, verificado aquele condicionalismo, é o impasse gerado pela equivalência das suas quotas e pelo conflito aberto entre as sócias que precisamente concretiza a justificação do pedido de nomeação judicial - porque inviabiliza a obtenção da maioria (simples) necessária à deliberação de nomeação de gerente, e a obtenção da maioria (qualificada) necessária à alteração do pacto, e a lei substantiva não prevê forma extra-judicial nem outra medida judicial para a regularização do que subsiste irregular e causa limitações e restrições ou garantias, não só à gerência da sociedade, mas também dos direitos dos sócios, que não pactuaram numa sociedade com gestão singular, o que, na ausência de alternativa legal ou estatutária, lhes confere o direito social à nomeação de outro gerente à sociedade para suprimento da falta definitiva e regularização do órgão de representação da sociedade conforme ao pacto. Com efeito, ao menos em abstrato, a gerência plural e, máxime, de exercício conjuntivo, assegura aos sócios um mecanismo de fiscalização interno ao próprio órgão de gestão através da sindicância que direta e imediatamente cada um dos gerentes está em condições de exercer sobre os propósitos, decisões e ações dos outros relativamente à condução da atividade da sociedade e gestão das suas relações patrimoniais. É neste contexto de facto e de direito que o tribunal pode e deve substituir a coletividade dos sócios, mas sem que tanto represente uma sobreposição de vontades posto que naquela não existe formada por ausência de maioria deliberativa que o permita. Tão pouco se trata de ‘fazer’ a vontade de alguns sócios em detrimento da vontade oposta de outro(s) sócio(s), posto que o que releva é a regularização da sociedade de acordo com os estatutos e/ou a lei, nem a nomeação de alguém em detrimento de outrem o será em benefício de um sócio em detrimento de outro, mas antes justificada pela melhor tutela do interesse social, bem como do interesse do sócio e/ou gerente requerente ou opoente de que assim seja. Quanto à provisoriedade da nomeação judicial, é-o efetivamente, mas não por referência à natureza cautelar da nomeação - posto que não é decretada como medida urgente necessária à prevenção de concretos danos e a vigorar até à decisão final de ação pendente ou a instaurar -, nem por referência a um qualquer prazo, que os arts. 1053º do CPC e 253º, nº 3 do CSC não preveem, o que sempre deixaria por determinar o que são o curto e/ou o médio prazo que a sentença recorrida assume como a duração legalmente pressuposta para a vigência da medida de nomeação judicial que fosse decretada. Como expressamente decorre do estabelecido no art. 253º, nº 3 do CSC, frustrada a formação da vontade da sociedade através do procedimento deliberativo próprio[33], o caráter provisório da nomeação judicial é-o por referência à subsequente alteração da situação de facto que a justificou e até que a mesma; ou seja, até à regularização da composição do órgão de gestão nos termos do contrato ou da lei, o que no caso passaria pela alteração do pacto social quanto à forma de obrigar a sociedade, ou pela nomeação de outro gerente por deliberação dos sócios. De qualquer uma delas resultaria a caducidade ope legis da nomeação judicial, no que se traduz o caráter provisório da mesma. Como é dito por A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa[34], a cujas anotações novamente se recorre, “[n]o que concerne à indicação da pessoa idónea para o exercício do cargo, a indicação feita pelo requerente não vincula o tribunal que, antes de proceder à nomeação, deve colher as informações convenientes (nº 2). Deste modo, incumbe ao tribunal a formulação de um juízo sobre a idoneidade do gerente indicado, a qual terá de ser aferida em função dos interesses em conflito. Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, nada obsta a que o tribunal se afaste da indicação do requerente, procedendo à nomeação da pessoa indicada pelo requerido ou de um terceiro.//(…).// Se não existir órgão de gestão em exercício, o tribunal procede à nomeação sem necessidade de ouvir seja quem for da sociedade (RP 26-6-01, 0120719), devendo promover as diligências que tiver por convenientes, as quais podem contemplar a produção da prova indicada pelo requerente (…).” Daqui resulta que, se o indicado pelo requerente não reunir condições para ser judicialmente nomeado tratando-se de processo de jurisdição voluntária, “o legislador dá ao tribunal poderes inquisitórios para «colher as informações convenientes”[35], o que encontra legitimação nos critérios de conveniência e de oportunidade que nos termos do art. 987º do CPC podem e, se for o caso, devem fundamentar as concretas providências a decretar no âmbito dos processos de jurisdição voluntária. Substituindo-se ao órgão deliberativo da sociedade na nomeação de administrador para integrar o órgão de administração, o tribunal, sob pena de incorrer em situação de non liquet (proibida pelos arts. 2º e 608º, nº 2 do CPC, 8º, nº 1 do CC, e 20º da CRP), terá que tomar a medida que lhe foi solicitada, o que no caso se traduz na regularização do órgão de administração da sociedade requerida e, esta, na nomeação de pessoa que o integre, diligenciando o necessário para o efeito. Nas palavras de José Ferreira Gomes, “[o] tribunal goza de um “acrescido inquisitório”, traduzido numa ampla margem de discricionariedade nas decisões sobre a prova a produzir e sobre a pessoa a nomear.[36] Inquisitório que, como também já se referiu, no cenário de conflito societário e de gestão manifestadas nos autos mais se impõe se atentarmos na probabilidade de a situação de impasse entre as sócias ser objetivamente apta a conferir ao gerente que por estes autos venha a ser nomeado um grau de longa permanência no cargo na medida em que a forma da sua superação pressupõe, precisamente, a resolução extra-judicial da situação de impasse que a determinou. Com o que nesta parte se conclui pela procedência do recurso e consequente revogação da decisão na parte em que julgou a ação improcedente que, como já se adiantou, se substitui por outra a determinar o prosseguimento da ação com vista à averiguação, avaliação e nomeação de terceiro aos aqui interessados para integrar o órgão de gerência da sociedade. Solução que, de resto, vai (ao menos parcialmente) ao encontro da solução que ambas as sócias, no contexto do conflito e do impasse a que determinou as suas vontades, entendem como a possível e a mais conveniente à condução da gestão e pacificação dos interesses subjacentes ao funcionamento da sociedade e dos que se destina a servir, designadamente, o superior interesse da estabilidade e ambiente propício e adequado a um estabelecimento de ensino. Posição e sentimento que encontra respaldo em avalizados entendimentos, como, entre outros, de Coutinho de Abreu – “Especialmente nas sociedades familiares, os gerentes não sócios facilitam a mediação nos conflitos entre interesses familiares e empresariais, e a não confusão do património da sociedade com o da família.”[37] Aos quais se junta uma nova perspetiva de mediação para uma melhor governação das empresas familiares com vista à preservação e passagem do seu valor no seio da família, analisada por Inês Neves – “A «difícil tarefa de articula a família, a propriedade (…) e a empresa (societária)» justifica a necessidade de a família empresária se servir, não só de estruturas de governação eficientes, como também de processos de legitimação das decisões, que garantam a transparência e a prestação de contas. Só assim se permitirá, de facto, «não só proteger a empresa para a família», mas também proteger a empresa perante a família».//(….)//E, por conseguinte, poderá, por vezes, tornar-se necessário um aparente «sobredimensionamento da dimensão material ou patrimonial» em detrimento da «dimensão familiar ou afetiva» - talvez até com recurso à expertise de terceiros – com o propósito de assegurar a realização daquele que é um sonho de todos, cuja concretização é, todavia, encarada, por esse todo, de forma distinta.”[38] Citando estudo realizado nesta área por David Smorgon OAM e Suart Moley, mais anota que percebemos que a família «não comunica com regularidade entre si sobre os aspetos relacionados com a melhoria, a preservação e a proteção da fortuna da família. (…). O resultado é invariavelmente existirem pessoas diferentes com expetativas e um sentimento de privilégio diferentes que, por sua vez dão origem a posições irredutíveis, invejas e potenciais conflitos.»[39] Descrição que retrata o contexto e ambiente sócio-familiar dos aqui interessados entre si e na relação com a sociedade e reforça o sentimento que os mesmos têm a respeito do caminho para a sua resolução favorável a todos, e que no estado atual das coisas passa pela inclusão, no órgão de gestão, de um terceiro estranho à família que, só por isso, em princípio reunirá condições de isenção e objetividade com a virtualidade de libertar a sociedade das afetações negativas que os aqui interessados manifestam entre si e transferem para o governo/desgoverno da mesma. 4. Da condenação da sócia gerente B. como litigante de má fé 4.1. Entre outros fundamentos que alegou no segundo incidente de litigância de má fé que suscitou nos autos (sendo que o primeiro foi em sede de contra-alegações no recurso da sentença que foi liminarmente proferida nos autos), mas que neste recurso deixou ‘cair’, a recorrente insiste[40] na condenação da gerente B. com fundamento no facto de na oposição esta ter alegado que enquanto titular de 50% do capital social da sociedade a recorrente não diligenciou pela regularização da gerência da sociedade durante dois anos, omitindo a carta que lhe foi entregue no dia 19.01.2023 a solicitar a convocatória de assembleia geral com essa ordem de trabalhos - “Regularização da gerência, ao abrigo do artigo 253º nº2 do Código das Sociedades Comerciais”. À apreciação do pedido com este fundamento obsta a exceção de caso julgado formado pelo acórdão de 02.05.2023 proferido nos autos que, conhecendo-o de mérito e com recurso aos elementos novamente invocados pela recorrente, julgou-o improcedente[41]. Razão pela qual dele não se conhece. 4.2. Mais insiste que a opoente alterou a verdade dos factos por si conhecida ao alegar que a recorrente nunca foi gerente de facto da sociedade requerida e que desde a sua constituição a gerência foi exercida de facto pelo seu marido (arts. 8º e 9º da oposição), sendo que a própria sentença recorrida considerou que "foram várias as testemunhas que atestaram a circunstância de A., ao longo dos anos, e apesar das procurações a favor de C., praticar actos como contratação de trabalhadores, pagamento de vencimentos, organização de férias, gestão de folgas, orientação do pessoal, representação da sociedade junto do Ministério da Educação e da Segurança Social.", que "Também em declarações de parte B. afirmou que, enquanto esteve ausente na Suíça, A. tratava de tudo com o marido e, inclusive, após o seu regresso, porquanto inicialmente a depoente dedicou-se ao lar de idosos. Mais declarou que, após a mudança de instalações em 2003/2004, a depoente e A. faziam, nomeadamente, recebimentos de pagamentos, contratação de pessoal, organização de férias". Ora, para além do que se expôs em sede de apreciação da impugnação à decisão de facto e dos demais fundamentos do recurso (e que aqui damos por reproduzido) a respeito da questão da prática de atos de administração da sociedade pela recorrente, designadamente, no âmbito da apreciação da competência técnica da recorrente para o cargo - que a sentença recorrida assumiu mas que aqui não foi acolhida, precisamente, pela delegação em terceiro dos poderes de decisão e atuação que a si cabiam como gerente e que a recorrente assumiu como realidade pelo menos a partir de janeiro de 2015 -, como é sabido, o facto de o tribunal recorrido ter julgado não provado que a recorrente nunca foi gerente de facto não significa assumir como verdadeira a versão contrária desse mesmo facto. Nesse sentido mais acresce que, referindo-se aos depoimentos prestados pelas testemunhas, a par dos segmentos da motivação da decisão de facto invocados pela recorrente, da sentença recorrida também consta que “[a] manifesta litigiosidade a que supra aludimos, decorrente da cisão entre as sócias, transparece à evidência nos depoimentos prestados, nos quais é quase sempre manifesto o apoio a uma ou a outra das sócias da sociedade, pondo, nalguns casos, em causa a respectiva credibilidade. Assim, no que aos depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência concerne, há que salientar que pouca relevância assumiram na formação da convicção do tribunal, senão nas matérias, menos controvertidas, em que coincidiram, o que conduziu, em parte, à consideração de determinados factos como não provado. Finalmente, expressamente questionada pela Sr.ª juiz sobre o que entende ser gerir uma sociedade, a opoente e aqui recorrida respondeu que para si corresponde a “Responsabilidades a nível de despesas pagamentos tudo o que seja responsabilidades perante os funcionários, perante a Segurança Social e todas as entidades publicas, toda a organização a nível do melhoramento da escola, ir ao encontro do melhor que se pode fazer, diariamente assegurar que tudo corra bem, que haja uma boa equipa e um bom trabalho, e agora as responsabilidades a creche feliz, que dá muito trabalho, a gestão de plataforma entre escola e pais”, resposta que transmitiu uma visão da gerência por parte da opoente que muito mais se aproxima da referida ‘gestão estratégica e global da sociedade’ que não coincide com a atividade que, mesmo em favorecimento da posição da recorrente, foi relatada pelas testemunhas, o que permite concluir que a alteração da verdade dos factos que a recorrente insistentemente imputa à opoente corresponde mais a uma diferente perspetiva, entendimento e interpretação da mesma realidade, como acima de expôs a respeito da aparência que as funções legais e práticas da direção pedagógica é apta a criar. Termos em que nesta parte se conclui pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida, de absolvição da opoente B. do pedido de condenação como litigante de má fé. V– Decisão Em face de todo o exposto, acordam as juízas desta secção em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, em revogar a sentença recorrida na parte em que julgou a ação improcedente, que se substitui por outra a ordenar o prosseguimento dos autos para averiguação, avaliação e nomeação de gerente à sociedade (nos termos aqui sugeridos ou outros que o tribunal recorrido entenda determinar), mantendo-se a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de nomeação da recorrente para o cargo de gerente e julgou improcedente o incidente de condenação da opoente como litigante de má fé. Na ausência de contra-alegações, as custas da apelação são a cargo da recorrente, quer pelo critério do decaimento, quer pelo critério do proveito na parte em que obteve vencimento (art. 527º, nº 2 do CPC). Lisboa, 25.02.2025 Amélia Sofia Rebelo Manuela Espadaneira Lopes Paula Cardoso _______________________________________________________ [1] Processo nº 144/15.4T8MTJ.L1-2, disponível na página da dgsi. [2] Prevê o art. 986º, nº 2 do CPC que O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias [3] Acórdão da RL de 30.05.2013. [4] O standard de prova no processo civil e no processo penal, janeiro de 2017, p. 6-7, disponível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf [5] Processo nº 1118/15.0T8VLG.P1, disponível na página da dgsi. [6] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª ed., p. 233 [7] Nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2019, disponível na pág. da dgsi. [8] Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 339. [9] Trata-se de comunicação eletrónica que B. dirigiu à recorrente, mas à qual respondeu C., e na primeira pessoa (“só vou…”), ou seja, sem que tenha dito que respondia em nome e para transmitir a vontade da recorrente ao que a esta foi por aquela solicitado. [10] Note-se que a sucessiva renúncia da recorrente à gerência ‘anularia’ os efeitos práticos da anterior declaração de renúncia da outra gerente posto que, como únicas sócias, passariam ambas a deter o estatuto de gerentes de facto reconhecido por lei nos termos do art. 253º, nº 1 do CSC, de acordo com o qual, Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes. [11] Referente a assembleia geral da sociedade realizada em 16.06.2020 e ao que nela foi dito por C. e B., esta por si e através do seu mandatário. [12] Ob. cit., p. 135. [13] Ob. cit., p. 206. [14] Em comentário ao acórdão da Relação de Évora de 11.05.2017 (proc. nº 442/16.0T8FAR.E1), disponível em https://blogippc.blogspot.com/ [15] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e atualizada, Coimbra Editora, p. 716. [16] Sobre a questão, vd. Rui Pinto, “Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução”, disponível em https://forumprocessual.weebly.com/uploads/2/8/8/7/2887461/valor_extraprocessual_rui_pinto.pdf. [17] Manual de Processo Civil, vol. I, p. 655 e 656. [18] Proc. nº 05B691, disponível na página da dgsi. [19] Excetuam-se desta regra os arts. 623º e 624º do CPC, normas de direito material probatório que, num claro desvio à regra processual civil que se expôs, reconhecem eficácia extra-processual ao resultado positivo do julgamento de facto operado no processo crime, estabelecendo uma presunção legal de existência (623º) ou da inexistência (624º) dos factos imputados ao arguido no âmbito de processo crime no qual foi proferida sentença condenatória (623º) ou absolutória (624º). Como é consensualmente afirmado pela doutrina e jurisprudência, só nestes casos a lei prevê e admite a eficácia probatória da própria sentença. [20] A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, CPC anotado (GPS), Vol. II, p. 498 e s. [21] Conforme pontos 55 e 56 dos factos provados, 55.A sociedade F & R, Lda., continuou a exercer a sua actividade comercial após a renúncia à gerência por parte de A., havendo B. assumido, por si, como gerente em funções, o rumo da sociedade.//56. No relatório de gestão de F & R, Lda., referente ao ano de 2021, datado de 31 de Março de 2022 e assinado por A. Filipe e B., foi feito constar o seguinte: “1. No Exercício de 2021 a empresa teve um resultado muito positivo. 2. Para o exercício de 2021 esperamos a continuação da melhoria do negócio. 3. Propomos que o resultado do exercício traduzido num lucro de €23.819,09 (...) seja levado a resultados transitados.” [22] “Nomeação judicial de titulares de órgãos sociais, Processos Especiais dos Juízos de Comércio, Coleção Formação Contínua, ed. atualizada em maio de 2020, p. 183 - disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=lsQNimgp8uE%3D&portalid=30), p. 175. [23] Perspetivas – dimensão e cariz familiar - que não se confundem entre si nem são reciprocamente determinantes uma da outra. [24] Arts. 5º e 7º do req. de 13.12.2023. [25] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coord. Coutinho de Abreu, vol. IV, Almedina, 3ª ed., p. 83 e s. [26] Apud David Nunes dos Reis, “Administradores de Facto, Vinculação e Responsabilidade por Omissão”, Almedina, 2021, p. 25. [27] As Funções do Diretor Pedagógico//Uma visão das funções do diretor pedagógico de uma creche da Ilha da Madeira// Relatório de Atividade Profissional apresentado à Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de mestre em Ciências da Educação – Administração e Organização Escolar, Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais, agosto 2019, p. 47 e 48. Disponível em https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/28858 A citada autora mais concretiza as funções do diretor pedagógico nas seguintes (p. 34 e s.): · Coordenar e orientar todo o planeamento e a execução das ações pedagógicas desenvolvidas na escola ou em parceria com a escola; · Prestar acompanhamento pedagógico e interajuda a todo o pessoal docente e não docente, contribuindo para uma boa interação de equipas e de colegas de trabalho, onde o objetivo é comum a todos os participantes; · Promover, regularmente e sem prejuízo das atividades docentes, reuniões pedagógicas com os docentes, de forma a articulação de ideias em prol de todo o trabalho pedagógico; · Planear, orientar e avaliar o processo pedagógico de acordo com a filosofia educacional assumida pela escola e com a determinação legal referentes ao ensino; · Colaborar na organização, supervisão e participação de toda a documentação pedagógica, mais especificamente:Regulamento Interno; Projeto Educativo de Escola; Plano Anual de Atividades; Projetos Curriculares de Grupos; Relatório Anuais; Relatórios Mensais; Documentação Pedagógica Mensal estabelecida por cada escola; · Acompanhar o trabalho desenvolvido com os alunos, através de registos orientados pelo docente, promovendo a criação de propostas diferenciadas e direcionadas para cada um. · Manter a equipa diretiva sempre informada sobre a execução dos planos e os seus resultados; [28] Com evidente pertinência e nas palavras e Ana Maria Ussman, anota-se que a “empresa familiar comporta problemas únicos que lhe advêm da confusão entre relações familiares e profissionais que se geram no seu seio. Fonte de fraqueza ou de vantagens, essas relações têm de ser convenientemente geridas para que a empresa familiar possa ter sucesso. Se algumas têm falhado, outras há que podem ser apresentadas como líderes e conseguiram, precisamente porque souberam aproveitar o que de melhor têm as empresas familiares – a família.” (em ‘As empresas familiares características e problemática’, Estudos de Gestão, 1996, 3, 1, p. 24, apud Inês Neves, ‘Os family offices com estrutura de governação família: contributos para um esboço da figura’, em Direito das Sociedades em Revista, Abril, 2020, Ano 12, Vol. 23, p. 216, nota 25. [29] Vd. acórdão do STJ de 24.11.2009. [30] Vd. Ricardo Costa e Carolina Cunha, ob. cit., p. 94 e ss. [31] CSC em Comentário, ob. cit., p. 182. [32] Guia de boas práticas nas PME – sociedades por quotas, em Direito das Sociedades em Revista, Outu. 2020, Ano 12, Vol. 24, p. 30. [33] Nos termos do art. 252º, nº 2 do CSC. [34] CPC anotado (GPS), Vol. II, p. 498 e s. [35] Acórdão de 18.12.2008, proc. n.º11128/2008-1, relatado por João Aveiro Pereira. [36] Texto cit., p. 184. [37] Texto cit., p. 31. [38] Texto cit., p. 216 e s. [39] “Inquérito Global sobre as Empresas Familiares 2016”, p. 20, citado por Ines Neves, texto cit., p. 224 e s., nota 60. [40] Pelas certidões das sentenças juntas a estes autos e referenciadas na decisão de facto constata-se que nos processos onde foram proferidas a recorrente pediu sempre a condenação de B. como litigante de má fé, pedidos que foram invariavelmente julgados improcedentes. [41] Sendo que a instrução da causa reforçou a evidência do demérito do fundamento invocado pela recorrente nos termos preditos no dito acórdão, atinente com a forma como cada uma das interessadas perspetiva a regularização da gerência. |