Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | JOVENS EM PERIGO MEDIDA DE APOIO JUNTO DE OUTRO FAMILIAR AVÓS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/21/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece, designadamente, aos seguintes princípios, elencados no art.º 4.º da Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro (LPCJP): (i) Interesse superior da criança e do jovem (ii) Proporcionalidade e atualidade (iii) Audição obrigatória da criança. II -A decisão de aplicar a medida de apoio junto de outro familiar na pessoa dos avós maternos, entregando assim as crianças, de 19 e 15 anos de idade, aos cuidados dos avós maternos, retirando-as da residência dos pais, não pode manter-se por se revelar não defender o superior interesse das crianças, ser desproporcional e não ter sido precedida da audição das mesmas. III- Além disso, tal medida foi sugerida ao Tribunal pela Técnica do EMAT num contexto de ruptura do contacto entre esta e a Mãe das crianças referindo o respectivo relatório que “ a comunicação com a progenitora ficou de certa forma comprometida, pelo que se decidiu não estabelecer qualquer contacto com a mesma (…)”. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Juízo de Família e Crianças da Comarca de Lisboa Norte- Loures requereu abertura de processo judicial de Promoção e Protecção, em 03-01-2023, no interesse e em benefício de: M, nascido a 03-10-2008 e S, nascido a 03-01-2014, filhos de AS e HT, residentes no …, Bobadela. Alegou, em síntese, o seguinte: O agregado familiar das crianças é composto por estas e seus pais. Os pais das crianças estão separados desde Maio de 2021, mas continuam e residir na mesma casa. A situação das crianças foi sinalizada à CPCJ de Loures, em 17-02-2022, na sequência de denúncia de factos ocorridos no dia 15/09/2021, alegadamente perpetrados pela mãe sobre a pessoa do pai, no interior da residência, os quais seriam passíveis de integrarem a prática de crime de violência doméstica. Tais factos foram objecto do inquérito n.º …/22.6PILRS que correu termos no DIAP de Loures, tendo sido proferido despacho de arquivamento. Por factos ocorridos no dia 17/05/2022, no interior da residência das crianças, correu termos o inquérito n.º …/22.6PILRS, no DIAP de Loures. A relação existente entre os pais das crianças é marcada pelo conflito que mantêm em contexto de separação, agravado pela circunstância de partilharem a habitação, encontrando-se as crianças expostas a este ambiente familiar conflituoso, disfuncional e disruptivo que coloca em causa a sua segurança, saúde, formação, bem-estar e desenvolvimento integral. Decorridos os trâmites e realizadas as diligências legais, foi aplicada em 30 de janeiro de 2023 a medida de apoio junto dos pais, pelo período de 12 meses. Porém, veio a ser entendido que a medida aplicada não estava a produzir os efeitos esperados e, por isso veio a mesma ser alteradas conforme despacho proferido em 21-09-2023, com o seguinte teor: “Nos presentes autos de promoção e proteção intentados e a correr termos processuais a favor do M e do S foi-lhes aplicada em 30 de janeiro de 2023 a medida de apoio junto dos pais pelo período de 12 meses. Acontece, porém, que a medida aplicada não foi cumprida por parte dos progenitores, porquanto continuam a medir forças entre si acerca da habitação do imóvel centrados nos seus interesses e pensando pouco nos malefícios que as suas condutas acarretam no bem-estar dos seus dois filhos. Efetivamente os progenitores continuam a partilhar o imóvel agredindo-se mutuamente com discussões constantes na presença das crianças tendo a progenitora adotado comportamentos desadequados e linguagem imprópria na presença dos filhos. Resulta do relatório apresentado que os avós paternos ARS e FS são pessoas muito presentes na vida dos netos constituindo um grande apoio nas rotinas e quotidiano dos mesmos e tendo sido ouvidos mostraram a sua disponibilidade para de forma provisória cuidarem dos netos ficando os mesmos à sua guarda e cuidados. No mencionado relatório cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido é proposta a medida cautelar de apoio junto de outro familiar na pessoa dos avós paternos. Foi cumprido o contraditório quanto ao relatório e plano de intervenção nos termos dos artigos 84º e 85º da LPCJP. As partes já se pronunciaram quanto à proposta da medida não tendo a progenitora concordado com a mesma assim como se mostrou contra ao plano de intervenção junto aos autos pela Exma. técnica em 14 de julho de 2023. Como se disse supra, a conflitualidade entre os progenitores é muito elevada com condutas desadequadas com grande dificuldade em conseguirem coabitar no mesmo espaço, mas teimando em arrastar essa situação não refletindo ou ponderando no efeito nefasto e sofrimento que certamente provocam nos filhos levando a efeito tais condutas. Efetivamente não nos restam dúvidas de que toda esta situação de conflito e desrespeito afetará de forma grave o S e o M causando-lhes instabilidade, revolta e conflitos de lealdade colocando-os numa situação de risco/perigo que importa acautelar. Os autos não contêm, ainda, todos os elementos não se encontrando ainda juntos o resultado das perícias e carecendo de serem apurados outros factos pela equipa técnica responsável que permitirão a aplicação da medida a título definitivo. No entanto, face aos indícios e demais informação que resulta do processo, na presente data, urge proferir decisão a título provisório de modo a acautelar o superior interesse dos menores S e M, com vista a retirá-los, ainda, que de forma provisória, de um ambiente que lhes é hostil e não contribui para o seu bem-estar. Assim, e uma vez que resulta do relatório social de acompanhamento da medida que os menores ficarão bem aos cuidados dos avós paternos e os mesmos além de já constituírem um forte apoio mostraram-se disponíveis para que os mesmos passem a estar à sua guarda e cuidados deverá tal verificar-se até que sejam recolhidos ulteriores elementos pertinentes para a decisão definitiva na salvaguarda do superior interesse do S e do M. Face ao exposto e atento o disposto nos art.ºs 37º, 35º, n.º 1 al. b) e 39º da LPCJP determina-se a aplicação a titulo provisório, com efeitos imediatos, da medida de apoio junto de outro familiar na Pessoa dos avós paternos ARS e FS, nos exactos termos propostos no relatório e plano de intervenção que antecede, pelo período de 6 meses com revisão aos 3 meses sem prejuízo de eventual prorrogação ou revisão antecipada ficando o S e o M confiados aos cuidados dos mesmos. Os pais do S e M e demais familiares (nomeadamente avós paternos deverão aceitar e colaborar com a intervenção da EMAT e demais técnicos intervenientes comparecendo sempre que solicitada a sua presença e cumprindo com as orientações que lhe venham a ser dadas, devendo cumprir na íntegra com o plano de intervenção nomeadamente com os convívios aí propostos devendo a Exma. técnica diligenciar de forma urgente para que o S e o M possam iniciar os mesmos de forma tranquila sem discussões devendo os avós paternos colaborarem e ajudarem a que os mesmos se concretizem nas condições aí descritas. A execução da medida será acompanhada monitorizada e supervisionada de forma intensiva pela Exma. Técnica da EMAT que deverá juntar aos autos, de forma atempada, relatório social de acompanhamento. Notifique e comunique pela via mais expedita, solicitando o mencionado relatório e advertindo as partes de que serão condenadas em custas caso persistam em juntar aos autos requerimentos que extravasam do objeto do processo e em nada contribuem ou ajudam a salvaguardar o superior interesse dos dois menores.” Inconformada com esta decisão, HT, Mãe das crianças, veio interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: «1- Os menores não deveriam ter saído da casa de morada de família, pelo facto dos progenitores não se entenderem quanto ao destino da mesma. 2- Sendo mais fácil e prático tomar uma medida que na nossa ótica, em nada salvaguarda o superior interesse dos menores. 3- Já deve ser doloroso presenciarem ao final de uma relação amorosa entre os progenitores, e como sanção, são eles mesmos obrigados a deixar o conforto do lar, para irem viver com os avós paternos, sendo as mesmas pessoas idóneas, não têm as condições necessárias para os jovens de 15 e 9 anos de idade. 4 – Uma vez que existia um plano elaborado pela Equipa Técnica, ao qual alegadamente não foi respeitado pelos progenitores, o Tribunal a quo, optou por colocar os menores em casa dos avós paternos, sem os mesmos serem ouvidos de tal medida. 5- Penalizando os menores, e igualmente a progenitora, enquanto encarregada de educação, cozinheira, e acima de tudo cuidadora dos seus filhos. 6-E tudo isto, pelo facto de não ter condições para sair da casa de morada de família, propriedade do progenitor. 7- Deste modo, e uma vez que o pai tem hipótese de residir com os seus progenitores, deveria os menores poderem voltar a sua casa de morada de família, fixando a mesma com a ora Recorrente até o destino da casa de morada de família estar resolvida, considerando que existe um processo a decorrer. 8- Ser fixado um regime de vistas para os menores poderem conviver com o pai. 9- Mantendo os menores, residência na sua casa, e poderem ter o acompanhamento diário da progenitora, ora recorrente. 10- Uma vez que sempre foi a mesma que cuidou diariamente dos seus filhos, inclusive com a ajuda nos trabalhos de casa. 11 - Ou seja, pretende-se preferencialmente a manutenção das crianças no seu habitat natural, ou seja, na sua residência, pois os mesmos acabam por sofrer com a separação dos pais, e com a saída do lar, onde os mesmos têm os seus pertences, as suas rotinas, e o conforto, cria maior ansiedade e frustração pela sua existência. 12- Tal só não será assim quando não for viável de todo uma solução que privilegie a manutenção da criança ou jovem no seio da sua mãe. 13- E com o devido respeito, acreditamos que a mãe está em condições de criar uma solução viável, ainda que com o apoio da medida prevista no art.º 39º da LPCPJ. 14 - Caso tal medida não deva ser aplicada no imediato, considerando o alegado e as expetativas da progenitora adquirir num futuro próximo melhores condições, entendemos, que seria de prorrogar a medida atualmente em vigor, e a casa de morada de família ser atribuída à mesma, vivendo os filhos com ela, afastando o progenitor, considerando que o mesmo pode, e tem a ajuda dos seus pais, sendo fixado um regime de visitas. Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas Meritíssimos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente e consequentemente ser revogada a decisão ora recorrida e em sua substituição proferida outra, baseada em critérios de adequação e proporcionalidade, que acautelem o superior interesse dos menores, sem esquecer o interesse da mãe, dando assim cumprimento à primazia da manutenção da família biológica mais próxima, sendo a mãe, pois as crianças desde sempre a tiveram por perto, sempre cuidou da roupa, da alimentação, dos afazeres escolares, ainda que com o apoio da medida prevista no art.º 39º da LPCJP, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação da medida em vigor, considerando, as expetativas da progenitora adquirir num futuro próximo melhores condições, pois assim que a mesma tiver um teto para morar com os seus filhos, saí da casa de morada de família que pertence ao progenitor. Mas presentemente deverá salvaguardar-se o caráter especialmente subsidiário de ocupar a casa de morada de família, propriedade do progenitor, mas na qual fizeram vida em conjunto durante 16 anos, com os menores, tentando desta forma minimizar a separação dos progenitores, ficando a mãe com os mesmos, podendo o progenitor residir com os seus pais, avós paternos das crianças.» O MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou contra alegações pugnando pela confirmação da decisão recorrida e formulando as seguintes conclusões: I- A medida provisória que determinou que os jovens fossem confiados aos avós paternos mostra-se adequada a afastar o perigo em que ambos se encontram; II- Continua aceso o conflito parental, não se coibindo, sobretudo a mãe, de usar os jovens como arma para manter esse conflito. III- A mãe revela pouca capacidade de diálogo, centrando-se no conflito transmitindo de forma negativa os seus sentimentos relacionados com a relação amorosa que o pai dos seus filhos mantém com uma terceira pessoa. IV- Inclusivamente, a mãe dos jovens não consegue estabelecer diálogo com a técnica gestora do processo. V- A decisão de aplicar aos jovens uma medida de apoio junto de outro familiar, mais concretamente junto dos avós paternos, decorre do facto de estes familiares serem, além dos progenitores, as pessoas mais próximas e com quem os jovens mantêm mais afinidade uma vez que sempre foram figuras de rectaguarda e apoio dos progenitores durante a relação conjugal. VI- Os avós paternos residem perto dos netos, podendo os jovens manter-se na mesma comunidade onde têm vivido com os progenitores, continuando a frequentar o mesmo estabelecimento de ensino. VII- O facto de serem os avós paternos e não familiares do lado materno não pesou na decisão do tribunal, não estando em causa qualquer castigo da recorrente. VIII- Desta forma, mantém-se perto da mãe e do pai, mas não estão tão sujeitos ao conflito parental, servindo a medida para demonstrar aos progenitores têm que assumir condutas diferentes das assumidas até aqui e evitarem usar os filhos para se agredirem mutuamente, mas também para não os manipularem para que tomem as dores de um ou do outro, na sequência da falência da relação conjugal. XIX- Com esta medida, mais cedo se conseguirá que os progenitores arrepiem caminho, tomando consciência de que os filhos nada têm a ver com as suas relações conjugais, devendo os progenitores procurar ajuda especializada e não usarem os filhos como confidentes e amparo das suas frustrações e tristezas. Assim sendo, as decisões do tribunal a quo fizeram uma correcta interpretação da realidade destes jovens, não tendo colidido com o superior interesse dos mesmos. Impõe-se, pois, a sua manutenção julgando-se o recurso improcedente.” II- OS FACTOS Embora o despacho recorrido não proceda a uma autonomização do elenco dos factos provados, é possível identificar o quadro factual em que o Tribunal a quo baseou a sua decisão e que é o seguinte: 1- A medida de apoio junto dos pais aplicada, por decisão datada de 30-01-2023, não foi cumprida por parte dos progenitores, porquanto continuam a medir forças entre si acerca da habitação do imóvel centrados nos seus interesses e pensando pouco nos malefícios que as suas condutas acarretam no bem-estar dos seus dois filhos. 2- Efetivamente os progenitores continuam a partilhar o imóvel agredindo-se mutuamente com discussões constantes na presença das crianças tendo a progenitora adotado comportamentos desadequados e linguagem imprópria na presença dos filhos. 3- Resulta do relatório apresentado que os avós paternos ARS e FS são pessoas muito presentes na vida dos netos constituindo um grande apoio nas rotinas e quotidiano dos mesmos e tendo sido ouvidos mostraram a sua disponibilidade para, de forma provisória, cuidarem dos netos ficando os mesmos à sua guarda e cuidados. 4- No mencionado relatório cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido é proposta a medida cautelar de apoio junto de outro familiar na pessoa dos avós paternos. Dos autos resulta ainda, com interesse para a decisão, o seguinte: 5- M, nascido no dia 3 de Outubro de 2008 e S, nascido a 3 de janeiro de 2014, são filhos de AS e HT, conforme certidões dos assentos de nascimento, juntos a 05-01-2023 Resulta provado nos autos com fundamento nos relatórios sociais de 26-01-2023 e de 07-06-2023, o seguinte: 6- O agregado familiar composto pelos pais e filhos reside no …, Bobadela. 7- Os pais das crianças estão separados desde Maio de 2021, mas continuam e residir na mesma casa, estando a questão da atribuição da casa de morada de família a ser discutida judicialmente. 8- Os pais das crianças viveram em união de facto durante cerca de 16 anos. 9- O imóvel onde reside o agregado familiar é propriedade de AS. 10- O pai dos menores tem o 12.º ano, é oficial de placa e aufere 1052,23€ mensais. 11- A mãe tem frequência universitária, exerce a profissão de administrativa e aufere 790,00€ mensais. 12- AS mantém um relacionamento amoroso com outra mulher o que não é aceite por HT nem pelo M, referindo-se a HT à namorada do pai dos filhos, em termos depreciativos, no que é seguida pelo M que tem idêntica atitude. 13- O AS declarou que é sua pretensão que a HT deixe a casa de morada de família dado que o imóvel é sua propriedade. 14- A HT manifesta não ter capacidade económica para suportar o pagamento de uma renda de casa. 15- A Professora SC da Escola … da Bobadela prestou informação datada de 20-01-2023, referente ao aluno S, segundo a qual “o aluno continua a ser assíduo e pontual. Apresenta-se sempre limpo e asseado e traz lanches para as diferentes pausas do dia. O S continua adaptado à escola e à turma e tem uma boa relação com toda a comunidade escolar (…), sendo sempre educado e respeitador. Apresenta um comportamento calmo e atento na sala de aula, sendo aplicado, trabalhador e esforçado. Relativamente à dinâmica familiar, o aluno tem mostrado uma postura calma e reservada, não fazendo nenhum comentário. O progenitor vem com alguma frequência ao encontro do aluno durante as horas de pausa, assim como quando há necessidade de sair antecipadamente da escola. Os pais demonstram interesse e atenção nas aprendizagens e comportamento do aluno e as informações que são encaminhadas pelo e-mail são direccionadas a ambos. A Encarregada de Educação do aluno é a progenitora e continua a apresentar uma postura atenta ao seu educando tanto ao nível da aprendizagem, como do comportamento e compareceu às reuniões que foi convocada”. 16- A Professora MS, com referência ao aluno M, prestou a informação datada de 23-01-2023, segundo a qual “o aluno tem sido assíduo e pontual (…) O aluno apresenta-se sempre de uma forma limpa e cuidada (…) o aluno tem um comportamento adequado quer com os seus colegas quer com os professores. É bem educado e relaciona-se com facilidade com os seus colegas e professores. (…) A encarregada de educação é a mãe do aluno que esteve presente nas duas reuniões realizadas, até ao momento, com os encarregados de educação. Sempre que é solicitada autorização para o aluno participar em actividades extra curriculares a Encarregada de Educação responde prontamente.” Mais refere a referida Professora que foi contactada pelo pai do aluno (em novembro) para uma reunião no sentido de saber informações sobre a avaliação do M. Esta reunião ocorreu no dia 23/11/2022 após as reuniões de avaliação intercalar. Do relatório social datado de 07-06-2023, consta que o S solicitado pela Técnica da EMAT, a referir um aspecto positivo e outro negativo da mãe, “salientou como aspecto positivo que a mãe conversa muito com ele, fá-lo sentir-se feliz e acarinhado; como aspecto negativo indicou quando a mãe o obriga a comer peixe.” 17- Com data de 06-06-2023, as informações escolares referentes ao M e ao S confirmam as informações anteriormente prestadas. 18- Em 30 de maio de 2023, a EMAT recebeu um e-mail dirigido à Técnica do EMAT SV com o seguinte teor: “Muito boa tarde, falei com a minha mãe e supostamente, o acordo assinado em tribunal não está a ser cumprido aonde? O acordo tem a ver com o meu pai fazer o jantar 2 vezes por semana. Eu quero deixar bem claro de que nunca ninguém me vai tirar da minha mãe. E se algum dia quiserem saber a minha posição então têm-na aqui EU FICO COM A MINHA MÃE!! Eu quero ficar com a minha mãe. Por favor, peço-lhe não me tirem da minha mãe. Por favor Não têm esse poder. Obrigado Att M.” 19- Do relatório datado de 07-06-2023 consta ainda o seguinte: “Parecer Técnico Da factualidade descrita parece resultar que a medida de apoio junto dos pais aplicada a favor do M e do S não estará a ser suficiente para acautelar a sua protecção, sendo parecer da EMAT de Vila franca de Xira que as crianças poderiam beneficiar com a medida de apoio junto de outro familiar na pessoa dos avós paternos. Estes são elementos de referência para o M e S e estão muito presentes no seu quotidiano, vivem próximos da casa de morada de família, pelo que o seu centro de vida não seria alterado. (…)” 20- A pedido do Tribunal, foi apresentado, em 12-07-2023, um relatório intercalar do qual consta o seguinte parecer técnico: “resulta do relatório remetido aos autos por esta EMAT a 12.06.2023 que a comunicação com a progenitora ficou de certa forma comprometida, pelo que se decidiu não estabelecer qualquer contacto com a mesma para responder à solicitação judicial agora rececionada, tendo em conta o assunto em causa. Esta equipa mantém o seu parecer quanto à medida que melhor salvaguarda a protecção e os interesses do M e do S –apoio junto de outro familiar na pessoa dos avós paternos. (…)”. III- O DIREITO Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, a questão que importa apreciar consiste em saber se a medida de apoio junto de outro familiar na pessoa dos avós paternos do M e do S acautelam o superior interesse destas crianças, estando assim tal decisão em conformidade com os critérios legais. Desde logo, importa focarmo-nos nos princípios orientadores da intervenção do Tribunal, definidos no art.º 4.º da Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro (LPCJP): “A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios: a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida; d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo; e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade; f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem; g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante; h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável; i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa; j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção; k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.” Como se verifica da leitura do preceito legal, á cabeça do elenco dos princípios orientadores da intervenção do Tribunal está o superior interesse da criança e do jovem. Este é o critério orientador mas também a finalidade última da intervenção do Tribunal. O que importa é, sempre, encontrar a solução que melhor favoreça um equilibrado e são desenvolvimento da criança e não a solução que mais agrade a um ou aos dois progenitores. E, obviamente, para se aferir o modelo que melhor favoreça o bom desenvolvimento da criança não pode deixar de se tomar em conta as características concretas de ambos os pais e da própria criança, endógenas e exógenas, não perdendo de vista o relacionamento e a capacidade de diálogo que os progenitores apesar de separados, conseguem manter. No caso em apreço, a separação do casal tem sido vivida em ambiente muito conflituoso, agravado pelo facto de o mesmo se manter a viver na mesma casa, sendo certo que um dos elementos do ex-casal mantém uma outra relação amorosa. Neste contexto, foi aplicada a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, de forma a minimizar os efeitos negativos que tal conflito estava a produzir nas crianças. É um facto notório e resulta da experiência comum que as discussões, os desentendimentos, os conflitos entre os pais são muito nocivos para o equilíbrio emocional das crianças e jovens. Por isso, importa providenciar as medidas de protecção adequadas a afastar tal perigo de forma a promover o são e equilibrado desenvolvimento físico e emocional dos jovens. E foi o que foi feito no presente processo. Porém, na sequência do relatório do EMAT, o Tribunal a quo afirma que a medida de apoio junto dos pais que foi aplicada “não foi cumprida por parte dos progenitores, porquanto continuam a medir forças entre si acerca da habitação do imóvel centrados nos seus interesses e pensando pouco nos malefícios que as suas condutas acarretam no bem-estar dos seus dois filhos.” Ora, é patente a vacuidade destas afirmações. Não se percebe em que medida é que os pais não cumpriram aquilo a que estavam obrigados. Não se sabe a que “condutas” o Tribunal se está a referir. Nem se percebe a que se refere ao dizer que os pais continuam a “medir forças entre si acerca da habitação”. Como resulta dos autos, e é uma situação muito frequente, ocorrida a separação do casal, coloca-se a questão da atribuição da casa de morada da família que não coincide com a questão da propriedade do imóvel. Saber a quem irá ser atribuída a casa de morada de família, quando não existe acordo sobre tal matéria, é uma questão que, naturalmente, gera grande tensão emocional, sobretudo quando os elementos do casal, ou algum deles, tem uma situação económica mais vulnerável. No caso dos autos, uma vez que o imóvel pertence ao AS e a HT aufere um rendimento mensal que não lhe permite arrendar ou comprar uma casa que satisfaça as suas necessidades e dos seus filhos, é normal que esta situação seja causadora de grande stresse nesta família. Ora, é precisamente para ajudar a família a lidar com estes problemas de forma mais harmoniosa que foi aplicada a medida de apoio junto dos pais, com vista a proteger os filhos desse conflito. Sucede, porém, que lendo os relatórios do EMAT datados de 07-06 e de 12-07, não se vislumbra que deveres foram incumpridos pelos pais. O que transparece evidente é a ineficácia do apoio técnico que foi prestado e do qual se espera isenção, equidistância e serenidade. Ao invés, gerou-se um conflito entre a Técnica e a Mãe das crianças, assumindo aquela que “a comunicação com a progenitora ficou de certa forma comprometida, pelo que se decidiu não estabelecer qualquer contacto com a mesma (…)”. E é neste contexto de ruptura do contacto entre a Técnica do EMAT e a Mãe das crianças que a primeira emite o seu parecer no sentido de que “as crianças poderiam beneficiar com a medida de apoio junto de outro familiar na pessoa dos avós maternos.” Sem qualquer fundamentação. E o Tribunal aceita este parecer, de forma acrítica, e apenas com base nele, altera a medida anteriormente aplicada. É sintomático que, igualmente, o Ministério Público refira na conclusão III que “a mãe revela pouca capacidade de diálogo, centrando-se no conflito transmitindo de forma negativa os seus sentimentos relacionados com a relação amorosa que o pai dos seus filhos mantém com terceira pessoa”. Claramente, o apoio técnico é que desistiu da sua função que era precisamente ajudar esta família, especialmente a HT, a ultrapassar as dificuldades emocionais que está a vivenciar. Tanto assim que “decidiu não estabelecer qualquer contacto com a mesma” (a ora Apelante). E cremos que não é através da constante culpabilização dos elementos do casal ou de um deles que esse apoio pode resultar. Pelo contrário, só agudiza mais o conflito. Importa, pois, objectivamente, averiguar se dos autos resulta algum facto que aponte para a necessidade de, a título cautelar, estas crianças serem retiradas aos pais e serem colocadas aos cuidados dos avós paternos, tal como foi decidido. Visto e revisto todo o processo, nada resulta, pelo que também nada foi transposto para a decisão recorrida. Pelo contrário, apesar dos grandes problemas por que este casal está a passar, especialmente a HT, esta consegue manter o cumprimento dos seus deveres de mãe e educadora de forma irrepreensível, como se deduz das informações escolares das professoras do M e do S. Está demonstrado que a Apelante é uma mãe atenta, cuidadora, disponível para os seus filhos, não deixando que os problemas com o pai dos mesmos, perturbem esse papel de mãe e educadora. E os filhos, face ao seu comportamento educado e afável com toda a comunidade escolar e bom aproveitamento não aparentam estar gravemente afectados com o seu ambiente familiar. Cabe referir que também o pai demonstra ser atento e preocupado com o bem-estar dos filhos. Assim, os factos apontam em sentido contrário da decisão que foi proferida, ou seja, não existe qualquer base factual que justifique a aplicação de uma medida cautelar tão gravosa como aquela que foi aplicada por força da decisão ora em análise. Não está em causa o papel insubstituível que os avós desempenham no equilibrado crescimento das crianças e, felizmente, o M e o S podem contar com o apoio dos avós paternos com os quais têm uma excelente relação. Contudo, neste caso concreto, os avós não devem substituir os pais, pois estes demonstram ser perfeitamente capazes de desempenhar as suas responsabilidades parentais. Cremos, assim, que o interesse superior destas crianças aconselha a que permaneçam aos cuidados da sua mãe e do seu pai, na casa de morada de família. Afigura-se que a decisão recorrida não teve como principal finalidade a defesa do superior interesse das crianças. Como o Ministério Público refere na conclusão VIII, esta medida serve “para demonstrar aos progenitores têm que assumir condutas diferentes das assumidas até aqui e evitarem usar os filhos para se agredirem mutuamente, mas também para não os manipularem para que tomem as dores de um ou do outro, na sequência da falência da relação conjugal.” Ou seja, o Tribunal recorrido assume uma finalidade mais punitiva dos pais, do que defensora dos interesses dos filhos. E não é isso que determina o disposto no art.º 4 a) da LPCJP. A medida que foi aplicada, ainda que provisória, a título cautelar, não se mostra proporcional ao perigo em que as crianças se encontram. Na verdade, o perigo de exposição a discussões entre os pais, de acordo com os elementos constantes no processo, não se afigura tão elevado que justifique retirar os filhos de sua casa. Também o critério da proporcionalidade previsto na alínea g) do art.º 4 da LPCJP não foi respeitado na decisão recorrida. Tão pouco o Tribunal procedeu à audição do M e do S antes de decidir uma medida com um impacto tão importante no seu quotidiano, não satisfazendo igualmente o critério previsto na alínea j) do referido preceito legal. Deverá a decisão recorrida ser revogada, mantendo-se a medida anteriormente decretada, caso ainda se justifique a sua manutenção. Procede o recurso. IV- DECISÃO Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso procedente e, por consequência, revogar a decisão recorrida. Sem custas. Lisboa, 21 de Dezembro de 2023 Maria de Deus Correia Anabela Calafate Nuno Lopes Ribeiro |