Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
992/23.1T8BRR.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO
AGRAVAMENTO
REMIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Não há lugar à actualização da pensão revista quando ela é obrigatoriamente remível.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
O sinistrado, AA, deduziu o presente incidente de revisão da incapacidade, alegando para o efeito o agravamento da sua situação clínica, que descreve.
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Foi realizado exame médico e junta médica.
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Foi proferida sentença que decidiu
a) Considerar o sinistrado afetado de uma IPP de 1,5% desde 21.04.2023;
b) Consequentemente, condenar a Fidelidade Companhia de Seguros, S.A. no pagamento ao sinistrado:
a. Do capital de remição de uma pensão anual obrigatoriamente remível no montante de €292,93, já atualizada com o fator aplicado para o ano de 2024;
b. Juros moratórios vencidos desde 22.04.2023 e vincendos até efetivo e integral pagamento sobre a quantia referida em a.
Custas a cargo da seguradora.”
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Inconformada, a Ré, FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
1. O presente recurso de apelação tem por objeto a Sentença proferida pelo Juízo do Trabalho do Barreiro, no âmbito do processo judicial n.º 992/23.1T8BRR que configura um incidente de revisão da incapacidade cuja Sentença fixou ao sinistrado uma IPP de 1,5% desde 21.04.2023 condenando, por conseguinte, a entidade responsável, aqui Recorrente, ao pagamento do “capital de remição de uma pensão anual obrigatoriamente remível no montante de €292,93, já atualizada com o fator aplicado para o ano de 2024”, quantia esta acrescida dos respectivos “juros de mora vencidos desde 22.04.2023 e vincendos até efetivo e integral pagamento sobre a quantia referida”.
2. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, entende a aqui Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao concluir pela condenação ao pagamento do capital de remição da pensão anual obrigatoriamente remível no montante de €292,93, concretamente no que respeita à aplicação da actualização com o fator aplicado para o ano de 2024.
3. A Junta Médica realizada ao sinistrado nos presentes autos concluiu que o mesmo se encontra afectado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 1,5% desde 21.04.2023.
4. O Tribunal a quo condenou a aqui Recorrente ao pagamento uma pensão anual obrigatoriamente remível, considerando a incapacidade atribuída ao sinistrado.
5. Razão pela qual entende a Recorrente que tratando-se – como se trata – de uma pensão obrigatoriamente remível desde 21.04.2023, então não será de aplicar a actualização com o factor aplicado para o ano de 2024.
6. Pelo que entende a Recorrente que o cálculo da pensão anual deverá ser o seguinte: Remuneração anual 26.319,06€ x 0.70 x 1.5% IPP = 276,35€.
7. Em face de todo o exposto, vem a Recorrente, respeitosamente, requerer a V.Exas. que a Sentença proferida nos presentes autos seja devidamente corrigida, retirando a aplicação da actualização com o factor aplicado para o ano de 2024.
Nestes termos, e nos que V.Exas. mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e decidindo em conformidade com as precedentes conclusões, V.Exas farão a habitual JUSTIÇA!”
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O sinistrado respondeu, concluindo que
“- Para efeitos do cálculo da pensão decorrente de incidente de revisão – quando do mesmo decorra alteração da capacidade de ganho do sinistrado – são ponderados os mesmos critérios que o foram aquando do cálculo inicial, fixando-se a nova pensão (revista) tal-qual o fosse à data da alta, pelo que sobre a pensão revista deverão incidir os coeficientes de actualização como se estivesse a ser fixada desde o início, não obstante apenas ser devida desde a data do pedido (no caso, 21/04/2023).
- Ao sinistrado foi reconhecido um agravamento da IPP, passando esta para uma IPP de 1,5% desde 21/04/2023;
- Sendo a retribuição anual no montante de €26.319,06, o sinistrado teria direito à pensão anual de €276,35 (€26.319,06x70%x1,5%);
- Fazendo incidir sobre tal valor da pensão revista o coeficiente de actualização desde 29/07/2022 (data da alta/consolidação médico legal inicial das lesões) esta cifrar-se-á em €299,56 (Ano de 2023 + 8,4%);
- A recorrente deverá ser condenada no pagamento do capital de remição de uma pensão anual obrigatoriamente remível no montante de €299,56, a qual é devida desde 21/04/2023, acrescida de juros de mora.
Termos em que, alterando a sentença recorrida nos termos que antecedem, V. Exas farão JUSTIÇA!”
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, cumpre apreciar e decidir se o tribunal a quo errou na determinação da pensão devida e que serve de base ao cálculo do capital de remição, por a ter actualizado. Caso se conclua pela obrigação de actualização da pensão, cumpre decidir se esta deve operar desde 29-07-2022.
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III – Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
A. No dia 12.10.2021, pelas 9h30m, o sinistrado foi vítima de acidente de trabalho, que consistiu em ter sido atingido na perna esquerda, na zona do joelho, quando se encontrava a manusear um macaco hidráulico, de que terá resultado rutura no corno posterior e corpo do menisco interno.
B. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar o sinistrado encontrava-se a exercer as funções de oficial de mecânica sob as ordens, direção e fiscalização de “ZZ, S.A.”.
C. A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a “Fidelidade – Companhia de Seguros S.A.” através da celebração de um contrato de seguro titulado pela apólice AT61019726, relativamente à retribuição anual de €26.319,06.
D. Na sequência do acidente o sinistrado foi assistido nos serviços clínicos da entidade seguradora e sujeito a tratamento cirúrgico (meniscectomia parcial interna), tendo-lhe sido concedida alta a 16.10.2021, na situação de curado sem desvalorização.
E. O sinistrado apresenta gonalgia residual, com discreta rigidez à flexão, limitada a 140º, o que lhe confere uma IPP de 1,5%.
F. O requerimento para revisão da incapacidade deu entrada em juízo no dia 21.04-2023.
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IV – Apreciação do Recurso
Da Actualização da Pensão
A recorrente insurge-se contra a actualização da pensão, por aplicação do factor de actualização respeitante ao ano de 2024, alegando que a pensão é obrigatoriamente remível e reporta-se a 21-04-2023. Pugna pela não aplicação de qualquer factor de actualização, sustentando que o cálculo da pensão deve ser feito da seguinte forma: 26.319,06€ x 0,70% x 1,5% de IPP=276,25€.
O sinistrado considera que o coeficiente de actualização da pensão deve ser aplicado e deve sê-lo desde 29-07-2022 – data da consolidação médico-legal inicial das lesões - pelo que a pensão de 276,35€ deverá ser actualizada para 299,56€ no ano de 2023, por aplicação do factor de actualização de 8,4%, devendo a recorrente ser condenada no pagamento do capital de remição de uma pensão anual, obrigatoriamente remível, no montante de 299,56€, devida desde 21-04-2022, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos desde essa data e até integral pagamento.
Ao presente caso é aplicável a LAT aprovada pela Lei 98/2009, de 04-09, uma vez que o acidente ocorreu em 12-10-2021.
No presente incidente de revisão, a 1ª instância veio a fixar ao sinistrado uma IPP de 1,5%, e calculou a pensão anual e vitalícia a partir de 21-04-2023, data em que foi requerida a revisão da incapacidade, tendo procedido à actualização da pensão aplicando o disposto na Portaria 423/2023, de 11-12 (6%), e declarando-a obrigatoriamente remível.
O regime da actualização das pensões devidas por acidente de trabalho – ou por doença profissional – foi introduzido na ordem jurídica portuguesa pelo Decreto-Lei 668/75, de 24-11 motivado pela “flagrante desvalorização da moeda e consequente aumento do custo de vida”, como se lê no seu preâmbulo.
Essa actualização estava condicionada a determinados critérios legais, a saber, ao valor anual da retribuição que, sendo indexado ao valor da retribuição mínima mensal legalmente fixada para o sector em que o trabalhador exercesse a sua actividade e para o território onde a exercesse, não poderia ser superior àquela remuneração mínima mensal, e ao grau de incapacidade permanente, necessariamente igual ou superior a 30% (artigos 1º, 2º e 3º nº 1 do referido Decreto-Lei)
Com a entrada em vigor da Lei 100/97 de 13-9 - regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais – as pensões emergentes de acidente de trabalho continuaram a ser susceptíveis de actualização apenas nos casos de incapacidade permanente, fosse ela parcial com coeficiente de desvalorização igual ou superior a 30%, fosse ela absoluta ou fosse absoluta para o trabalho habitual, ou por morte – art.º 39, nº2.
Este preceito legal – artigo 39º da Lei 100/97 - rege sobre a “garantia e actualização de pensões”, e dispõe que o pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária, que não possam ser asseguradas pela entidade responsável, passa a ser garantido por um fundo a criar para o efeito, ao qual caberiam também as actualizações de pensões por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte.
O Decreto-Lei 142/99, de 30/4, cria o designado Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), e dispõe no seu artigo 6 º nº 1 que “[A]s pensões de acidentes de trabalho serão anualmente actualizadas nos termos em que o forem as pensões do regime geral da segurança social1.
Actualmente, vigora nesta matéria o disposto no artigo 82º da actual LAT (Lei 98/2009 de 4 de Setembro), que revogou a Lei 100/97, e que, tal como o artigo 39º desta Lei, dispõe sobre “Garantia e actualização de pensões”, e determina que “1 - A garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial.
2 - São igualmente da responsabilidade do Fundo referido no número anterior as actualizações do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial. (…)”
Portanto, atento o disposto no nº 2 do artigo 82º da Lei 98/2009, e, bem assim, no artigo 1º nº 1, alínea c), subalínea i) do Decreto-Lei 142/99, de 30 de Abril, compete ao FAT “reembolsar as empresas de seguros dos montantes relativos às actualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte, bem como às actualizações da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, derivadas de acidentes de trabalho ou de acidentes em serviço”. E, a actualização de pensões resultantes de acidente de trabalho reporta-se unicamente àquelas devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte, não se contemplando a actualização das pensões calculadas com base em incapacidade permanente inferior a 30%.
A Lei 98/2009, de 4-9 não afectou o Decreto-Lei 142/99, de 30-4, que não foi revogado (expressa ou tacitamente), nem tão pouco alterado para se adequar ao novo regime de pensões actualizáveis, pelo que é este diploma que continua a reger as actualizações das pensões devidas por acidentes de trabalho.
Argumenta o sinistrado com o disposto no artigo 77º d) da LAT.
Nos termos deste preceito legal, “[A] remição não prejudica:
(…)
d) A atualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão.”
Ora, em face do supra exposto, a pensão remanescente resultante de revisão de pensão que se encontra sujeita a atualização, tem de ser necessariamente uma pensão não remível. Como se refere o acórdão da Relação de Évora de 07-03-20242, “levaria a uma situação de discriminação entre aqueles cujas pensão seriam pagas pelo Fundo de Acidentes de Trabalho que, nos termos do citado n.º 2 do art.º 82.º, não seriam atualizáveis e aqueles cujas pensões seriam pagas pelas respetivas entidades responsáveis pelos acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aos quais se aplicaria o disposto na al. d) do art.º 77.º da LAT, sem esta devida contextualização.
Argumenta ainda o sinistrado que a pensão deve ser objecto de actualização sob pena de ficar prejudicado o seu direito a receber a justa reparação enquanto vítima de um acidente de trabalho, em violação do disposto no artigo 59º nº1 f)3 da CRP.
Acompanhamos o referido acórdão da Relação de Évora quando ali se refere que não existe qualquer violação do principio da justa reparação do sinistrado, pois “[N]a realidade, mesmo quando a pensão remível é calculada de uma só vez, sem agravamentos, se o processo, até chegar ao seu trânsito, demorar vários anos, o cálculo final da pensão é sempre efetuado de acordo com o valor da pensão a atribuir à data da alta e não daquele que resultaria da sua atualização à data da prolação da decisão final ou à data do trânsito dessa decisão final, pelo que se nos afigura que o raciocínio em situação de agravamento, mantendo-se os pressupostos da remição, deverá ser idêntico. A eventual desvalorização monetária é compensada pela circunstância de o sinistrado receber um montante significativamente superior àquele que receberia se a pensão fosse paga anualmente, visto receber o montante que lhe é devido todo junto e de uma única vez, podendo, assim, colocar tal montante a render e receber os respetivos juros, o que, auferindo anualmente tal pensão, se lhe mostra vedado.
Por fim, ainda se dirá que se encontrando perfeitamente delimitados os requisitos para que uma pensão seja obrigatoriamente remível (com limites de grau de incapacidade e de valor da pensão), implicando tal situação que a pensão será paga apenas de uma vez, e não de forma anual e vitalícia, sendo que a partir do momento em que o grau de incapacidade e/ou de valor da pensão se altera acima desses critérios estabelecidos o remanescente dessa pensão deixa de ser obrigatoriamente remível, afigura-se-nos inexistir qualquer situação de discriminação entre os diferentes beneficiários relativamente à diferença do regime de atualização entre as pensões remíveis e não remíveis.”
Tudo visto, cumpre concluir que a pensão a que se referem os autos, obrigatoriamente remível, não é susceptível de actualização.
Neste sentido, vejam-se os acórdãos desta Relação de 13-03-2019 – Processo 9154/17.6T8LRS-A.L1 (no qual a ora 1ª adjunta foi adjunta) - de 05-06-2024 – Processo 2229/04.3TLSB.L1 (no qual a ora relatora é adjunta) - acórdãos da Relação de Évora de 27-02-2020 – Processo 446/14.7T8TMR.1.E1 – e de 07-03-2024 – Processo 631/17.0T8TMR.2.E1 – e acórdão da Relação de Coimbra de 12-04-2023 – Processo 377/12.5TTGRD.2.C1.
E assim sendo, in casu, o cálculo da pensão deve ser feito nos seguintes termos - 26.319,06€ x 0.70 x 1.5% IPP = 276,35€ - e o cálculo do capital de remissão terá em consideração o valor da pensão anual e 276,35€, e será contabilizado desde 21-04-2023.
Procede, assim, o recurso interposto.
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As custas correm a cargo do sinistrado, que, no entanto, delas está isento, face ao disposto no artigo 4º nº 1 h) do RCJ.
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V – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso interposto pela Ré, Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., e, em consequência, altera-se a sentença recorrida no que respeita à actualização da pensão, e condena-se a Fidelidade – Companhia de Seguros S.A. no pagamento ao sinistrado do capital de remição de uma pensão anual de vitalícia no montante de €276,35, devido desde 21 de Abril de 2023.
Custas a cargo do sinistrado, que, no entanto, delas está isento.
Registe.
Notifique.

Lisboa, 5 de Junho de 2024
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Manuela Fialho
Alves Duarte
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1. Este preceito foi alterado pelos Decretos-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio e n.º 18/2016, de 13 de Abril, que para estes efeitos não relevam pois que passaram apenas a fazer depender a actualização do valor das pensões de acidentes de trabalho, anualmente e com efeitos a 1 de Janeiro de cada ano, de determinados indicadores de referência em vez da inicial indexação ao regime geral da Segurança Social.
2. Processo n.º 631/17.0T8TMR.2.E1
3. Sob a epígrafe “Direitos dos Trabalhadores”, “1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: (….) f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.”