Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25635/04.9YYLSB-G.L1-8
Relator: AMÉLIA PUNA LOUPO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
EMBARGANTES
EMBARGADOS
CONFUSÃO JURÍDICA
PROCURAÇÃO FORENSE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
I - Tendo os embargados em embargos de terceiro tomado a posição de embargantes por força da sua habilitação como herdeiros da falecida primeva embargante de terceiro, verifica-se uma confusão subjectiva, e não podendo eles ser concomitantemente demandantes e demandados ela resolve-se, atentos os interesses em jogo no caso concreto, assumindo os mesmos a posição de embargantes, quedando-se como embargados apenas a exequente e a outra embargada.
II - Tendo anteriormente ocorrido renúncia ao mandato no âmbito dos embargos de terceiro sob o pressuposto, que então se verificava, de o mandatário patrocinar nesse apenso partes com posições processualmente antagónicas, por patrocinar os executados/embargados e simultaneamente a embargante de terceiro, pese embora essa renúncia tenha operado os seus efeitos nada obsta a que, tendo deixado de se verificar essa realidade processual, os poderes forenses que se mantiveram por força de procuração existente no processo principal e nos outros apensos se tornem agora extensivos aos embargos de terceiro, por inexistir agora qualquer situação de patrocínio de interesses processualmente conflituantes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
Por apenso à execução em que é exequente ST [por ter sucedido ao primitivo exequente AA por habilitação de cessionário] e foram executados “PF e Filhos, Ldª”, BB, CC e DD [estes últimos por terem sido habilitados como sucessores do primitivo executado EE], BB deduziu os presentes embargos de terceiro subscritos pelo Sr. Dr. FF, ao qual emitiu procuração em 18/11/2013.
Nessa mesma data de 18/11/2013 BB, CC e DD deduziram oposição à execução, subscrita pelo Sr. Dr. FF, ao qual todos eles emitiram procurações datadas de 18/11/2013.
Também nesse dia 18/11/2013 o Sr. Dr. FF juntou aos autos de execução substabelecimento sem reserva emitido a seu favor pelo Sr. Dr. MDV, substabelecendo naquele os poderes que lhe haviam sido conferidos por BB, DD, CC e ainda por GG (mulher deste último).
Os presentes embargos de terceiro – após convite ao aperfeiçoamento (cfr. despacho de 20/04/2017) – foram deduzidos contra a exequente ST e contra os executados DD e CC e, ainda, contra GG (mulher deste último) (cfr. requerimento de 09/05/2017).
Uma vez que o mandatário da embargante de terceiro era também mandatário dos executados CC e DD, sendo as suas posições nestes embargos processualmente antagónicas, o Ilustre mandatário foi notificado para dizer/requerer o que tivesse por conveniente (cfr. despacho de 18/05/2017).
Em sequência o Sr. Dr. FF, renunciou ao mandato que lhe havia sido conferido por CC, DD e GG, fazendo menção expressa a que a renúncia era para produzir efeitos apenas nos autos de embargos de terceiro, não sendo extensível ao processo principal e outros apensos (cfr. requerimento de 26/06/2017).
Por notificações, com aviso de recepção, datadas de 19/09/2018 os mandantes CC, DD e GG foram notificados da renúncia ao mandato, com a informação de que a renúncia produz efeitos a contar da notificação ao mandante e que no prazo de 20 dias deveriam constituir novo mandatário sob pena de ser ordenada a suspensão da instância se a falta for do autor ou de o processo prosseguir os seus termos aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo mandatário, se a falta for do réu; cartas que foram recebidas em 21/09/2018 por GG e por CC, e em 01/10/2018 por DD.
CC, DD e GG, não constituíram novo mandatário para o âmbito dos presentes embargos no prazo de 20 dias.
Em 07/11/2019, CC e DD promoveram o incidente de habilitação de herdeiros de sua mãe BB, por requerimento subscrito pelo Sr. Dr. FF (que passou a constituir o apenso I).
Perante a notícia, aportada aos autos de execução, do falecimento de BB, executada mas também embargante de terceiro, foi determinada a suspensão da instância nestes embargos (cfr. despacho de 18/11/2019).
Por sentença de 05/03/2020, proferida no apenso I, CC e DD foram habilitados como sucessores da embargante de terceiro BB, para prosseguirem os ulteriores termos dos correspondentes embargos.
Em 31/05/2024, foi proferido neste apenso de embargos de terceiro, despacho do seguinte teor “Uma vez que os embargantes de terceiro/habilitados também são os executados/habilitados, antes de mais verifique se na execução, ou noutro apenso, têm I. Mandatário constituído anteriormente ou no prazo conferido para o efeito.”
Foi então em 04/06/2024 aberta conclusão com a seguinte informação “informando V.Exª., que compulsados os autos de execução, verifica-se que o único I. Mandatário constituído pelos embargantes/habilitados, foi o Sr. Dr. MDV (cfr. requerimento – refª.: 6802338 – data: 20-12-2011), que por sua vez substabeleceu sem reserva no I. Advogado, Sr. Dr. FF (cfr. requerimento – refª.: 13844059 – data: 18-11-2013). Mais se informa que também foi junta procuração, pelos embargantes/habilitados, no requerimento inicial do apenso F a favor de um único I. Mandatário, o Sr. Dr. FF. Informa-se ainda, que posteriormente à renúncia, nos presentes autos pelo I. Mandatário, Dr. FF, pelos embargantes/habilitados não foi constituído novo Mandatário”.
De seguida foi proferida a seguinte decisão:
“Os embargantes de terceiro/habilitados DD e CC foram notificados da renúncia ao mandato do seu I. Mandatário, em 21.09.2018, com a cominação prevista pelo art.º 47 nº. 3 do C. P. Civil.
Dispõe o art.º 47 nº. 3 al. a) do C. P. Civil que, no caso em que seja obrigatória a constituição de mandatário, a instância suspende-se após 20 dias da data da notificação da renúncia, sendo que “a suspensão da instância, se exceder seis meses, dá lugar à deserção (art.º 281-1)” (José Lebre de Freiras e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º., Almedina, 4ª edição, anotação ao art.º 47, p. 123).
Assim, não tendo os embargantes de terceiro/habilitados constituído mandatário neste processo, e tendo decorrido mais de seis meses após data da suspensão da instância, julga-se extinta a instância por deserção.
Custas pelos embargantes de terceiro/habilitados (art.º 527 do C. P.Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que aufiram.”
Não se conformando com esta decisão, vieram os habilitados na posição de embargantes de terceiro apelar, das suas alegações extraindo as seguintes
CONCLUSÕES
[segue espaço em branco por razões informáticas]

Não foram apresentadas contra-alegações.
**
Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
**
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 662º nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º nº3 do mesmo Código).
Deste modo, no caso, a questão a decidir consiste em saber se a decisão de deserção da instância deve ser revogada, por se dever considerar que os habilitados na posição de embargantes de terceiro estão devidamente representados por advogado.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Os factos relevantes para a decisão correspondem às incidências processuais enunciadas no relatório supra.
B) DE DIREITO
Como se vê das incidências factuais respigadas da tramitação processual, e acima enunciadas no relatório, BB, CC e DD foram habilitados como sucessores do primitivo executado EE, assumindo assim a posição de executados.
A sua primeira intervenção processual ocorreu em 18/11/2013, data em que BB, CC e DD deduziram oposição à execução, subscrita pelo Sr. Dr. FF, ao qual todos eles emitiram procurações datadas de 18/11/2013; sendo que nesse mesmo dia 18/11/2013 o Sr. Dr. FF juntou aos autos de execução substabelecimento sem reserva, pelo qual foram nele substabelecidos os poderes que BB, DD, CC e ainda GG haviam conferido anteriormente ao Sr. Dr. MDV.
Acontece que BB apresentou os presentes embargos de terceiro, por peça também subscrita pelo Sr. Dr. FF ao qual emitiu procuração em 18/11/2013, deduzindo-os – como decorre do art.º 348º nº 1 CPC – contra as partes primitivas, a saber, contra a exequente ST e contra os executados DD e CC (e ainda contra GG, esposa deste último), de onde ressalta que DD e CC foram demandados no âmbito destes embargos de terceiro, encontrando-se no lado passivo da correspondente lide.
Uma vez que o Sr. Dr. FF, mandatário da embargante de terceiro, era também mandatário dos executados CC e DD, sendo as suas posições nestes embargos processualmente antagónicas, o mesmo, na sequência de despacho que assinalou essa circunstância, renunciou ao mandato que lhe havia sido conferido por CC, DD e GG, fazendo menção expressa a que a renúncia era para produzir efeitos apenas nos autos de embargos de terceiro, não sendo extensível ao processo principal e outros apensos (cfr. despacho de 18/05/2017 e requerimento de 26/06/2017).
Os mandantes - GG, CC e DD - notificados da renúncia ao mandato, respectivamente, em 21/09/2018 e em 01/10/2018, com informação das cominações legais, não constituíram novo mandatário no prazo legal de 20 dias.
Sendo eles embargados, portanto no lado passivo da lide, os presentes embargos de terceiro, decorrido aquele prazo de 20 dias, deveriam ter prosseguido os seus termos aproveitando-se os actos (porventura) antes praticados pelo mandatário, tal como prevê o art.º 47º nº 3 al. b) CPC.
O que não aconteceu.
Entretanto, cerca de um ano depois, concretamente em 07/11/2019, CC e DD promoveram o incidente de habilitação de herdeiros de sua mãe BB, que passou a constituir o apenso I; e perante a notícia do seu falecimento foi determinada a suspensão da instância nestes embargos de terceiro (cfr. despacho de 18/11/2019), em respeito pelo prescrito nos art.ºs 269º nº 1 al. a) e 270º nº 1 CPC.
Por sentença de 05/03/2020, proferida nesse apenso I, CC e DD foram habilitados como sucessores da embargante de terceiro BB, para prosseguirem os ulteriores termos destes embargos, e dessa sentença foram notificados por notificação certificada no sistema em 06/03/2020, presumindo-se notificados em 09/03/2020, cessando então a suspensão da instância (cfr. art.º 276 nº 1 al. a) CPC).
Até que em 04/06/2024 foi proferida a sentença sob recurso que é do seguinte teor: «Os embargantes de terceiro/habilitados DD e CC foram notificados da renúncia ao mandato do seu I. Mandatário, em 21.09.2018, com a cominação prevista pelo art.º 47 nº. 3 do C. P. Civil.
Dispõe o art.º 47 nº. 3 al. a) do C. P. Civil que, no caso em que seja obrigatória a constituição de mandatário, a instância suspende-se após 20 dias da data da notificação da renúncia, sendo que “a suspensão da instância, se exceder seis meses, dá lugar à deserção (art.º 281-1)” (José Lebre de Freiras e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º., Almedina, 4ª edição, anotação ao art.º 47, p. 123).
Assim, não tendo os embargantes de terceiro/habilitados constituído mandatário neste processo, e tendo decorrido mais de seis meses após data da suspensão da instância, julga-se extinta a instância por deserção.
Custas pelos embargantes de terceiro/habilitados (art.º 527 do C. P.Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que aufiram.»
Salvo o devido respeito, a decisão incorre num equivoco : DD e CC, que efectivamente por força da sentença de 05/03/2020 proferida no apenso I tomaram a posição processual de embargantes de terceiro/habilitados, não foi nessa qualidade que em Setembro e Outubro de 2018 foram notificados da renúncia ao mandato, desde logo porque apenas foram habilitados na posição de embargantes de terceiro pela citada sentença de 05/03/2020, cerca de um ano e meio depois da mencionada notificação da renúncia ao mandato, a qual, na verdade, teve lugar quando a sua posição processual nos embargos de terceiro se reconduzia ao lado passivo da lide, por terem sido demandados atenta a sua qualidade de executados.
Acresce que sendo eles embargados nos embargos de terceiro e vindo a tomar a posição de embargantes por força da sua habilitação como herdeiros da falecida primeva embargante de terceiro, verifica-se uma confusão subjectiva, e não podendo eles ser concomitantemente demandantes e demandados ela resolve-se, atentos os interesses em jogo no caso concreto, assumindo os mesmos a posição de embargantes, quedando-se como embargados apenas a exequente e GG, que nos presentes embargos também foi demandada.
Neste conspecto não se verifica qualquer falta de patrocínio. Isto porque o Sr. Dr. FF renunciou ao mandato conferido por CC e DD apenas para o âmbito destes embargos de terceiro sob o pressuposto, que então se verificava, de o mesmo patrocinar partes com posições processualmente antagónicas nestes embargos de terceiro, pois patrocinava aqueles, na qualidade de embargados/executados, e simultaneamente a embargante BB, realidade processual que já não se verifica.
E se é certo que essa renúncia e para esses efeitos operou, igualmente certo é que CC e DD continuaram patrocinados pelo Sr. Dr. FF no processo principal e nos outros apensos (cfr. requerimento de 26/06/2017), neles havendo procuração forense a seu favor válida e eficaz, cujos poderes são extensivos a todos os apensos e incidentes, pelo que, inexistindo agora qualquer situação de patrocínio de interesses processualmente conflituantes, nada impede que os poderes forenses concedidos pelo substabelecimento sem reserva junto à execução e pela procuração junta à oposição à execução se estendam a este apenso.
Assim, aqui chegados há que concluir pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida, devendo os presentes embargos prosseguir a respectiva tramitação.
III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que os presentes embargos de terceiro prossigam a respectiva tramitação.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.

Lisboa, 27/03/2025
Amélia Puna Loupo
Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães