Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
440/22.4T8MTA.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: RECONVENÇÃO
INEPTIDÃO
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE A APELAÇÃO QUANTO À DECISÃO QUE JULGOU INEPTA A RECONVENÇÃO E IMPROCEDENTE A APELAÇÃO QUANTO À DECISÃO QUE INDEFERIU A PROVA PERICIAL REQUERIDA PELO RÉU
Sumário: I) Constituindo como que uma petição inicial “enxertada” numa ação pendente, o pedido reconvencional será inepto se se verificarem as causas que determinam a ineptidão da petição inicial, nos termos previstos no artigo 186.º do CPC, entre as quais se encontra a falta de formulação do pedido.
II) O “pedido” é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, ou seja, o efeito jurídico que o autor quer obter com a ação.
III) A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma ação, à partida, viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo, que mostre, desde logo, não ser possível um correto, coerente e unitário ato de julgamento. Secundariamente – na perspetiva das partes – o instituto permite o cabal conhecimento, por banda do réu, das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, poder exercer cabalmente o contraditório. É essa a razão do estatuído no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, de onde decorre que, em caso de invocação pelo réu da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, tal invocação não será atendível se se concluir que ele, não obstante as deficiências invocadas, percebeu o feito que o demandante introduziu em juízo, estando consciente das consequências que o autor dele pretende retirar.
IV) Tendo o réu na contestação invocando que realizou, e o seu pai, obras de conservação do imóvel, indispensáveis a assegurar a sua habitabilidade, pelas quais foi paga a quantia global de €10.000,00 e concluindo que “Procedendo a presente ação, o que não se admite, terá o R. direito a ser indemnizado pelo valor das obras descritas nos artigos anteriores, sem prejuízo do direito de retenção” (cfr. artigo 60.º da contestação) e que, “Em consequência formula-se o pedido reconvencional em €10,000.00 (dez mil euros)” (cfr. artigo 61.º da contestação), foi formulado pedido reconvencional de condenação da contraparte no pagamento de €10.000,00.
V) A não inserção dessa pretensão no desfecho de tal peça processual não torna inepta a reconvenção, uma vez que o vício em questão tem natureza exclusivamente formal, não contendendo com a permanência ou ausência da correspondente pretensão, já expressa no articulado, nem atinando com qualquer direito tutelável da contraparte, consubstanciando uma irregularidade sanável.
VI) A instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o princípio da prevalência das decisões de mérito sobre as formais, expressa no princípio de gestão processual a que se reporta, em particular, o artigo 6.º do CPC, determinam que o juiz deva promover a regularização do articulado e, não, julgando inepta a reconvenção, sem conferir ao réu a possibilidade de suprir tal vício.
VII) A ineptidão da petição inicial por falta de pedido, prevista como nulidade insanável e insuscetível de convite para correção, só deve ser decretada quando seja inequívoco que o autor não deu a conhecer o efeito jurídico pretendido.
VIII) Não impondo a lei fórmulas pré-estabelecidas para a dedução do pedido, é de aceitar o articulado em que, embora a pretensão de tutela jurídica não tenha sido efetuada de acordo com a praxis do foro (no desfecho de tal articulado), o efeito jurídico pretendido com a demanda, se encontra patentemente formulado nessa peça processual.
IX) De todo o modo, tendo a autora interpretado convenientemente a pretensão reconvencional, relativamente à qual esgrimiu a sua defesa, a arguição do vício de ineptidão da reconvenção por falta de pedido, não poderia, todavia, jamais, proceder, atento o facto de a previsão contida no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, a isso impedir.
X) A perícia será impertinente ou dilatória, nos termos do disposto no artigo 476.º, n.º 1, do CPC, quando não respeitar a factos condicionantes da decisão final ou quando, embora respeitando a tais factos, o seu apuramento não depende de prova pericial, por não estarem em causa conhecimentos especiais que a mesma pressupõe.
XI) Visando a perícia requerida pelo réu provar factos referentes a questão que não se enquadra no objeto do litígio identificado, nem nos temas da prova enunciados, não respeitando aos factos essenciais que sustentam as posições jurídicas das partes, não integrando as respetivas causas de pedir (acional e reconvencional), nem configurando algum facto instrumental que releve para a prova daqueles factos essenciais, tal meio de prova é impertinente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:

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1. HOUSING - DESENVOLVIMENTO E GESTÃO DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIOS, LDA., identificada nos autos, instaurou contra, LC, também com os sinais dos autos, a presente ação declarativa com processo comum pedindo seja a autora declarada proprietária da fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar, lado direito, pertencente ao prédio urbano situado na Baixa da Banheira, na Rua …, nº …, descrito na ficha nº …/…, da Conservatória do Registo Predial de Moita, inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da União das freguesias de Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, seja o réu condenado a reconhecer tal direito e condenado a restituí-lo de imediato à autora, livre e desocupado, sendo condenado a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de €350,00 por cada mês que decorra desde a data de caducidade do contrato de arrendamento até à data da restituição.
Alegou, em suma, que:
- Por contrato de 01-05-1970, JM, o anterior proprietário deu de arrendamento a JC, para habitação, a referida fração autónoma, sendo que, em 01-07-2015, a autora e o referido arrendatário celebraram um aditamento ao contrato de arrendamento, estabelecendo entre outras cláusulas, a actualização da renda para €90,00 durante o período de cinco anos e com início no mês de Agosto de 2015;
- Por carta datada de 17-04-2020, o réu comunicou à autora o seguinte: “Venho pela presente dar conhecimento a V.ª Ex.ª que o senhor JC, inquilino do imóvel sito na Rua …, nº … 2 dto, faleceu no passado dia 3 de Abril 2020. Atendendo ao facto de eu ser filho do falecido arrendatário e dada a situação de conveniência com o falecido, há mais de um ano (50 ANOS), assiste-me o direito à transmissão do arrendamento. Junto envio uma certidão de óbito e uma certidão de nascimento para prova do óbito e do parentesco”;
- Por carta de 20-05-2020, a autora respondeu não aceitar aquela pretensão, “atento o facto de o contrato ter a data de 1 de Maio de 1970 e de não ter transitado para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, conforme cláusula sexta do aditamento ao mesmo. Razão pela qual não preenche V.ª Ex.ª nenhum dos requisitos que permitam a transmissão do referido contrato de arrendamento. Em virtude do exposto, solicitamos que nos faça a entrega do locado, livre e desocupado, no prazo máximo de 60 dias”;
- Por carta data de 8 de Junho de 2020, o réu manteve a posição já transmitida;
- O réu detém as chaves da fracção acima identificada, sem qualquer título;
- A autora não celebrou com o réu qualquer contrato de arrendamento, sendo que a posse que o réu exerce do referido local não tem título, pelo que, deve ser reconhecido à autora o direito de propriedade sobre a coisa reivindicada e a mesma a ela restituída, artigos 1305º e 1311º do Código Civil;
-A detenção ilícita que o réu exerce do local em apreço e que continuará a exercer causa à autora prejuízos por não poder usar, nem fruir, nem dispor do local, sendo que, se a autora optasse pelo arrendamento do referido local poderia auferir a renda mensal de, pelo menos, €350,00 mensais;
- O contrato de arrendamento celebrado com o pai do réu caducou em virtude da sua morte, nos termos do disposto no artigo 1051.º n.º 1 alínea d) do Código Civil;
- Tratando-se o contrato dos autos um contrato de arrendamento celebrado antes da vigência do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (Regime do Arrendamento Urbano), são-lhe aplicáveis as disposições transitórias da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), mais especificamente o disposto no artigo 28.º da referida lei;
- A transmissão por morte do arrendamento é regulada pelo artigo 57.º do NRAU (por via da remissão dos artigos 28.º n.º 1 e 26.º n.º 2 do NRAU); e
- O réu não se enquadra em qualquer uma das situações das alíneas d), e) e f) do artigo 57.º n.º 1 do NRAU.

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2. Citado, o réu – a quem foi deferido apoio judiciário na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, Atribuição de agente de execução” - contestou invocando, em suma, que:
- O acordo alegado no artigo 3.º da p.i. não existiu, não tendo o documento n.º 2 junto com a p.i. a virtualidade de obstar a que o arrendamento tenha transitado para o NRAU e transmitido ao réu, nos termos do artigo 1106.º do CC;
- Não foi comunicada transmissão de propriedade para a autora e que, a ter havido transmissão, o exercício do direito de preferência na compra do imóvel terá ocorrido sem o cumprimento do disposto no artigo 1091.º do CC, sendo que o falecido arrendatário poderia ter exercido este direito, que lhe foi negado;
- Detém as chaves do imóvel em virtude da transmissão do arrendamento por falecimento do pai, anterior arrendatário, com quem sempre viveu em economia comum, enquadrando-se na previsão do artigo 1106.º, n.º 1, al. c), do CC;
- De todo o modo, o artigo 57º do NRAU padece de inconstitucionalidade por ofensa aos princípios da confiança e da igualdade contidos nos art.º 2º, 13º e 18º da CRP, determinando tal inconstitucionalidade a repristinação do artigo 85.º do RAU;
- Não tem a autora direito à indemnização peticionada, sendo que o valor de arrendamento referido pela autora é excessivo;
Deduziu ainda reconvenção alegando o seguinte:
“(…) 54º Conforme foi referido, o pai do R. e o próprio, durante largos anos, realizaram diversas obras essenciais de conservação à fração do imóvel as quais se afiguraram como indispensáveis para assegurar as condições de habitabilidade da mesma.
55º As referidas intervenções foram realizadas pelo arrendatário e pelo R. porque o senhorio nunca se mostrou na disposição de as fazer, sendo que legalmente, lhe cabe fazê-las, cfr. al. b) do art.º 1031e nº1 do art.º 1074º, ambos do código civil.
56º Entre estas, até ao ano de 2012 o R e seu pai levaram a efeito e pagaram as seguintes obras a) reparação global da casa de banho, substituição da canalização da casa de banho, azulejos do chão e parede, que foi necessário substituir devido á substituição da canalização, sanitários, que se cifram no valor de €3.500, (três mil e quinhentos euros) intervenções na cozinha, substituição da canalização da cozinha, e de azulejos da parede e do chão, substituição dos armários da cozinha por estarem podres e velhos devido a humidade, autoclismo, por perdas de água, o que originava elevadas contas de água, cifrando-se no valor de €6.500.
57º As obras referidas configuram benfeitorias necessárias (art.º 1273º) do C.C – que são as que se dirigem à conservação da coisa benfeitorizada, isto é, a obviar à sua perda, destruição ou deterioração – o possuidor tem o direito a ser indemnizado.
58º Ora o R. tem direito a ser ressarcido destas benfeitorias por as ter herdado do pai e porque também contribui para as mesmas.
59º Com a realização destas obras, o Réu e seu pai pagaram a quantia global de €10.000,00 (dez mil euros).
60º Procedendo a presente ação, o que não se admite, terá o R. direito a ser indemnizado pelo valor das obras descritas nos artigos anteriores, sem prejuízo do direito de retenção.
61º Em consequência formula-se o pedido reconvencional em €10.000,00 (dez mil euros)”.
Concluiu tal articulado, nos seguintes termos:
“Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossa Ex.ª, deverá a presente acção de reivindicação ser julgada improcedente por não provada e o contestante ser absolvido de todos os pedidos formulados com as legais consequências,
Devendo nomeadamente improceder a pretensão de o réu restituir, de imediato, á autora, livre e desocupado o local reivindicado.
Bem como improceder o pedido do Réu em pagar á autora, a título de indemnização a quantia de €350,00 por cada mês que decorra desde a data da caducidade do contrato de arrendamento e até á data da restituição.
Devendo a Autora ser condenada a reconhecer nos termos do artigo 1106º alínea C) do C.C. a transmissão no arrendamento do Réu, por falecimento do pai”.
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3. A autora replicou concluindo pela improcedência das exceções e pedido reconvencional deduzidos pelo réu, tendo invocado a ineptidão do pedido reconvencional, tendo junto documentos.
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4. Por requerimentos de 10-10-2022 e 11-10-2022, o réu veio impugnar os documentos juntos com a réplica, requerendo perícia às assinaturas constantes dos documentos n.ºs. 2 e 6 juntos com tal articulado, bem como, juntou parecer de direito.
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5. Nos termos do requerimento de 19-10-2022 a autora pronunciou-se pela rejeição do pedido de prova pericial.
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6. Em 08-02-2023 teve lugar audiência prévia, constando da respetiva ata, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Em seguida, pela Mmª Juiz de Direito, foi notificada a ilustre mandatária do réu, no sentido de aperfeiçoar a reconvenção, indicando, de forma autónoma, o valor do pedido reconvencional deduzido.
No uso da palavra que lhe foi concedida, pela ilustre mandatária do réu foi dito que o valor da reconvenção são €10.000,00 (dez mil euros).
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Após, pela Mmª Juiz de Direito, foi também a mandatária do Réu notificada para se pronunciar sobre a exceção de ineptidão da reconvenção por falta de pedido alegada pela autora.
No uso da palavra que lhe foi concedida, pela ilustre mandatária do réu, foi dito o seguinte:
Face ao facto de a autora invocar a ineptidão da reconvenção por falta de causa de pedir, dir-se-á que não lhe assiste razão, uma vez que a causa de pedir traduz-se no reconhecimento da transmissão do arrendamento do réu por falecimento do pai, nos termos peticionados, cumprindo todos os requisitos legais, pelo que tal pretensão da autora deve improceder.
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Após, resultando da contestação a alegação de que o réu tem vindo a pagar, desde a data do falecimento do seu pai, a quantia mensal de €90,00 (noventa euros), pela Mmª Juiz de Direito, foi concedida a palavra à ilustre mandatária da autora para, querendo, exercer o contraditório esclarecendo se admite ou não o pagamento de tal quantia.
Em seguida, pela ilustre mandatária da autora, no uso da palavra que lhe foi concedida, foi dito o seguinte:
A autora dá por reproduzida toda a matéria que consta do artigo 1º ao artigo 54º da réplica, da qual consta, nomeadamente, a pronúncia quanto ao pagamento da quantia de €90,00 (noventa euros) na sua conta bancária.
Após, pela Mmª Juiz de Direito, foi proferido o seguinte
DESPACHO
O Réu pode deduzir reconvenção e, através desta, formular uma pretensão contra o Autor. Assim sendo, por forma a assegurar o efetivo direito de defesa do Autor, a reconvenção deve estar identificada de forma clara e, inclusivamente, deve ser deduzida na contestação, sob pena de ser objeto de despacho de aperfeiçoamento. Além do mais, deve o Réu indicar o valor da reconvenção, sob pena de, não o fazendo, ser convidado a indica-lo.
Não obstante a Ré (também) não ter indicado o valor da reconvenção, questão já aperfeiçoada, a questão central prende-se com a exceção invocada pela Autora, a saber, a falta de pedido da reconvenção.
No que respeita à parte reconvencional, a contestação vale como uma petição inicial devendo, por tal razão, a reconvenção apresentar uma estrutura idêntica à da petição inicial e, dessa forma, deve o reconvinte alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, as razões de direito que servem de base ao pedido reconvencional e formular um pedido reconvencional – cfr. artigo 552.º do Código de Processo Civil.
Por maioria de razão, caberá aplicar à reconvenção os preceitos aplicáveis à ação “original” e, com isso, o previsto no artigo 186.º do Código de Processo Civil relativo à ineptidão e da absolvição da instância (artigo 278.º do Código de Processo Civil). Não obstante, estão os seus efeitos circunscritos ao pedido reconvencional.
Neste conspecto, mormente, haverá ineptidão da reconvenção quanto falte a indicação do pedido, de facto, dúvidas não restam que a exata formulação de um pedido é decisiva, pois o tribunal só conhece daquilo que se lhe pede, em especial, na medida em que se lhe pede (cfr. artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Pois que, sem a dedução específica de um pedido, o tribunal não tem condições de saber o que pretende o Autor e, em certa medida, o réu não pode defender-se. A ineptidão da petição inicial/reconvenção, tem como consequência a nulidade de todo o processado, no presente caso, circunscrito à reconvenção.
Compulsado o teor da peça apresentada pelo Réu, não resulta a indicação de qualquer pedido suscetível, mormente, de concretizar qual a concreta providência (ação, omissão, reconhecimento de direito etc.) a ser julgada procedente pelo tribunal nestes autos.
Pelo exposto, julgo inepta a reconvenção e, em consequência, decido absolver a Autora da instância reconvencional (cfr. artigos 577.º, al. b), 186.º, n.º 1, n.º 2, al. a) e 278.º, n.º 1, al. b) todos do Código de Processo Civil).
Nesta parte, custas pelo Réu, a calcular no final, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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(…)
DA PROVA PERICIAL
O artigo 476.º do Código de Processo Civil consagra que se entender que a diligência não é impertinente, nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.
O Réu requereu a realização de perícia à assinatura de JC aposta no documento junto sob n.º 6 com a Réplica, bem como da assinatura aposta no documento n.º 2 com a Réplica. Veio a Autora se pronunciar no sentido do indeferimento, porquanto o peticionado é manifestamente impertinente e dilatório.
A este respeito não pode o tribunal deixar de se pronunciar pela impertinência da requerida perícia, porquanto, não pode o tribunal deixar de concluir pela inocuidade do resultado de tal perícia quanto à decisão de mérito que sobre a causa recaí, na medida em que, não respeita a factos que condicionem a decisão final deste tribunal.
Pelo exposto, indefere-se a requerida prova pericial (…)”.
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7. Não se conformando com as referidas decisões, delas apela o réu, pugnando pela sua revogação, devendo o Tribunal de recurso “mandar revogar o douto despacho saneador recorrido e consequentemente, considerar procedente os referidos pedidos reconvencionais do Réu e ordenar a realização da perícia requerida pelo Réu”, tendo formulado as seguintes conclusões:
“(…) 23º Do indeferimento do pedido reconvencional.
24º De acordo com a matéria com interesse para a boa decisão da causa, a Autora interpôs contra o Réu uma acção a que chamou ação declarativa com processo comum, formulando seguinte pedido.
a) a presente acção ser julgada procedente por provada
b) Declarar-se ser a autora proprietária da fração autónoma identificada no Artigo l º supra;
c) Condenar-se o réu a reconhecer tal direito de propriedade da autora.
d) Condenar-se o Réu a restituir, de imediato, à autora, livre e desocupado o local reivindicado;
e) Condenar-se o réu a pagar à autora, a título de indemnização a quantia de €:350,00 por cada mês que decorra desde a data da caducidade do contrato de arrendamento e até á data da restituição - tudo com o mais da lei.
25º O Réu contestou e deduziu pedido reconvencional nos seguintes termos: Veja-se artigo 12 a 15 das conclusões.
26º O tribunal no despacho Saneador julgou inepta a reconvenção por considerar não haver pedido e absolveu a Autora da instância reconvencional violando os artigos 577º al) b 186 nº 1, nº 2 al. a) e 278º, nº1, alínea b) todos do Código de Processo civil.
27º Salvo opinião em contrário, e com o devido e merecido respeito, que é muito não assiste razão ao tribunal.
28º Ora o tribunal fez uma incorreta interpretação do pedido reconvencional do Réu, nomeadamente quando este requer a condenação da Autora a reconhecer nos termos do artigo 1106º alínea C) do C.C. a transmissão no arrendamento do Réu, por falecimento do pai.
29º Ora, com vista a ilidir o pedido da autora, o Réu deduz pedido reconvencional que cumpre todos os requisitos legais, embora a Autora tenha invocado a ineptidão da reconvenção deduzida pelo R. no exercício do patrocínio do Autor.
Pedido que o Réu faz nos seguintes termos
Devendo tal perícia ser requisitada, através da comparação da assinatura de JC, constante do documento“ Declaração”, datado de 6 de Abril de 2008 junto com a Réplica como doc. nº6, bem como da assinatura aposta na carta de 10 de Abril de 2015, junto aos autos com a Réplica, com a assinatura constante da pública forma do seu bilhete de identidade nº… emitido em 14 de Junho de 2006 pelo Arquivo de Identificação de Lisboa. Vitalício. Doc. Nº 1.
30º Para prova do alegado nos artigos 7º 8º e 9º da contestação e contraprova do alegado nos artigos 5º a 18º da Réplica, bem como da assinatura aposta na carta de 10 de Abril de 2015 (doc. nº 2) e da declaração junta como doc. nº 6, com a data de 6 de Abril de 2008, junto aos autos com a Réplica e juntou quesitos.
31º Com o devido e merecido respeito já o tribunal fez uma incorreta apreciação do pedido reconvencional por este deduzido, causando graves prejuízos ao Réu, ao considerar inepto o pedido reconvencional, absolvendo a Autora do mesmo, pondo em causa o direito de defesa do Réu.
32º Sendo tal perícia admissível de acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 1642/09.6T2AVR.A.C1 proferido no âmbito de processo intentado na Comarca do Baixo Vouga - Aveiro Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário e que se juntou aos autos como doc. nº 2.
33º Violando os artigos 577ºal) b 186 nº 1, nº 2 al. a) e 278º nº 1, alínea b) todos do Código de processo civil.
Do Indeferimento da prova pericial
34º O Réu impugnou os documentos juntos não com a petição inicial, mas com a réplica. E requereu a prova pericial o que fez da seguinte forma:
35º Devendo tal perícia ser requisitada, através da comparação da assinatura de JC, constante do documento“ Declaração”, datado de 6 de Abril de 2008 junto com a Réplica como doc. Nº6, bem como da assinatura aposta na carta de 10 de Abril de 2015, junto aos autos com a Réplica, com a assinatura constante da pública forma do seu bilhete de identidade nº … emitido em 14 de Junho de 2006 pelo Arquivo de Identificação de Lisboa. Vitalício. Doc. Nº1.
36º Para prova do alegado nos artigos 7º 8º e 9º da contestação e contraprova do alegado nos artigos 5º a 18º da Réplica, bem como da assinatura aposta na carta de 10 de Abril de 2015 (doc. nº 2) e da declaração junta como doc. nº 6, com a data de 6 de Abril de 2008, junto aos autos com a Réplica e juntou quesitos.
Sendo tal perícia admissível de acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 1642/09.6T2AVR.A.C1 proferido no âmbito de processo intentado na Comarca do Baixo Vouga - Aveiro Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário e que se juntou aos autos como doc. nº2.
38º Com o indeferimento da perícia requerida violou o tribunal a constituição da República Portuguesa nomeadamente o princípio da igualdade.
39º Assim ao indeferir o pedido reconvencional violou o tribunal os artigos 577º al. b) 186º nº 1, nº 2 al. a) e 278º nº1, alínea b) todos do Código de processo civil.
40º Assim ao indeferir a perícia, violou o tribunal a Constituição da República, nomeadamente princípio da igualdade e o direito á habitação.”.

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8. A autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo concluído que:
“1º O recurso do douto despacho ora recorrido apenas a final não o tornará absolutamente inútil, pelo que, deve o mesmo ser rejeitado por ser intempestivo.
2.º Mesmo que se entenda que o recurso do apelante deve ser admitido e que se enquadra na alínea h) do nº 2 do artigo 644º, sempre se dirá que o efeito a atribuir nunca poderá ser o efeito suspensivo.
3.º Para que fosse atribuído o efeito suspensivo, seria necessário que o apelante tivesse alegado e justificado que a execução da decisão (neste caso, o prosseguimento dos autos e, consequentemente, a realização da audiência de julgamento) lhe causa prejuízo considerável e se tivesse oferecido para prestar caução.
4.º O efeito a atribuir ao presente recurso deve ser o meramente devolutivo de forma a possibilitar a realização da audiência final e o prosseguimento dos autos.
5.º O pedido reconvencional deduzido pelo réu, ora apelante, nos artigos 54º a 61º da contestação, é o pedido de reembolso de obras supostamente feitas no local dos autos.
6.º Sucede, porém, que para que o Tribunal possa decidir sobre o pedido de reembolso dessas despesas, o réu estava obrigado a deduzir esse pedido na conclusão da sua contestação.
7.º Na verdade, ao deduzir um pedido reconvencional, o réu tem o ónus de formular um pedido, tal como resulta do disposto no artigo 552º, nº 1, alínea e) do CPC.
8.º Não tendo deduzido esse pedido - a reconvenção é inepta.
9.º A ineptidão é uma excepção que não pode ser sanada.
10.º Ainda assim foi dado ao réu, ora apelante, a possibilidade de se pronunciar sobre a excepção da ineptidão e nada fez.
11.º A ineptidão do pedido reconvencional determina a nulidade do mesmo, o que constitui uma excepção dilatória que tem como consequência a absolvição da autora quanto ao mesmo, nos termos do disposto nos artigos artigo 576º e 577.º, alínea b), ambos do CPC, como bem foi decidido no douto despacho recorrido.
12.º O pedido que o réu - agora vem dizer - que afinal é o seu pedido reconvencional nem sequer carece de ser deduzido em sede de reconvenção.
13.º A acção de reivindicação pressupõe necessariamente a formulação de dois pedidos cumulativos: o de reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e o de restituição da coisa reivindicada, por outro.
14º Pelo que, a eventual subsistência dum contrato de arrendamento sobre o imóvel reivindicado, como vínculo contratual que legitima a detenção da coisa, funciona como facto impeditivo à procedência do pedido de restituição da coisa.
15.º Assim, caso o réu, ora apelante, viesse a demonstrar que o contrato de arrendamento se lhe transmitiu por morte do seu pai, a consequência seria a improcedência da presente acção por existir um título que obsta à restituição.
16.º Logo, o pedido de reconhecimento de transmissão do contrato de arrendamento a favor do réu, ora apelante, não carece de ser apreciado em sede reconvencional.
17.º O recurso do douto despacho recorrido quanto ao indeferimento do pedido de prova pericial encontra-se totalmente desprovido de objecto, devendo ser rejeitado.
18.º O apelante limita-se a alegar uma violação do direito à igualdade, à habitação e ao princípio da igualdade, mas nada alega quanto à forma, fundamento ou razões que possam levar a concluir que o despacho violou esses direitos e princípio.
19.º O pedido de prova pericial recai sobre matéria que não tem qualquer relevância para a decisão de mérito da presente acção porque respeita ao exercício do direito de preferência pelo pai do réu - facto que não constitui a causa de pedir dos presentes autos e em nada está relacionada com ela.
20º O pedido de prova pericial é manifestamente impertinente e dilatório, sendo uma forma de pretender retirar o foco do Tribunal sobre a decisão de mérito e que é saber se o contrato dos autos caducou ou não.
21.º A assinatura dos referidos documentos cuja perícia foi requerida em nada contribui para a decisão de mérito dos autos (…)”.
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9. Nos termos do despacho proferido em 14-03-2023 foi admitido o requerimento recursório, como “apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (cfr. artigos 627.º,n.º 1 e n.º 2, 629.º 631.º, n.º 1, 637.º, 638.º, 639.º, 641.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. d), 645.º, n.º 1, al. a), e 629.º, n.º 3, al. a) ex vi 647.º,n.º 3, al. b) todos do Código de Processo Civil)”.
*
10. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identificam-se as seguintes questões a decidir:
I) Questão prévia:
A) Da inobservância pela recorrente do disposto no artigo 639.º, n.º 2, als. a) a c) do CPC.
II) Da impugnação da decisão de direito:
B) Se deve ser revogada a decisão recorrida que julgou inepta a reconvenção?
C) Se deve ser revogada a decisão recorrida que indeferiu a prova pericial requerida?

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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, conforme resultam dos autos, os elencados no relatório.

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4. Fundamentação de Direito:

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I) Questão prévia:

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A) Da inobservância pela recorrente do disposto no artigo 639.º, n.º 2, als. a) a c) do CPC.
A recorrida, nas suas contra-alegações, invocou, nomeadamente, que:
Como questão prévia há que referir que nesta parte o recurso encontra-se totalmente desprovido de objecto, devendo ser rejeitado. O réu limita-se a alegar uma violação do direito à igualdade, à habitação e ao princípio da igualdade, mas nada alega quanto à forma, fundamento ou razões para concluir que o despacho violou esses direitos e princípio. Resulta do artigo 639º, nº 2, alíneas a) a c) do CPC (…) que o apelante deveria ter indicado quais as normas jurídicas violadas e qual o sentido com que as normas que servem de fundamento ao recurso deveriam ter sido interpretadas e aplicadas”.
Vejamos:
Conforme refere Luís Filipe Castelo Branco (Recursos Civis: O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária. Lisboa: CEDIS, 2020, pp. 33-34, consultado em: https://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2020/09/Recursos-Civis-min.pdf): “O sucesso do recurso cível baseia-se, essencialmente, numa peça processual inicial que, apresentada juntamente com o requerimento de interposição de recurso, contém as alegações de recurso.
Trata-se da exposição alargada dos motivos que justificam, segundo a óptica do recorrente, que o tribunal de recurso opte por posição diversa da adoptada na instância inferior, concluindo pela errada valoração de facto ou pela violação das normas legais aplicáveis à situação sub judice, e que altere, modificando, o sentido da decisão recorrida.
Estas alegações de recurso terminam obrigatoriamente com a formulação das conclusões das alegações (ou melhor dito, das conclusões do corpo das alegações), as quais delimitam o objecto do respectivo conhecimento por parte do tribunal superior.
Trata-se basicamente da concretização do ónus de síntese conclusiva que é colocado sobre os ombros do recorrente e que o mesmo deverá satisfazer com o máximo zelo, clareza e escrúpulo.
Por um lado, esta obrigação processual introduz clareza e transparência na discussão da temática do objecto do recurso: a instância superior fica a saber, de forma ordenada, quais as questões essenciais que lhe compete apreciar, não as podendo descurar, e estabelecendo-se desse modo, com nitidez e utilidade, o foco de incidência do juízo do tribunal ad quem; por outro, o recorrido poderá exercer cabalmente o contraditório que lhe assiste, na medida em que sabe qual a parte da motivação do recurso verdadeiramente relevante e decisiva, a que terá de responder, não se distraindo com as considerações retóricas, marginais e acessórias, que germinam livremente nas orlas da divagação jurídica, por vezes entusiástica e inflamada”.
O n.º 1 do artigo 637.º do CPC estatui que os recursos de interpõem por meio de requerimento, dirigido ao Tribunal que proferiu a decisão recorrida e nele é indicada a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.
O n.º 2 do artigo 637.º do CPC estabelece que o “requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”.
Importa referir, a respeito do n.º 2 do artigo 637.º do CPC que, fora dos casos em que deve ter lugar, sob pena de rejeição do recurso, a indicação do fundamento específico de recorribilidade – o que sucede nos casos do recurso de revista excecional (artigo 672.º, n.º 2, do CPC) e do recurso para uniformização de jurisprudência (artigo 692.º, n.º 1, do CPC), em que a condição de recorribilidade da decisão advém de uma norma particular a consentir no recurso – nas demais situações e, concretamente, em sede de recurso de apelação, não é imperioso o apelante indicar algum específico fundamento de recorribilidade.
Por sua vez, decorre dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 639.º do CPC que:
“1-O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 – Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificidades a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada (…)”.
Conforme deriva dos normativos transcritos, o requerimento de interposição de recurso deve satisfazer determinadas condições formais, apresentando a respetiva fundamentação e o pedido.
Como refere, em geral, Rui Pinto (O Recurso Civil. Uma Teoria Geral; AAFDL, Lisboa, 2017, p. 236), “no requerimento o recorrente deve cumprir os ónus básicos de alegação e formulação das respetivas conclusões – i.e., os fundamentos específicos do pedido – conforme os artigos 637º nº 2 e 639º, e terminar no pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial”.
E, noutro local (Manual do Recurso Civil; Vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020 p. 293), concretiza o mesmo Autor que: “Dentro das alegações, há uma função lógica que apenas cabe às conclusões: individualizar o objeto do recurso, ao indicar o(s) fundamento(s) específico(s) da recorribilidade (cf. artigo 673.º nº 2) e, sendo o caso, o segmento decisório concretamente impugnado (cf. o artigo 635º nº 4). Daí ser pacífico o entendimento da jurisprudência de que é pelas conclusões que o recorrente delimita, efetivamente, o objeto do recurso. Simetricamente, a presença das conclusões permite a “viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações” (STJ 26-5-2015/Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1 (HÉLDER ROQUE)”.
As conclusões da motivação de recurso têm de habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito e sempre com a formulação das conclusões que resumem as razões do pedido.
Assim, o ónus de concluir obtém-se pela indicação resumida dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho. Mais simplesmente, as conclusões traduzem uma enunciação abreviada dos fundamentos do recurso, que devem ser congruentes, claros e precisos.
É que, “no contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusão, no final da minuta” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra, 1984, p. 359).
As conclusões são, pois, a enunciação resumida dos fundamentos do recurso.
“Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, p. 359).
A lei impõe a indicação especificada dos fundamentos do recurso nas conclusões, para que o tribunal conheça, com precisão, as razões da discordância em relação à decisão recorrida.
Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2013 (Pº 483/08.0TBLNH.L1.S1, rel. GARCIA CALEJO): “O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida). Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar. Não devem valer como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas”.
Na mesma linha, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-03-2017 (Pº 1297/12.9T2AMD-A.L1-2, rel. PEDRO MARTINS) que: “Se as conclusões de um recurso não são a síntese daquilo que foi dito no corpo das alegações (art.º 639/1 do CPC), mas matéria nova não discutida neste corpo, não há conclusões que devam ser tidas em consideração. E também não existem conclusões relevantes se em nenhuma delas consta a indicação dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão (art.º 639/1 do CPC)”.
Esse ónus de concluir compete exclusivamente ao recorrente – conforme decorre do n.º 1 do artigo 639.º do CPC - e tem a finalidade útil e garantística de permitir que não existam dúvidas de interpretação acerca dos motivos que o levam a impugnar a decisão recorrida.
As conclusões nada têm de inútil ou de meramente formal, constituindo, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente como motivadoras do recurso e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate, quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.
As conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, daí que deva ser clara a identificação do que se pretende obter junto do tribunal de recurso, por contraposição, com a decisão recorrida.
Sintetizando os aspetos mais relevantes, refere João Aveiro Pereira (“O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, 2018, pp. 32-33, consultado em: http://www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf) que:
“1. As conclusões das alegações são ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida. Porque são o resultado e não o desenvolvimento do raciocínio alegatório, as conclusões têm necessária e legalmente de ser curtas, claras e objectivas, para que não deixem dúvidas quanto às questões que o tribunal ad quem deve e pode conhecer.
2. O ónus de concluir cumpre-se também com a indicação das disposições violadas, do sentido com que deveriam ter sido aplicadas ou, em caso de erro sobre a norma, aquela que o recorrente entende que devia ter sido aplicada (…)”.
“Todavia, é com inusitada frequência que se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações exigidas pelo n.º . São triviais as situações em que as conclusões não passam da mera reprodução (total ou parcial) dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume ou a quantidade das conclusões fosse sinónimo de qualidade ou como se houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objeto do processo e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 768, nota 5).
A jurisprudência dos tribunais superiores tem apreciado diversas situações onde se questiona a validade e admissibilidade das conclusões apresentadas (cfr., v.g., Acórdão do STJ de 16-12-2020, Pº 2817/18.0T8PNF.P1.S1, rel. TOMÉ GOMES; Acórdão do STJ de 02-05-2019, Pº 7907/16.1T8VNG.P1.S1, rel. BERNARDO DOMINGOS; Acórdão do STJ de 07-03-2019, Pº 1821/18.3T8PRD-B.P1.S1, rel. ROSA TCHING; Acórdão do STJ de 19-12-2018, Pº 10776/15.5T8PRT.P1.S1, rel. HENRIQUE ARAÚJO; Acórdão do STJ de 27-11-2018, Pº 28107/15.2T8LSB.L1.S1, rel. JÚLIO GOMES; Acórdão do STJ de 02-05-2018, Pº 687/14.7TTMTS.P1.S1, rel. RIBEIRO CARDOSO; Acórdão do STJ de 06-07-2017, Pº 297/13.6TTTMR.E1.S1, rel. GONÇALVES ROCHA; Acórdão do STJ de 25-05-2017, Pº 2647/15.1T8CSC.L1.S1, rel. ANA PAULA BOULAROT; Acórdão do STJ de 13-10-2016, Pº 5048/14.5TENT-A.E1.S1, rel. OLIVEIRA VASCONCELOS; Acórdão do STJ de 18-02-2016, Pº 558/12.1TTCBR.C1.S1, rel. ANTÓNIO LEONES DANTAS; Acórdão do STJ de 09-07-2015, Pº 818/07.3TBAMD.L1.S1, rel. ABRANTES GERALDES; Acórdão da Relação de Guimarães de 24-09-2020, Pº 2781/18.6T8VCT-A.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS; Acórdão da Relação do Porto de 27-01-2020, Pº 2817/18.0T8PNF.P1, rel. JORGE SEABRA; Acórdão da Relação do Porto de 13-01-2020, Pº 3381/18.6T8PNF-A.P1, rel. MIGUEL BALDAIA DE MORAIS; Acórdão da Relação de Guimarães de 24-01-2019, Pº 3113/17.6T8VCT.G1, rel. EUGÉNIA Sílvia
 MOURA MARINHO DA CUNHA; Acórdão da Relação de Coimbra de 08-06-2018, Pº 1840/16.4T8FIG-A.C1, rel. RAMALHO PINTO; e Acórdão da Relação de Lisboa de 07-12-2016, Pº 141/14.7T8SXL.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES).
A propósito do que caracteriza de “peripécias relacionadas com as conclusões das alegações de recurso e dos custos que elas implicam para o sistema judiciário”, remata Miguel Teixeira de Sousa (Blog do IPPC, registo de 03-04-2020, consultado em https://blogippc.blogspot.com/2020/04/jurisprudencia-2019-210.html) que: “ninguém pode "atirar a primeira pedra":
-- A jurisprudência, porque, com decisões, de carácter puramente formal, que se recusaram a apreciar algumas questões suscitadas nos recursos com argumento de que não constavam das conclusões, os tribunais deram azo a que os advogados, segundo a conhecida "jurisprudência das cautelas", alargassem as conclusões muito para além do razoável;
-- A advocacia, porque os advogados continuam a não cumprir o que a lei impõe, que é -- lembre-se -- a indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que se pede a alteração ou a anulação da decisão impugnada (art.º 639.º, n.º 1, CPC)”.
A falta de alegações ou de conclusões não admite aperfeiçoamento e determina a liminar rejeição do recurso – cfr. artigo 641.º, n.º 2, al. b) do CPC – ou o seu não conhecimento pelo Tribunal de recurso – cfr. artigo 652.º, n.º 1, al. b) do CPC.
Insurge-se a recorrida dizendo que o recorrente não indicou as normas jurídicas que considerou violadas, nem observou as demais prescrições das alíneas do n.º 2 do artigo 639.º do CPC.
Apreciando:
Conforme se referiu, nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 639.º do CPC, prescreve-se que, versado o recurso matéria de direito, as conclusões devem, entre outras indicações, conter as normas jurídicas violadas (al. a) ), o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (al. b) ) e, invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada (al. c) ).
No caso, verifica-se que o recorrente apresentou requerimento de interposição de recurso, que acompanhou de alegações e verteu o requerimento de revogação das decisões recorridas que identificou, pelo Tribunal de recurso e também as razões da impugnação correspondente.
Relativamente à decisão de ineptidão da reconvenção, o recorrente invocou que o Tribunal recorrido violou “os artigos 577ºal) b 186 nº 1, nº 2 al. a) e 278º nº1, alínea b) todos do Código de processo civil” (cfr. conclusão 33ª) e, quanto à decisão de indeferimento de prova pericial, que o Tribunal recorrido “violou o tribunal a constituição da República Portuguesa nomeadamente o principio da igualdade” (cfr. conclusões 38.ª e 40.ª), “os artigos 577º al. b) 186º nº 1, nº 2 al. a) e 278º nº1, alínea b) todos do Código de processo civil” (cfr. conclusão 39.ª) e “o direito à habitação” (cfr. conclusão 40ª).
Ora, a indicação da violação pela decisão recorrida dos princípios da igualdade e do direito à habitação é inequívoca e apreensível, muito embora não conste, de facto, em termos formais, das conclusões referência expressa ao normativo considerado violado relativamente a tais matérias, assim como, o sentido de interpretação que tais prescrições normativas deveriam ter obtido.
Importa referir, a respeito de questão de outra natureza (processual penal), mas com inegável abrangência a uma qualquer impugnação recursória, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (cfr. Acórdão n.º 320/2002, Processo n.º 754/01, publicado no D.R., n.º 231/2002, Série I-A, de 07-10-2002, pp. 6715-6719).
De facto, nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 412.º do CPP, prescrevia-se, em termos semelhantes àqueles que ocorre em processo civil, que, versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; c) Em caso de erro na determinação da norma jurídica aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
Ora, também relativamente ao artigo 639.º do CPC é de ponderar semelhante interpretação legal.
De facto, o propósito do legislador ao enunciar os princípios constantes deste artigo foi o de vincular os recorrentes a fornecer, nos recursos que interponham, a indicação, em moldes percetíveis, não só do que pretendem, como das disposições legais que afirmam terem sido violadas pela decisão impugnada.
Constando expressa referência, quer no requerimento de recurso, quer na alegação sobre as normas consideradas em crise pela decisão recorrida, evidenciando-se da alegação o sentido com que a recorrente entende que tais normas deveriam ter sido consideradas – conducente à não ineptidão da reconvenção e à admissão do meio de prova que requereu - , afigura-se-nos que a rejeição do recurso com o fundamento de que tal especificação não consta reproduzida nas conclusões, seria desconforme com a Constituição, porque assentaria numa leitura estritamente formal do consignado nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 639.º do CPC.
Assim, se a parte, nas alegações de recurso, focou com objetividade a sua discordância sobre o despacho e tomou uma posição conclusiva de discordância em pontos essenciais que referenciou, o Tribunal de recurso está em condições, ainda que a parte não tenha formalizado a conclusão ou conclusões sobre essas discordâncias alegadas, de conhecer do objeto do recurso (no sentido exposto, ainda que, no precedente regime recursório, mas entendimento plenamente aplicável ao preceito em vigor, vd. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-1999, Pº 66/99, de 06-05-2003, Pº 03A720, rel. BARROS CALDEIRA e de 22-04-2009, Pº 08S3083, rel. VASQUES DINIS).
Conforme se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-05-1991 (Pº 041924, rel. SÁ NOGUEIRA): “As falhas dos aspectos puramente formais de ossatura das mesmas motivações - encerramento da motivação pelas conclusões, subordinação destas a artigos, e inclusão nelas da indicação das normas violadas - não tem relevo suficiente para conduzir a rejeição do recurso quando sejam facilmente cognoscíveis, pela própria motivação, quais as conclusões e quais as normas que se reputam violadas pela decisão de que se recorre”.
“Os casos de rejeição do requerimento de interposição de recurso estão taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 641.º e neles não se encontra incluída a falta de observância destes requisitos. Fora das (únicas) situações previstas como sendo fundamento de rejeição imediata do recurso, qualquer falha no cumprimento dos requisitos assinalados ao requerimento constituirá apenas uma irregularidade processual que ou se entende poder condicionar a apreciação do recurso, caso em que deverá ser mandada sanar, ou é mesmo irrelevante para o conhecimento do recurso e não carece sequer de ser suprida, podendo o processo avançar mesma com essa falha” (assim, o citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-04-2014, Processo 4949/10.4TBVFR.P1, relator ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA).
Não se afigura, em face do exposto, que o recurso deva ser rejeitado, não ocorrendo a situação a que se reporta o artigo 641.º, n.º 2, al. b) do CPC, uma vez que as conclusões encontram-se presentes na alegação recursória e, do mesmo modo, apreciada a peça processual que contém a alegação recursória, não se afigura existir motivo que justifique a prolação do despacho de convite a que se reporta o n.º 3 do artigo 639.º do CPC, pois, atento o referido, não ocorre situação de deficiência ou obscuridade recursória que o justifique.
Conclui-se, pois, inexistir motivo para o não conhecimento do recurso.
*
II) Da impugnação da decisão de direito:
*
B) Se deve ser revogada a decisão recorrida que julgou inepta a reconvenção?
Conclui o recorrente que a decisão recorrida, que julgou inepta a reconvenção, violou os artigos 577.º al) b, 186.º n.º 1 e n.º 2, al. a) e 278.º n.º 1, alínea b), do CPC, considerando que o Tribunal recorrido efetuou uma incorreta interpretação do pedido reconvencional, nomeadamente quando este requer a condenação da autora a reconhecer, nos termos do artigo 1106.º, al. c) do CC, a transmissão no arrendamento do réu, por falecimento do pai.
A recorrida contra-alegou, nomeadamente, dizendo que o “pedido reconvencional deduzido pelo réu, ora apelante, nos artigos 54º a 61º da contestação, é o pedido de reembolso de obras supostamente feitas no local dos autos”, mas, “para que o Tribunal possa decidir sobre o pedido de reembolso dessas despesas, o réu estava obrigado a deduzir esse pedido na conclusão da sua contestação”, constituindo a ineptidão uma exceção que não pode ser sanada, sendo que, ainda assim, foi dado ao réu a possibilidade de se pronunciar sobre a exceção da ineptidão e nada fez (cfr. conclusões 5.ª a 10.ª das contra-alegações).
Vejamos:
Para além de impugnar os factos articulados pelo autor, ou de contra eles deduzir exceção dilatória ou perentória, o réu pode aproveitar o articulado de defesa para operar uma modificação objetiva da instância, deduzindo um pedido que seja autónomo relativamente ao pedido do autor, “visando através dele obter a condenação do autor nesse novo pedido, ultrapassará uma postura ou atitude simplesmente defensional, pois que acrescentará algo de inovatório (relativamente ao pedido principal), dizendo em tal eventualidade que se defendeu, ou melhor, que contra-atacou através de reconvenção” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 149).
De facto, conforme resulta do disposto nos nºs. 1 do artigo 266.º do CPC, o réu pode deduzir pedido reconvencional, apresentando uma contra-pretensão contra o autor, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo.
De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 266.º do CPC, não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda forma de processo diferente da do pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos do artigo 37.º, n.ºs. 2 e 3 do CPC, com as necessárias adaptações.
O réu deve observar, na dedução do pedido reconvencional, determinados requisitos processuais legalmente exigidos para a obtenção de uma decisão de mérito, como sejam:
- A verificação dos pressupostos processuais relativos à competência absoluta do tribunal (em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia) – cfr. artigo 93.º, n.º 2, do CPC;
- A verificação dos pressupostos processuais relacionados com a forma do processo (cfr. artigo 266.º, n.º 3, do CPC);
-A dedução na contestação, de modo separado, discriminado e destacado ou isoladamente (no caso de não existir contestação-defesa) e com subordinação a artigos como qualquer outro articulado, devendo conter as indicações e elementos constantes do artigo 552.º, n.º 1, als. c), d) e e) do CPC (cfr. artigo 583.º, n.º. 1, do CPC);
- A indicação do valor da reconvenção (cfr. artigo 583.º, n.º 2, do CPC).
Para além dos requisitos processuais e conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 266.º do CPC, o exercício do direito de reconvir depende ainda da verificação de requisitos de ordem substancial ou material, apenas sendo admissível em situações em que exista uma certa conexão entre o pedido do autor e o formulado pelo réu.
A reconvenção é admissível nos casos elencados no artigo 266.º, n.º 2, do CPC, a saber:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou a despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; e
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
“Pela reconvenção, o réu faz valer, no seio de uma ação já introduzida em juízo, uma (sua) pretensão independente, assim se invertendo as posições das partes, num autêntico «cruzamento de acções»” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 150).
Nessa medida, prescreve o n.º 1 do artigo 583.º do CPC que, “a reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º”.
Conforme explicava José Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado; Vol. III, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 152), “[e]sta exigência significa que a matéria da reconvenção não deve englobar-se na matéria da defesa do réu nem confundir-se com ela; pelo contrário, deve destacar-se e distinguir-se nitidamente da defesa”, dado que, a contestação importa, neste caso, uma dupla função, funcionando, quer como defesa (ou resposta à petição inicial), quer como petição inicial da ação reconvencional que o ré intenta contra o autor.
“Por um princípio de economia processual, a lei permite e ordena que a reconvenção seja deduzida na contestação; mas não podia consentir que a matéria da reconvenção aparecesse amontoada na matéria da defesa.
A boa ordem e a disciplina processual exigem que no articulado se separe cuidadosamente o que respeita à defesa do que respeita à reconvenção. Eis o sentido do advérbio «discriminadamente»” (cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado; Vol. III, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 152).
Conforme salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado; Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 716), “[n]a vertente reconvencional, a contestação vale como uma petição inicial, devendo, nessa parte, apresentar uma estrutura idêntica à da petição. Nessa conformidade, o reconvinte deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir reconvencional e as razões de direito que servem de fundamento à reconvenção, mais devendo formular o pedido reconvencional”.
Constituindo como que uma petição inicial “enxertada” numa ação pendente, o pedido reconvencional será inepto se se verificarem as causas que determinam a ineptidão da petição inicial, nos termos previstos no artigo 186.º do CPC, entre as quais se encontra a falta de formulação do pedido: “A reconvenção enquanto acção enxertada, tem de cumprir a generalidade dos requisitos previstos para a petição inicial, designadamente a regularidade da causa de pedir e do pedido, sob pena de ineptidão da petição inicial, sabendo ainda que a conformidade da causa de pedir e do pedido reconvencionais é muito mais exigente, na medida em que este tem de ter a sua génese na causa de pedir do autor ou no qual se estriba a defesa” (assim, Joel Timóteo Ramos Pereira; Prontuário de Formulários e Trâmites, vol. III, Quid Juris, 2009, p. 445; cfr., também, Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 183 e ss.).
O artigo 552.º do CPC define o conteúdo que deve revestir a petição inicial. Nesse articulado deve o autor, para além do mais, “indicar a forma de processo”, “expôr os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação” e “formular o pedido” (cfr., alíneas c), d), e e), do n.º 1).
A “causa de pedir” traduz-se no facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido (cfr. Antunes Varela; J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil; 2.ª Ed., Coimbra Editora, p. 245), pelo que, sob pena de ineptidão, não bastará uma indicação vaga ou genérica dos factos com base nos quais a autora sustenta a sua pretensão. Ao autor ou demandante não bastará, assim, formular um pedido, devendo sempre indicar a causa de pedir, traduzida nos concretos factos jurídicos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer, o que passa pela narração de concretos acontecimentos da vida que são suscetíveis de redução a um núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais de direito substantivo (cfr., Lebre de Freitas; Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à luz do Código revisto; Coimbra Editora, 1996, pp. 54 a 57).
O autor encontra-se, pois, obrigado a expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (cfr. art.º 552.º, n.º 1, al. d), do CPC).
A indicação da causa de pedir está perfeitamente conexionada com o princípio do dispositivo, consagrado no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, onde se prescreve que, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
O nosso direito adjetivo adota, quanto à causa de pedir, a chamada “teoria da substanciação”, perante a qual pode a “causa de pedir” constitui o ato ou facto jurídico, simples ou complexo, de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor e que este se propõe fazer valer – cfr. artigo 581.º n.º 4, do CPC.
Tem-se em vista não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas sim, um certo facto jurídico material, concreto, conciso e preciso, cujos contornos se enquadram na definição legal. A causa de pedir é o facto material apontado pelo autor e produtor de efeitos jurídicos e, não, a qualificação jurídica que este lhe emprestou ou a valoração que o mesmo entendeu dar-lhe.
Por seu turno, o “pedido” é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo Autor, ou seja, o efeito jurídico que o Autor quer obter com a ação (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, p. 243).
O pedido comporta três vertentes:
a) uma vertente substantiva, objetiva integrada pela afirmação do efeito jurídico pretendido e descrição do respetivo objeto material;
b) uma vertente substantiva subjetiva consistente na identificação da parte contra quem é dirigido;
c) uma vertente processual dirigida ao tribunal e consistente na espécie de atividade requerida (seja ela declarativa de mero reconhecimento, de condenação ou constitutiva; seja executiva) (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-12-2020, Pº 229/17.2T8ALB.L1-8, rel. ISOLETA DE ALMEIDA COSTA).
Conforme salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado; Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 659), sem prejuízo de outras caraterísticas, “podemos afirmar genericamente que o pedido deve reunir os seguintes requisitos (…):
a) Ser expressamente referido na petição inicial (existência), embora não seja afastada de todo a admissibilidade de pedidos implícitos (…);
b) Ser apresentado de forma clara e inteligível (ininteligível é o pedido que se apresenta “confuso, incompreensível, indecifrável, obscuro” – STJ 9-5-95, CJ, t. II, p. 68); só um pedido cujo alcance possa ser compreendido pelo juiz e pelo réu é possível de sustentar um processo em que se pretende uma decisão judicial definidora de um conflito de interesses, assegurar o efetivo exercício do contraditório, circunscrever com rigor os limites da sentença (art.º 609.º, nº 1) e delimitar o caso julgado material (art.º 621.º);
c) Ter um conteúdo determinado ou determinável em fase de liquidação ou de execução de sentença (…);
d) Ser coerente relativamente à causa de pedir ou pedidos cumulados, evitando quer a incompatibilidade substancial que determina a ineptidão da petição (art.º 186.º, n.º 2, al. b)), quer a incongruência que pode desembocar na improcedência do pedido;
e) Ser lícito, ou seja, representar uma forma de tutela de direitos ou de interesses protegidos e admitidos pela ordem jurídica (…);
f) Representar uma forma de tutela de um direito ou de um interesse juridicamente relevante (juridicidade)”.
De acordo com os n.ºs. 1 e 2 do artigo 186.º do CPC:
“1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (…)”.
A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma ação, à partida, viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo, que mostre, desde logo, não ser possível um correto, coerente e unitário ato de julgamento (cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, Vol. 3º, p. 47).
Secundariamente – na perspetiva das partes – o instituto da ineptidão da petição inicial permite o cabal conhecimento, por banda do réu, das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, poder exercer cabalmente o contraditório.
Por isso, se compreende o estatuído no n.º 3 do artigo 186.º do CPC.
Do n.º 3 do artigo 186.º do CPC decorre que, em caso de invocação pelo réu da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, tal invocação não será atendível se se concluir que ele, não obstante as deficiências invocadas, percebeu o feito que o demandante introduziu em juízo, estando consciente das consequências que o autor dele pretende retirar.
Assim, a nulidade decorrente da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir será sanável, porque a arguição não é julgada procedente, quando o réu contestar e se verificar que interpretou convenientemente a petição inicial – cfr. n.º 3 do art.º 186.º (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-03-2021, Pº 1381/19.8T8PTM-B.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO).
Importa ter presente que, os factos que podem enformar os articulados se podem integrar em três espécies, a saber:
- Factos essenciais ou estruturantes (aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção);
- Factos complementares (os que concretizam a causa de pedir ou a exceção complexa); e
- Factos instrumentais, probatórios ou acessórios (os que indiciam os factos essenciais e/ou complementares).
Apenas a falta dos factos essenciais na petição inicial determina a inviabilidade da ação por ineptidão daquela.
Ou seja: “A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, mas só alguns destes factos – os essenciais – é que servem a função de individualização da causa de pedir, sendo esta que interessa à verificação da excepção de caso julgado” (assim, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-07-2014, p.º 16/13.7TBMSF.P1, rel. PEDRO MARTINS).
Já os factos complementares são indispensáveis à sua procedência, não contendendo a sua falta com aquele vício, mas com a questão de mérito a dilucidar a final (cfr., Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., p. 70).
Assim, em regra, se se formula um pedido com fundamento em facto aduzido e inteligível, mas que não pode ser subsumido no normativo invocado, o caso será de improcedência e não de ineptidão da petição.
Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente…quando…sendo clara quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta: o que então sucede é que a acção naufraga” (assim, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º vol., pp. 364 e 371).
A jurisprudência tem vindo a defender, uniformemente, que a insuficiência ou incompletude do concreto factualismo consubstanciador do pedido ou da causa de pedir, não fulmina, em termos apriorísticos e desde logo formais, a petição de inepta, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a procedência ou a atendibilidade do pedido.
O critério decisivo para distinguir entre petição deficiente e petição inepta é “o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-06-2022, Pº 3786/16.7T8BRG.L1.S3, rel. MANUEL CAPELO).
No fundo, só existe falta de pedido, se este não se encontrar na petição; e só existirá falta de causa de pedir, quando o autor não indicar o “facto genético” ou matricial, a causa geradora do núcleo essencial do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 12-03-1974, in BMJ 235º, p. 310, de 26-02-1992, proc.º 082001, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-06-1985, in BMJ 348.º, p. 479 e de 01-10-1991, in BMJ 410.º, p. 893), ou seja, quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir (cfr. Acs. do STJ de 30-04-2003, proc.º 03B560, de 31-01-2007, pº 06A4150, de 26-03-2015, pº 6500/07.4TBBRG.G2.S2; Ac. do TRC de Coimbra de 27-09-2016, pº 220/15.3T8SEI.C1, rel. CARLOS MOREIRA; decisão do Tribunal da Relação de Évora de 25-11-2011, pº 99/10.1TBMTL-E1, rel. JOSÉ LÚCIO).
Visa-se com a figura da ineptidão da petição inicial, como decorre do aludido artigo 186.º, n.º 3, do CPC, também garantir o adequado exercício do contraditório da outra parte, “possibilitando que se defenda do ataque, por excepção ou por impugnação, reportada aos factos alegados na petição, idóneos para germinarem o direito invocado e pretendido” (assim, o Ac. do STJ de 28-05-2002, proc.º 02B1457).
Noutra perspetiva, do dever de gestão processual, consagrado no artigo 6.º do CPC, decorre que:
“1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.
Por seu turno, estatui o artigo 590.º do CPC que: “1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”.
Decorre destes normativos que, nos demais casos (para além do disposto no artigo 186.º, n.º 3, do CPC) não há que suprir a falta de pressupostos processuais nem de aperfeiçoar a petição inicial no caso de faltar ou de ser ininteligível o pedido/causa de pedir, pois, a nulidade decorrente da ineptidão não é suprível (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-07-2006, pº 0632391, rel. DEOLINDA VARÃO).
Assim, a falta ou a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir não são passíveis de suprimento, pelo que, também não terá lugar - se se verificarem tal falta ou ininteligibilidade - a prolação de despacho de aperfeiçoamento, o qual se compreenderá apenas nos casos em que o pedido ou a causa de pedir são meramente deficientes, mas encontram-se presentes, ou, nos casos em que se compreende o litígio interposto, quer em termos da pretensão solicitada ao Tribunal, quer em termos da razão em que a mesma assenta.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-12-2007 (Pº 9176/2007-2, rel. LÚCIA DE SOUSA): “A indicação do pedido e da causa de pedir, bem como a alegação dos factos correspondentes são da inteira responsabilidade do Autor não incumbindo ao Juiz substituir-se ao mesmo. A decisão que julga inepta a petição inicial, tal como a que convida à correcção dos articulados ou a que condena ou absolve do pedido, não pode ser considerada decisão surpresa, por se inserir na esteira do decurso normal da acção. A ineptidão da petição inicial não dá lugar à improcedência da acção, com absolvição do Réu do pedido, mas sim à nulidade de todo o processo com absolvição do réu da instância”.
Do mesmo modo, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-01-2019 (Processo: 573/18.1T8SXL.L1-6, rel. MANUEL RODRIGUES) que:
“I – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
II - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
III - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
IV - As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC)”.
Ou seja: Perante uma situação de ineptidão da petição inicial, não há que convidar o autor a corrigi-la, tal como não tem lugar a convocação dos normativos do artigo 265.º (respeitante à alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo), do artigo 410.º (relativo ao objeto da instrução da causa) ou do artigo 547.º (atinente à adequação formal do processado), todos do CPC.
Do mesmo modo que sucede com a petição inicial, na sequência da previsão contida no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, será improcedente a arguição de ineptidão da reconvenção, nos casos em que se verifique que o autor, ao contestar a reconvenção, interpretou convenientemente a reconvenção, quando o fundamento da arguição se situar na falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir.
Importa, ainda, sublinhar que, conforme se evidenciou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-01-2020 (Pº 5533/18.0T8GMR.G1, rel. MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES), “à interpretação dos articulados aplicam-se os princípios de interpretação das declarações negociais pelo que aquelas declarações valem com o sentido que um declaratário normal deva retirar das mesmas e tal interpretação deve ter presente a máxima da prevalência do fundo sobre a forma”.
É que, de facto, na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no artigo 295.º do CC (onde se dispõe que, “aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente”), os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado.
Vale também aqui o princípio aplicável aos negócios formais – princípio do mínimo de correspondência verbal – de que “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” (art.º 238.º, n.º 1 do CC).), bem como que a declaração pode deduzir-se de factos que, com toda a probabilidade, a revelem, nos termos do disposto no art.º 217.º do CC.
Apreciando a situação dos autos, verifica-se que, na contestação apresentada, o réu deduziu, especifica e separadamente reconvenção, mediante a inclusão de um segmento próprio da contestação dedicado a “Da RECONVENÇÂO” tendo, para tanto, alegado o que consta dos artigos 54.º a 59.º de tal articulado, invocando, nomeadamente que o réu e o seu pai realizaram diversas obras de conservação do imóvel, indispensáveis a assegurar a sua habitabilidade, pelas quais foi paga a quantia global de € 10.000,00.
Na reconvenção, não foi deduzida a pretensão de reconhecimento pela autora na transmissão do arrendamento para o réu, muito embora o réu tenha pugnado por tal reconhecimento no final da contestação. Contudo, tecnicamente, esta pretensão atua como exceção e não integra uma pretensão reconvencional, dado constituir um facto impeditivo do reconhecimento da caducidade do contrato de arrendamento (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-05-2022, Pº 11726/20.2T8LSB.L1-8, rel. TERESA SANDIÃES).
No artigo 60.º da contestação alegou o réu que: “Procedendo a presente ação, o que não se admite, terá o R. direito a ser indemnizado pelo valor das obras descritas nos artigos anteriores, sem prejuízo do direito de retenção”.
E, no artigo 61.º da contestação, o réu alegou: “61º Em consequência formula-se o pedido reconvencional em €10.000,00 (dez mil euros)”.
Apreciando o articulado em questão, não pode deixar de se concluir que o ali expresso, consubstancia, para um declaratário normal, o sentido de que o réu formulou, inequivocamente, o pedido reconvencional de €10.000,00, cuja causa de pedir também identificou (benfeitorias necessárias realizadas no imóvel).
Todavia, ao concluir tal articulado, o réu não se refere à pretensão reconvencional, dado que, apenas concluiu, nos seguintes termos:
“Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossa Ex.ª, deverá a presente acção de reivindicação ser julgada improcedente por não provada e o contestante ser absolvido de todos os pedidos formulados com as legais consequências,
Devendo nomeadamente improceder a pretensão de o réu restituir, de imediato, á autora, livre e desocupado o local reivindicado.
Bem como improceder o pedido do Réu em pagar á autora, a título de indemnização a quantia de €350,00 por cada mês que decorra desde a data da caducidade do contrato de arrendamento e até á data da restituição.
Devendo a Autora ser condenada a reconhecer nos termos do artigo 1106º alínea C) do C.C. a transmissão no arrendamento do Réu, por falecimento do pai.”.
Na réplica, a autora invocou a ineptidão do pedido reconvencional (cfr. artigos 55.º a 58.º), mas, como resulta dos artigos 60.º e ss. desse articulado, por cautela de patrocínio, a autora pugnou pela improcedência do pedido reconvencional, o qual, convenientemente entendeu, como decorre da respetiva alegação:
“(…) O réu vem alegar que foram executadas obras essenciais de conservação, nomeadamente reparação global da casa de banho e intervenções na cozinha.
61.º A autora impugna que, quer o pai do réu quer o próprio, tenham executado quaisquer obras por desconhecimento.
62.º Nem o pai do réu nem o réu comunicaram à autora ou ao anterior proprietário qualquer problema na casa de banho ou na cozinha da fracção dos autos.
63.º Sendo, por isso, falsa a matéria do artigo 55º da contestação.
64.º E, consequentemente a autora não se encontra em mora quanto à execução de quaisquer obras, não tendo o réu qualquer direito a ser reembolsado.
65.º Pelo que, impugna-se a matéria dos artigos 54º, 56º, 59º, e sem suporte legal a matéria dos artigos 55º, 57º, 58º e 60º da contestação.
66.º De referir que a matéria do artigo 58º da contestação não pode proceder porque as benfeitorias não se herdam!
67.º Isto é, mesmo que assistisse qualquer direito ao réu (o que não se aceita) sempre se dirá que para que o réu tenha qualquer direito a ser reembolsado, impende sobre ele o ónus da prova quanto ao respectivo pagamento e, obrigatoriamente, por documentos.”.
Sucede que, em sede de audiência prévia, conforme decorre da respetiva ata, frustrada que foi a tentativa de conciliação entre as partes, a Mmª. Juíza do Tribunal recorrido notificou o réu no sentido de aperfeiçoar a reconvenção, indicando, de forma autónoma, o valor do pedido reconvencional deduzido, convite esse a que o réu correspondeu, indicando para a reconvenção o valor de €10.000,00.
Em seguida, nessa mesma audiência, foi o réu, por intermédio da sua mandatária, notificado “para se pronunciar sobre a exceção de ineptidão da reconvenção por falta de pedido alegada pela autora”.
Sucede que, na sequência, a mandatária do réu pronunciou-se nos seguintes termos:
“Face ao facto de a autora invocar a ineptidão da reconvenção por falta de causa de pedir, dir-se-á que não lhe assiste razão, uma vez que a causa de pedir traduz-se no reconhecimento da transmissão do arrendamento do réu por falecimento do pai, nos termos peticionados, cumprindo todos os requisitos legais, pelo que tal pretensão da autora deve improceder”.
Cumpre, desde já, referir que a pronúncia do réu sobre a exceção de ineptidão invocada, incidiu sobre um aspeto que, em boa verdade, não foi invocado pela contraparte: A ineptidão da reconvenção “por falta de causa de pedir”, quando, do que parece depreender-se da réplica, tal invocação se prendeu com a ausência de formulação do pedido reconvencional no termo do articulado de contestação.
Sucede que, todavia, o Tribunal recorrido, devendo emitir pronúncia sobre a aludida exceção, optou por retirar a consequência da ineptidão da reconvenção por falta de formulação do pedido, nos termos seguintes:
“O Réu pode deduzir reconvenção e, através desta, formular uma pretensão contra o Autor. Assim sendo, por forma a assegurar o efetivo direito de defesa do Autor, a reconvenção deve estar identificada de forma clara e, inclusivamente, deve ser deduzida na contestação, sob pena de ser objeto de despacho de aperfeiçoamento. Além do mais, deve o Réu indicar o valor da reconvenção, sob pena de, não o fazendo, ser convidado a indica-lo.
Não obstante a Ré (também) não ter indicado o valor da reconvenção, questão já aperfeiçoada, a questão central prende-se com a exceção invocada pela Autora, a saber, a falta de pedido da reconvenção.
No que respeita à parte reconvencional, a contestação vale como uma petição inicial devendo, por tal razão, a reconvenção apresentar uma estrutura idêntica à da petição inicial e, dessa forma, deve o reconvinte alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, as razões de direito que servem de base ao pedido reconvencional e formular um pedido reconvencional – cfr. artigo 552.º do Código de Processo Civil.
Por maioria de razão, caberá aplicar à reconvenção os preceitos aplicáveis à ação “original” e, com isso, o previsto no artigo 186.º do Código de Processo Civil relativo à ineptidão e da absolvição da instância (artigo 278.º do Código de Processo Civil). Não obstante, estão os seus efeitos circunscritos ao pedido reconvencional.
Neste conspecto, mormente, haverá ineptidão da reconvenção quanto falte a indicação do pedido, de facto, dúvidas não restam que a exata formulação de um pedido é decisiva, pois o tribunal só conhece daquilo que se lhe pede, em especial, na medida em que se lhe pede (cfr. artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Pois que, sem a dedução específica de um pedido, o tribunal não tem condições de saber o que pretende o Autor e, em certa medida, o réu não pode defender-se. A ineptidão da petição inicial/reconvenção, tem como consequência a nulidade de todo o processado, no presente caso, circunscrito à reconvenção.
Compulsado o teor da peça apresentada pelo Réu, não resulta a indicação de qualquer pedido suscetível, mormente, de concretizar qual a concreta providência (ação, omissão, reconhecimento de direito etc.) a ser julgada procedente pelo tribunal nestes autos.
Pelo exposto, julgo inepta a reconvenção e, em consequência, decido absolver a Autora da instância reconvencional (cfr. artigos 577.º, al. b), 186.º, n.º 1, n.º 2, al. a) e 278.º, n.º 1, al. b) todos do Código de Processo Civil).”.
Ora, não nos revemos nesta posição expressa pelo Tribunal recorrido, que nos parece demasiado formalista e redutora.
Efetivamente, o juízo expresso na decisão recorrida, para além de comportar preclusivas e gravosas consequências, no sentido de impedir o prosseguimento de uma pretensão requerida por uma das partes, na decorrência de uma mera desconformidade formal, desvirtua a intenção do legislador, que foi a de tornar célere e eficaz o sistema de justiça, configurando-se uma solução excessiva e desproporcionada, à luz das regras do processo equitativo decorrentes do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.
De facto, na filosofia do texto constitucional – visando uma decisão em prazo razoável e num processo equitativo - e do CPC em vigor, prepondera um princípio de prevalência da substância sobre a forma, que se estende à adoção de mecanismos processuais que viabilizem a tomada de uma decisão material substantiva, em detrimento de uma mera decisão formal.
Conforme se refere na exposição de motivos do novo Código de Processo Civil, deu-se primazia ao “princípio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma” que, “em conjugação com o assinalado reforço dos poderes de direcção, agilização, adequação e gestão processual do juiz” deve conduzir a que toda a atividade processual seja orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma, cabendo suprir-se o erro na qualificação pela parte do meio processual utilizado e evitar deficiências ou irregularidades puramente adjetivas que impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais de índole puramente formal.
Neste sentido, o artigo 6.º do CPC consagra um dever de gestão processual do juiz, a quem, designadamente, assiste o dever de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, designadamente adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
Sobre este preceito, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pp. 31‑32) explicam que “nesta sede existe um largo campo de manobra para o juiz (…) adoptar medidas que se traduzam na simplificação e agilização processual e mesmo, em certos casos na adequação formal prevista no art.º 547º”. Mais referem que aqui “afloram com precisão dois pilares fundamentais do processo civil: o da instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o da prevalência das decisões de mérito sobre as formais”, sendo que, “o direito adjectivo só existe porque existe direito substantivo integrado por normas que, de modo abstracto e generalizado, concedem direitos, fixam obrigações ou impõem ónus ou limitações”, e que “em caso de conflito de interesses, impõe-se a intervenção reguladora do juiz com funções de tutela de direitos subjectivos ou de interesses juridicamente relevantes”, daí decorrendo a “sobreposição do direito substantivo ao direito adjectivo, que só deve inverter-se quando a boa administração da justiça imponha outra solução”, e sendo “esta a real função do preceituado no art.º 6º, no pórtico de entrada do CPC, replicado noutros preceitos”.
Efetivamente, atenta a alegação expressa no articulado de contestação, onde o réu formula, de facto, uma pretensão reconvencional autónoma, clara, objetiva e perfeitamente inteligível, o vício evidenciado no articulado, pela circunstância de o pedido formulado, não ter sido destacado no momento conclusivo do mesmo, é de menor gravidade, não consubstanciando uma ineptidão por falta de formulação do pedido reconvencional.
A isso não obsta a circunstância de, ulteriormente à dedução da reconvenção e no presente recurso, o próprio réu vir invocar que o seu pedido corresponde ao do reconhecimento da transmissão do arrendamento a seu favor, aspeto que, como se viu, não tem relevo reconvencional, mas excetivo.
Ora, se é certo que no n.º 1 do artigo 583.º do CPC se prescreve que, na reconvenção devem ser expostos os fundamentos e “concluindo-se pelo pedido”, o legislador não deixou de salvaguardar que tal formulação se efetua, “nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º”.
Apreciando as mencionadas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, nelas se encontra, apenas, a estatuição de que, na petição inicial, deve o autor: “d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamentos à ação” e “e) Formular o pedido”, mas, em bom rigor, não se encontra alguma previsão no sentido de que o pedido deva constar da conclusão do articulado e que, nomeadamente, não possa - se devidamente formulado e autonomizado - constar da própria narração (não dispositiva) de tal peça.
Ora, se bem virmos, na contestação, o réu deu cumprimento às prescrições contidas nas mencionadas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, formulando o pedido de condenação da autora no pagamento da quantia de €10.000,00 pelas benfeitorias realizadas no imóvel dos autos.
Mais na linha do entendimento que se julga corresponder à correta interpretação da lei, decidiu-se noutro aresto - igualmente tirado na vigência do anterior CPC – que “não é inepta a petição em que a alegação de factos é feita por remissão para o conteúdo de facturas com ela juntas, sendo possível saber-se qual é o pedido e a causa de pedir” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-09-2011 (Pº 10231/10.0TBVNG.P1, rel. LEONEL SERÔDIO).
Ou seja: Legitima-se a prevalência da substância sobre a forma, do conteúdo sobre o aspeto estritamente formal, legitimando-se, pois, uma compreensão abrangente sobre a pretensão deduzida pelo demandante explicitada, inclusive, com auxílio ou apoio em documentação (externa ou anexa) à petição.
No caso dos autos, a pretensão reconvencional foi, efetivamente, formulada pelo réu – cfr. artigo 61.º da contestação – apenas sucedendo que, formalmente, não foi inserido, no final de tal articulado, com autonomia, o pedido correspondente.
O vício em questão tem natureza exclusivamente formal, não contendendo com a permanência ou ausência de pretensão, já expressa no articulado de contestação, nem atinando com qualquer direito tutelável da contraparte. Repita-se: A pretensão reconvencional foi, cabal e autonomamente formulada, apenas sucedendo que, a mesma, não foi transmutada para a parte final, dispositiva, de tal articulado.
Sobre uma situação semelhante à dos autos, na vigência do anterior Código de Processo Civil, decidiu-se no Acórdão do STJ de 01-10-2003 (Pº 02S3742, rel. VÍTOR MESQUITA) que “verifica-se ineptidão da petição inicial por falta de pedido quando o autor, invocando que sofreu danos não patrimoniais e quantificando-os, não integrou na conclusão da sua petição inicial qualquer pedido de condenação do R. no pagamento de uma quantia a título de danos não patrimoniais. Não pode confundir-se com o pedido a exposição de cariz factual e jurídico efectuada na narração do articulado”.
Ora, a situação do referido aresto é, apesar de tudo, diversa da dos presentes autos. Ali o pedido não foi formulado, nem o mesmo era dedutível ou sintetizado em face dos factos alegados; aqui, a pretensão do réu é evidente e perfeitamente apreensível em face da alegação efetuada. Não nos parece, por isso, que a doutrina deste aresto tenha utilidade para a situação dos autos ou possa, na atualidade, subsistir.
Parece-nos, ao invés, que é de acolher a doutrina expressa, noutra esfera processual, mas cujas considerações são perfeitamente aplicáveis à situação em apreço, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-10-2019 (Pº 01274/15.8BEPNF 0755/17, rel. PEDRO DELGADO) onde se concluiu nos seguintes termos:
“I - A ineptidão da petição inicial por falta de pedido, prevista como nulidade insanável e insusceptível de convite para correcção, só deve ser decretada quando seja inequívoco que o autor não deu a conhecer o efeito jurídico que pretende obter com a acção.
II - Não impondo a lei fórmulas pré-estabelecidas para a dedução do pedido na petição inicial, é de aceitar a petição de oposição à execução fiscal em que, embora a pretensão de tutela jurídica não tenha sido efectuada de acordo com a praxis do foro, o oponente conclui aquela peça processual com a afirmação, referida às dívidas exequendas, de que «em momento algum poderá a aqui oponente ser responsabilizada pelo pagamento desses quantitativos», sendo possível identificar sem dificuldade de maior que o efeito jurídico que pretende obter é a extinção da execução fiscal”.
Conforme se explica na fundamentação desse aresto, “«não impondo a lei os termos ou expressões a utilizar na formulação do pedido, haverá que afastar a exigência de fórmulas sacramentais, rígidas ou insubstituíveis em tal matéria», motivo por que «de exigir é apenas que o autor, depois de descrever a sua pretensão, expondo os respectivos fundamentos e objecto, exprima a vontade de que o tribunal actue em ordem a proferir uma sentença de conteúdo favorável à pretensão manifestada»”, mais se dizendo que:
“(…) não podemos olvidar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios da lei processual e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva [cfr. art.ºs 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP)] e que a nossa lei adjectiva procura desde sempre evitar, sempre que possível, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais – que a forma prevaleça sobre o fundo (Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.) – e essa preocupação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes tem vindo, cada vez mais, a encontrar expressão nas diversas leis processuais, que afastam o rigor formalista na interpretação das peças processuais (…)”.
Como referia Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2.º, Coimbra Editora, pp. 364-365.), “[o] pedido deve ser formulado com toda a precisão, para que a petição possa considerar-se modelar, sob este aspecto; mas se, não obstante a falta de precisão completa ou apesar de haver alguma imprecisão, puder ainda assim saber-se qual é o pedido, o tribunal não deverá julgar inepta a petição. Petição inepta é uma coisa, petição incorrecta é outra. Ou melhor, nem toda a incorrecção, nem toda a imperfeição do requerimento inicial conduz a ineptidão. O autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter? A petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta”.
Na situação dos autos, o réu separou a reconvenção, alegou sobre ela os factos essenciais que integram a respetiva causa de pedir e terminou formulando o pedido de condenação da autora no pagamento da quantia que mencionou. Formulou, por isso, a sua pretensão de modo inequívoco e inteligível. Apenas não reproduziu, no termo da peça processual de contestação, a pretensão que já antes – no decurso do articulado – tinha produzido.
Ora, não se afigura que esta situação corresponda ao vício mais gravoso de ineptidão da reconvenção, consubstanciando, antes, uma irregularidade que, nessa medida, sempre seria suscetível de sanação.
De todo o modo, mesmo que se considerasse que a reconvenção assim deduzida padeceria de ineptidão, ainda assim, o vício não poderia ser decretado.
É que, de facto, a autora interpretou convenientemente uma tal pretensão, relativamente à qual esgrimiu, como se viu, a sua defesa (interpretação que, aliás, veio reiterar nesta sede recursória ao invocar nas suas contra-alegações que: “(…) é evidente que o pedido reconvencional é o pedido de reembolso de obras supostamente feitas no local dos autos. Pedido, aliás, típico neste tipo de acções e que se enquadra no disposto no artigo: Sucede, porém, que para que o Tribunal possa decidir sobre o pedido de reembolso dessas despesas, o réu estava obrigado a deduzir esse pedido na conclusão da sua contestação”).
Assim, parece-nos claro que, mesmo que se considerasse que a reconvenção formulada pelo réu padecesse de ineptidão, a correspondente arguição de tal vício pela autora, não poderia proceder, atento o facto de, a previsão contida no n.º 3 do artigo 186.º do CPC - plenamente aplicável à situação em que o autor vem arguir a ineptidão da pretensão reconvencional da contraparte - a isso impedir.
As considerações precedentemente efetuadas podem sintetizar-se nas seguintes proposições conclusivas:
- Constituindo como que uma petição inicial “enxertada” numa ação pendente, o pedido reconvencional será inepto se se verificarem as causas que determinam a ineptidão da petição inicial, nos termos previstos no artigo 186.º do CPC, entre as quais se encontra a falta de formulação do pedido;
- O “pedido” é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, ou seja, o efeito jurídico que o autor quer obter com a ação;
- A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma ação, à partida, viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo, que mostre, desde logo, não ser possível um correto, coerente e unitário ato de julgamento. Secundariamente – na perspetiva das partes – o instituto permite o cabal conhecimento, por banda do réu, das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, poder exercer cabalmente o contraditório. É essa a razão do estatuído no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, de onde decorre que, em caso de invocação pelo réu da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, tal invocação não será atendível se se concluir que ele, não obstante as deficiências invocadas, percebeu o feito que o demandante introduziu em juízo, estando consciente das consequências que o autor dele pretende retirar;
- Tendo o réu na contestação invocando que realizou, e o seu pai, obras de conservação do imóvel, indispensáveis a assegurar a sua habitabilidade, pelas quais foi paga a quantia global de €10.000,00 e concluindo que “Procedendo a presente ação, o que não se admite, terá o R. direito a ser indemnizado pelo valor das obras descritas nos artigos anteriores, sem prejuízo do direito de retenção” (cfr. artigo 60.º da contestação) e que, “Em consequência formula-se o pedido reconvencional em €10.000,00 (dez mil euros)” (cfr. artigo 61.º da contestação), foi formulado pedido reconvencional de condenação da contraparte no pagamento de €10.000,00;
- A não inserção dessa pretensão no desfecho de tal peça processual não torna inepta a reconvenção, uma vez que o vício em questão tem natureza exclusivamente formal, não contendendo com a permanência ou ausência da correspondente pretensão, já expressa no articulado, nem atinando com qualquer direito tutelável da contraparte, consubstanciando uma irregularidade sanável;
- A instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o princípio da prevalência das decisões de mérito sobre as formais, expressa no princípio de gestão processual a que se reporta, em particular, o artigo 6.º do CPC, determinam que o juiz deva promover a regularização do articulado e, não, julgando inepta a reconvenção, sem conferir ao réu a possibilidade de suprir tal vício;
- A ineptidão da petição inicial por falta de pedido, prevista como nulidade insanável e insuscetível de convite para correção, só deve ser decretada quando seja inequívoco que o autor não deu a conhecer o efeito jurídico pretendido;
- Não impondo a lei fórmulas pré-estabelecidas para a dedução do pedido, é de aceitar o articulado em que, embora a pretensão de tutela jurídica não tenha sido efetuada de acordo com a praxis do foro (no desfecho de tal articulado), o efeito jurídico pretendido com a demanda, se encontra patentemente formulado nessa peça processual;
- De todo o modo, tendo a autora interpretado convenientemente a pretensão reconvencional, relativamente à qual esgrimiu a sua defesa, a arguição do vício de ineptidão da reconvenção por falta de pedido, não poderia, todavia, jamais, proceder, atento o facto de a previsão contida no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, a isso impedir.
Assim, em face do exposto, conclui-se que a decisão recorrida não se poderá manter, devendo ser revogada e substituída por outra que expresse a admissão liminar da reconvenção formulada, se a tal nada mais obstar, tendo como assente que deve considerar-se ter sido indicado o efeito jurídico pretendido na contestação, relativamente à pretensão do réu de condenação da autora no pagamento de indemnização por benfeitorias realizadas na fração autónoma dos autos no montante de €10.000,00.

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C) Se deve ser revogada a decisão recorrida que indeferiu a prova pericial requerida?
Para além deste aspeto, o recorrente impugna a decisão recorrida que indeferiu a prova pericial que requereu.
Efetivamente, na audiência prévia, o Tribunal recorrido proferiu, ainda, decisão de indeferimento da prova pericial requerida pelo réu (“para prova do alegado nos artigos 7º, 8º e 9º da contestação e contraprova do alegado nos artigos 5º a 18º da Réplica”) a respeito das assinaturas constantes dos documentos n.ºs. 2 e 6 juntos com a réplica, visando perícia para comparação das mesmas com a assinatura constante do bilhete de identidade do pai do réu (cfr. requerimento de 10-10-2022).
Concluiu o Tribunal recorrido que a prova requerida era impertinente, “porquanto, não pode o tribunal deixar de concluir pela inocuidade do resultado de tal perícia quanto à decisão de mérito que sobre a causa recaí, na medida em que, não respeita a factos que condicionem a decisão final deste tribunal”.
Insurge-se o recorrente contra tal decisão dizendo que a perícia deve ser admitida - , invocando, nesse sentido, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-2011, Pº 1642/09.6T2AVR.A.C1, rel. FALCÃO DE MAGALHÃES, cuja publicação juntou com o referido requerimento de 10-10-2022):
- “Trata-se do direito á habitação com consagração constitucional e a perícia requerida é pertinente, para uma boa decisão da causa, ajudando na decisão de mérito a proferir pelo tribunal”;
- “A não ser deferida a perícia fica o Réu prejudicado no seu direito de defesa e é violado o seu direito á igualdade, à habitação e princípio da igualdade, igualmente consagrado na Constituição da República Portuguesa”;
-“Ao não lhe se deferida a perícia requerida, perdoem-nos a expressão com o devido respeito, fica a defesa do Réu “coxa.””;
- “(…) a perícia é decisiva para a decisão do mérito que sobre a causa recai. Pelo que fez o tribunal recorrido uma errónea interpretação da lei quando indeferiu a perícia requerida pelo Réu”.
A recorrida contrapõe (cfr. contra-alegações), em suma, que o pedido de prova pericial é manifestamente impertinente e dilatório, não se encontrando reunidos os requisitos constantes do artigo 476.º, n.º 1, do CPC:
- O que consta dos artigos 7º, 8º e 9º da contestação não tem relevância para a decisão de mérito porque respeita ao exercício do direito de preferência pelo pai do réu - facto que não constitui a causa de pedir dos presentes autos e em nada está relacionada com ela – não se tratando de factos instrumentais;
- A matéria alegada pela autora nos artigos 5º a 14º da Réplica respeita à assinatura do aditamento do contrato e às circunstâncias que antecederam a assinatura. Os referidos factos foram trazidos pela autora, ora apelada, para enquadramento da assinatura do aditamento, mas certo é que nem sequer tem de se produzir prova sobre o mesmo porque o seu teor não afasta a caducidade do contrato de arrendamento.
- O facto 15º da Réplica encontra-se confessado pelo réu
- Os factos 16º a 18º da Réplica não têm relevância para a decisão de mérito dos autos, sendo apenas uma resposta aos factos 7º a 9º da contestação.
- A prova pericial junto do Laboratório de Polícia tornou-se incomportável em termos de morosidade, tendo as partes que aguardar meses infindáveis por uma resposta;
- Os resultados provindos do referido Laboratório nunca são suficientemente conclusivos para que se possa concluir pela assinatura de um documento;
- O pai do réu já ter faleceu, o que dificulta substancialmente a análise feita pelo Laboratório e tendo em conta que - na maioria das vezes - apoia as suas conclusões na recolha de autógrafos, não obstante a lei a ela se referir como excepção.
Vejamos:
A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou, quando não tenha havido lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova – cfr. artigo 410.º do CPC.
São necessitados de prova todos os factos principais relevantes (pertinentes) para a decisão da causa em função da lei (material) aplicável, isto é, os factos concludentes (cfr., Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 329).
A parte a quem convenha que um dado facto seja dado como assente terá de afirmá-lo ou deduzi-lo perante o Tribunal – ónus de alegação – e desenvolver para tanto uma adequada e eficaz atividade probatória – ónus de prova – o que fará através de diversos meios probatórios.
Contudo, como é claro, apenas poderão ser produzidas provas que sejam pertinentes ou relevantes para a apreciação da causa.
Em geral, não se pode entender que uma diligência de prova é impertinente só pela circunstância do facto a provar (ou a contra-provar) poder ser demonstrado por outro meio de prova, ou por o meio de prova requerido não o provar de forma plena, ou ainda por ir prolongar a duração do processo.
De facto, “uma diligência de prova só será impertinente (e dever, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017, Pº 351/15.0T8MAC-H.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS).
Entre os meios de prova (“os mecanismos colocados pelo legislador ao dispor das partes e do tribunal através dos quais se procura demonstrar ou não a realidade/verificação dos “factos”, isto é, trata-se dos meios legalmente fixados a que as partes e o próprio tribunal se podem socorrer para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não de acontecimentos externos ou internos captáveis pelos sentidos”- cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-09-2019, Pº 137/16.4T8CMN-A.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS) admissíveis conta-se a prova pericial.
“A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial” (cfr. artigo 388.º do CC).
A prova pericial, também designada como prova por arbitramento, tem por objeto ou finalidade a perceção de factos, neles se abrangendo todos os factos suscetíveis de captação através de qualquer dos sentidos.
“Mas a função da prova pericial não é apenas a da recolha de factos, mas também a de apreciação técnica dos factos observados. A função típica do perito é a de colheita de factos para depois produzir quanto aos mesmos uma apreciação técnica, mediante os juízos de valor que se lhe ofereçam emitir com fundamento em critérios normativos, princípios científicos e máximas de experiência” (assim, Fernando Pereira Rodrigues; A Prova em Direito Civil; Coimbra Editora, 2011, p. 115).
Conforme salienta Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório Material Comentado; Almedina, 2020, p. 183), “[o] traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspetos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informação sobre máximas de experiência técnica que o julgador não possui, e que são relevantes para a perceção e apreciação dos factos controvertidos”.
Sobre o regime de proposição e fixação do objeto da prova pericial, dispõe o n.º 1 do artigo 475.º do CPC que, “ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência”.
Perante o requerimento probatório, o juiz indefere-o se entender que a diligência é impertinente ou dilatória. Se assim não entender, ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição. É o que resulta do n.º 1 do artigo 476.º do CPC, preceito onde se faz apelo a um juízo sobre a aferição de pertinência da perícia requerida: Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”.
Depois de ouvida a parte contrária, o juiz profere despacho. Segundo o n.º 2 do artigo 476.º do CPC, cabe ao juiz determinar o objeto da perícia, “indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-as a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.
O objeto da perícia reporta-se, assim, a questões de facto que sejam condicionantes da decisão final de mérito, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, ou seja, que sejam relevantes ou admissíveis, podendo a prova pericial incidir sobre factos essenciais ou instrumentais, desde que estes últimos sejam idóneos a conduzir à prova daqueles (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado; Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 581).
Se as questões de facto não tiverem relação com o objeto do litígio, se respeitarem a questões de direito ou se respeitarem a factos não controvertidos, as mesmas devem ser rejeitadas por inadmissibilidade.
Se as questões não tiverem qualquer relevo no exame e decisão da causa, sendo indiferentes para as soluções plausíveis da questão de direito, as mesmas devem ser rejeitadas por irrelevantes.
Por outro lado, a prova pericial só será admissível se forem necessários conhecimentos especiais, que o julgador não possua, para a perceção ou avaliação dos factos.
“Segue-se do exposto que as questões suscitadas pelo recorrente serão de incluir no objecto da prova pericial se estiverem nas seguintes condições:
1. Se se tratarem de questões de facto;
2. Se se tratarem de questões respeitantes a factos relevantes para o exame e decisão da causa;
3. Se se tratarem de factos controvertidos ou necessitados de prova;
4. Se se tratarem de factos cuja percepção ou avaliação necessitem de conhecimentos especiais que o julgador não possua” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-05-2012, Pº 198/10.0TBVLF-B.C1, rel. EMIDIO FRANCISCO SANTOS).
Assim, a perícia será impertinente ou dilatória “quando não respeita a factos condicionantes da decisão final ou porque, embora respeitando a tais factos, o respetivo apuramento não depende de prova pericial, por não estarem em causa conhecimentos especiais que a mesma pressupõe” (cfr., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado; Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 717).
A jurisprudência tem procurado concretizar, a respeito de diversas situações de facto, os termos em que a perícia pode ser considerada “impertinente” ou “dilatória”. Sem preocupação de exaustão, citem-se (por ordem cronológica decrescente) os seguintes arestos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-11-2002 (Pº 1102/02-2, rel. LEONEL SERÔDIO): “(…) a perícia é impertinente quando não respeite a factos da causa e é dilatória quando, embora respeitando aos factos da causa, o seu apuramento não requeira este meio de prova, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-05-2009 (Pº 1382/08.1TBVIS-A.C1, rel. EMÍDIO SANTOS): “É impertinente a prova pericial que tenha por objecto questões de facto irrelevantes para a decisão da causa”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-01-2013 (Pº 4042/08.0TBBCL-A.G1, rel. MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO): “O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art.º 20 da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como também para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios. O exposto não significa que todas as diligências requeridas devam ser deferidas. Apenas o deverão ser desde que legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório. As perícias, como todas as demais provas, não servem nos processos que não seja para provar factos – tanto que estão todas a eles associadas (…). Pelo que se terá sempre de considerar impertinente a prova pericial que aponte à demonstração de factos que, de uma maneira ou de outra, não constem da controvérsia do processo, pois seriam pura e simplesmente inúteis para dirimir tal controvérsia e, portanto, não úteis à boa decisão da causa”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2014 (Pº 14509/13.2T2SNT-A.L1-4, rel. SERGIO ALMEIDA): “Ao avaliar a pertinência de um exame o juiz tem presente os deveres de busca da verdade material e de gestão processual. É impertinente, designadamente, o exame que não exige conhecimentos especiais, não respeita a factos, concerne a factos provados ou se revela, à partida, manifestamente inviável ou redundante, não trazendo elementos úteis para a boa decisão da questão controvertida no processo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-02-2019 (Pº 780/11.8TBCVL-A.C1, rel. ANTÓNIO CARVALHO MARTINS): “As partes podem oferecer ou requerer quaisquer provas (licitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos. O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art.º 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios. Porém, tal não significa que todas as diligências requeridas devam ser deferidas, porque apenas o deverão ser desde que legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório. A prova pericial, aliás como toda a prova, está sujeita, na respectiva produção, a um determinado número de regras de direito probatório formal, podendo a perícia reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária. O que releva, fundamentalmente, para a admissão da perícia é que a mesma se reporte ao núcleo fundamental da questão ou questões que se pretendem ver esclarecidas, independentemente de tal esclarecimento poder pôr em causa - ou não -, alguns pontos de um outro relatório pericial junto aos autos. As perícias, como todas as demais provas, não servem nos processos que não seja para provar factos - tanto que estão todas a eles associadas (art.º 513.º do CPC), pelo que se terá sempre de considerar impertinente a prova pericial que aponte à demonstração de factos que, de uma maneira ou de outra, não constem da controvérsia do processo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2019 (Pº 2009/17.6T8OER-C.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE):
“Requerida a perícia, o juiz verificará se a mesma:
- é impertinente, por não respeitar aos factos da causa; ou,
- é dilatória, por, não obstante respeitar aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não estarem em causa conhecimentos especiais que a mesma pressupõe”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-09-2019 (Pº 137/16.4T8CMN-A.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS): “A prova pericial tem de específico em relação aos restantes meios de prova legalmente previstos, a circunstância da perceção (verificação material) dos “factos” e/ou a apreciação destes (determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros) reclamar conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, que por não fazerem parte da cultura geral e da experiência comum, se devem presumir não serem detidos pelo juiz. A prova pericial, tal como os demais meios de prova legalmente previstos, apenas podem recair sobre os “factos da causa”. Consideram-se “factos da causa” os factos essenciais alegados pelo autor, na petição inicial, para fundamentar a causa de pedir nela invocada para sustentar o pedido, os factos essenciais alegados pelo réu na contestação, para fundamentar as exceções que nela invocou contra o autor, os factos essenciais alegados pelo autor na réplica, audiência prévia ou no início da audiência final (art.ºs 584º, n.º 1 e 3º, n.º 4 do CPC) para fundamentar as contra exceções que invocou contra o réu e, bem assim os factos complementares e instrumentais dos essenciais pertinentemente alegados. Quando as questões de facto colocadas pelas partes para efeitos de integrarem o objeto da perícia não versem sobre os “factos da causa”, impõe-se que o juiz indefira essas questões por impertinentes. Já quando essas questões de facto versem sobre “os factos da causa”, mas a perceção e a apreciação desses factos não reclame conhecimentos científicos, técnicos e/ou artísticos especiais, deve-se indeferir essas questões por dilatórias”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-12-2019 (Pº 6318/18.9T8BRG-A.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS): “Uma diligência de prova só será impertinente (e deverá, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa. (…) Sendo o objecto legal da prova pericial a percepção ou apreciação de factos que exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui, deverá a mesma ser indeferida - por impertinente ou desnecessária - quando essa percepção ou apreciação esteja, completa e seguramente, ao alcance do julgador. Para admissão da prova pericial não se exige que a mesma seja o único meio disponível para a demonstração de determinado facto (isto é, que deva ser rejeitada desde que a prova do mesmo possa ser feita por outros meios alternativos); poderá ser apenas a prova preferencial, face ao objecto do litígio”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-01-2020 (Pº 5818/17.2T8VNG-A.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respetivo apuramento não dependa de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais (cfr. art.º 388º, do Código Civil) que aquela pressupõe, sendo que o que se pretende do perito é que realize uma observação técnica - objetiva -, do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação, não podendo integrar o seu objeto qualificações, questões jurídicas, opiniões e avaliações subjetivas, suscetíveis de influenciar a livre convicção do julgador”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-05-2020 (Pº 992/20.3T8CTB-A.C1, rel. VÍTOR AMARAL): “O juiz deve indeferir o requerimento de prova pericial em caso de impertinência – se a perícia não é reportada aos factos da causa – ou caráter dilatório – se, embora com reporte a tais factos, o respetivo apuramento não demanda os especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos subjacentes àquela prova específica, tornando-a desnecessária. Fora desse horizonte não deve ser impedido o direito das partes à prova lícita, ainda que de obtenção difícil, morosa ou dispendiosa, por estar em causa o direito, constitucionalmente garantido, de acesso ao direito e aos tribunais, com tutela jurisdicional efetiva, designadamente na vertente da proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de um processo justo e equitativo, como consagrado no art.º 20.º da CRPort.”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2020 (Pº 258/18.9T8PNF-A.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “Toda a prova a produzir, e, como tal, também a pericial, se destina a demonstrar a realidade dos factos da causa relevantes para a decisão (art.º 341º do Código Civil), sendo que a demonstração que se pretende obter com a prova se traduz na convicção subjetiva a criar no julgador. Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção); Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) –v. art.ºs 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil e, ainda, artigo 5º, daquele diploma legal; Cabe ao tribunal pronunciar-se sobre as provas propostas e emitir, sobre elas, um juízo, não só de legalidade mas também de pertinência sobre o seu objeto: a prova de factos, controvertidos, da causa, relevantes para a decisão. A prova pericial, com a especificidade de ter a mediação de uma pessoa - o Perito – para a demonstração do facto, consiste na perceção ou apreciação de factos pelo perito/s chamado a os percecionar (com os órgãos dos sentidos) e/ou a os valorar (à luz dos seus especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos), conhecimentos esses que, não fazendo parte da cultura geral e da experiência comum, se presumem não detidos pelo julgador. A perícia, para perceção e valoração de factos da causa carecidos de prova (por isso pertinente), só deveria ser indeferida se a perceção e a apreciação desses factos não reclamasse conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais (caso em que seria dilatória)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-11-2021 (Pº 115/21.1T8TVR-A.E1, rel. ANA MARGARIDA LEITE): “Se a perícia se destina à prova de factos cuja perceção e apreciação não exige conhecimentos especiais, em termos técnico-científicos, de que o juiz não disponha, mostra-se tal prova dilatória; se se destinar à prova de elementos conclusivos que não configuram matéria de facto, a perícia mostra-se impertinente”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-02-2023 (Pº 3057/11.5TBPVZ-M.P1, rel. ANA PAULA AMORIM): “Os poderes-deveres do juiz estabelecidos no art.º 411º CPC que se fundam no princípio do inquisitório, não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, cumprindo ao juiz ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes. O exercício de tais poderes coexiste com o princípio do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes. O juiz apenas deve ordenar as diligências na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. O juízo de necessidade resulta do confronto entre a prova produzida e os factos controvertidos a apreciar, alegados pelas partes e relacionados com os temas de prova (art.º 5º e 410º CPC e art.º 341º e seg. do CC)”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que o réu invocou que a perícia requerida se destina a provar o alegado nos artigos 7.º, 8.º e 9.º da contestação e a contra-provar o invocado nos artigos 5.º a 18.º da réplica.
Vejamos, em particular, essa matéria.
Nos artigos 7.º, 8.º e 9.º da contestação o réu alegou:
“7º Nem A. nem o Senhorio jamais comunicaram a transmissão do direito de propriedade. Aliás, nem na P. I. a A. demonstrou a origem da sua qualidade de proprietário do imóvel locado. Tanto que no documento junto pela Autora como nº 4 esta refere, que casualmente terá tomado conhecimento de uma carta enviada pelo Réu ao Sr. MM, na qual o Réu comunica requerer a transmissão do contrato de arrendamento do Senhor JC, em virtude do seu falecimento.
8º Caso tenha havido uma transmissão do direito de propriedade a favor da A. por força de contrato de compra e venda, então levantasse, desde logo, uma questão prévia legal que se prende com o exercício do direito de preferência na compra do imóvel, que, na circunstância, terá ocorrido sem o devido cumprimento da lei que impõe ao Senhorio o dever de comunicação ao arrendatário para efeito de exercício do direito de preferência, conforme dispõe o artigo1091º do Código Civil que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
9º Sendo que o falecido arrendatário poderia ter exercido este direito, que lhe foi negado, e ter adquirido a propriedade do imóvel em questão”.
No caso, perante os termos do litígio, tal como decorrem dos articulados deduzidos pelas partes, o Tribunal recorrido identificou como objeto do litígio, “o Aferir da transição do contrato para o NRAU o Aferir da caducidade do contrato de arrendamento e das suas consequências. o Aferir da inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 57.º do NRAU” e, como temas da prova, enunciou os seguintes:
“a) Esclarecer a idade do Réu à data do óbito do pai e, bem assim, há quanto tempo residia com o pai.
b) Apurar o réu dormia, fazia as refeições e partilhava despesas com o pai decorrentes do uso da fração.
c) Dos alegados prejuízos causados pela ocupação da fração pelo Réu:
i. Qual o valor mensal de renda a auferir pela Autora em caso de arrendamento da fração;”.
Configura-se que, na admissão da reconvenção, importará ainda aditar como tema de prova, a factualidade atinente à pretensão reconvencional consistente nas benfeitorias realizadas na fração dos autos.
A questão levantada pelo réu nos aludidos artigos 7.º a 9.º da contestação prende-se com a de invocada preterição do exercício do direito de preferência pela autora. Contudo, como é claro, tal questão não se encontra na economia dos autos, não sendo relevante para a apreciação e decisão da causa, tal como resulta do objeto do litígio enunciado.
De facto, o objeto do processo não se mostra incluir tal questão referente ao exercício do direito de preferência/preterição de tal direito, não respeitando aos factos essenciais que sustentam as posições jurídicas das partes, não integrando as respetivas causas de pedir (acional e reconvencional), como também, não configura, perante elas, algum facto instrumental que releve para a prova daqueles factos essenciais.
Por seu turno, nos artigos 5º a 18º da réplica foi alegado o seguinte:
“5.º O réu vem alegar que o aditamento que constitui o documento nº 2 nunca existiu porque não está assinado.
6.º É certo que o documento não está assinado, mas não é menos certo que o referido documento existe, foi aceite e assinado pelas partes nele mencionadas, em especial por MM, procurador da autora e JC, pai do réu.
7.º Tendo em conta a alegação do réu há que trazer para os autos as circunstâncias que nortearam a assinatura do referido aditamento ao contrato de arrendamento pelo pai do réu.
8.º Por carta datada de 11 de Março de 2015 a autora comunicou a José Francisco Guerreiro Costa (o pai do réu) o seguinte:
Na qualidade de senhorios da fracção 2.º Dt.º, sita na Rua … n.º …, Baixa da banheira - de que V. Ex.ª é arrendatário -, vimos comunicar a intenção de atualizar a renda nos termos e para os efeitos previstos na nova lei do arrendamento (artigos 30.º e seguintes), que entrou em vigor no passado dia 12 de Novembro de 2012.
Assim, e de acordo com o previsto no artigo 30.º e com o regime de proteção previsto nos artigos 35.º e 36.º da mesma lei, aplicável a rendimentos inferiores a 5RMNA e atento o facto de ter mais de 65 anos de idade, vimos propor a atualização da renda para o valor de €124,83 (cento e vinte e quatro euros e oitenta e três cêntimos), propondo igualmente que se aplique o previsto nos mesmos artigos para efeitos de tipo e duração do contrato, não havendo lugar a alteração destes por um período de cinco anos.
Esclarece-se que o valor da renda proposto é calculado com base no valor do locado, fixando-se o valor anual em 1/15 deste, avaliado nos termos do CIMI - conforme poderá confirmar na cópia da caderneta predial que anexamos – e que é de €22.470,00 € (vinte e dois mil quatrocentos e setenta euros).
Estão assim contemplados na presente proposta todos os regimes de excepção que poderia invocar - o de Rendimento Anual Brito Corrigido inferior a 5 Retribuições Mínimas Nacionais Anuais e o de Arrendatário com idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade superior a 60% - podendo, no entanto, denunciar o contrato vigente se assim o entender.
Aguardamos a comunicação da resposta de V. Ex.ª no prazo de 30 dias, findos os quais, não havendo resposta, se considera aceite a presente proposta, sendo a renda actualizada devida no 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção de V. Ex.ª desta comunicação.
No âmbito da resposta de V. Ex.ª a esta proposta, informamos ainda que poderá reclamar da avaliação fiscal do locado, reclamação essa que não suspende o processo de atualização da renda, mas que poderá determinar uma redução desta, tendo nesse caso direito a recuperar o valor pago indevidamente.
Conforme se alcança do documento que aqui se junta sob o número 1. e aqui se dá por integralmente reproduzido.
9.º Por carta datada de 10 de Abril de 2015 JC (o pai do réu) comunicou à autora o seguinte:
Ex-MSI Senhores
Acuso a receção da missiva remetida por V.ªs Exas., na qualidade de senhorios da fração correspondente ao 2º andar - Direito, do prédio com o nº 3, sito na Rua … - Baixa da Banheira, de que sou arrendatário, por força do contrato de arrendamento celebrado em 28/04/1970 (antes da entrada em vigor do D.L. 321-B/90 de 15 de Outubro).
Comunicaram V. Exas a intensão de aumentar o valor da renda mensal de 20,70 € para 124,83€ (cento e vinte e quatro euros, e oitenta e três cêntimos).
Considerando que:
dispõe a Lei (NRAU) no seu Artigo 30º sob epígrafe "Rendas Passíveis de Atualização": As rendas dos contratos a que se refere o presente capítulo podem ser atualizados até ao limite de uma renda determinada nos termos previstos no artigo seguinte.
Saliente-se que esta correção de renda só é permitida se o senhorio:
- Estiver na posse de avaliação do locado nos termos do CIMI;
- A avaliação do locado tenha atribuído ao nível de conservação do prédio uma classificação não inferior a três.
(V.G. NRAU - Anotações e Comentários, Autora, Editora, Distribuidora: Margarida Grave, 39 Edição Atualizada)
Artigo 31º - "Valor máximo da renda actualizada" - A renda actualizada nos termos de presente secção tem como limite máximo o valor anual correspondente a 4% do valor do locado.
Artigo 32º:
1) O valor do locado é o produto do valor da avaliação nos termos do art.º 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), realizada há menos de três anos multiplicado pelo coeficiente de conservação previsto no artigo seguinte(...)
2) Se a avaliação fiscal tiver sido realizada mais de um ano antes da fixação da nova renda, o valor previsto no artigo anterior e actualizado de acordo com os coeficientes de actualização das rendas que tenham, entretanto, vigorado.
Importa colocar a questão, como e que Vs. Exª apuraram o valor da renda referente à qual vêm propor a atualização para 124,83€, se nem se quer dão conhecimento do valor coeficiente de atualização, com base no qual fizeram o calculo, e já agora como procederam ao referido cálculo, do qual resultou tal valor!????
Mais, feito o cálculo de acordo com o disposto no artigo 31º supra indicado, valor que se apuraria é muito inferior ao por vós apresentado, diga-se!
Idem neste sentido o disposto no art.º 35º do NRAU, sob epigrafe “Pressupostos da iniciativa do senhorio” - O senhorio apenas pode promover a actualização da renda quando cumulativamente: a) Exista avaliação do locado nos termos do CIMI; b) o nível de conservação do prédio não seja inferior a 3.
Mais, dispõe o nº 4 do art.º 38º da NRAU que:
- a comunicação do senhorio prevista no art.º 34º contém, sob pena de ineficácia:
a) Cópia do resultado da avaliação do locado nos termos do CIMI e da determinação do nível de conservação,
b) Os valores da renda devida após a primeira atualização correspondentes a uma actualização em 2, 5 ou 10 anos;
c) O valor em euros do RABC que, nesse ano, determina a aplicação dos diversos escalões,
d) d) A indicação de que a invocação de alguma das circunstâncias prevista no nº 3 do artigo anterior deve ser realizada em 40 dias, mediante apresentação de documento comprovativo;
e) A indicação das consequências da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no nº 3 do artigo anterior.
f) - Por falta de indicações de dados determinantes e legalmente exigíveis a v/comunicação, salvo melhor, opinião, encontra-se ferida de ineficácia. Contudo, e não obstante as considerações supra tecidas g) A indicação de que a invocação de alguma das circunstâncias prevista no nº 3 do artigo anterior deve ser realizada em 40 dias, mediante apresentação de documento comprovativo;
h) A indicação das consequências da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no nº 3 do artigo anterior.
--- Por falta de indicações de dados determinantes e legalmente exigíveis a v/comunicação, salvo melhor, opinião, encontra-se ferida de ineficácia.
Contudo, e não obstante as considerações supra tecidas:
Comunica-se:
nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do nº 4 do art.º 31º e art.ºs 35º e 36º, todos da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, doravante abreviadamente designada de NAU, na redação que lhe foi dada pela Lei 3/2012 de 14 de Agosto, cumpre-me informar Vs. Exas do facto de que no ano civil anterior o rendimento anual bruto corrigido (ABC) do meu agregado familiar foi inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, conforme documento que se anexa.
Mais informo V.ªs. Ex.ªs de que face à circunstância acima referida me oponho a que o contrato de arrendamento transite para o regime do NAU, bem como ao valor da renda proposto, pelo que no período de cinco anos contados da receção da presente, a mesma só poderá vir a ser atualizada nos termos previstos no nº 2 do art.º 35º do NAU, com efeitos a partir do 19 dia do 2º mês seguinte ao da receção de eventual nova carta de V. Ex, com indicação do novo valor da renda
Conforme se alcança do documento que aqui se junta sob o número 2. e aqui se dá por integralmente reproduzido.
10.º Por carta datada de 22 de Abril de 2015 a autora comunicou a José Francisco Guerreiro Costa (o pai do réu) o seguinte:
No seguimento da sua carta de 10 de Abril do presente, somos a informar que as normas legais a que alude não estão em vigor, tendo sido revogadas.
Todas as excepções previstas no NAU foram consideradas e devidamente explicitadas na nossa comunicação de 11 de Março, tendo sido igualmente indicada a fórmula de cálculo do valor da atualização permitida e anexada cópia da caderneta predial urbana do imóvel, pelo que a renda está definitivamente fixada.
Mais se informa que se anexou cópia de certidão válida do RABC do agregado familiar para efeitos de atualização de renda, emitida pela Autoridade Tributária a seu pedido, em consequência da qual não encontra fundamento o novo requerimento formulado por V. Exa.
Atento o acima exposto, será devido o valor de renda atualizado (€124,83 - cento e vinte e quatro euros e oitenta e três cêntimos) a partir do dia 1 de Maio de 2015, ou seja, no 1.º dia do 2.º mês seguinte à comunicação do senhorio.
Conforme se alcança do documento que aqui se junta sob o número 3. e aqui se dá por integralmente reproduzido.
11.º Por carta datada de 14 de Maio de 2015 JC (o pai do réu) comunicou à autora o seguinte:
Dou como recebida em 23 de Abril de 2015 a V. carta com data de 22 e abril p.p. cujo conteúdo mereceu a minha melhor atenção.
Agradeço desde já a V. informação de que as normas legais por mim vocadas na minha carta não estão em vigor, tendo sido revogadas.
Pese embora este facto, certo é que, a minha resposta, e como V.ªs Ex.ªs em referem, continha as excepções previstas na actual legislação para que pudessem ter sido tomadas em consideração, nomeadamente:
a) Que tenho idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos, mais concretamente 73 (setenta e três) anos de idade, conforme cópia do bilhete de identidade que comprova esse facto.
b) Que a minha mulher, MG, tem uma incapacidade de 60% (sessenta por cento), conforme cópia do atestado médico de incapacidade multiuso.
c) Que o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do meu agregado familiar é inferior a 5 (cinco) retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA). Tendo para o efeito, requerido junto do Serviço de Finanças do Barreiro a emissão da respectiva declaração, conforme cópia de requerimento que anexei.
Sucede porém que, se em relação às duas primeiras excepções V.ªs Ex.ªs agiram corretamente, no que ao valor da renda o mesmo não sucedeu, considerando que, anexei cópia da certidão válida do ABC do meu agregado familiar para efeitos de atualização de renda, emitida pela Autoridade Tributária e que por esse motivo não há fundamento para o novo requerimento formulado por mim, concluindo por esse motivo que o valor da minha renda será de 124,83€ (cento e vinte e quatro euros e oitenta e três cêntimos) e que esta é devida a partir do mês de Maio de 2015.
Ora, e salvo o devido respeito pela V. opinião, venho pela presente comunicação informar que me oponho à mesma e que em consequência me oponho ao valor da renda apurado bem como à data em que supostamente teria de ser pago, pelos motivos que Vos descrevo:
Através da minha carta datada de 10 de abril p.p. invoquei que o rendimento do meu agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais. Tendo para o efeito, requerido junto do Serviço de Finanças do Barreiro a emissão da respectiva declaração, conforme cópia de requerimento que anexei
Para além deste, e apenas para demonstrar a minha boa fé, juntei também cópias quer da declaração de IRS entregue em 2014 e referente aos rendimentos do ano de 2013, bem como a cópia do recibo de remuneração da minha pensão, único rendimento do meu agregado familiar.
Prevê a legislação em vigor que, o valor a ter em consideração para cálculo de renda sempre que se invoca que o rendimento anual corrigido é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais é o rendimento do ano anterior ao da comunicação do senhorio com a intenção da actualização da renda.
Assim, tendo em consideração que a V. carta é datada de 11 de Março de 2015 o rendimentos a considerar serão os do ano de 2014 que só serão oficialmente atestados com a entrega da declaração de IRS em 2015 e com a correspondente nota de liquidação.
Nessa medida, só com a apresentação da declaração de IRS relativa aos rendimentos auferidos no ano de 2014 pode ser calculada a minha renda.
Motivo pelo qual é absolutamente essencial quer a entrega do documento que Vos remeti e que declara que fiz o pedido de emissão da declaração do RABC relativo ao ano de 2014 do meu agregado familiar, e que, em virtude de não ser possível a emissão da declaração onde conste o RABC por motivo que não me é imputável, tem a validade até ao dia 31 de Julho de 2015.
Assim, e tendo em consideração os motivos acima expostos, venho pela presente comunicação informar que me oponho ao valor da renda de 124,83€ já que a mesma é apurada de acordo com os meus rendimentos auferidos no ano de 2014 considerando a dedução prevista para a incapacidade da minha mulher, motivo pelo qual em 07 de Maio de 2015 procedi ao pagamento do valor da renda habitual.
Solicito pois os V. bons ofícios para a correcção da posição assumida, na certeza, porém de que, aquando da recepção da certidão relativa ao ano de 2014 de imediato a remeterei para V.ªs Ex.ªs de modo a que possam proceder à correspondente actualização.
Sem outro assunto de momento, subscrevo-me como os meus mais respeitosos cumprimentos.
Conforme se alcança do documento que aqui se junta sob o número 4. e aqui se dá por integralmente reproduzido.
12.º E, foi na sequência da troca das cartas acima mencionadas que a autora e o pai do réu chegaram ao acordo que constitui o documento nº 2 da petição inicial.
13.º De referir que o texto do acordo até foi elaborado pela advogada do pai do réu (Drª SC), conforme se alcança do documento que aqui se junta sob o número 5. e aqui se dá por integralmente reproduzido.
14.º O aditamento que constitui o documento nº 2 da petição inicial foi assinado entre o pai do réu e o procurador da autora, MM em frente à casa dos autos.
15.º E, tanto assim é que após a assinatura do referido aditamento, o pai do réu passou a pagar a renda de €90,00, conforme o réu aceita no artigo 5º da contestação.
16.º A matéria que consta dos artigos 6º a 11º da contestação é totalmente irrelevante para a decisão de mérito dos autos.
Contudo,
17.º Sempre se dirá que a aquisição do imóvel pela autora foi comunicada ao pai do réu e foi lhe oferecido o direito de preferência.
18.º E, que na sequência de tal facto, o pai do réu emitiu a declaração com o seguinte teor: Declaro ter recebido nesta data, e por mão própria, da Housing - Desenvolvimento e Gestão de Património Imobiliários S.A., carta respeitante ao direito de preferência de aquisição da fração de que sou arrendatário, submetida nos termos legais, conforme se alcança do documento que aqui se junta sob o número 6. e aqui se dá por integralmente reproduzido.”.
Nos artigos 16.º a 18.º da réplica, a autora responde à questão referente à preterição do exercício do direito de preferência na alienação do imóvel, questão que, como se viu, não se mostra integradora do objeto do litígio. A referida matéria é, por isso, imprestável para demonstrar a pertinência da prova pericial requerida pelo réu.
Quanto ao alegado no artigo 15.º da réplica, o aumento de renda para € 90,00 constitui um facto no qual as partes acordam. Contudo, a alegação de tal facto tem conexão com o facto precedentemente alegado (artigo 14.º da réplica), onde a autora conclui que “o aditamento que constitui o documento nº 2 da petição inicial foi assinado entre o pai do réu e o procurador da autora, MM em frente à casa dos autos”.
Ora, nesse artigo (14.º) e nos artigos 5.º a 13º da réplica, a autora reporta-se ao documento n.º 2 junto com a petição inicial – intitulado “ADITAMENTO AO CONTRATO DE ARRENDAMENTO”. Tal documento impresso não contém, de facto e ao invés do invocado pela autora, incluída alguma assinatura manuscrita. O mesmo não corresponde, pois, a um documento assinado.
A pretensão de perícia – exame à assinatura - a incidir – por comparação com a cópia do bilhete de identidade do pai do réu junta aos autos – sobre os documentos n.ºs. 2 e 6 juntos com a réplica, não sendo hábil à demonstração de alguma da aludida factualidade invocada como finalidade para a prova pericial requerida, não tem alguma pertinência para a apreciação da causa.
A decisão recorrida que indeferiu a perícia requerida pelo réu não merece, pois, algum reparo, devendo ser mantida.
E da manutenção do decidido não se afere alguma postergação do “direito à habitação” ou alguma violação do princípio da igualdade, sendo certo que, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-05-2020 (Pº 992/20.3T8CTB-A.C1, rel. VÍTOR AMARAL), “a necessidade da perícia, com adequadas razões de suporte, deve ser evidenciada, ex ante, perante a 1.ª instância, e não, ex post facto, no recurso da decisão desfavorável, por ser perante os dados apresentados naquela instância que tem de decidir-se da admissibilidade dos meios de prova”.
Certo é que, face aos dados de que o Tribunal recorrido tinha para decidir, não se afere que a decisão de indeferimento tomada, comporte a violação dos aludidos princípios: A decisão de indeferimento, por falta dos pressupostos legais em que a perícia deve ser admitida, não se conexiona, sob qualquer perspetiva, com o direito à habitação do réu; assim como, a decisão proferida não coloca em crise a igualdade devida, pois, a razão da decisão tomada sempre seria a mesma a adotar relativamente à situação de outrem que se enquadrasse nos mesmos pressupostos decisórios.
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A apelação procederá, assim, quanto à decisão que julgou inepta a reconvenção, que deverá ser revogada e substituída por outra que expresse a admissão liminar da reconvenção formulada, se a tal nada mais obstar, tendo como assente que deve considerar-se ter sido indicado o efeito jurídico pretendido na contestação, relativamente à pretensão do réu de condenação da autora no pagamento de indemnização por benfeitorias realizadas na fração autónoma dos autos no montante de €10.000,00.
Já quanto ao recurso de apelação sobre a decisão que indeferiu a prova pericial requerida pelo réu, o mesmo deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida atinente.
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Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC, “a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
Conforme se deu conta no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-10-2022 (Pº 2075/18.7T8LSB.L1-7, rel. DIOGO RAVARA), “[a] interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, as custas tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. art.ºs 529º, nº 1, do CPC e 3º, nº 1, do RCP).
Já sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (art.ºs 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. art.ºs 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os art.ºs 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (art.ºs 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (art.ºs 533º do CPC e 25º e 26º do RCP)”.
De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária deverá fixar-se a cargo de apelante e apelada, em partes iguais, atento o recíproco e igual decaimento - cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em:
1) Julgar procedente a apelação quanto à decisão que julgou inepta a reconvenção, cuja revogação se determina, substituindo-se por outra que expresse a admissão liminar da reconvenção formulada, se a tal nada mais obstar, tendo como assente que deve considerar-se ter sido indicado o efeito jurídico pretendido na contestação, relativamente à pretensão do réu de condenação da autora no pagamento de indemnização por benfeitorias realizadas na fração autónoma dos autos no montante de € 10.000,00;
2) Julgar improcedente a apelação quanto à decisão que indeferiu a prova pericial requerida pelo réu, mantendo-se a decisão recorrida atinente.
Custas por apelante e apelada, em partes iguais.
Notifique e registe.
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Lisboa, 22 de junho de 2023.

Carlos Castelo Branco
Arlindo José Colaço Crua
Orlando dos Santos Nascimento