Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2951/14.6YYLSB-D.L1-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: ACTAS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
TÍTULO EXECUTIVO
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Por força do art. 6º, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25/10, apenas podem servir de títulos executivos as actas em que constem as deliberações da assembleia de condóminos que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se quer o prazo de pagamento, quer a quota-parte de cada condómino, e não aquelas onde apenas se faça constar a declaração de que é devida determinada quantia por um condómino.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
A , [ Condomínio .....] sito na Avenida João XXI, ..., em Lisboa, intentou contra B, C e D, acção executiva para pagamento da quantia certa sob a forma de processo sumário, nos termos da qual requer a cobrança coerciva da quantia total de € 6.853,87, sendo € 6.552,51 de capital em dívida e € 301,36 de juros de mora vencidos, apresentando como título executivo a acta nº 48 da Assembleia Geral de Condóminos realizada no dia 16 de Abril de 2013.
Consta do Requerimento Executivo, sob a epígrafe “Factos:”, o seguinte:
“1. As Executadas são proprietárias e legitimas possuidoras da fracção autónoma designada pelas letras “E-5”, correspondente à loja 5 da A, em Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 51 da freguesia São Jorge de Arroios (cfr. cópia da certidão de registo predial que se junta como Doc. n.º 1 e se dá, para todos os efeitos legais, por integralmente reproduzida).
2. Como proprietárias da referida fracção, as Executadas estão adstritas, por imposição legal, o pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum - v. 1424.º n.º 1 do Código Civil.
3. Na data da realização da Assembleia Geral de Condóminos de 16/04/2012, as Executadas eram devedoras do montante global de € 4.321,87 (quatro mil, trezentos e vinte e um euros e oitenta e sete cêntimos), relativo aos encargos condominiais vencidos no período compreendido entre Fevereiro de 2012 e Abril de 2013, inclusive (cfr. Acta n.º 48 cuja cópia se junta como Doc. n.º 2 e se dá, para todos os efeitos legais, por integralmente reproduzida).
4. De igual modo, na mesma Assembleia Geral foram fixadas as quotizações de condomínio a vigorar para o ano de 2013, tendo a comparticipação das Executadas sido fixada na quantia mensal de € 278,83 (duzentos e setenta e oito euros e oitenta e três cêntimos).
5. Desde a Assembleia Geral de Condomínio até à presente data, venceram-se outras comparticipações mensais do condomínio (de Maio de 2013 a Março de 2014).
6. Não tendo as Executadas procedido a qualquer pagamento.
7. Face incumprimento verificado quanto ao pagamento dos encargos condominiais, as Executadas foram diversas vezes interpeladas para proceder ao pagamento das quantias em dívida, nomeadamente, por carta registada datada de 21/10/2013 (cfr. cópia da carta de interpelação, que se junta sob Doc. n.º 3 e se dá, para todos os efeitos legais, por integralmente reproduzida).
8. Sucede que as Executadas não efectuaram o pagamento das quantias vencidas.
9. Assim, as Executadas são devedoras das quotizações de condomínio vencidas desde Fevereiro de 2012 a Março de 2014.
10. Porque a Exequente apenas detém título executivo das quantias vencidas até Dezembro de 2013, na presente acção peticionam-se apenas as quantias relativas ao período compreendido entre Fevereiro de 2012 a Dezembro de 2013, no valor global de € 6.552,51 (seis mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e um cêntimos), sem prejuízo de futura cumulação sucessiva de execuções (art. 711.º do CPC).
11. À referida quantia acrescem os respectivos juros moratórios, contabilizados à taxa legal de 4,00 % sobre o montante de cada uma das quotizações, desde o respetivo vencimento até à presente data, o que perfaz a quantia global de € 301,36 (trezentos e um euros e trinta e seis cêntimos).”.
Foi junta aos autos cópia da mencionada acta nº 48, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Em 14 de Janeiro de 2021, foi proferida a decisão ora em recurso, sob a Referência Citius nº 402031089, com o seguinte teor, para o que aqui releva:
“III - A questão que se coloca é a de saber se a ata da Assembleia de Condóminos dada à execução preenche os requisitos de exequibilidade relativamente a todas as contribuições peticionadas na execução.
A ação executiva, que visa a realização efetiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (art. 10º, n.ºs 4, 5 e 6, do Código de Processo Civil).
Estatui o art. 703º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil que à execução podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
Por seu turno, nos termos do n.º 1 do art. 6º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, é título executivo contra o proprietário que deixar de pagar “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio”.
Ao abrigo do disposto no já citado art. 6º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, apenas a ata da assembleia de condóminos em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar.
E assim é porque a assembleia de condóminos quando reconhece que o condómino está em dívida com determinado valor, reconhece apenas que ele deixou de liquidar a contribuição anteriormente fixada, dentro do prazo estabelecido para o efeito, ou seja, não fixa a contribuição que será devida ao condomínio, antes se limita a constatar a existência dessa dívida e, consequentemente, tal ata não constitui título executivo.
Acresce que a fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da sua aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respetiva ata, que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns, e não da declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinado montante ao condomínio, ou seja, que não pagou importâncias anteriormente fixadas.
Assim, a ata constitui título executivo, relativamente à contribuição devida, se o condómino deixar de pagar a sua quota-parte ali fixada e no prazo estabelecido, ou seja, para além da necessidade de fixação da sua quota-parte nessa contribuição, tem de ser fixado o prazo de pagamento.
Ora, conforme resulta da simples leitura da ata dada à execução, esta não é a ata da assembleia de condóminos que deliberou o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio, no que concretamente respeita às quantias relativas ao período compreendido entre fevereiro e dezembro de 2012.
Na verdade, a ata em questão nada contém relativamente a tais deliberações, designadamente no que diz respeito ao período que aqui está em questão, ou seja, o período compreendido entre fevereiro e dezembro de 2012, dela constando apenas a declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinado montante ao condomínio no que respeita ao referido período temporal, ou seja, que não pagou importâncias anteriormente fixadas.
Com efeito, da ata em questão resulta que no que respeita ao referido período temporal, a assembleia de condóminos procede à identificação dos condóminos devedores e, em relação às executadas, limita-se a liquidar as quantias em dívida através de um mero exercício de contabilidade, pois apenas quantifica o montante que está em dívida pelo condómino relapso.
Da ata em questão resulta apenas que foi deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio para vigorar no ano de 2013, pelo que tal ata apenas pode valer como título executivo para as contribuições devidas nesse ano de 2013 pois, como já se aflorou, a fonte da obrigação pecuniária do condómino relapso é a própria deliberação da assembleia de condóminos, vertida em ata, que aprova e fixa o valor a pagar de imediato e para o futuro, correspondente à sua quota-parte nas contribuições e nas despesas comuns.
Assim, a ata dada à execução não pode valer como título executivo para as prestações já vencidas e respeitantes ao período compreendido entre fevereiro e dezembro de 2012 (fevereiro e março de 2012 à razão mensal de 348,54 € e abril a dezembro de 2012 à razão mensal de 278,83 €).
Para que a ata constitua título executivo é necessário que a obrigação exequenda da mesma constante seja certa (ficando a conhecer-se o objeto e os sujeitos da execução), líquida (determinado ou determinável o seu quantitativo) e exigível (por se mostrar já vencida, atento o prazo fixado para o pagamento) – art. 713º do Código de Processo Civil.
Quer isto dizer que a ata dada à execução não é a ata na qual a assembleia de condóminos tenha deliberado o montante da quota-parte do condómino executado para as despesas comuns para o período em questão, ou seja, o período compreendido entre fevereiro e dezembro de 2012, e no prazo estabelecido.
Deste modo, a ata dada à execução não pode constituir título executivo (cfr., no sentido do que se expôs, a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.02.2009, de 30.06.2011, de 23.03.2012, de 14.06.2012, de 11.10.2012, de 2.05.2013, de 11.07.2013, de 29.05.2014, de 26.06.2014, de 26.01.2017, de 17.05.2018 e de 29.11.2018, do Tribunal da Relação do Porto de 29.6.2004 e de 21.4.2005, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.12.2010 e de 21.03.2013 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 8.01.2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Inexiste, pois, a deliberação exigida para que a aludida ata possa servir de base à execução contra as executadas no que concretamente respeita ao período compreendido entre fevereiro e dezembro de 2012.
Há, pois, manifesta falta de título executivo, nessa parte.
A falta de título executivo, sendo manifesta, constitui fundamento de rejeição da execução (art. 734º do Código de Processo Civil).
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IV - Pelo exposto, decido rejeitar parcialmente a presente execução e, consequentemente, declaro extinta a execução no que respeita às quantias relativas ao período compreendido entre fevereiro e dezembro de 2012 (fevereiro e março de 2012 à razão mensal de 348,54 € e abril a dezembro de 2012 à razão mensal de 278,83 €) e respetivos juros.
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V- Custas pelo exequente, na proporção do decaimento (art. 527º, n.º 1, do Código de Processo Civil).”
Inconformada, a Exequente recorre desta decisão, requerendo que “o presente Recurso julgado procedente, por provado, e nessa conformidade seja:
a) REVOGADO o despacho recorrido, por violação do artigo 6.º do DL 268/94, e bem assim, dos artigos 703.º n.º 1, al. d) e 726.º n.ºs 2, al. a) e 3, ambos do CPC, e substituído por outro que julgue válido o título executivo oferecido aos autos para cobrança da totalidade da quantia exequenda, sendo ordenado o prosseguimento da execução para a cobrança integral dos montantes peticionados, i.e., dívida condominial vencida entre Fevereiro de 2012 a Dezembro de 2013, acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento;
Caso assim não se entenda, o que apenas se concebe, sem conceder,
b) REVOGADO o despacho recorrido, por violação do disposto no artigo 726.º, n.ºs 2, al. a), 4 e 5 do CPC, e substituído por outro que ordene a junção aos autos da acta relativa ao ano de 2012, tendo em vista o prosseguimento da execução quanto à dívida de condomínio vencida e não paga no período de Fevereiro a Dezembro de 2012, no valor global de € 3.206,55 (três mil, duzentos e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescido dos respectivo juros de mora desde a data do vencimento até integral e efectivo pagamento, por violação do disposto no artigo 726.º, n.ºs 2, al. a), 4 e 5 do CPC.”.
Termina as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“A. Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, que ancorou a decisão aqui recorrida, não se encontra fundamento na legislação vigente para restringir a força de titulo executivo à acta da Assembleia de Condóminos em que se estabelece o montante de contribuições a suportar por cada condómino para um determinado período, excluindo as actas que consignem um montante global de quotizações vencidas e não pagas.
B. O Tribunal a quo fez uma interpretação literal e restritiva do art. 6.º do DL 268/94 que contraria o espírito do legislador, nomeadamente quanto à agilização de procedimentos de cobrança de dívidas condominiais e, por esse motivo, tal interpretação é ilegal.
C. O Tribunal a quo não observou o art. 9.º n.º 1 do CC, dado que se cingiu à mera letra da lei, desconsiderando o espírito e a ratio da norma em apreço e do diploma donde emana.
D. Com efeito, as actas da Assembleia de Condóminos em que se deliberam os montantes em dívida por qualquer condómino, em determinado momento, são títulos executivos válidos para proceder à cobrança da totalidade da dívida vencida e não paga.
E. De resto, só semelhante entendimento se conforma com a letra e o espírito da lei (art. 6.º do DL 268/94 e 703.º n.º 1, al. d) do CPC), sendo o único que pode conduzir à sua correcta interpretação e aplicação.
F. Em resumo, a acta n.º 47, de 16/04/2013, junta aos autos sob Doc. n.º 2 do requerimento executivo “(…) reúne os requisitos previstos no art. 6º/1 do DL 264/94, na medida em que pela mesma se mostra que a assembleia aprovou as contribuições e outras despesas já em dívida ao condomínio por parte do executado, que se mostravam devidamente discriminadas quanto aos respectivos quantitativos, natureza das mesmas e períodos a que respeitam.” [cit. Ac. TRL de 29-06-2006, Proc. n.º 5718/2006-6; v. igualmente Ac. TRE de 17-02-2011, Proc. n.º 4276/07.4TBPTM.E1; Ac. TRL de 02-03-2004, Proc. n.º 10468/2003-1; Ac. TRL de 07-07-2011, Proc. n.º 42780/06.9YYLSB.L1-2; Ac. TRL de 18-03-2010, Proc. n.º 85181/05.0YYLSB-A.L1-6, todos disponíveis em www.dgsi.pt].
G. A acta oferecida aos autos permite sindicar a dívida vencida em determinado momento, sendo uma deliberação apreciada e aprovada pelos condóminos, não afrontando o espírito do legislador quando atribuiu força executiva às actas de condóminos.
H. Por este motivo, jamais o Tribunal a quo poderia ter decidido pelo indeferimento parcial do requerimento executivo com fundamento na inexistência de título executivo, porquanto a acta que instruiu a execução é documento bastante para o efeito, i.e., para cobrança integral da quantia exequenda (quotizações vencidas e não pagas entre Fevereiro 2012 a Dezembro de 2013).
I. O despacho recorrido violou o disposto no artigo 6.º do DL 268/94, e bem assim, dos artigos 703.º n.º 1, al. d) e 726.º n.os 2, al. a) e 3, ambos do CPC, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que julgue válido o título executivo oferecido aos autos e, nessa senda, seja ordenado o prosseguimento da execução para a cobrança integral dos montantes peticionados, i.e., dívida condominial vencida entre Fevereiro de 2012 a Dezembro de 2013, acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento.
J. Segundo o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, no caso concreto dos presentes autos, o título executivo será formado pelo conjunto de todas as actas de condomínio que sustentam a dívida exequenda.
K. Conhecendo a querela jurisprudencial e doutrinal sobre a matéria em causa, o Tribunal a quo devia ter concedido ao Recorrente a oportunidade para suprir a invocada irregularidade, à luz do disposto no art. 726.º n.º 4 do CPC, visto não consubstanciar uma excepção insuprível.
L. A controvérsia que subjaz ao despacho recorrido, merecia que o Tribunal a quo não determinasse, desde logo, a extinção parcial da execução, considerando os impactos que tal decisão tem na esfera jurídica do Exequente, que se vê privado de cobrar um valor que lhe é devido.
M. Até porque, “Não constituindo os documentos oferecidos pelo exequente com o requerimento título executivo suficiente por se mostrar necessária a junção de um outro em sua necessária complementaridade, tal omissão não é motivo para rejeitar a execução, antes para convidar o exequente a apresentá-lo de forma a complementar o complexo título executivo necessário. Só depois, caso tal convite não seja observado ou o documento não satisfaça a finalidade a que se destinava, caberá ao tribunal, ainda ao abrigo do art. 820.º, rejeitá-la” [cit. Ac. STJ de 05-05-2011, Proc. n.º 5652/9.3TBBRG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt - destaques nossos].
N. Assim, deverá julgar-se violado o disposto no artigo 726.º, n.os 2, al. a), 4 e 5 do CPC, por não ter sido dada oportunidade ao Exequente de sanar o alegado vício da execução quanto aos títulos que a instruem para cobrança do valor referente ao período de Fevereiro a Dezembro de 2012,
O. Termos em que, in extremis, deverá ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene a junção aos autos da acta relativa ao ano de 2012, tendo em vista o prosseguimento da execução quanto à dívida de condomínio vencida e não paga no período de Fevereiro a Dezembro de 2012, no valor de € 3.206,55 (três mil, duzentos e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescido dos respectivo juros de mora desde a data do vencimento até integral e efectivo pagamento.”.
As executadas apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114-116.
Nestes termos, no caso em análise, as questões a decidir são as seguintes:
- se o documento dado à execução consubstancia título executivo nos termos do art. 6º, nº 1 do Decreto Lei nº 268/1994, de 25 de Outubro;
- se devia ter sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento do Requerimento Executivo.
 III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados com interesse para a decisão do recurso são os que constam da parte I-Relatório desta decisão, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Neste recurso está em causa, desde logo, a questão de saber se o documento dado à execução consubstancia título executivo para as prestações peticionadas referentes ao período compreendido entre Fevereiro e Dezembro de 2012, entendendo a apelante de forma afirmativa, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal a quo.
Apreciemos.
Como decorre do disposto no art. 10º, nºs 4 e 5 do Cód. Proc. Civil, a acção executiva visa a implementação das providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida e tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
Para Antunes Varela, in “Manuel de Processo Civil”, 1985, 2ª ed., p. 78-79: “Os títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da forma probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador (…), o título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o acto documentado subsista quer não).”.
A acção executiva pressupõe o incumprimento da obrigação que emerge do próprio título dado à execução e que o direito nele inscrito esteja definido e acertado.
Aquele título constitui, para fins executivos, condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito exequendo nas suas vertentes fáctico-jurídicas, assumindo, por isso, autonomia em relação à realidade que prova.
Nas palavras de Anselmo de Castro, in “A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial”, ed. 1970, p. 10, o título executivo “é condição necessária da execução, na medida em que os actos executivos em que se desenvolve a acção não podem ser praticados senão na presença dele (...)” e “condição suficiente da acção executiva, no sentido de que, na sua presença, seguir-se-á imediatamente a execução”.
O título constitui, pois, “condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito nas suas vertentes fáctico-jurídicas. Nesta conformidade o título executivo é condição necessária e suficiente da acção. Necessária porque não há execução sem título. Suficiente porque, repete-se, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere. Efectivamente a obrigação exequenda tem de constar no título o qual, como documento que é, prova a existência de tal obrigação. O título executivo é um pressuposto da acção executiva na medida em que confere ao direito à prestação invocada um grau de certeza e exigibilidade que a lei reputa de suficientes para a admissibilidade de tal acção.” – cfr. Ac. TRC de 09/10/2018, Carlos Moreira, acessível em www.dgsi.pt.
Neste enquadramento pode entender-se que, sendo requisito essencial da acção executiva, o título deve constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, ou seja, reitera-se, deve, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo, constituindo prova do acto constitutivo da dívida, sem prejuízo da possibilidade de o executado provar que apesar do título a dívida não existe (a obrigação nunca se constituiu ou foi extinta ou modificada posteriormente) – Ac. do TRC de 12/11/2013, Fonte Ramos, acessível em www.dgsi.pt.
Tal como a causa de pedir pode ser simples ou complexa, também o título executivo o poderá ser.
O título executivo é complexo quando corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles por si não ter força executiva, mas juntos assegurarem eficácia a um todo complexo documental como título executivo.
O art. 703º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil elenca como títulos executivos, entre outros, “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
O Decreto Lei nº 268/1994, de 25 de Outubro, criou um destes títulos executivos especiais, no respectivo art. 6º, que estatui no seu nº 1, sob a epígrafe “Dívidas por encargos de condomínio”, que: “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido na sua quota-parte.”.
De acordo com o disposto no art. 1424º do Cód. Civil, “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”, sendo, como decorre da lei, condóminos os proprietários.
Da conjugação destas normas conclui-se que o legislador atribuiu força executiva à acta da assembleia de condóminos contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, as contribuições devidas ao condomínio, permitindo que este instaure acção executiva contra o proprietário da fracção (condómino devedor) relativamente à sua contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, na proporção do valor da sua fracção, sem que, previamente, tenha que lançar mão do processo declarativo de condenação de modo a obter o reconhecimento do crédito - desde que, naturalmente, seja apresentada como título executivo acta exarada nos termos do art. 6º, nº 1 do aludido Dec. Lei nº 268/94, de 25/10.
Como, desde logo, se extrai do confronto dos Acórdãos citados na decisão recorrida com os Acórdãos citados nas alegações de recurso do apelante, não há unanimidade na jurisprudência quanto aos requisitos necessários para que a acta da assembleia de condóminos revista exequibilidade como título executivo, encontrando-se, a este propósito, duas orientações distintas:
(i) para uma destas orientações, apenas podem servir de títulos executivos as actas em que constem as deliberações da assembleia de condóminos que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se quer o prazo de pagamento, quer a quota-parte de cada condómino.
Neste sentido, cfr.: Acórdãos do TRL de 17/02/2009, Maria do Rosário Morgado; de 22/06/2010, Maria Amélia Ribeiro; de 23/02/2012, Tomé Ramião; de 11/10/2012, Jorge Leal; de 26/01/2017, Ilídio Sacarrão Martins; de 29/11/2018, Teresa Prazeres Pais; e de 01/03/2019, Carlos Marinho; Acórdão do TRE de 28/01/2010, Fernando Bento; Acórdãos do TRP de 17/01/2002, Sousa Leite; de 29/06/2004, Alberto Sobrinho; de 21/04/2005, Ataíde das Neves; de 16/06/2009, Rodrigues Pires; de 06/09/2010, Ana Paula Amorim; de 09/06/2010, Pinto de Almeida; de 13/09/2012, Amaral Ferreira; de 18/02/2019, Manuel Domingos Fernandes; e de 04/06/2019, Lina Baptista – todos, acessíveis em www.dgsi.pt.
(ii) para a outra orientação jurisprudencial, a deliberação da assembleia onde se procede à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino, expressa na respectiva acta, consubstancia um título executivo nos termos e para os efeitos do art. 6º, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25/10.
Neste sentido, cfr. a seguinte jurisprudência citada no Acórdão do TRC de 23/01/2018, Pires Robalo, acessível em www.dgsi.pt: “Ac. Rel. do Porto de 02.6.1998, proc. n.º 9820489, relatado por Emídio Costa; acórdãos da RC de 1/3/2016, proc. n.º 129/14.8TJCBR-A.C1, relatado por Fonte Ramos; de 04.6.2013, proc.º n.º 607/12.3TBFIG-A.C1, relatado por Arlindo Oliveira; de 6/12/2016, proc. n.º 473/13.1TBLMG.C1, relatado por Manuel Capelo (…); Ac. Rel. Lisboa de 02.3.2004, proc.º n.º 10468/2003-1, relatado por André dos Santos; de 29.6.2006, proc. n.º 5718/2006-6, relatado por Ferreira Rodrigues; de 8.7.2007, proc. n.º 9276/2007-7, relatado por Arnaldo Silva; de 18.3.2010, proc. n.º 85181/05.0YYLSB-A.L1-6, relatado por Carlos Valverde; e de 7.7.2011, proc. n.º 42780/06.9YYLSB.L1-2, relatado por Teresa Albuquerque; e da RE de 17.02.2011, proc. n.º 4276/07.4TBPTM.E1, relatado por Maria Alexandra Moura Santos, (…) Ac. da RP de 04.6.2009, proc. n.º 1139/06.4TBGDM-A.P1, relatado por José Ferraz e Ac. do STJ de 14.10.2014, proc. n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1., relatado por Fernandes do Vale”.
Os fundamentos de ambas as posições são enunciados, de forma deveras clarividente, no Acórdão do TRC de 23/01/2018, Pires Robalo, acessível em www.dgsi.pt, nos seguintes termos:
 “Há quem advogue, de forma restritiva, que apenas são títulos executivos as actas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino argumentando-se que a assembleia de condóminos quando reconhece que o condómino está em dívida com determinado valor reconhece apenas que ele deixou de liquidar a contribuição anteriormente fixada, dentro do prazo estabelecido para o efeito, ou seja, não fixa a contribuição que será devida ao condomínio, antes se limita a constatar a existência dessa dívida e, consequentemente, não constitui título executivo.
Depois, porque a fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da sua aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respetiva acta, que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns, e não da declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinada quantia, ao que acrescentam ser esse o sentido da última parte do segmento normativo do n.º 1 do art.º 6.º do D.L. 268/94, de 25 de Outubro, ao referir “constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte” […]
– enquanto outros advogam que basta que a acta inclua a deliberação da mesma assembleia onde se procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino […]
Os defensores desta tese partem da letra do n.º 1 do art.º 6º do DL n.º 268/94, que alude ao montante das contribuições devidas e não à fixação dessas contribuições, tendo ainda em conta, sobretudo, a teleologia dessa previsão (expressa no preâmbulo do diploma) e que a detenção de um título executivo em que o devedor não teve intervenção sabendo-se que, para constituir título executivo, a acta da assembleia de condóminos não carecer da assinatura de todos os condóminos ou da assinatura do condómino executado, não altera as regras gerais de distribuição do ónus da prova, cabendo por isso à Administração do Condomínio demonstrar os factos constitutivos do crédito exequendo, quando os mesmos sejam impugnados pelo devedor (cfr. Ac. da RP de 04.6.2009, proc.º n.º 1139/06.4TBGDM-A.P1, relatado por José Ferraz e Ac. do STJ de 14.10.2014, proc.º n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1, relatado por Fernandes do Vale), por outro lado argumentam os defensores deste entendimento que é o que melhor se enquadra na interpretação da lei, tendo presente o n.º 1 do art.º 9º do C.C., que preceitua a respeito - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo o espírito do legislador, como resulta do preâmbulo do citado D.L. n.º 268/94, conferir eficácia executiva às atas das reuniões da assembleia dos condóminos tinha em mente evitar o recurso à ação declarativa em matérias em que estão em jogo questões monetárias liquidadas ou de fácil liquidação segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia. Este é aliás o espírito que concedeu força executiva a documentos particulares (cfr. neste sentido Ac. Rel. de Lisboa de 2/3/04, proc.º n.º 10468/2001-1, relatado por André dos Santos).”.
Tomando posição, diremos que se afigura como mais consentâneo com o espírito da lei, o primeiro entendimento supra enunciado, isto é, o de que a acta constituirá título executivo desde que nela se verta a deliberação que fixou os montantes das contribuições devidas ao condomínio, respectivo prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino. Na verdade, a concreta obrigação pecuniária do condómino que se pretende executar nasce com a aprovação pela assembleia do valor a pagar e correspondente quota-parte dos condóminos para as despesas comuns e respectivo prazo de pagamento.
Donde, são elementos essenciais deste título executivo, por um lado, a deliberação do montante da contribuição devida por cada condómino e, por outro, a falta de pagamento dessa contribuição no prazo estabelecido. Por isto, a simples declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinada quantia, não permite concluir pela existência destes dois elementos essenciais, porquanto não contem a deliberação do montante da contribuição devida por cada condómino, mas apenas a aprovação de um valor. Tal acta, que apenas reconhece o valor em dívida, não cria qualquer obrigação, para além de não fixar qualquer prazo para o seu pagamento, pois que tal obrigação já está vencida, porque decorreu o prazo de pagamento, sem que este tivesse tido lugar.
Note-se que esta orientação apresenta-se como a interpretação que melhor se coaduna com a parte final do art. 6º, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25/10, quando prescreve que a acta da reunião da assembleia de condóminos constitui título executivo “contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Como se escreve a este propósito no Ac. desta Relação e Secção de 19/05/2020, em que é relatora Ana Rodrigues da Silva, e segunda adjunta a presente relatora (acessível em www.dgsi.pt), que vimos seguindo de perto:
“Acresce que o valor em dívida terá sempre de ser resultado de uma operação aritmética, composta por várias parcelas, como meses ou anos, por forma a permitir ao executado apreender os valores em dívida e exercer os seus direitos quanto à impugnação desses valores, seja pelo pagamento efectuado, seja pela prescrição da dívida, parcelar ou integralmente, seja pela alegação de qualquer outro meio de defesa.
Por outro lado, uma acta em que apenas conste o valor já vencido não permite densificar a última parte do preceito em análise, porquanto não contém em si qual o prazo estabelecido para o pagamento e se o mesmo foi ou não cumprido.
Assim sendo, tem de se concluir pela impossibilidade de uma acta com essas características servir de título executivo nos termos e para os efeitos do citado art. 6º.
Tal como se diz no Ac. TRL de 22-01-2019, relator Diogo Ravara, proc. 3450/11.3TBVXF.L.1-7 “… do citado art. 6º, nº 1 do DL 268/94 também resultam requisitos de clareza e precisão no que diz respeito à definição dos elementos que devem constar na ata para que a mesma possa constituir título executivo.
Na verdade, tal ata terá que permitir quantificar, de forma clara, os montantes e os prazos de vencimento das obrigações em mora. Daí que a jurisprudência saliente que para que constitua título executivo a mesma tem que documentar a aprovação de uma deliberação da qual resulte uma obrigação pecuniária para o condómino e o respetivo montante, não bastando que dela resulte uma mera relação de dívidas ao condomínio. Neste sentido cfr. os acs. RP 04-02-2016 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 2648/13.4TBLLE-A.P1 e RC 23-01-2018 (António Robalo), p. 7956/15.7T8CBR-A.C1”.”.
Também como se escreve no Acórdão do TRL de 29/11/2018, Teresa Prazeres Pais, acessível em www.dgsi.pt: “Quem tem de aprovar a despesa e a imputação é a assembleia e não outrem, nomeadamente o administrador, para quem aquela não deve remeter o encargo dessa determinação. A acta só constitui título executivo, enquanto contém a deliberação da assembleia que fixa a obrigação exequenda. Na verdade, sendo o título o instrumento documental da demonstração da obrigação exequenda, fundamento substantivo da execução, ou o correspondente à causa de pedir no processo declarativo, a prestação exigida terá de ser a prestação substantiva acertada no título ou, por outras palavras, o objecto da execução deve corresponder ao objecto da obrigação definida no título, ou seja, a acta da assembleia de condóminos terá que documentar a deliberação onde nasce a obrigação de pagamento de contribuição por parte do condómino (fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns), estipule o prazo e o modo de pagamento e não já a que declare, tão só, o montante da dívida: “…Uma acta com este conteúdo comprova a constituição de uma obrigação, bem como a data do seu vencimento pelo que, decorrido o prazo de pagamento, documentará uma obrigação que é certa, e exigível e que poderá ser liquidada através do requerimento executivo, indicando-se as prestações não pagas/em falta e que estão em dívida, em consonância com o preceituado nos arts. 713 e 716/1 CPC.”.
Na Doutrina: Rui Pinto, in “A Acção Executiva, 2019, Reimpressão, p. 227, sustenta que “são condições dessa exequibilidade a ata (i) aprovar o montante daquelas despesas e valores, (ii) estabelecer o prazo de vencimento (ii) e a quota-parte de cada condómino (iii) devidamente identificado.”; e Marco Carvalho Gonçalves, in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2ª ed. revista e aumentada, p. 136-137, pronuncia-se, do que se depreende, no sentido de que para que a acta da reunião da assembleia de condóminos constitua título executivo é necessário que seja nela consignada a comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o montante e o respectivo prazo de pagamento.
Em suma, entendemos que, no âmbito do art. 6º, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25/10, apenas podem servir de títulos executivos as actas em que constem as deliberações da assembleia de condóminos que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se quer o prazo de pagamento, quer a quota-parte de cada condómino, e não aquelas onde apenas se faça constar a declaração de que é devida determinada quantia por um condómino.
Volvendo ao caso dos autos, constata-se que na acta nº 48 da assembleia geral de condóminos realizada em 16/04/2013, dada à execução, consta, no que concerne aos valores exequendos em referência – quotas de condomínio referentes ao período compreendido entre Fevereiro de 2012 e Dezembro de 2012:
Com a descrição do valor da quota mensal de condomínio, consigna-se em acta a listagem dos Condóminos que à data desta Assembleia, se encontravam devedores da Galeria Comercial Via Veneto”: (…)
“d) A Loja nº 5, propriedade de B,C e D devem 4.321,87 (de Fevereiro e Março de 2012 à razão mensal de 348,54 euros) e (de Abril de 2021 a Abril de 2013 à razão mensal de 278,82 euros);”.
Ora, por tudo o que acima se aduziu relativamente aos requisitos necessários para que uma acta de assembleia de condóminos revista exequibilidade como título executivo, nos termos do art. 6º, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25/10, resulta cristalino que esta acta - que a exequente invoca e junta como título executivo - não reúne aqueles requisitos, porquanto da mesma não consta a deliberação do montante mensal devido pelas executadas a título de condomínio nos meses de Fevereiro a Dezembro de 2012, nem as respectivas datas de pagamento. Com efeito, a acta em causa nada refere quanto àqueles aspectos, sendo uma mera declaração, uma “consignação” (como na mesma se refere: “consigna-se”) sobre montantes em dívida, não podendo, por este motivo, como se viu, servir de título executivo na parte atinente às quotas de condomínio referentes ao período compreendido entre Fevereiro e Dezembro de 2012.
Desta forma, verificando-se que da acta resulta apenas o valor em dívida pelas executadas – e não a própria deliberação sobre o valor devido mensalmente de condomínio e respectivo prazo de pagamento -, forçoso é concluir pela improcedência da pretensão da apelante e pelo acerto da decisão recorrida quando refere a inexistência de título executivo na parte que tange às quotas de condomínio referentes ao período compreendido entre Fevereiro de 2012 e Dezembro de 2012.
Em suma, a acta dada à execução não reúne os requisitos necessários para o preenchimento da natureza de título executivo no tocante às quotas de condomínio referentes ao período compreendido entre Fevereiro de 2012 e Dezembro de 2012, havendo que concluir pela verificação da falta de título executivo nesta parte e, daí, a rejeição parcial da execução, nos termos constantes da al. a) do nº 2 do art. 726º do Cód. Proc. Civil, como decidiu o tribunal a quo.
*
Sustenta a apelante que deveria o tribunal a quo ter proferido despacho convidando a exequente a juntar aos autos a acta da assembleia de condóminos relativa ao ano de 2012, onde foram deliberados os montantes devidos por cada condómino para aquele ano.
Apreciemos.
Em caso de título executivo complexo (cfr. o que acima de deixou dito sobre esta espécie de título), como é o caso dos autos, o despacho relativo à existência de título executivo pode ser precedido de despacho convidando o exequente a suprir os vícios existentes, apenas sendo de rejeitar a execução caso esses vícios não sejam supridos no prazo concedido para o efeito – cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 10/04/2018, Pinto de Almeida, acessível em www.dgsi.pt, onde se escreve:
“… uma das linhas mestras que, desde a reforma de 1995, enformam o processo civil é a de garantir a prevalência do fundo sobre a forma, privilegiando-se a providência de mérito, em detrimento da aplicação estrita de normas de índole formal.
Esta orientação concretiza-se, no âmbito da acção executiva, designadamente, no dever de convidar o exequente a suprir a falta de pressupostos processuais e as irregularidades de que enferma o requerimento executivo, desde que sanáveis, como se prescreve expressamente no art. 812-E, nº 3, do CPC.
Será o caso da execução baseada em título de que resulte a incerteza da obrigação ou a inexigibilidade da prestação e não seja imediatamente oferecida e efectuada prova complementar do título.
A formulação desse convite para o aperfeiçoamento do requerimento executivo é ainda possível para além da fase liminar da execução, como decorre do disposto no art. 820º (actual art. 734º) do CPC.
Só no caso de tal convite não ter resposta adequada, não sendo aperfeiçoada a petição e suprido o vício, é que deverá ser decretada a extinção da execução (cfr. art. 812-E, nº 4)”.
Acresce que, “considerando as vicissitudes do processo executivo e a possibilidade conferida pelo art. 734º do CPC, a possibilidade de avaliação da existência de título executivo existe ao longo do processo e até ao limite temporal estabelecido pelo citado preceito. Neste sentido, vide Ac. TRL de 28-04-2016, relator Nuno Sampaio, proc. 7262/13.1TBOER.L1-6” – cfr. supra citado Ac. desta Relação e Secção de 19/05/2020, em que é relatora Ana Rodrigues da Silva, e segunda adjunta a presente relatora.
Ainda seguindo este último Acórdão:
“A este propósito, e também no âmbito de embargos de executado, entendeu-se no Ac. TRC de 23-02-2016, relator Carlos Moreira, proc. 1962/13.3TVPBL-A.C1 que se impunha ao tribunal convidar o exequente a juntar aos autos a acta que se entende ser título executivo, face ao dever constante do art. 590º, nºs 3 e 4 do CPC, mais se referindo que “Certo é que o juiz não deve substituir-se à parte nos seus deveres decorrentes dos princípios do dispositivo, da substanciação e da auto responsabilidade.
Mas quando ele pugne por um entendimento, mais a mais numa matéria jurisprudencialmente controvertida, que é contrário à pretensão defendida pela parte decorrente de uma sua atuação que, com probabilidade, pode ser invertida no sentido propugnado pelo julgador, deve este convidá-la a atuar de modo a facultar-lhe a possibilidade de o impetrante/interessado adequar a sua intervenção e carrear para o processo os elementos que possam obstar ao indeferimento liminar ou precoce.
Tudo em consonância com o papel mais ativo e profícuo que as recentes reformas adjetivas pretendem para o juiz, e em benefício e com prevalência da substância e da justiça sobre uma menos adequada postura formal que, iniquamente, podem obstar à consecução destes desideratos.
E, neste sentido, e precisamente quanto a esta temática, se tem pronunciado a jurisprudência.
Assim:
Se se indiciar que a ata … existe, embora não tenha sido junta com o requerimento executivo, o juiz deve, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 812.º-E do CPC, convidar o exequente a suprir a irregularidade, apresentando o título em falta e, se for o caso, corrigindo o requerimento inicial» - Ac. da RL de 11.10.2012, p. 1515/09.0TBSCR.L1-2.
«No caso de deficiente alegação e enquadramento no requerimento inicial executivo, quer factual, quer jurídico, pode ter lugar despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo ex vi do previsto no nº3 do art. 812º-E, nº1, do mesmo C.P.Civil decorrente da Reforma de 2007.» - Ac. da RC de 17.12.2014, p. 408/14.4TBVIS.C1.”.
Como se refere neste ultimo acórdão (Ac. TRC de 17-12-2014, relator Luís Filipe Cravo), “se o requerimento executivo deve ser acompanhado do título executivo (cf. art. 810º, nº6, al. a) do aplicável C.P.Civil) e se o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando “seja manifesta a falta ou insuficiência do título” (cf. nº1 do art. 812º-E do mesmo C.P.Civil), outra e diversa deve ser a solução quando se esteja afinal perante uma deficiente alegação e enquadramento, quer factual, quer jurídico, isto é, quando a situação invocada – “acta nº 10 da assembleia de condóminos” – poderia ser enquadrável como constituindo um “documento particular” que valia como título executivo”, situação em que deveria haver lugar a um despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo.”.
Propugnando a necessidade dessa junção de documentos – e invocando-se aqui, mais uma vez, o citado Ac. desta Relação e Secção de 19/05/2020, em que é relatora Ana Rodrigues da Silva, e segunda adjunta a presente relatora - “quando exista apenas uma mera omissão no que toca à junção aos autos da acta assembleia de condóminos em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento, veja-se o Ac. TRL de 17-02-2009, relator Maria do Rosário Morgado, proc. 532/05.4TCLRS-7 (…).
Como se pode ler no Ac. TRL de 11-10-2012, relator Jorge Leal, proc. 1515/09.0TBSCR.L1-2, “É certo que o requerimento executivo deve ser acompanhado do título executivo (art.º 810.º n.º 6 alínea a) do CPC) e que o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando “seja manifesta a falta ou insuficiência do título” (n.º 1 do art.º 812.º-E do CPC). Só que, em casos como o dos autos, indicia-se que o título (no caso, ata ou atas contendo a deliberação ou as deliberações em que se aprovaram as despesas a serem suportadas pelos condóminos e / ou o montante das contribuições individualmente a serem suportadas por cada um deles), embora não tenha sido junto, existirá. Ora, em casos em que a falta (inexistência) de título não seja manifesta, o juiz deve, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 812.º-E do CPC (“fora dos casos previstos no n.º 1, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do art.º 265.º”) convidar o exequente a suprir a irregularidade, apresentando o título em falta e, se for o caso, corrigindo o requerimento inicial (neste sentido, Lebre de Freitas, Acção executiva, obra citada, pág. 77). Tal tem sido propugnado por parte da jurisprudência, em casos idênticos ao destes autos (cfr. acórdãos da Relação de Lisboa, 30.6.2011, 13722/10.9YYLSB e 22.6.2010, 1155/05.3TCLRS.L1-7, já supra citados). O não acionamento desse poder-dever é omissão que constitui irregularidade relevante (art.º 201.º n.º 1 do CPC) que, tendo sido arguida pelo exequente no recurso da decisão que a acobertou deve ser conhecida por esta Relação (cfr. Manuel Domingues de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183”.”
Volvendo ao caso dos autos, cumpre notar que a exequente, no requerimento executivo, se limitou a alegar, na parte que para aqui releva e com sublinhados nossos:
“3. Na data da realização da Assembleia Geral de Condóminos de 16/04/2012, as Executadas eram devedoras do montante global de € 4.321,87 (quatro mil, trezentos e vinte e um euros e oitenta e sete cêntimos), relativo aos encargos condominiais vencidos no período compreendido entre Fevereiro de 2012 e Abril de 2013, inclusive (cfr. Acta n.º 48 cuja cópia se junta como Doc. n.º 2 e se dá, para todos os efeitos legais, por integralmente reproduzida).
(…)
10. Porque a Exequente apenas detém título executivo das quantias vencidas até Dezembro de 2013, na presente acção peticionam-se apenas as quantias relativas ao período compreendido entre Fevereiro de 2012 a Dezembro de 2013, no valor global de € 6.552,51 (seis mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e um cêntimos), sem prejuízo de futura cumulação sucessiva de execuções (art. 711.º do CPC).”.
Ora, deste enunciado, constata-se que a exequente se limitou a juntar a acta da reunião da assembleia de condóminos da qual consta a deliberação sobre o montante em dívida pelas executadas, sem que refira no Requerimento Executivo, de forma discriminada, o número de prestações não pagas, seu montante e prazo de pagamento, máxime, na parte em que foi rejeitada parcialmente a execução, ou seja, na parte referente às prestações dos meses de Fevereiro a Dezembro de 2012.
Donde, não estamos perante a ocorrência de uma mera omissão na junção de documentos, os quais estariam contemplados na descrição discriminada dos factos no Requerimento Executivo, caso em que se imporia ao tribunal providenciar pela sua junção aos autos e, por essa via, suprir a irregularidade verificada. Na verdade, no caso dos autos, não são alegados no Requerimento Executivo os montantes em dívida respeitantes às concretas prestações dos meses de Fevereiro a Dezembro de 2012, nem os respectivos prazos de pagamento, apenas ali se aludindo, pelo contrário, a um valor global já vencido (€ 6.552,51) que abarca amplo período temporal (de Fevereiro de 2012 a Dezembro de 2013), que vai muito além das concretas e específicas prestações em causa.
Desta forma, conclui-se que, no caso dos autos, é manifesta a falta ou insuficiência do título apresentado relativamente às concretas prestações referentes aos meses de Fevereiro a Dezembro de 2012, não constituindo qualquer omissão do dever consagrado no art. 726º, nº 4 do Cód. Proc. Civil, a inexistência de convite à exequente para junção da acta referente ao ano de 2012, ao contrário do propugnado pela apelante.
Pelo exposto, são improcedentes todas as conclusões da apelante, sendo de manter, in totum, a decisão recorrida.
                                                  *
As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.

V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a presente apelação improcedente, e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 22 de Junho de 2021
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
Ana Resende