Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2166/05.4TBCSC-C.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: EXECUÇÃO
DECISÃO PROVISÓRIA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A decisão provisória que fixou os alimentos é, tal como o próprio nome o refere, provisória, podendo ser alterada a qualquer momento e caduca, necessariamente, com a decisão final proferida no âmbito da acção principal respectiva, no caso, da alteração de alimentos, decisão essa que sempre poderia ter sido proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância - artigo 1120.º do Código de Processo Civil.
II - Com a decisão proferida na acção de alteração de alimentos, que julgou a pretensão da Requerente, ora exequente, como improcedente, mantendo os alimentos anteriormente fixados, sempre teríamos de concluir que não são devidas quaisquer quantias a título de alimentos provisórios. As penhoras efectuadas ao abrigo desta decisão provisória devem, assim, ser levantadas, nada justificando a sua manutenção. Não tendo ocorrido qualquer entrega efectiva de tais quantias, não se justifica a aplicação do disposto no artigo 2007.º, n.º 2, do Código Civil, cujo âmbito se restringe à não devolução de quantias já pagas a título de alimentos provisórios.
III - Na formação do título dado à execução havia desde logo um vício que impedia a sua exequibilidade uma vez que ali não se consubstanciava uma verdadeira obrigação, facto que era do perfeito conhecimento da exequente, o que torna a execução ainda mais injusta. A decisão provisória proferida baseou-se num equívoco (a que a actuação da Secção de processos também não foi alheia) e que deveria ter desde logo sido reparado pelo Tribunal de 1.ª Instância. Esse vício torna o título inexequível, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 814.º, alínea a), do Código de Processo Civil.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

Por discordar com a decisão proferida singularmente por este Tribunal, foi requerido que o processo fosse submetido à Conferência, o que se determinou.

Após a respectiva análise, o Tribunal Colectivo manteve a mesma decisão proferida em Tribunal singular, que se passa a transcrever:

A…, executado nos autos principais, deduziu oposição à execução contra si instaurada, com fundamento em que a mesma tem por base um título executivo que carece de exequibilidade, invocando ainda a caducidade da providência, nos termos do artigo 389.º, al. c) do Código de Processo Civil.

Conclui pela extinção dos autos de execução e pela condenação da exequente como litigante de má fé.

Admitida a oposição, a exequente B… contestou a mesma, pugnando pela improcedência da oposição deduzida e pela condenação do executado como litigante de má fé, em multa e em indemnização a seu favor (que inclua o reembolso das despesas com os honorários dos seus mandatários), ambas a fixar segundo o critério do Tribunal.

Por entender que a questão a decidir cingia-se a uma apreciação da questão de Direito, o Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão em que concluiu pela improcedência da oposição bem como dos pedidos de condenação como litigantes de má fé.

Inconformado com o assim decidido, o executado interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

1. Exequente e Executado são os Pais dos menores C…, D… e E…;

2. Verifica-se erro manifesto na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto provada na Sentença em recurso, porquanto não foram considerados provados os seguintes factos que resultam dos Autos e que não foram impugnados:

- No dia 14 de Maio de 2008, a Exequente veio peticionar a alteração da pensão de alimentos fixada, nos Autos de Alteração da Regulação do Poder Paternal — Apenso A - alegando que se encontrava desempregada e solicitando a fixação de uma pensão de alimentos provisória a favor dos menores no valor de € 1.350,00;

- Por requerimento que deu entrada em Tribunal no dia 14 de Setembro de 2009, a Exequente veio informar que a sua situação profissional se alterou a partir de 29 de Junho de 2009, data em que celebrou um contrato de trabalho por conta de outrem e por tempo indeterminado, com a empresa "H… (Portugal) SA", passando a auferir, como Directora de Vendas, uma remuneração mínima mensal liquida de € 1.628,00, a que acrescem subsídios de férias e natal e prémios/bónus e outras regalias;

- Em 29/09/2009, foi proferida a Decisão, a fls. 531, objecto da presente Execução que determinou: "... com vista a garantir que os menores vejam satisfeitas as suas necessidades, provisoriamente, para além do estabelecido no ponto 11 a 15 do regime de RPP vigente, o pai suportará uma pensão de E 300,00, por mês que entregará à mãe até ao dia 8 de cada mês..."

- O Requerimento da Requerente de 14/09/2009, não foi incorporado aos Autos em suporte físico em papel, por lapso da Secção;

- Em 09/12/2009, foi proferido pela M. Juiz titular dos Autos o seguinte Despacho: "A signatária deu um provimento no sentido de serem juntos aos autos, em suporte de papel, todos os requerimentos apresentados. Por lapso da secção, o requerimento da progenitora onde informa que se encontra a trabalhar e a auferir um vencimento líquido de 1.628,00 euros não foi junto aos autos. A decisão provisória de fls. 351 e 352 foi proferida, como resulta do texto da mesma, no pressuposto de que a progenitora estava desempregada. Ao MQPQ."

- Em 23/10/2010, o Recorrente interpôs Recurso do Despacho de fls. 531, invocando expressamente a nulidade da Decisão em causa, Recurso que não foi admitido, porquanto a M. Juiz considerou que a Decisão de 29/09/2009, fora proferida no uso legal de um poder discricionário, entendendo ser a mesma irrecorrível, nos termos dos artigos 157.º da OTM e 156.º, n.º 4, e 679.º, do Código de Processo Civil;

- Em 07/01/2010, foi proferido Despacho com o seguinte teor: "A decisão provisória de fls. 351 e 352 foi proferida, como resulta do texto da mesma, no pressuposto de que a progenitora estava desempregada. Atenta a alteração dos pressupostos de facto que motivaram a prolação da decisão provisória e no que respeita à manutenção da mesma, antes de mais, abra vista ao Ministério Público."

- Por Sentença proferida em 07/04/2010, nos Autos de Alteração da Regulação do Poder Paternal - Apenso A - transitada em julgado, a acção foi julgada improcedente, por não provada.

3. A Sentença em recurso está em clara oposição aos factos carreados pelo Recorrente para os Autos e que deveriam ter sido dados como provados, no que se refere ao Recurso interposto pelo Exequente em 23/10/2009, invocando a nulidade da Decisão de 29/09/2009, aos Despachos de 09/12/2009 e de 07/01/2010 e à Douta Sentença de 07/04/2010, que relevam para a boa decisão da causa e que, ao não terem sido dados como provados nestes Autos, importam erro manifesto na apreciação da prova e no julgamento da matéria de facto, o que se invoca.

4. A Decisão que consubstancia o título executivo dos presentes Autos foi objecto de reparo, através dos Doutos Despachos de 09/12/2009 e de 07/01/2010, face ao lapso cometido, o que, naturalmente, acarreta a nulidade do titulo executivo e a sua inexequibilidade, dada também a inexistência da obrigação em causa, pelo que a Sentença em recurso viola assim o disposto no art.Q 816.Q n.Q 1, al. a) do CPC, sob pena de estarmos perante um enriquecimento sem justa causa por parte da Exequente, o que não lhe é consentido e a Lei não lho permite.

5. Quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, como seja a presente Execução, pelo que a Sentença sub judice viola assim os art.2 4, n.Q 3 e 201.Q do CPC, o que se invoca, na interpretação que faz de que o Exequente não arguiu a nulidade do Despacho e de que tal Decisão é legitimamente exequível.

6. Em 07/04/2010, foi proferida Sentença que julgou improcedente o pedido de alteração da pensão de alimentos a favor dos menores, a qual transitou em julgado em 24/05/2010.

7. A presente Execução deu entrada em Juízo em 30/04/2010 ou seja, já depois de proferida a Sentença que julgou totalmente improcedente a Acção para a alteração da pensão de alimentos a favor dos menores;

8. Pelo que tendo o pedido de alimentos provisórios caducado, nos termos supra referidos, a Execução sub judice não poderia produzir efeitos, o que a Sentença em recurso não considerou e o que viola assim o disposto nos arts. 389.º e 1120.º do CPC — o que se invoca — já que a Sentença em recurso deveria de ter posto fim à Execução, com o consequente levantamento da Penhora, até porque tais valores não foram ainda entregues à Exequente, não havendo lugar a qualquer restituição de alimentos, sob pena de enriquecimento ilegítimo por parte da mesma.

9. Ainda que se considere o título válido, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona: "A existência do título não importa necessariamente a existência do direito, daí vem que pode existir o título e não existir o direito de crédito. Neste caso se o exequente mover a acção executiva está a fazer uso abusivo e ilegal do título executivo; dito de outro modo está a fazer uso de um meio próprio para efectivar o direito subjectivo substancial, quando esse direito já não existe na realidade; está a dar lugar a uma execução injusta. Pode dizer-se que a execução é injusta quando o exequente pretende conseguir um fim contrário ao direito. A execução é injusta se não desempenha a finalidade própria do processo executivo (a realização efectiva do direito)." — in Sampaio, J.M. Gonçalves, (2008: pag. 450) "A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas". 2..9- Edição, Almedina.

10. No caso em apreço, resulta à saciedade que não existe qualquer direito violado como, e bem, o reconhece a M. Juiz dos Autos, nos Doutos Despachos de 09/12/2009 e de 07/01/2010, porquanto não assiste qualquer direito à Exequente ao crédito injustificadamente executado, pelo que a Sentença sub judice viola assim o disposto no artº 4.º n.º 3, do CPC, na interpretação que faz de que o Despacho sub judice é um título executivo válido e a obrigação existe.

Conclui, assim, pelo provimento do Recurso com a consequente revogação da Sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações de recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. FACTOS PROVADOS

1. Exequente e Executado são os pais dos menores C…, D… e E….

2. No dia 14 de Maio de 2008, a mãe dos menores, ora Exequente, instaurou acção de alteração da pensão de alimentos fixada, alegando que se encontrava desempregada e solicitando a fixação de uma pensão de alimentos provisória a favor dos menores no valor de € 1.350,00;

2. Por requerimento que deu entrada em Tribunal no dia 14 de Setembro de 2009, no âmbito da acção de alteração da acção de alimentos, a mãe dos menores, ora Exequente, informou que a sua situação profissional se alterou a partir de 29 de Junho de 2009, data em que celebrou um contrato de trabalho por conta de outrem e por tempo indeterminado, com a empresa "H…. (Portugal) SA", passando a auferir, como Directora de Vendas, uma remuneração mínima mensal liquida de € 1.628,00, a que acrescem subsídios de férias e natal e prémios/bónus e outras regalias.

3. O Requerimento da Requerente de 14 de Setembro de 2009 não foi incorporado aos Autos em suporte físico em papel, por lapso da Secção.

4. Em 29 de Setembro de 2009, foi proferida decisão judicial, a fls. 531 da acção de alteração de alimentos, que é objecto da presente Execução, em que se determinou: "... com vista a garantir que os menores vejam satisfeitas as suas necessidades, provisoriamente, para além do estabelecido no ponto 11 a 15 do regime de RPP vigente, o pai suportará uma pensão de € 300,00, por mês que entregará à mãe até ao dia 8 de cada mês...".

5. Em 09 de Dezembro de 2009 foi proferido o seguinte despacho, nos autos de alteração de alimentos: "A signatária deu um provimento no sentido de serem juntos aos autos, em suporte de papel, todos os requerimentos apresentados. Por lapso da secção, o requerimento da progenitora onde informa que se encontra a trabalhar e a auferir um vencimento líquido de 1.628,00 euros não foi junto aos autos. A decisão provisória de fls. 351 e 352 foi proferida, como resulta do texto da mesma, no pressuposto de que a progenitora estava desempregada. Ao M.ºP.º."

6 Em 23 de Outubro de 2010, o Recorrente interpôs Recurso do Despacho de fls. 531, invocando expressamente a nulidade da Decisão em causa, recurso que não foi admitido, porquanto a M. Juiz considerou que a Decisão de 29 de Setembro 2009, fora proferida no uso legal de um poder discricionário, entendendo ser a mesma irrecorrível, nos termos dos artigos 157.º da OTM e 156.º, n.º 4, e 679.º, do Código de Processo Civil;

7. Em 07 de Janeiro de 2010, foi proferido despacho com o seguinte teor: "A decisão provisória de fls. 351 e 352 foi proferida, como resulta do texto da mesma, no pressuposto de que a progenitora estava desempregada. Atenta a alteração dos pressupostos de facto que motivaram a prolação da decisão provisória e no que respeita à manutenção da mesma, antes de mais, abra vista ao Ministério Público."

8. Em 30 de Abril de 2010, B… ora exequente, intentou execução especial de alimentos contra o executado, A….

9. Apresentando como título executivo a decisão judicial mencionada no Ponto 4 destes Factos Provados.

No âmbito da acção de alteração de alimentos, mencionada no ponto 2 destes Factos Provados, foi proferida sentença que julgou esta acção improcedente, mantendo a pensão anteriormente fixada, decisão essa que transitou em julgado no dia 24 de Maio de 2010.


III. FUNDAMENTAÇÃO

O presente recurso, apesar da sua extensão e da profusão de factos dados como provados, cinge-se apenas a saber se, apesar da Exequente ter um título judicial, no caso, uma sentença, podia ou não instaurar a respectiva acção executiva.

Cumpre esclarecer que a decisão judicial que serve de título à execução é uma decisão provisória, proferida nos termos do artigo 157.º da OTM. Ultrapassando a questão de se saber se tal decisão é ou não susceptível de recurso, cumpre aferir se a mesma podia permitir à exequente a instauração de uma acção executiva, no momento processual em que a realizou.

A resposta a esta questão é, necessariamente, negativa.

Com efeito, se tivermos em atenção a data e os fundamentos subjacentes à prolação da decisão provisória que fixou os alimentos [29 de Setembro de 2009] e a data em que a agora exequente deu conhecimento aos autos da sua situação de emprego [14 de Setembro de 2009, com factos reportados a 29 de Junho desse mesmo ano], sempre teríamos de concluir que, a ter conhecimento de tais factos, aquela decisão judicial nunca teria sido proferida.

Apesar do Tribunal de 1.ª Instância ter verificado esse lapso, em 07 de Janeiro de 2010, a verdade é que não chegou a tirar as ilações do mesmo e/ou a reparar tal facto.

Este juízo era passível de ser entendido por qualquer cidadão comum e, nessa medida, sempre teria impedido a exequente [que conhecia todos estes factos] de, em 30 de Abril de 2010, ter instaurado a acção executiva em apreciação.

Mais grave ainda é o facto de, mesmo depois de ter sido proferida a decisão na acção de alteração de alimentos, que foi julgada improcedente e transitou em julgado, a exequente não ter vindo desistir dessa mesma execução.

Tenhamos presente que a decisão provisória que fixou os alimentos é, tal como o próprio nome o refere, provisória, podendo ser alterada a qualquer momento e caduca, necessariamente, com a decisão final proferida no âmbito da acção principal respectiva, no caso, da alteração de alimentos, decisão essa que sempre poderia ter sido proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância - artigo 1120.º do Código de Processo Civil.

Estes factos permitem afirmar que a decisão provisória proferida, ao abrigo do artigo 157.º da OTM, não transitou em julgado e, tal como é própria da sua natureza, pode ser alterada sempre que for julgado como conveniente, face aos interesses dos menores.

Assim, com a decisão proferida na acção de alteração de alimentos, que julgou a pretensão da Requerente, ora exequente, como improcedente, mantendo os alimentos anteriormente fixados, sempre teríamos de concluir que não são devidas quaisquer quantias a título de alimentos provisórios. As penhoras efectuadas ao abrigo desta decisão provisória devem, assim, ser levantadas, nada justificando a sua manutenção. Não tendo ocorrido qualquer entrega efectiva de tais quantias, não se justifica a aplicação do disposto no artigo 2007.º, n.º 2, do Código Civil, cujo âmbito se restringe à não devolução de quantias já pagas a título de alimentos provisórios.

Podemos assim afirmar, sem necessidade de mais considerações, que se considera extinta a medida que fixou os alimentos provisórios, atenta a sentença final, com trânsito em julgado, proferida no âmbito da acção de alteração de alimentos.

Do exposto resulta ainda que na formação do título dado à execução havia desde logo um vício que impedia a sua exequibilidade uma vez que ali não se consubstanciava uma verdadeira obrigação, facto que era do perfeito conhecimento da exequente, o que torna a execução ainda mais injusta.

A decisão provisória proferida baseou-se num equívoco (a que a actuação da Secção de processos também não foi alheia) e que deveria ter desde logo sido reparado pelo Tribunal de 1.ª Instância. Esse vício torna o título inexequível, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 814.º, alínea a), do Código de Processo Civil.

Todo este processado inusitado dura há já cerca de dois anos cumprindo, assim, dar o mesmo por findo.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, julga-se procedente a Apelação e, nessa medida, determina-se a extinção da acção executiva e o levantamento das penhoras ali efectuadas.
Custas pela executada.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2012

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
José Gouveia Barros