Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9450/20.5T8LSB.L2-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: HERANÇA
COMUNHÃO HEREDITÁRIA
PRIVAÇÃO DE USO
BEM IMÓVEL
BENS IMÓVEIS
OCUPAÇÃO DE IMÓVEL
CONSERVAÇÃO
CABEÇA DE CASAL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: da responsabilidade do relator:
I- A herança é comummente designada na doutrina como uma comunhão, na medida em que sendo vários os herdeiros os seus direitos incidem sobre uma plêiade de bens e direitos relativamente a cada um dos quais não é possível afirmar que qualquer deles seja titular do direito de propriedade até porque em partilha pode qualquer desses bens ou direitos ficar a pertencer a apenas um ou alguns dos herdeiros aplicando-se-lhe, é certo, as regras da compropriedade. As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles (art.º 1404 do CCiv); na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela e o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva, ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título (art.º 1406, n.ºs 1 e 2 do CCiv). O comproprietário pode dispor da sua quota na comunhão, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes dispor de parte especificada da coisa comum, sendo que a disposição de parte especificada da coisa comum é havida como disposição de coisa alheia (art.º 1408, n.ºs 1 e 2 do CCiv).
II- Na comunhão em mão comum ou propriedade colectiva, há um património que é afectado a um certo fim que pertence a dois ou mais sujeitos unidos por um determinado vínculo que tanto pode ser o património comum dos cônjuges, das sociedades não personalizadas e a comunhão hereditária, afectação a um fim que inexiste na compropriedade.
III- A privação do uso do imóvel pertencente à herança por parte do herdeiro e cabeça-de-casal sendo a sua quota de ½ da herança apenas redundará na obrigação por parte da Ré ocupante, - igualmente consorte do imóvel na proporção de 1/2, de indemnizar a herança-como peticionado-, se esse uso exclusivo pela ré, e consequente impedimento de uso por parte da autora e consorte puser em causa uma concreta necessidade de utilização do prédio por parte da autora (art.º 1406/1 do CCiv), sendo que sobre esse valores que vierem a ser pagos à herança a Ré nada terá a haver em partilha da mesma herança porquanto já recebeu em uso.
IV- Não existindo elementos de prova que permitam tirar a conclusão de que, aquando da ocupação do imóvel, a Ré passou a deter os bens móveis constante do ponto 7 dos factos dados como provados e que no imóvel foram deixados pelos autores da herança e que, por ter ocupado o imóvel, a Ré co-herdeira passou a ser responsável pela sua conservação enquanto não fosse reclamada a entrega pelo cabeça-de casal, admitindo que esses bens ainda existem, o que não vem comprovado, sempre teria a Autora, na qualidade de cabeça de casal, que alegar que a sua entrega à herança na pessoa do cabeça de casal se tornou necessária para a efectiva administração desses bens por parte do cabeça de casal, o que os autos não permitem concluir (art.º 2088 do CCiv).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

APELANTE/RÉ: TM   
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APELADA/ AUTORA: MM
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Com os sinais dos autos. Valor da acção: 115.898,17 euros
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I. A Autora intentou a presente acção contra a Ré pedindo - que a Ré seja condenada a entregar imediatamente à Autora e cabeça de casal, o imóvel sito na Travessa …, n.º …, R/C esq.º, em Lisboa; a condenação da mesma a pagar, pelo prejuízo que vem causando à herança, a título compensatório a quantia de 72.750,00€ a título de rendas não pagas computadas cada uma em 750,00€, desde Março de 2012 até à data da propositura da acção, acrescida de juros de mora vencidos no valor de 23.611,42€ e vincendos, em alternativa, que a ré seja condenada a pagar, pelo prejuízo que vem causando à herança, a título compensatório, o montante de 87.500,00€ referente ao valor da quota-parte indivisa do imóvel no mercado imobiliário de lisboa, desde Março de 2012, acrescido de juros de mora vencidos no valor de €28.398,61 e vincendos, e ainda o valor mensal a título de renda devida e praticada a partir da propositura da acção, por cada mês que perdurar até à efectiva entrega do imóvel à Autora, que a ré seja condenada a entregar à A. e cabeça de casal todos os bens móveis discriminados no art.º 18º da PI. Caso os bens tenham desaparecido ou não tenham mantido a sua integridade e qualidade, deve a ré ser condenada a pagar o valor material dos mesmos, sendo condenada ainda pela sonegação nos termos do art.º 2096º do Código Civil. Em síntese alega que A. e R. são irmãs, sendo herdeiras de seus pais, sendo a A. cabeça de casal da herança deixada por estes, do acervo de bens que fazem parte da herança está incluído um imóvel e bens móveis que se encontram no interior daquele, a ré, em meados de 2012 ocupou aquele imóvel, passando a habitá-lo, não permitindo a sua venda já que não permite que o mesmo seja visitado ou avaliado, a Ré, apesar de notificada, não entrega o imóvel, não paga qualquer quantia pela ocupação do mesmo nem paga à A. a quota parte do valor do mesmo, tal imóvel, se colocado no mercado de arrendamento urbano para habitação renderia aos herdeiros pelo menos uma renda mensal de 750,00€.
I.2 Face à não contestação do R., foram considerados confessados todos os factos articulados pela A. na petição inicial (cfr. art.º 567.º, n.º 1 do NCPC), o A. apresentou alegações nos termos do art.º 567º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Foi proferida decisão a condenar a R. a entregar à A.  e cabeça de casal o imóvel sito na Travessa … n.º …, R/C Esq., em Lisboa,  a pagar à herança aberta por óbito de BA e de AL, a quantia de 750,00€ mensais a título de privação do uso do referido imóvel desde Julho de 2016 até à efectiva entrega do imóvel ou até que se proceda à partilha do mesmo, e que nesta data ascende a €60.750,00 (sessenta mil setecentos e cinquenta euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal desde o vencimento de cada prestação até integral pagamento (art.º 804º, 805º, n.º 1 e 806º, n.º 1 e 2 do Código Civil), e a entregar à A. e cabeça de casal os bens móveis identificados no art.º 7 dos factos provados.
I.3. Inconformada com a decisão a Ré apelou em cujas alegações conclui:
1. Autora e ré são as únicas herdeiras dos seus falecidos pais, BA e de AL;
2. Os falecidos não deixaram testamento ou qualquer disposição de última vontade;
3. Deixaram sim um bem imóvel sito no r/c … do n.º … da Travessa …, em Lisboa;
4. Imóvel que quer a recorrente, quer a recorrida, passaram a habitar;
5. Não obstante, a cabeça de casal intentou acção declarativa de condenação reclamando a entrega do referido imóvel à herança e bem assim o pagamento de uma compensação pela privação do uso do mesmo com base num valor de renda que no mercado se estima em €750,00 (setecentos e cinquenta euros mensais);
6. A recorrente não contestou a acção declarativa o que teve como efeito terem-se considerados confessados os factos articulados pela cabeça de casal na petição inicial;
7. E assim o tribunal a quo decidiu-se pela condenação da recorrente no valor global peticionado a título de privação de uso apenas considerando que o período considerado se iniciaria com a interpelação da cabeça de casal à recorrente em Julho de 2016;
8. Tendo condenado a recorrente no pagamento à herança da quantia mensal de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), a contar de Julho de 2016 até à partilha ou entrega do imóvel;
9. Colocando assim a recorrente na posição simultânea de devedora e credora da herança;
10. O que colide com a aplicação analógica já promovida pelo STJ, em Acórdão de 21.03.2022, da regra do art.º 1406.º do Código Civil e a que o tribunal a quo faz alusão na douta sentença sob recurso;
11. De acordo com a qual a privação do uso deve ser compensada pelo herdeiro utilizador na proporção da quota dos demais herdeiros;
12. Assim, sendo duas as herdeiras, o valor da compensação a entregar pela recorrente à cabeça de casal deverá ser equivalente à metade do valor estimado para a renda mensal, ou seja, não os €750,00 (setecentos e cinquenta euros), mas antes metade desse valor, isto é, €375,00 (trezentos e setenta e cinco euros);
13. Pelo que a douta sentença recorrida deverá ser revogada no sentido da condenação ser reduzida ao valor da renda que caberia na quota parte da herdeira que foi privada do uso do imóvel, ou seja, a autora/cabeça de casal, o mesmo é dizer metade do valor mensal estimado de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), ou seja, €375,00 (trezentos e setenta e cinco euros) mensais, num total de €30.375,00 (trinta mil, trezentos e setenta e cinco euros) correspondente aos valores vencidos desde Julho de 2016 até Março de 2023.
14. Para além do imóvel, farão também parte da herança indivisa dos falecidos BA e AL, bens móveis;
15. Estando pendente processo de inventário onde se discute a existência ou não desses mesmos bens e/ou a sonegação de outros;
16. Novamente, com base na cominação de se considerarem confessados os factos articulados pela autora atenta à falta de contestação, o tribunal a quo condenou a recorrente na entrega dos bens móveis elencados pela cabeça de casal no artigo 18.º da petição inicial;
17. Dado assim por assentes que aqueles bens móveis ali enunciados existem e estão na posse da recorrente;
18. Antecipando uma decisão que apenas ao tribunal onde corre o processo de inventário cabe;
19. Não obstante não desconhecer o tribunal a quo a pendência daquele mesmo processo de inventário e a sua anterioridade face aos presentes autos de acção declarativa;
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra:
a) Reduzir para valor equivalente à quota hereditária da cabeça de casal e co-herdeira a condenação da recorrente por privação do uso do imóvel, ou seja, reduzir para 50% do valor da renda mensal estimada, sob pena de, não o fazendo, constitui a recorrente em simultaneamente devedora e credora da herança;
b) Não se pronunciar sobre a entrega ou não dos bens móveis elencados pela cabeça de casal no artigo 18.º da petição inicial na medida em que a existência ou não de alguns daqueles mesmos bens móveis é questão controvertida ainda em discussão no processo de inventário instaurado anteriormente à propositura da presente acção declarativa.
20.Razão pela qual deve, nesta parte também, a sentença recorrida ser inteiramente revogada.
I.4. Em contra-alegações, sem concluir, a Autora pugna pela improcedência da apelação.
I.5. Nada obsta ao conhecimento do recurso.
I.4 Questões a resolver:
a) Saber de seve ser reduzido para valor equivalente à quota hereditária da cabeça de casal e co-herdeira a condenação da recorrente por privação do uso do imóvel, ou seja, reduzir para 50% do valor da renda mensal estimada, sob pena de, não o fazendo, constituir a recorrente em simultaneamente devedora e credora da herança;
b) Saber se, estando pendente processo de inventário, instaurado em momento anterior à acção sub judice, é nesse processo e não nesta acção que deveria ser decidida a questão da existência ou não dos aludidos bens móveis para que haja entrega os mesmos têm que existir e é essa uma das questões controvertidas no processo de inventário.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1 O Tribunal deu como provados os seguintes factos que não vêm impugnados nos termos da lei de processo:
1- A Autora é herdeira e actual cabeça-de-casal da herança deixada por óbito de seus pais, BA e AL, vide, Doc. 1
2- Corre termos no Juízo local cível de Lisboa – J4 o processo de inventário, tendo-se procedido à partilha do património que integra a herança através do inventário por óbito de BA e AL, sob o n.º …/…, tendo transitado do Cartório Notarial de SB, onde tinha o nº …/…, conforme Doc. 2
3- BA faleceu em 11/09/2006 e AL faleceu em 12/04/2007- doc. 4 e 5.
4- A. e R.  são as únicas herdeiras dos falecidos.
5- Do acervo de bens que fazem parte da herança está incluído um bem imóvel sito na Travessa … nº …, R/C Esq, freguesia da Ajuda, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a descrição nº …, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da mesma freguesia, vide, Doc.s 6 e 7 que se juntam para todos os efeitos legais.
6- Na sequência da celebração da habilitação de herdeiros, tal imóvel foi participado pela Autora como bem da herança á Autoridade Tributária e Aduaneira, Doc.8.
7- Além deste imóvel e integrado nele, os autores da herança deixaram ainda vários bens móveis e pertences pessoais que se encontravam à data da sua morte no imóvel supra identificado, a saber:
“Objectos de Ouro
- Verba nº 1 - Pulseira e fio com medalha com fotografia do inventariado, BA, em esmalte e ouro – valor: 1.650,00 euros;
-Verba nº 2- Meia libra em ouro – valor: 1.200,00 euros;
- Verba nº 3 - Uma bola de futebol em ouro – valor: 550,00 euros;
- Verba nº 4 - Uma bola de futebol em ouro cravejada com pedrinhas às cores – valor: 550,00 euros;
- Verba nº 5- Um par de brincos em ouro em forma de bola – valor: 200,00 euros.
Dos Bens móveis -
- Verba nº 6 -  Móvel de casa de jantar em madeira do estilo século XVII, no valor de 650,00 euros, mesa de jantar em madeira do mesmo estilo, no valor de 400,00 euros, 6 cadeiras em madeira do mesmo estilo, no montante de 300,00 euros, um sofá de veludo rosa de três lugares, no valor de 200,00 euros, dois leques de parede, no valor de 50,00 euros, dois móveis de madeira, no valor de 100,00 euros, duas meses de cabeceira em madeira, no valor de 150,00 euros, duas cadeiras de quarto em madeira, no valor de 100,00 euros, um móvel de salinha em madeira, no valor de 200,00 euros, um sofá de salinha com dois lugares, no valor de 150,00 euros, um candeeiro de mesa de loiça pintado a verde, no valor de 200,00 euros, tudo no valor global de 2.500,00 euros;
- Verba nº 7- Armários da cozinha em madeira de pinho de parede de cima e de baixo, no valor de 400,00 euros;
- Verba nº 8 - Um fogão de cozinha, no valor de 180,00 euro, um esquentador, no valor de 100,00 euros, uma arca frigorífica no valor de 200,00 euros, uma máquina de lavar roupa, no valor de 250,00 euros, tudo no valor global de 730,00 euros;
- Verba nº 9 - Um armário de casa e banho em madeira, no valor de 100,00 euros.
8- Sucede que à data da morte dos autores da herança, a Ré, vivia e tinha como domicílio fiscal a Rua …, nº … – … dto, em Lisboa.
9- Sensivelmente antes da celebração da habilitação de herdeiros que ocorreu em 24/01/2012, a Autora, na qualidade de cabeça de casal, tentou por todos os meios vender o imóvel objecto da herança, dado que a própria e a Ré tinham à data morada noutros domicílios,
10- E que por compromisso comum e de acordo com ambas as vontades decidiram colocar o imóvel à venda.
11- A Ré, em meados de 2012, contra a vontade da Autora e cabeça-de-casal, saiu da casa aonde até aí residia e veio ocupar, até hoje, o imóvel objecto da herança, sito na Travessa …, nº … - R/C esq., em Lisboa.
12- Após este facto, a Autora tentou, por todos os meios vender o imóvel em causa, mas tal situação tem-se demonstrado impossível de realizar, em virtude da Ré não deixar ninguém ver e avaliar o imóvel,
 13- A Autora já notificou a Ré para desocupar o imóvel e efectuar as consequentes partilhas, bem com propostas para o vender e arrendar as quais foram dirigidas por cartas registadas datadas de 20/06/2016, 18/10/2016 e 10/08/2018.
14- Além destas missivas foram endereçadas várias comunicações postais e mensagens electrónicas enviadas nos últimos anos à advogada da Ré,
15- Mas, tanto as primeiras como as segundas nunca tiveram resposta.
16- O imóvel em causa é uma fracção autónoma, tipo T2, com uma área de 68,00 m2, com dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma instalação sanitária e ainda um pequeno logradouro ao nível do rés-do-chão, Doc.s 6 e 7.
17- O imóvel em questão, se colocado no mercado de arrendamento urbano para habitação, renderia aos herdeiros, pelo menos, uma renda mensal do valor de 750,00 euros.
18- A Autora vem pagando ao Estado a título de IMI a sua quota-parte na propriedade do imóvel da herança.
19- Caso o imóvel pudesse ter sido vendido a um terceiro e de acordo com o preço médio de venda do mercado de Lisboa e da respectiva freguesia em concreto – Ajuda, o mesmo poderia ser vendido por 175.000,00 euros.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. Saber de deve ser reduzido para valor equivalente à quota hereditária da cabeça de casal e co-herdeira a condenação da recorrente por privação do uso do imóvel, ou seja, reduzir para 50% do valor da renda mensal estimada, sob pena de, não o fazendo, constituir a recorrente em simultaneamente devedora e credora da herança;
III.3.1. Em suma sustenta-se na decisão recorrida que:
. No caso em apreço estamos perante uma situação de uso dos bens da herança em proveito próprio por parte da Ré.
. Dispõe o art.º 1406º, do Código Civil, que, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer um dos comproprietários é licito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.
. Face à ausência de uma previsão específica no direito sucessório deste tipo de situações, é adequada a aplicação subsidiária, com as necessárias adaptações, do disposto no artigo 1406, do Código Civil à utilização pelos herdeiros dos bens da herança em proveito próprio.
. Estando em causa uma fracção autónoma destinada a habitação, é manifesto que a utilização da mesma pela Ré é impeditiva da sua utilização pela outra herdeira, no caso a Autora.
. Para efeitos do disposto no art.º 1406, do Código Civil, a utilização do bem por um dos herdeiros só determina a privação do uso pelos demais se contrariar a vontade manifestada por algum deles, como é o caso, já que a A. manifestou vontade de vender o imóvel, tendo notificado a ré, várias vezes para desocupar o imóvel, conforme resultou provado, em face da confissão operada pela falta de contestação
. Tendo a A. manifestado oposição ao uso da fracção pela Ré, a manutenção daquela ocupação passa a ser ilícita já que priva a herdeira da posse de um bem comum, que, ademais, a A., enquanto cabeça de casal tem o dever de administrar em proveito da herança.
. Tal uso por parte da Ré acarreta um prejuízo na esfera da herança que se vê privada de obter os frutos/rendimentos equivalentes à renda mensal que o mesmo poderia gerar no mercado habitacional. Resultou provado que, caso não estivesse ocupado pela Ré, a referida fracção autónoma poderia ser dada de arrendamento por valor mensal não inferior a 750,00€, tal valor corresponderá ao prejuízo mensal causado à herança, durante o período em que se verifique tal ocupação e que se manterá na esfera da herança até ao momento em que o imóvel seja entregue ou até à sua partilha.
. Resultou provado que a Ré ocupou a fracção em meados de 2012. Porém, na impossibilidade de determinar a data concreta do início dessa utilização e porque resultou também provado que a Ré foi interpelada para entregar o imóvel, em 20/06/2016, considerar-se-á tal data como aquela em que a A. manifestou oposição à utilização da fracção pela Ré, nos termos do art.º 1406, do Código Civil.
. Assim, de Julho de 2016 a Março de 2023 mostram-se já decorridos 81 meses de utilização exclusiva pela Ré, contra a vontade da A. e em detrimento da herança, pelo que, considerando o valor locativo do imóvel, de € 750,00 mensais, o valor a ressarcir a herança será de 60.750,00€.
. A tal valor acrescerá o valor de 750,00€ mensais a contar de Abril de 2023 até à efectiva entrega do imóvel à A. ou até que se proceda à partilha.
III.3.2. Discorda a apelante, em suma dizendo:
. Desde logo, não decidiu bem condenando a recorrente na totalidade do pedido formulado a título de compensação pela privação do uso do imóvel, ainda que considerando que tal privação de uso apenas ocorre a partir de Julho de 2016 e não de 2012, como peticionado pela autora.
. O pedido da autora sustenta-se na estimativa de que o imóvel em questão renderia no mercado de arrendamento a quantia mensal de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), e nessa base, fixando o uso exclusivo da recorrente em Julho de 2016 com a interpelação da autora para a entrega do imóvel à cabeça-de-casal, condena a recorrente no pagamento da quantia global de €60.750,00 (sessenta mil, setecentos e cinquenta euros) considerando 81 meses em que a recorrida teria estado privada do uso do imóvel.
. Em Acórdão de 21 de Abril de 2022, a que se alude aliás na douta sentença sob recurso, deliberou o Supremo Tribunal de Justiça que ocorrendo uma ocupação por um herdeiro de um imóvel pertencente a uma herança, impeditiva do seu uso por outro herdeiro, o prejuízo causado a este último corresponde à parte do valor locativo daquela unidade predial no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar tal ocupação, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança (Processo n.º 2691/16.1T8CSC.L1.S1).
. No caso vertente, não cuidou o tribunal a quo de que a recorrente é beneficiária da herança dos seus pais numa quota parte exactamente igual à da sua irmã e entregando à herança a totalidade do valor mensal estimado da renda se constitui simultaneamente em devedora e credora da herança.
. Sendo beneficiárias da herança em partes iguais, o uso exclusivo de uma apenas confere à outra o direito a ser compensada pela privação do uso do seu quinhão hereditário.
. Nessa medida, a condenação pela totalidade do valor da renda mensal como peticionada é desproporcionada e desnecessária porquanto, como já antes se referiu, coloca a recorrente simultaneamente na posição de devedora e credora da herança.
. Nesta parte, a  sentença recorrida deve ser revogada no sentido da condenação ser reduzida ao valor da renda que caberia na quota parte da herdeira que foi privada do uso do imóvel, ou seja, a autora/cabeça de casal, o mesmo é dizer metade do valor mensal estimado de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), ou seja, €375,00 (trezentos e setenta e cinco euros) mensais, num total de €30.375,00 (trinta mil, trezentos e setenta e cinco euros) correspondente aos valores vencidos desde Julho de 2016 até Março de 2023.
III.3.3. Não obstante não estar em causa a razão de ser da condenação no montante e antes e tão só o montante em si, justificam-se umas breves considerações sobre os institutos da comunhão hereditária e da compropriedade.
III.3.4. A herança é comummente designada na doutrina como uma comunhão, na medida em que sendo vários os herdeiros os seus direitos incidem sobre uma plêiade de bens e direitos relativamente a cada um dos quais não é possível afirmar que qualquer deles seja titular do direito de propriedade até porque em partilha pode qualquer desses bens ou direitos ficar a pertencer a apenas um ou alguns dos herdeiros aplicando-se-lhe, é certo, as regras da compropriedade. As regras da compropriedade são aplicáveis com as necessárias adaptações à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles (art.º 1404 do CCiv); na falta de acordo sobre o uso da cosia comum a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela e o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva, ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título (art.º 1406, n.ºs 1 e 2 do CCiv). O comproprietário pode dispor da sua quota na comunhão mas não pode sem consentimento dos restantes consortes dispor de parte especificada da coisa comum (in casu, em exclusivo gozo pessoal, já que ao habitar com exclusividade imóvel de que são herdeiras, em quota igual, Autora e Ré, esta inviabiliza o gozo dessa divisão ou fracção do imóvel por parte da outra herdeira), sendo que a disposição de parte especificada da coisa comum é havida como disposição de coisa alheia (art.º 1408, n.ºs 1 e 2 do CCiv) e aí reside a ilicitude.
III.3.5.Segundo a doutrina tradicional na compropriedade a cada um dos comproprietários pertence um quota parte ideal ou abstracta da coisa, fracção do direito de propriedade que se estende até a divisão sobre todas e cada uma das partes do objecto BAUDRY e CHAUVEAU, Des biens, n.º 267, doutrina que foi combatida na medida em que no fundo se trata de uma ficção para facilitar e explorar as relações existentes entre os condóminos (o objecto imediato de um direito deveria ser uma coisa e não também um direito como é o caso da quota), sustentando uns que o que ocorre é que o direito se fracciona (UNGER, Revista di diritto civile, 1921, p.12) e quem pense que não é o direito que se reparte antes o seu valor económico (WINDSCHEID, Pandette, § 142, nota 11) e quem sustente que não ocorre nenhum fraccionamento do direito, acontecendo que cada consorte é titular de um direito de propriedade sobre toda a coisa (vários direitos de vários titulares sobre a coisa toda (DERNBURG, Pandette, I, § 195) e ainda quem entenda que a compropriedade forma uma pessoa colectiva, entidade distinta dos consortes (LUZZATO, La comproprieta nel diritto italiano, n.ºs 19 e ss).[2] Entre nós, não tem sido pacífico o entendimento sobre a natureza jurídica da compropriedade, por último Menezes Leitão sustentando que a Lei não personifica a compropriedade pelo que carece de sentido qualificá-la como pessoa colectiva como alguma doutrina alemã e italiana a entende, Henrique Mesquita reconhece a unidade subordinada a uma organização, ainda que não personalizada, Rui Pinto Duarte e Menezes Leitão reconhecem a unidade do direito com pluralidade de titulares, Sousa Antunes rejeita a ideia unitária, contrapõe a doutrina da pluralidade de direitos sobre a mesma coisa, o mesmo acontecendo com José Luís Bonifácio Ramos que não aderindo às teorias unitárias sustenta que sobrevindo a compropriedade serão os diversos sujeitos titulares de uma única coisa, a unidade opera a nível da coisa não ao nível do direito, sobre ela incidem vários direitos e propriedade titulados por sujeitos distinto dos demais, o regime jurídico do instituto ajuda a perceber esta situação pois identifica os direitos dos diferentes sujeitos da coisa submetida ao regime uno da compropriedade.[3] Perfilhamos este entendimento. Na comunhão em mão comum ou propriedade colectiva, há um património que é afectado a um certo fim que pertence a dois ou mais sujeitos unidos por um determinado vínculo que tanto pode ser o património comum dos cônjuges, das sociedades não personalizadas e a comunhão hereditária, afectação a um fim que inexiste na compropriedade.[4]
III.3.6. Está demonstrado que A. e R.  são as únicas herdeiras dos falecidos BA e AL de cujo acervo de bens faz parte  um bem imóvel sito na Travessa … nº …, R/C Esq, freguesia da Ajuda, concelho de Lisboa, e que por compromisso comum e de acordo com ambas as vontades decidiram colocar o imóvel à venda, a Ré, em meados de 2012, contra a vontade da Autora e cabeça-de-casal, saiu da casa aonde até aí residia e veio ocupar, até hoje, o imóvel objecto da herança, sito na Travessa …, nº … - R/C esq., em Lisboa, após este facto, a Autora tentou, por todos os meios vender o imóvel em causa, mas tal situação tem-se demonstrado impossível de realizar, em virtude da Ré não deixar ninguém ver e avaliar o imóvel, a Autora já notificou a Ré para desocupar o imóvel e efectuar as consequentes partilhas, bem com propostas para o vender e arrendar as quais foram dirigidas por cartas registadas datadas de 20/06/2016, 18/10/2016 e 10/08/2018, o imóvel em questão, se colocado no mercado de arrendamento urbano para habitação, renderia aos herdeiros, pelo menos, uma renda mensal do valor de 750,00 euros, a Autora vem pagando ao Estado, a título de IMI, a sua quota-parte na propriedade do imóvel da herança, caso o imóvel pudesse ter sido vendido a um terceiro e de acordo com o preço médio de venda do mercado de Lisboa e da respectiva freguesia em concreto – Ajuda, o mesmo poderia ser vendido por 175.000,00 euros.
III.3.7.  A privação do uso do imóvel por parte da autora consorte apenas redundará na obrigação por parte da Ré, - igualmente consorte do imóvel na proporção de 1/2 de indemnizar a Autora consorte, se esse uso exclusivo pela ré- e consequente impedimento de uso por parte da Autora-  puser em causa uma concreta necessidade de utilização do prédio por parte do ou dos consortes restantes (que evidencia o direito a que se refere o art.º 1406/1 do CCiv)[5]. E isto é assim na medida em que o consorte que usa a coisa comum em exclusividade, na falta de acordo, exerce um direito que é seu, nos termos dos art.ºs 1405/1 e 1406, do CCiv. A concreta necessidade de utilização e o impedimento de venda estão demonstrados.
III.3.8. O pedido da Autora é o da condenação no pagamento daqueles montantes a favor da herança de que é cabeça-de-casal. O valor da renda deverá ser reduzido a metade?
III.3.9. A apelante sustenta que sim e baseia-se justamente no AcSTJ referido na própria sentença. Esta decisão contem um voto de vencido da Ex. Juíza Conselheira Catarina Serra que defende, entre o mais, que o instrumento adequado para atingir a solução justa não é nem o instituto da responsabilidade civil (como pretendia a autora nessa acção), nem a aplicação do regime da composse (como se decide no acórdão), mas sim a acção de prestação de contas e que o artigo 1406, do CCiv é inaplicável à situação em apreço porque a natureza da comunhão em que se consubstancia a herança indivisa é incompatível com o disposto nesta norma. Não secundamos a posição do voto vencido, antes a do acórdão maioritário que de resto é secundado por doutrina e jurisprudência do próprio Supremo Tribunal de Justiça. Diz-se no acórdão em causa aí a determinado passo: “...Assim, ocorrendo uma ocupação por um herdeiro de um imóvel pertencente a uma herança, impeditiva da sua posse por outro herdeiro e, portanto, ofensiva da composse sobre esse bem, o prejuízo causado a este último corresponde à parte do valor locativo daquela unidade predial no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar tal ocupação, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança. Deve, pois, ser esse o quantum da indemnização a pagar pelo herdeiro ocupante ao herdeiro privado do uso, nos termos dos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil... O acórdão recorrido condenou os Réus a pagar à Autora metade do que vier a ser apurado em liquidação de sentença como o valor mensal que seria possível obter num arrendamento das frações supra identificadas desde o óbito do falecido (25/2/2009) e até ao presente. Mais vão condenados a pagar à recorrente metade dos valores mensais que se vencerem até à partilha (ou à desocupação). Sobre os valores a pagar incidirão juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada prestação mensal e até integral pagamento. Atenta a fundamentação acima desenvolvida e não sendo objeto do recurso a responsabilidade da Interveniente no pagamento desta indemnização, deve manter-se aquela decisão condenatória, alterando-se apenas a data do início do período de ocupação, relativamente ao qual deve ser calculada a perda do valor locativo, passando aquela a ser a data da citação do Réu para a presente ação e não a data do óbito do autor da herança, mantendo-se o demais decidido...”[6]
III.3.10. A quota da ré é de 1/2 da herança de que faz parte o imóvel que, na sua totalidade ocupa. Decidiu-se na sentença condenar a Ré a pagar à herança aberta por óbito de BA e de AL, a quantia de 750,00€ mensais a título de privação do uso do referido imóvel, desde Julho de 2016 até à efectiva entrega do imóvel, ou até que se proceda à partilha do mesmo, e que, nesta data, ascende a €60.750,00 (sessenta mil setecentos e cinquenta euros). Na verdade, o valor, sendo reduzido a ½ da renda, seria de 375,00 euros, o que na data da decisão recorrida ascendia a 30.375,00 euros. Explicitar-se-á no dispositivo que sendo esses valores devidos à herança que não à co-herdeira Autora, a ré co-herdeira, na partilha da herança, nada terá a haver sobre esses valores, de que a herança é credora, posto que já recebeu o correspondente em uso.
III.4. Saber se estando pendente processo de inventário, instaurado em momento anterior à acção sub judice, é nesse processo e não nesta acção que deveria ser decidida a questão da existência ou não dos aludidos bens móveis para que haja entrega os mesmos têm que existir e é essa uma das questões controvertidas no processo de inventário.
III.4.1. Na sentença condenou-se a Ré a entregar à A. e cabeça de casal os bens móveis identificados no art.º 7 dos factos provados.
III.4.2. Entendeu-se na decisão recorrida, a este propósito, que:
. Estabelece o nº 1, do artº 2088º, do CCiv, que o cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro, a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído.
. Enquanto não se proceder à partilha, a herança constitui um todo indivisível cujos direitos e obrigações não podem ser atribuídos individualmente a qualquer um dos herdeiros.
. No que respeita ao pedido de entrega dos bens móveis identificados nos autos, por maioria de razão, porquanto pertencem à herança, terá a Ré que proceder à sua entrega.
III.4.3. Sustenta a recorrente, em suma:
. Não colhe o entendimento expresso pelo tribunal a quo de que a falta de contestação deve ter o efeito de dar como provada a apropriação pela recorrente de todos os elencados bens móveis.
. Ao doar todo o seu quinhão hereditário na herança dos falecidos BA e AL à sua única filha, o que fez por escritura de doação outorgada em 31.10.2014, se bens móveis houver, estes, integrando os aludidos quinhões, não estão na posse da recorrente, nem cabem a esta entregar.
. O tribunal a quo decidiu ignorando a pendência de processo de inventário - o qual se iniciou em Cartório Notarial e foi remetido, a requerimento da cabeça-de-casal para tribunal, onde corre termos sob o n.º …/… no Juiz 4 do Juízo Local Cível de Lisboa – não obstante antes de proferir a decisão recorrida ter pretendido saber se havia já partilha, o que foi informado pela própria autora, em requerimento de 24.10.2022, não haver.
. E não só não há partilha, como houve reclamação à relação de bens, questão que não se encontra ainda decidida.
. Salvo melhor opinião, andou mal o tribunal a quo ao pronunciar-se pela condenação da recorrente a entregar bens que são matéria controvertida em sede de inventário, devendo ser naquele processo e não neste, que tais bens devem ser determinados para efeitos de serem ou não levados à partilha conforme se apurem existir, terem sido sonegados, etc. transitada em julgado a decisão sob recurso, ficará prejudicada a tramitação do processo de inventário nesta parte e, todavia, tal processo é anterior à presente acção.
. Estando pendente processo de inventário, instaurado em momento anterior à acção sub judice, era naquele e não nesta que deveria ser decidida a questão da existência ou não dos aludidos bens móveis.
. É verdade que, na presente acção, apenas se diz condenar à ré na sua entrega à cabeça-de-casal mas, para que haja entrega, os mesmos têm que existir e é essa uma das questões controvertidas no processo de inventário, razão pela qual não deveria o tribunal a quo, sabendo da pendência do processo de inventário, ter-se pronunciado sobre aqueles mesmos bens móveis dando os mesmos como existentes e integrantes da herança dos falecidos BA e AL.
. Não se pronunciar sobre a entrega ou não dos bens móveis elencados pela cabeça de casal no artigo18.º da petição inicial na medida em que a existência ou não de alguns daqueles mesmos bens móveis é questão controvertida ainda em discussão no processo de inventário instaurado anteriormente à propositura da presente acção declarativa.
III.4.4. Vem provado, com relevância para a decisão da questão, o seguinte:
. Além deste imóvel e integrado nele, os autores da herança deixaram ainda vários bens móveis e pertences pessoais que se encontravam à data da sua morte no imóvel supra identificado, a saber: “Objectos de Ouro
- Verba nº 1 - Pulseira e fio com medalha com fotografia do inventariado, BA, em esmalte e ouro – valor: 1.650,00 euros;
- Verba nº 2 - Meia libra em ouro – valor: 1.200,00 euros;
- Verba nº 3 - Uma bola de futebol em ouro – valor: 550,00 euros;
- Verba nº 4 - Uma bola de futebol em ouro cravejada com pedrinhas às cores – valor: 550,00 euros;
- Verba nº 5 - Um par de brincos em ouro em forma de bola – valor: 200,00 euros.
Dos Bens móveis -
- Verba nº 6 -  Móvel de casa de jantar em madeira do estilo século XVII, no valor de 650,00 euros, mesa de jantar em madeira do mesmo estilo, no valor de 400,00 euros, 6 cadeiras em madeira do mesmo estilo, no montante de 300,00 euros, um sofá de veludo rosa de três lugares, no valor de 200,00 euros, dois leques de parede, no valor de 50,00 euros, dois móveis de madeira, no valor de 100,00 euros, duas meses de cabeceira em madeira, no valor de 150,00 euros, duas cadeiras de quarto em madeira, no valor de 100,00 euros, um móvel de salinha em madeira, no valor de 200,00 euros, um sofá de salinha com dois lugares, no valor de 150,00 euros, um candeeiro de mesa de loiça pintado a verde, no valor de 200,00 euros, tudo no valor global de 2.500,00 euros;
- Verba nº 7- Armários da cozinha em madeira de pinho de parede de cima e de baixo, no valor de 400,00 euros;
- Verba nº 8 - Um fogão de cozinha, no valor de 180,00 euro, um esquentador, no valor de 100,00 euros, uma arca frigorífica no valor de 200,00 euros, uma máquina de lavar roupa, no valor de 250,00 euros, tudo no valor global de 730,00 euros;
- Verba nº 9 - Um armário de casa e banho em madeira, no valor de 100,00 euros.
. Corre termos no Juízo local cível de Lisboa – J4 o processo de inventário, tendo-se procedido à partilha do património que integra a herança através do inventário por óbito de BA e AL, sob o n.º …/…, tendo transitado do Cartório Notarial de SB, onde tinha o nº …/…, conforme Doc. 2.
III.4.4. Não há dúvida de que correndo termos o mencionado processo de inventário e que é nele que se tem de aferir da existência dos bens que compõem a herança, e proceder à sua partilha pelos herdeiros, no caso a Autora e a Ré. Desconhece-se em que fase se encontra o inventário e se nele foi suscitada qualquer questão relativa à existência dos indicados bens móveis que se encontravam na casa que a Ré passou a ocupar em 2012, desconhecendo-se em absoluto se ainda lá se encontram ou não. A Autora não alega e também não demonstra que tenha reclamado a entrega desses bens móveis a fim de proceder à sua administração como cabeça de casal e que a Ré se tenha oposto a essa entrega, o que por si só seria suficiente para presumir a posse dos mesmos e intenção de apropriação dos mesmos por parte da Ré, mas nada disso vem provado, ainda que por confissão ficta. Diz a ré recorrente que decidiu doar todo o seu quinhão hereditário na herança dos falecidos BA e AL à sua única filha, o que fez por escritura de doação outorgada em 31.10.2014, e que se bens móveis houver, estes, integrando os aludidos quinhões, não estão na posse da recorrente, nem cabem a esta entregar. Mais uma vez tal alegação não tem o mínimo de correspondência nos factos dados como provados, apenas a referência de que esses bens se encontravam dentro do imóvel em questão quando faleceram os mencionados BA e AL; mas bem pode acontecer que no processo de inventário- que entretanto foi remetido do cartório notarial para o tribunal- tal questão tenha sido levantada, como referido, e, se tiver sido levantada, eventualmente poderá levar a que a questão seja decidida nos meios comuns, por aplicação o disposto nos art.ºs 1105/5 e 1093/2, [actual redacção da Lei 117/2019 de 13/9]. De todo o modo, é no processo de inventário que se têm de suscitar todas as questões, inclusive as reclamações à relação de bens apresentada.
III.4.5. Nos poderes de administração do cabeça-de-casal cabem não só os poderes e deveres especificamente previstos na lei, mas também os poderes para a prática de actos e negócios jurídicos de conservação e frutificação normal dos bens que constituem o acervo hereditário. Cfr. Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, vol. 2º, pág. 55, Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. 2º, pág. 62 e Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, vol. 1º, pág. 304 e ss..
III.4.6. Deste enquadramento normativo resulta a possibilidade de o cabeça-de-casal pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder (sublinhado nosso), cfr. citado art. 2088º, nº 1, desde que essa entrega seja realmente necessária ao exercício da gestão.
III.3.7. Com efeito, do teor do art.º 2088º extrai-se que se assume como essencial que a entrega material dos bens seja realmente necessária ao exercício da gestão dos bens da herança por forma a ser efectivada a administração da herança pelo cabeça-de-casal.
III.3.8. Mais resulta deste preceito que os eventuais destinatários do dever de entrega dos bens ao cabeça-de-casal são quer os herdeiros, quer os terceiros que detenham os bens.
III.3.9. Por outro lado, este preceito terá como limite direitos previamente assumidos pelo de cujus, já que, como dispõe o art.º 2074º, nº 1 do CC, “O herdeiro conserva, em relação à herança, até à sua integral liquidação e partilha, todos os direitos e obrigações que tinha para com o falecido, à excepção dos que se extinguem por efeito da morte deste”.
III.3.10, Como se refere no Ac. TRL de 28-06-2012, proc. 4109/11.7TBFUN.L1-2, relator Maria José Mouro, “Estabelece o nº 1 do art. 2088 do CC: «O cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído».
III.3.11. Explicam Pires de Lima e Antunes Varela) que o termo entrega é a designação genérica que cobre toda a acção executiva destinada a obter que alguém coloque ao alcance do autor a coisa que o demandado tem em seu poder, qualquer que seja a natureza (real ou obrigacional) ou a duração (temporária ou definitiva) do direito em que o requerente funda a sua pretensão.
III.3.12. Como salienta Capelo de Sousa o disposto no nº 1 do art. 2088 surge «para tornar efectiva tal administração» por parte do cabeça-de-casal. Também Pires de Lima e Antunes Varela acentuam o carácter instrumental do poder que o art. 2088 confere ao cabeça-de-casal sendo que quanto aos próprios herdeiros, por mais incontestável que seja o seu direito sobre a coisa, ele não pode deixar de ceder perante a tarefa temporária e acidental do cabeça-de-casal. «Essencial é que, como aliás se depreende do próprio texto da norma, a entrega material dos bens seja realmente necessária ao exercício da gestão que os artigos 2079º e 2087º confiam ao cabeça-de-casal como administrador da herança». É neste contexto que o artigo em causa atribui legitimidade ao cabeça-de-casal para recorrer às acções possessórias contra os próprios herdeiros”.
III.3.13. Não existem elementos de prova que permitam tirar a conclusão de que, aquando da ocupação do imóvel, a Ré passou a deter aqueles bens móveis e que, por essa razão, a Ré passou a ser responsável pela sua conservação enquanto não fosse reclamada a entrega pelo cabeça-de casal, mas, ainda que assim se entendesse e se concluísse que esses bens ainda existem, sempre teria a Autora, na qualidade de cabeça de casal, que alegar que a sua entrega à herança na pessoa do cabeça de casal se tornou necessária para a efectiva administração desses bens por parte do cabeça de casal, o que os autos não permitem concluir.

IV- DECISÃO.
Tudo visto, acordam os juízes em julgar procedente a apelação e consequentemente:
a) Revogam a decisão recorrida quanto ao montante da condenação e em sua substituição condenam a Ré a pagar à herança aberta por óbito de BA e de AL, a quantia de 375,00€ (trezentos e setenta e cinco euros) mensais a título de privação do uso do referido imóvel desde Julho de 2016 até à efectiva entrega do imóvel ou até que se proceda à partilha do mesmo, e que na data da sentença recorrida ascendia a 30.375,00 euros (trinta mil trezentos e setenta e cinco euros); sendo esses valores devidos à herança que não à co-herdeira Autora, a ré co-herdeira nada terá a haver em partilha da herança, sobre esses valores, de que a referida herança é credora, posto que já recebeu o correspondente em uso.
b) Revogam a sentença recorrida no segmento que condena a Ré entregar à A. e cabeça de casal os bens móveis identificados no art.º 7 dos factos provados.
c) Mantêm a decisão recorrida quanto ao mais.
Regime da Responsabilidade por Custas: as custas são da responsabilidade da apelada Autora que decai e porque decai, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (art.º 527/1 e 2)

Lxa., 09-05-2024
Vaz Gomes,
Arlindo Crua
Carlos Castelo Branco
_______________________________________________________
[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5/1, 8, e 7/1 (a contrario sensu) e 8 da mesma Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente às acções declarativas, atendendo a que a acção foi intentada e distribuída em 2020 e a data da decisão recorrida que é de 15/3/2023; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Manuel Rodrigues, in A Posse, Almedina, 1981, pág. 142/143; este autor num outro estudo na Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 55, pp 319 e ss, sustenta que a compropriedade analisa-se em um conjunto de direitos da mesma natureza e extensão, estando cada um dos consortes, no exercício respectivo do direito, limitado pelo exercício dos outros, de modo que há uma realização simultânea e coordenada de todos eles, não se concebendo uma realização simultânea e contraditória de todos eles.
[3] Bonifácio Ramos, José Luís, in Manual de Direitos Reais, 2017, AAFDL, pp 344/345.
[4] Último autor e obra citados, pág. 337.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1972, vol. III, pág.324
[6] Ac STJ de 21/4/2022, no processo 2691/16.1t8csc.l1.s1 relatado por Cura Mariano e disponível no sítio www.dgsi.pt