Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
232/23.3PHAMD.L1-5
Relator: MANUEL JOSÉ RAMOS DA FONSECA
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
DESCONTO NA LIQUIDAÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade do relator):
I – O regime de permanência na habitação (RPH) consagrado no art. 43.ºCP - redação da Lei 94/2017-23agosto -, em qualquer uma das situações aí previstas, exprime uma forma de execução da pena de prisão efetiva, não superior a dois anos, e não uma pena de substituição.
II – O instituto do desconto possui natureza híbrida, no sentido em que tanto revela para o cumprimento de mera regra relativa à liquidação e cômputo de execução da pena, como antes se pode traduzir em operação que integra a determinação judicial da pena.
III – O desconto a que alude o art. 43.º/1b)CP deve ser ponderado em sede de sentença.
IV – A aplicação de RPH, além dos requisitos formais da duração da pena de prisão efetiva, do consentimento do condenado (sendo caso, também o consentimento das pessoas maiores de dezasseis anos que consigo coabitem) e da possibilidade de instalação dos meios técnicos de controlo à distância, exige que se apure o preenchimento do facto-suporte de adequação e suficiência do referido regime às finalidades da punição, sendo, portanto, a sua escolha determinada exclusivamente por razões de prevenção.
V – Ainda que verificados os requisitos formais, não se mostram preenchido o pressuposto material/substancial de aplicação do RPH quando um Arguido, agora condenado pela autoria de crime de violência doméstica, já sofreu anteriormente sete condenações pela prática de crimes eminentemente pessoais ou que igualmente afetam bens pessoais, pelos quais foi, inclusivamente, condenado em penas de prisão efetivas, em medida já relevante, já tendo também sido condenado em penas de substituição, com incumprimento e subsequente revogação, não tendo a execução das antecedentes penas logrado a sua alteração de personalidade e conduzido à abstenção da prática de novos crimes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
1. Decisão recorrida
Mediante Sentença datada e depositada a 15janeiro2024 (ref.s 148568446 e 148568458), foi o Arguido AA condenado, pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, p. p. pelo art. 152.º/1b)/2a)/4/5CP
a. na pena principal
- de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão, efetiva e a executar intramuros
b. nas penas acessórias
- de proibição de contacto com a vítima, por qualquer meio, pelo mesmo período de reclusão decretada;
- de proibição de se aproximar da residência e local de trabalho da vítima, quando e se restituído antecipadamente à liberdade;
(podendo contactar com a vítima por assuntos relacionados com os filhos de ambos, devendo fazê-lo, sempre que possível com o intermédio de terceiros)
c. a pagar à vitima, a título de arbitramento/reparação, o montante de €900,00 (novecentos euros).
2. Recurso
Inconformado com a referida Sentença, da mesma e junto do Tribunal a quo interpôs o Arguido recurso (entrado a 14fevereiro2024 - ref. 25029235) motivando-o e delimitando-o no objeto com as conclusões (baralhadas, confusas, repetitivas e desprovidas da síntese exigível, que só não se mandaram aperfeiçoar dado o tempo já decorrido e ser, ainda assim, compreensível a final pretensão formulada em sede dos autos, os quais até revestem natureza urgente) que se transcrevem:
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
i) Conclusões
1. “O presente recurso tem como pretensão que a pena de prisão a que o recorrente foi condenado seja cumprida em regime de permanência na habitação, com sujeição a vigilância eletrónica e subordinada ao cumprimento de regras de conduta, mantendo-se a pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB.
2. Nos presentes autos foi o Arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravado p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão e na pena acessória de proibição de contactos, por qualquer meio, com BB, pelo mesmo período de reclusão decretada e de se aproximar da sua residência e local de trabalho, quando e se restituído antecipadamente à liberdade.
3. Para efeitos de escolha e determinação da medida da pena, considerou o Tribunal a quo que a favor do Arguido nada se apurou, pois, para além dos antecedentes, o mesmo encontra-se desinserido profissionalmente e não reconhece a necessidade de tratamento para os seus consumos excessivos.
4. O recorrente discorda da posição do douto Tribunal a quo naquela parte, na medida em que antes de ser preso preventivamente à ordem dos presentes autos em 29/05/2023, o recorrente era servente e encontrava-se há cerca de 4 meses a trabalhar.
5. Por outro lado, no que diz respeito aos seus hábitos de consumo de álcool, resulta do relatório social para determinação da pena que o recorrente atualmente reconhece a problemática, bem como as suas consequências e o impacto na sua vida, verbalizando disponibilidade para realização de um tratamento especializado nessa área.
6. Atendendo a que o recorrente já sofreu condenações anteriores, o Tribunal a quo, perante a alternativa em aplicar uma pena privativa ou não privativa da liberdade, optou pela primeira, por considerar inexistir um juízo de prognose favorável a favor do Arguido e que apenas a pena de prisão pode garantir as finalidades da punição.
7. Ora, pese embora o recorrente tenha antecedentes criminais, atendendo às suas condições pessoais, deveria o Tribunal a quo ter considerado que a pena de prisão na qual foi condenado fosse executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, subordinado ao cumprimento de regras de conduta, nos termos do artigo 43.º do Código Penal.
8. O recorrente foi condenado pela douta sentença ora em crise na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão efetiva, sendo que o mesmo encontra-se preso preventivamente desde 29 de maio de 2023, ou seja, já cerca de 9 (nove) meses.
9. Aplicando-se o desconto previsto no n.º 1 do artigo 80.º do C.P., terá o recorrente de cumprir ainda cerca de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.
10. Com efeito, deverá ser ponderada a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, à luz do disposto no artigo 43.º, n.º 1, alínea b) do C.P., encontrando-se preenchido este pressuposto formal – para além do consentimento do recorrente.
11. Com o regime estatuído pela Lei n.º 94/2017, de 23/08, a pena de prisão efetiva não superior a dois anos é executada em regime de permanência na habitação, sempre que o Tribunal concluir que por este meio se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir.
12. O recorrente estava profissionalmente inserido antes da sua reclusão e, pese embora as circunstâncias dadas como provadas nos presentes autos as quais levaram à sua condenação, o recorrente é um bom pai, e presta muita assistência quer à ofendida, quer aos filhos menores de ambos, conforme referido por esta em sede de declarações para memória futura e espelhado na douta sentença. Mais ficou demonstrado que na origem dos comportamentos agressivos do recorrente está o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e a sua dependência destas.
13. Ademais, conforme conclui o relatório social para determinação da pena, é primordial a sujeição do recorrente a um tratamento terapêutico ano nível da sua dependência etília bem como um acompanhamento especializado ao nível da problemática da violência doméstica, de forma ao desenvolvimento de capacidades críticas reflexivas, bem como do necessário controlo dos seus impulsos, a fim de possibilitar uma motivação e modificação pró-social dos comportamentos e atitudes no sentido de alterar o seu percurso de vida, permitindo um processo de reinserção social normativo.
14. Pelo exposto, considera o recorrente que a sua reclusão em estabelecimento prisional acarreta gravíssimas consequências à sua reinserção e ressocialização.
15. Vislumbrando-se que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e subordinada ao cumprimento de regras de conduta, nomeadamente nos termos propostos pela DGRSP no relatório social elaborado, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena.
16. Tornando-se possível a formulação de um juízo de prognose favorável a favor do recorrente, deverá o mesmo cumprir o remanescente da pena de prisão a que vem condenado em regime de permanência na habitação nos termos previstos no art.º 43.º do C.P.
Termos em que, e nos demais de Direito aplicáveis que V. Exas. Venerandos Desembargadores suprirão, deve o presente recurso obter provimento e, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, condenando-se o recorrente a cumprir a pena de prisão a que foi condenado em regime de permanência na habitação subordinada à frequência de programas especializados nas problemáticas da violência doméstica e da dependência etílica, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
3. Resposta ao recurso
Regularmente admitido o recurso (a 20fevereiro2024 - ref. 149264118) e de tal notificado o Ministério Público, veio o mesmo aos autos (a 26fevereiro2024 - ref. 25112270) responder de forma direta, pugnando no sentido da improcedência do recurso, formulando as conclusões (quase medianamente aceitáveis na condensação exigível) que se transcrevem:
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
1. “O objeto do recurso delimita-se pelas conclusões do recorrente, que é: o erro na interpretação e aplicação das normas dos artigos 40.º, 50.º e 51.º do Código Penal e a não aplicação do regime previsto no artigo 43.º do Código Penal (regime de permanência na habitação);
2. Alega, o recorrente, que a sentença ao condenar na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão efetiva, o fez em claro excesso e desajuste com os factos em apreço, pugnando que as condições pessoais e familiares do recorrente impunham a aplicação de um regime de permanência na habitação.
3. A motivação da sentença recorrida é fundada no artigo 40.º do Código Penal, tendo em vista as finalidades de prevenção geral e especial, tendo concluído que, pese embora tenha apenas 36 anos, o Arguido averba já sete condenações, por um total de 15 crimes, onde avultam os crimes eminentemente pessoais ou que igualmente afetam bens pessoais, pelos quais foi, inclusivamente, condenado em penas de prisão efetivas, em medida já relevante. O Arguido iniciou a carreira delitiva com 16 anos, em 05.02.04, e desde então a sua vida tem-se pautado pela prática de ilícitos, ainda que com algumas interrupções, ligadas ao cumprimento de pena de prisão efetiva. A experiência da reclusão não teve qualquer efeito inibidor na sua conduta, tal como o não teve a ameaça de cumprimento da pena de prisão, tanto mais que os factos foram praticados no período da suspensão da execução da pena decretada no processo n.º 226/21.3PHAMD, dos Juízos Locais Criminais da Amadora, Juiz 2. O Arguido mostra, assim, uma preocupante propensão para a prática de ilícitos que faz recear a reiteração da sua conduta, levando a um juízo reservado sobre a sua capacidade de ressocialização.
4. Não havendo qualquer reparo a fazer à fundamentação da sentença recorrida, por considerarmos a gravidade, ilicitude e culpa do recorrente elevadas, face aos factos dados como provados, e que não mereceram qualquer impugnação pelo recorrente.
5. Da leitura do recurso apresentado pelo recorrente parece-nos que o mesmo se olvidou deste extenso certificado e da longevidade de crimes que o mesmo tem vindo a incorrer ao longo dos anos, bem como nos parece que se esqueceu das oportunidades que o sistema judicial lhe tem concedido para que adeque os seus comportamentos ao direito.
6. O recorrente no decurso do seu percurso criminal o recorrente viu as penas a serem gradualmente agravadas, tendo no ano de 2013 cumprido pena de prisão efetiva por facto de 2010, vindo a cumprir nova prisão efetiva em 2014, ao ter praticado novos factos no ano de 2011, pelo que se indicia de forma óbvia que o regime do artigo 43.º do Código Penal não satisfaz as exigências de prevenção especial e de prevenção geral.
7. No caso em concreto, ponderadas todas as circunstâncias, as exigências de prevenção geral e especial, conjugadas com a culpa do recorrente, impõe-se concluir que ao Tribunal a quo não restaria outra opção que não fosse a que efetivamente consta na sentença recorrida, em estrita obediência aos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.
8. Não é de todo viável a formulação de um juízo de prognose favorável ao recorrente, no sentido de que a simples censura do facto e ameaça da prisão bastarão para assegurar, de forma adequada e suficiente, as exigências de prevenção, conforme demonstra todo o seu passado acentuado por um modo de vida delinquente, e temerário face às ameaças de prisão que lhe foram sucedendo e que não foram suficientes para a incursão em novos delitos.
9. Termos em que a substituição da pena concretamente aplicada pelo regime de permanência na habitação não será sustentável, pois poria certamente em causa a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
10. A sentença recorrida fez uma correta valoração da prova produzida e aplicação da lei, pelo que deve a mesma ser mantida e o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente.
assim fazendo Vossas Excelências, como sempre,
Justiça!”
4. Tramitação subsequente
Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista à Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, a qual, com concreta e circunstanciada explanação, acompanhando a posição exarada pelo Ministério Público na 1.ª instância, emitiu parecer (a 27março2024 - ref. 21379873) pugnando pela improcedência do recurso interposto.
Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório, aqui inexistindo resposta do Arguido.
Efetuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso seja julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Apreciação do recurso
i) Sentença recorrida
Dada a sua relevância para o enquadramento e melhor compreensão do infra a decidir em termos de delimitação do objeto de recurso, urge, desde já, aqui verter quer a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e não provada, as – no que importe - razões para tal e ainda, por fim, o enquadramento jurídico que efetua na fundamentação de direito ao nível da escolha e determinação da medida da pena.
a. Factos provados
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator, mas mantendo-se os sublinhados)
1. “O Arguido AA e BB iniciaram uma relação de namoro em 2019 e passaram a viver em situação análoga à dos cônjuges, em 2020 até meados de Fevereiro de 2023, terminando o relacionamento por decisão da vítima.
2. Fixaram residência na ....
3. Fruto desse relacionamento amoroso, nasceram em …2021, CC e DD.
4. Em Abril de 2022, ficou decidido pelo Tribunal de Família e Menores que as crianças ficariam a cargo da vítima, podendo o Arguido com elas privar, desde que combinasse previamente com aquela.
5. O Arguido é consumidor habitual de bebidas alcoólicas, ficando sob o seu efeito, agressivo para com a vítima.
6. Entre o dia 17 de Fevereiro de 2023 até 26 de Fevereiro de 2023, o Arguido enviou à ofendida as seguintes mensagens escritas do seu telemóvel, com o n.º ... para o telemóvel desta, com o n.º ..., com o intuito de a entristecer e rebaixar:
i. 17.02.23, às 22h46: “Puta de merda atendes”
ii. 18.02.23:
. às 06h17 “Porca quando acordares liga atrasada feia”
. às 13h38 “olha feia queres e conversa ok” “es mais mae”
. às 17h30 “quero ver eles”
. às 19h48 “Merda k mae es tu” “Puta de merda atendes”
iii. 19.02.23 “olha axas k ti quro não so quero” “não ti quero mal mas no meus posso ti fazer mal”, “tira os meus filhos dai”.
iv. 22.02.23:
. às 00:05 “puta liga ga”
. às 04:35 “agora já da atrasada”
Às 17h47 “atennde porca”
v. 26.02.23, às 12:27 “puta de merda”
7. Uns dias antes de 1 de Março de 2023, na ..., o Arguido e a ofendida encontraram-se em ordem à entrega dos menores, que se encontravam com o primeiro.
8. O Arguido, que se encontrava embriagado, recusou entregar-lhe a menor CC, deixando-a apenas sair com o filho DD.
9. Nesse momento, e na presença de ambos os menores, o Arguido dirigiu-se à vítima, cuspindo-lhe para a face, do lado direito.
10. O Arguido acabou por lhe entregar a menor uns minutos mais tarde.
11. No dia 1 de Março de 2023, quando a vítima se encontrava a regressar da creche a caminho da sua habitação, foi surpreendida pelo Arguido, já ébrio, que se encontrava num estabelecimento comercial de restauração, sito na ..., na zona de ....
12. Nesse instante, o Arguido começou a insistir para ali ficar com as crianças, tirando-as do carrinho de transporte e, por forma, a não existirem confrontos directos, BB acabou por anuir entrando com estas naquele estabelecimento comercial.
13. Porque a ofendida insistia consigo que se queria ir embora com os menores, o Arguido puxou-lhe pelos cabelos.
14. A ofendida dirigiu-se então à Esquadra da PSP de ....
15. Já na presença dos Agentes da PSP, o Arguido entregou as crianças à vítima.
16. O Arguido foi sujeito a primeiro interrogatório judicial de Arguido detido, no dia ...-...-2023, tendo-lhe sido aplicadas as medidas de coacção de proibição de contactos com a vítima directamente ou por interposta pessoa, ou por qualquer meio, proibição de permanência na habitação e de se aproximar da vitima ou da sua de um raio de 500 metros, sujeita a meios técnicos de controlo à distância, não sendo, no imediato, possível instalá-los.
17. No dia 17-05-2023, por volta das 20h30m, quando a vítima se dirigia para a sua habitação, na via pública, foi abordada pelo Arguido, já etilizado, que exigia ver os menores, o que esta recusou atento o estado de embriaguez do mesmo.
18. A ofendida virou costas e continuou o seu caminho.
19. Neste momento, o Arguido agarrou a vítima, puxando-a com força pelo braço esquerdo.
20. A ofendida disse-lhe então que ia à esquadra, e nesse momento o Arguido agarrou-a momentaneamente pelo pescoço, apertando-o.
21. Nesse instante, o Arguido empurrou-a, com mais força, contra um monte de relva, acabando esta por embater com as costas, ficando com dores.
22. Quando a vítima se conseguiu libertar, começou a dirigir-se para a Esquadra de ..., seguindo o Arguido no seu encalço, pedindo-lhe para não o fazer, o que a vítima não acatou.
23. Neste momento o Arguido foi interpelado por um transeunte, tendo a ofendida conseguido ganhar distância deste, e entrar na esquadra, sendo seguida para o seu interior por aquele.
24. O Arguido acabou por sair da esquadra, no momento imediatamente seguinte.
25. Como consequência da conduta do Arguido a vítima sofreu:
a. na zona do pescoço: três equimoses avermelhadas na face lateral direita do pescoço, cada uma medindo 0,5cm de diâmetro,
b. no membro superior esquerdo: equimose amarelada no terço médio da face posterior do antebraço, medindo 1cm de diâmetro, lesões essas que determinaram, um período de doença fixável em 6 (seis) dias, com afectação da capacidade de trabalho geral (3 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (3 dias).
26. Com as condutas descritas, o Arguido quis e conseguiu molestar a saúde física e psíquica da sua ex-companheira e mãe dos seus filhos, provocando-lhe receio e temor, intimidando-a, impondo a sua vontade em detrimento da desta, humilhando-a e rebaixando-a enquanto mulher e baixando a sua auto-estima, não se coibindo de o fazer, na presença dos seus filhos, menores.
27. O Arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
1. A ofendida sentiu-se triste e ansiosa em virtude dos factos.
2. Antes da sua detecção, AA residia com os progenitores, duas irmãs germanas, respectivamente de 33 e 18 anos de idade e dois sobrinhos, 12 e 2 anos de idade, numa habitação social.
3. A situação socioeconómica do agregado familiar é deficitária, subsistindo economicamente do salário mínimo nacional auferido pela progenitora do Arguido como … na …, e do rendimento variável, auferido pela irmã, que desempenha funções num estabelecimento comercial, encontrando-se o pai doente e realizando alguns biscates na área da …
4. AA tem 7 filhos de quatro relações afectivas terminadas, encontrando-se estes a cargo das respectivas progenitoras. 16 e 15 anos, 13 anos, 5 e 4 e os menores CC e DD de 2 anos de idade.
5. Ao nível escolar AA fez um percurso marcado pela falta de investimento e desmotivação, tendo concluído o 6.º ano de escolaridade, abandonando os estudos aos 16/17 anos de idade.
6. AA tem um percurso laboral pautado por uma inconsistência de actividades laborais na área da …, como servente. Contudo, referiu que à data dos factos, encontrava-se há cerca de 4 meses a trabalhar, sem contrato laboral, auferindo cerca de 40€ diários, que lhe permitia uma situação económica equilibrada para fazer face às despesas e responsabilidades mensais.
7. AA foi acompanhado na ..., para os seus consumos etílicos, tratamento que abandonou por não se considerar alcoólico.
8. AA encontra-se preso preventivamente à ordem do presente processo desde 28.05.2022, mantendo um comportamento de acordo com as regras institucionais, não existindo registo de infracções disciplinares.
9. O Arguido não se encontra integrado em qualquer actividade laboral nem formativa no Estabelecimento Prisional.
10. Tem vindo a usufruir de acompanhamento psicológico no meio prisional e dispondo de apoio ao nível de ajuda pecuniária por parte da família de origem, pais e irmãs.
11. AA sofreu as seguintes condenações:
i. Condenação no processo n.º 362/08.1PHAMD, dos juízos Locais Criminais de Lisboa, por decisão transitada em julgado eme 14.07.08, na pena única de 9 meses de prisão, substituída pela prestação de 270 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática em 31.05.08 de um crime de injúria agravada e de um crime de ameaça agravada. As penas parcelares foram respectivamente 2 e 8 meses de prisão. Pena extinta pelo cumprimento de pena de prisão efectiva, pela revogação da pena substitutiva.
ii. Condenação no processo n.º 73/04.7PHAMD, da 1.ª Vara Criminal de Lisboa, por decisão transitada em julgado em 19.01.11, na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, pela prática em 05.02.04 de três crimes de roubo.
iii. Condenação no processo n.º 3261/09.2TDLSB, da 5.ª Vara Criminal de Lisboa, por decisão transitada em julgado em 02.02.12, na pena de 1 anos de prisão suspensa por igual período e com regime de prova, pela prática em 13.12.07 de um crime de roubo.
iv. Condenação no processo n.º 86/10.0PFAMD, dos Juízos de Grande Instância Criminal de Sintra, Juiz 4, por decisão transitada em julgado em 09.05.13, na pena única de 2 anos e 7 meses de prisão efectiva, pela prática em 31.01.10 de um crime de resistência e coacção e de um crime de injúria agravada. Nestes autos, foi realizada audiência cúmulo, tendo sido fixada a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, que englobou, as penas em que o Arguido foi condenado nos processos n.º 3261/09.1TDLSB e 362/08.1PHAMD. Pena declarada extinta em 15.05.17.
v. Condenação no processo n.º 462/11.0PBAMD, dos Juízos Centrais Criminais de Sintra, por decisão transitada em julgado em 29.09.14 na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva, pela prática em 16.03.11 de um crime de roubo. Pena declarada extinta pelo cumprimento.
vi. Condenação no processo n.º 236/18.8PBAMD, dos Juízos Locais Criminais da amadora, Juiz 4, por decisão transitada em julgado em 29.11.19, na pena de 13 meses de prisão suspensa na execução por igual período, acompanhada de regime de prova, pela prática em 26.05.18 de dois crimes de ameaça agravada.
vii. Condenação no processo n.º 226/21.3PHAMD, dos Juízos Locais Criminais da amadora, Juiz 2, por decisão transitada em julgado em 14.03.22, na pena única de 4 meses de prisão, suspensa na execução acompanhada de regras de conduta, pela prática em 08.04.21 de quatro crimes de injúrias.”
b. Factos não provados
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
1. “Que tenham iniciado o relacionamento em 2018.
2. Que o Arguido tenha enviado as mensagens referidas supra quando se encontrava ébrio.
3. Que os factos referidos em 10 tenham ocorrido em 25 de Fevereiro de 2022.
4. Que nas circunstâncias referidas em 22 o Arguido lhe tenha agarrado o braço com força.
5. Que a ofendida tenha sentido momentaneamente dificuldades em respirar.
6. Que os agentes o tenham impedido de entrar na esquadra.”
c. Motivação
SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
“O Tribunal fundou a sua convicção no apuramento dos factos objecto dos presentes autos no conjunto da prova documental e da prova produzida em audiência de julgamento.
(…) o Arguido se remeteu ao silêncio (…).
(…)
Por outro lado, deu conta do seu entendimento que a oportuna fixação dos meios de controlo à distância (que o Arguido obstaculizou ao não indicar uma morada correcta- cfr. ofício da DGRPS de fls. 148) (…)
A prova dos factos referidos no ponto 20 da acusação resultou do despacho de apresentação a primeiro interrogatório, da acta do mesmo e da informação da DGRSP de fls. 148 quanto à dificuldade na instalação dos equipamentos.
(…)
Os factos que se deram como provados quanto à situação económica e pessoal do Arguido resultaram do teor do relatório social junto.
Por fim, o Tribunal deve em consideração o teor do CRC.”
d. Escolha e determinação da medida da pena (principal)
SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator, mas mantendo-se os sublinhados)
“O crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º1, al. b) e n.º2, al. b), do CP é punível com pena de prisão de 2 a 5 anos.
Na fixação da medida concreta da pena, em termos simultaneamente adequados e proporcionais, o Tribunal tem em atenção as exigências de prevenção e da medida da culpa, todas as circunstâncias atenuantes e agravantes que no caso se verifiquem- artigo 71.º, do CP.
As finalidades da punição encontram-se previstas no artigo 40.º, n.º1, do CP, que determina que a aplicação de qualquer pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
As necessidades de prevenção geral, ou de integração positiva, reconduzem-se à necessidade de assegurar a satisfação das exigências da consciência jurídica colectiva, e de reposição da norma jurídica violada.
Já a prevenção especial é apreciada na perspectiva de socialização, sendo que a medida tem como limite mínimo um “quantum” que não frustre tal possibilidade.
Relativamente às necessidades de prevenção especial, as mesmas são elevadas. Com efeito, este tipo de crime é transversal na nossa sociedade, o que explica a sua muito ampla incidência.
Acresce que, não são despiciendas as considerações quanto à repercussão pública deste tipo de criminalidade, amplamente potenciada pelas notícias divulgadas na comunicação social de casos de violência doméstica que tragicamente findaram na morte das vítimas.
Se antes a violência doméstica ficava confinada aos limites da casa e da família, escudada dos olhares e da interferência de terceiros, refém da vergonha e da cumplicidade, hoje reclama-se, e bem, a rápida intervenção da resposta, essencial à reposição da norma jurídica violada.
No que concerne às necessidades de prevenção especial, as mesmas reputam-se igualmente muito elevadas.
Com efeito, pese embora tenha apenas 36 anos, o Arguido averba já sete condenações, por um total de 15 crimes, onde avultam os crimes eminentemente pessoais ou que igualmente afectam bens pessoais, pelos quais foi, inclusivamente, condenado em penas de prisão efectivas, em medida já relevante.
O Arguido iniciou a carreira delitiva com 16 anos, em 05.02.04, e desde então a sua vida tem-se pautado pela prática de ilícitos, ainda que com algumas interrupções, ligadas ao cumprimento de pena de prisão efectiva.
A experiência da reclusão não teve qualquer efeito inibidor na sua conduta, tal como o não teve a ameaça de cumprimento da pena de prisão, tanto mais que os factos foram praticados no período da suspensão da execução da pena decretada no processo n.º 226/21.3PHAMD, dos Juízos Locais Criminais da Amadora, Juiz 2.
O Arguido mostra, assim, uma preocupante propensão para a prática de ilícitos que faz recear a reiteração da sua conduta, levando a um juízo reservado sobre a sua capacidade de ressocialização.
A culpa releva na fixação de um limite máximo e absolutamente intransponível da medida da pena (art.º 40º, n.º 2 do CP), no respeito pelo princípio da dignidade humana.
A culpa traduz um juízo de censura por o agente não se ter determinado na norma quando podia e devia fazê-lo.
E esse juízo de censura é já agravado, considerando a reiteração da conduta, o escalar da violência, e a circunstância de ter praticado parte dos factos em locais públicos, mas também na presença dos menores, o que não deixa de ser particularmente vexatório. Por outro lado, o Arguido praticou os factos mais graves, aqueles que de forma mais expressiva buliram com a integridade física da ofendida, após a decretação da medida de coacção de proibição de contactos, fixada para protecção desta e indiferente ao risco de agravamento do seu estatuto coactivo.
Ademais, há que ter em conta a energia criminosa que deflui do constrangimento do pescoço, sem esquecer as lesões sofridas pela ofendida com os factos ocorridos em 17 de Maio de 2023.
Por outro lado, a favor do Arguido nada se apurou. Com efeito, para além dos antecedentes, o Arguido encontra-se desinserido profissionalmente, não reconhecendo a necessidade de tratamento para os seus consumos excessivos, os quais, ademais, se encontram na génese dos factos pelos quais vai aqui condenado.
Contra o Arguido militam ainda a gravidade intrínseca dos factos e a circunstância de ter agido com dolo directo.
Tudo ponderado, fixa-se a pena em 2 (dois) anos e 7 (sete) meses anos de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º1, al. b) e n.º2, al. a), do CP.
Da suspensão da execução da pena de prisão:
A pena de prisão deve ser aplicada como última ratio.
Nos termos do disposto no art.º 50.º, n.º1, do CP, “ o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Acrescenta o n.º2 que o Tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
A suspensão tem a duração entre 1 a 5 anos começando a correr desde o trânsito da sentença (art.º 50.º, n.º3).
Nos termos do disposto no art.º 34.º-B, da Lei n.º 112/2009 de 16.09.15, com a alteração introduzida pela Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.
Nos termos do disposto no art.º 52.º, n.º1,b) do CP, o Tribunal pode impor ao condenado, pelo tempo de duração da suspensão, regras de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade nomeadamente frequentar certos programas ou actividades.
Decidindo.
O Arguido já viveu em reclusão, pelo que o cumprimento de pena de prisão efectiva não é, para si, uma realidade abstracta, mas algo por si vivenciado e que, julgar-se-ia, procuraria evitar. Todavia, tal não é o caso, tendo o Arguido praticado os factos em pleno período da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado no processo 226/21.3PHAMD.
Com o seu comportamento, além de mais reiterado e estendido no tempo, o Arguido mostrou não ser merecedor do juízo de censura que ali beneficiou.
Na determinação da suspensão da pena de prisão, “o Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa” (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art.º 50.º, Editora Reis dos Livros).
Ora, por todas as razões expostas, não dispõe o Tribunal de qualquer elemento onde possa sustentar de forma minimamente séria e razoável a capacidade do Arguido compreender a natureza e consequências de uma suspensão da execução da pena de prisão.
O seu comportamento não o torna merecedor de um qualquer juízo de prognose favorável, pelo que a suspensão da execução da pena ou, a tal propósito qualquer outra forma de cumprimento da pena de prisão, saldar-se-ia numa absoluta iniquidade.
A pena de prisão é, por isso, efectiva. “
2. Da situação coativa do Arguido
Por decisão, tomada a 5abril2023 (ref. 143679398), em sede de 1.º interrogatório de Arguido detido, foram-lhe aplicadas as medidas de coação de:
a) TIR, já prestado;
b) Proibição de contactos com a vítima, diretamente ou por interposta pessoa, ou por qualquer meio;
c) Proibição de permanecer na residência da vítima e de se aproximar de um raio inferior a 500 metros da vítima ou da sua casa;
medidas a serem sujeitas a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, por tal se mostrar imprescindível para a proteção da vítima.
Nesse ato processual o Arguido reportou como sendo a sua residência a ....
No TIR prestado, a 4abril2023 (ref. 25860991 de 5abril2023), o Arguido reportou como sendo a sua residência a ....
No TIR prestado, a 4abril2023 (ref. 25860991 de 5abril2023), o Arguido reportou como morada para notificações a ..., .... Esta morada é a morada atual da vítima, e era a do Arguido e vítima enquanto partilharam vida comum em situação análoga à dos cônjuges.
Para efeitos de fiscalização da proibição de contactos com a vítima, por meios técnicos (elaborado a 13abril2023, ref. 25864850 de 14abril2023), o Arguido indicou à Equipa da DGRSP-VE a residência de ..., ...
Por despacho judicial de 8maio2023 (ref. 144097721), à luz do constante nos autos, foi determinada a aplicação dos mecanismos de vigilância eletrónica, na sequência do despacho judicial proferido em sede de primeiro interrogatório judicial e com as áreas de exclusão nos termos sugeridos pela DGRSP-VE.
Por despacho do Ministério Público de 16maio2023 (ref. 395701844), à luz do constante nos autos, solicitou-se à DGRSP esclarecimento sobre se o sistema de fiscalização através de meios de controlo à distância já se mostrava instalado e se existiam anomalias a registar devido à proximidade das habitações.
A Equipa DGRSP-VE informou, a 17maio2023 (ref. 23379376), que após a comunicação do despacho de 8maio2023 foram de imediato desencadeadas diligências com vista a dar início à fiscalização eletrónica da proibição de contactos decretada. Contudo, na sequência de contactos com o Arguido, verificou-se que a morada indicada na informação prévia não estava correta, sendo que após aferição das distâncias entre a morado do Arguido (indicada nos autos e confirmada pelo próprio) e a da vítima, as mesmas se situam com um ínterim de 160m, o que pode gerar permanentes alarmes que comprometem gravemente a adequada interpretação dos dados e monitorização eletrónica, com resultante ineficácia da proteção da própria vítima, deixando-a em permanente estado de temor (sendo o mínimo admissível 300 metros, para aplicação de raios de proteção e exclusão de 250 metros). Consequentemente não se mostrou possível dar cumprimento à decisão judicial que aplicou a vigilância eletrónica.
Na sequência da indiciação de novos factos, entre os quais de 17maio2023, por decisão, tomada a 29maio2023 (ref. 144645404) em sede de 1.º interrogatório de Arguido detido, foram agravadas as medidas de coação, passando-se à de prisão preventiva, mantendo-se as proibições de contactos, aproximação e permanência com a vítima.
Nesse despacho foi ponderada a impossibilidade da pelo Arguido requerida sujeição à m.c. de OPHVE, face à proximidade das residências do Arguido e vítima e à possibilidade de reiteração dos factos indiciados sem possibilidade de proteção da vítima.
Por despacho de 20junho2023 (ref. 395758159) foi deduzida acusação contra o Arguido, propugnando o Ministério Público a manutenção da m.c. de prisão preventiva.
Por despacho de 27junho2023 (ref. 145209620) mantendo-se inalterados os pressupostos que em sede de 1.º interrogatório judicial de 29maio2023 presidiram à aplicação da m.c. de prisão preventiva, manteve-se a mesma.
Por requerimento de 14agosto2023 (ref. 25919217) veio o Arguido aos autos solicitar a substituição da m.c. de prisão preventiva por OPHVE, indicando como morada a ....
Por despacho de 21agosto2023 (ref. 145904551) indeferiu-se o peticionado pelo Arguido dada a inexistência de qualquer alteração dos pressupostos de facto ou de direito em que assentou a m.c. imposta.
Por despacho de 29setembro2023 (ref. 146536048) em sede de recebimento de acusação, manteve-se a m.c. imposta.
Por despacho de 20novembro2023 (ref. 147529488) em sede de revisão ao abrigo do art. 213.ºCPP, manteve-se a m.c. imposta.
Em sede de sentença de 15janeiro2024 (ref. 148568446), manteve-se a m.c. imposta.
3. Objeto do recurso
Sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, é a partir das conclusões que o recorrente extrai da sua fundamentação de motivação que se determina o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem na sede de recurso (art.s 402.º;403.º;412º/1CPP e jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/95, de 19outubro1995).
Nos termos do disposto no art. 428.º/1CPP“As relações conhecem de facto e de direito.”
Excluída pelo recorrente a impugnação do julgamento da matéria de facto, nada invocando em termos de nulidade ou de vício previsto no art. 410.º/2CPP e nada se vislumbrando oficiosamente nesses diferenciados campos, o recurso versará em exclusivo matéria de direito.
Ainda assim cumpre referir que relativamente à discordância que o Arguido manifesta quanto a certos factos dados como provados os mesmos estão definitivamente fixados, uma vez que em momento algum foi manifestada intenção recursiva no sentido de os alterar, do mesmo modo que em nada se vislumbra o cumprimento procedimental que a tal possa levar.
Das conclusões apresentadas resulta que o Arguido questiona o facto de a pena de prisão efetiva aplicada não ser executada em Regime de Permanência na Habitação (RPH), ainda que seja certo que nas suas conclusões não indica qualquer concreta razão para sustentar a sua pretensão, que não a virtualidade matemática à luz do quadro de desconto que carreia. Não obstante, em virtude de conter a referência a alguns preceitos legais e serem as conclusões perfeitamente entendíveis quanto à sua pretensão, não se mostra necessário ponderar o seu aperfeiçoamento.
Concluindo, em sede de fundamentação de motivação e de conclusões inerentes opera suficiente cumprimento do determinado no art. 412.º/2CPP.
E daí que se logre percecionar – como de imediato se circunscreverá – qual é o final, delimitado, possível e concreto objeto do recurso, assim se permitindo a este Tribunal Superior conhecer do Direito. Tendo em conta o contexto normativo e o teor das conclusões efetuadas pelo recorrente, a questão que importa decidir sustenta-se:
a) deve o remanescente da pena de prisão efetiva aplicada, por não superior a 2 anos, em face de desconto à luz do art. 80.º a 82.ºCP, ser executado em RPH, como possibilita o art. 43.º/1b)CP?
4. Apreciação do recurso
O recurso do Arguido limita-se à questão supra. O que vale por dizer que, se por um lado o Arguido não sindica a qualificação jurídica dos factos, por outro lado não se opõe à escolha da pena e dosimetria aplicada, muito menos clama por uma pena de substituição (esta a primeira discordância que aqui se consigna em relação à resposta do Ministério Público em sede de 1.ª instância, pois ao contrário do ali dito nunca o Arguido por tal propugna em relação à pena de substituição que consubstancia a suspensão de execução da pena de prisão, à luz ao art. 50.ºCP). Somente coloca à consideração deste Tribunal Superior o modo de execução da pena de prisão efetiva, uma vez que entende que a mesma, no sobejante remanescente, por não superior a 2 anos, deve operar em RPH e não intramuros.
Vejamos.
No caso concreto mostra-se aplicada uma pena principal de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão efetiva, intramuros.
Quanto ao cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação prescreve o art. 43.ºCP:
“1 - Sempre que o Tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º.”
(…)
Assente, desde logo por aceite pelo Arguido, a dosimetria da pena aplicada, a questão em análise só pode ser equacionada à luz do disposto na reportada alínea b).
Essencial, então, é que a pena sobejante a executar, em virtude de desconto, seja inferior a 2 (dois) anos, cumprindo ainda perceber em que momento processual tal cumpre aquilatar.
No mais verificada tal condição matemática, material e formalmente, cumprirá então perceber se é de aplicar tal modo de execução da pena privativa da liberdade.
Sói dizer-se que o regime de execução da pena de prisão efetiva consagrado no art. 43.ºCP, entre o mais, visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão intramuros em Estabelecimento Prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/perdas – efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno – que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena. Tal qual resulta da Exposição de Motivos da proposta que originou a L94/2017-28agosto (Proposta de Lei 90/XIII) ultrapassada a fase operativa de determinação da adequação e suficiência, face às finalidades da punição, da pena de prisão (excluindo as penas substitutivas) tem o Tribunal (…) “à sua disposição duas possibilidades de execução, pela ordem seguinte: ou em regime de permanência na habitação, ou dentro dos muros da prisão, em regime contínuo”. (…) Tal atual filosofia subjacente às alterações introduzidas na legislação penal, de que é exemplo a L94/2017-28agosto, vai diretamente no sentido de que “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido de reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” (art. 42.º/1CP), sendo que o regime agora previsto no art. 43º/1CP passou a constituir não uma pena de substituição, ainda que em sentido impróprio (esta a segunda discordância que aqui se consigna em relação à resposta do Ministério Público em sede de 1.ª instância, uma vez que defende que o RPH consubstancia uma pena de substituição), mas na essência uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão efetiva dado que como postulado de política criminal subjacente – como tal, como pressuposto material/substancial - se mostra necessário “o Tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir”. Ponto este, aqui sim, tradutor dum juízo de prognose semelhante ao estatuído para o art. 50.º/1CP. É dizer, apurar se se mostra preenchido o facto-suporte de adequação e suficiência do referido regime às finalidades da punição, sendo, portanto, a sua escolha determinada exclusivamente por razões de prevenção geral (positiva ou de integração, nomeadamente na modalidade de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas comunitárias na validade da ordem jurídica violada) e especial (na função positiva de socialização, seja, em qualquer uma das funções negativas subordinadas, de advertência individual ou de segurança) e não em função da culpa (esta, desde já, uma discordância que aqui se consigna em relação à ideia subjacente à base do recurso, uma vez que ali se defende como razão para o RPH o teor da sentença de 1.ª instância de reporte à culpa e não às ditas razões de prevenção).
Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (rel. Juíza Desembargadora Helena Bolieiro, 24janeiro2018, NUIPC 50/17.8GBTCS.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc) onde se pode ler que “conforme se assinala na exposição de motivos da proposta que esteve na origem da referida Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto (Cf. Proposta de Lei n.º 90/XIII, cujo texto se encontra disponível na Internet em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=41417), pretendeu-se clarificar, estender e aprofundar o existente regime de permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo. Vincando-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alargando-se, por outro, a possibilidade da sua aplicação aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal, ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º do mesmo diploma. Não obstante, como também ali se refere, o procedimento anteriormente vigente em matéria de aplicação de penas à pequena criminalidade não foi substancialmente alterado. O juiz continuará a proceder a uma dupla operação, sendo que, uma vez verificado que tem perante si um crime provado e concretamente punido com pena de prisão até dois anos, começará por determinar se é adequada e suficiente às finalidades da punição alguma pena de substituição (multa, suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade) ou se é necessário aplicar a pena de prisão. Nesta última hipótese, ficam à sua disposição duas possibilidades de execução, pela ordem seguinte: ou em regime de permanência na habitação, ou dentro dos muros da prisão, em regime contínuo.“ (no mesmo sentido, Maria João Antunes in “O novo regime sancionatório do crime de incêndio florestal”, e-book CEJ, Coleção Formação Contínua – O Crime de Incêndio Florestal, Jurisdição Penal, Abril 2018, p. 9 a 21, em concreto a p. 16 onde se pode ler que “A partir de novembro de 2017, com a entrada em vigor da Lei n.º 94/2017, o regime de permanência na habitação deixou de ser uma pena de substituição – para quem entenda que tinha uma tal natureza jurídica – para ser apenas uma forma de execução da pena de prisão efetiva não superior a dois anos ou da pena de prisão não superior a dois anos em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da pena de multa de substituição. É o que decorre dos artigos 43.º e 44.º do Código Penal ao regularem o regime de permanência na habitação como incidente da execução da pena de prisão.”; da mesma autora, in Penas e Medidas de Segurança, Almedina, Coimbra, 2018 – Reimpressão, p. 90; André Ribeiro, in Tese de Mestrado “A Nova Tipologia do Regime de Permanência na Habitação, Especificidades de um incidente de execução”, 31outubro2018, acessível in https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/85815; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, rel. Juiz Desembargador Moreira das Neves, 23fevereiro2021, NUIPC 151/20.5GBVNO.E1, acessível in www.dgsi.pt/jtre; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, rel. Juiz Desembargador Armando Azevedo, 27janeiro2020, NUIPC 662/19.5GBBCL.G1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador Nuno Pires Salpico, 23novembro2022, NUIPC 536/22.2GBVNG.P1, acessível in www.dgsi.pt/jtrp) (em sentido contrário, como pena de substituição, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo penal, 3ª edição, p. 288; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, rel. Juiz Desembargador Artur Vargues, 14março2023, NUIPC 25/22.5PTSTB.E1, acessível in www.dgsi.pt/jtre) (no sentido de se tratar duma natureza mista, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, rel. Juíza Desembargadora Maria Filomena Soares, 25maio2023, NUIPC 116/18.7PAABT-K.E1, acessível in www.dgsi.pt/jtre)
Delimitação conceptual feita, o RPH exige para a sua aplicação, na consideração concreta do caso em apreço, a verificação do já referido pressuposto material/substancial, assim como de requisitos formais traduzidos:
- na condenação em pena de prisão efetiva cujo sobejante a executar não seja superior a 2 (dois) anos, em virtude de desconto (art. 43.º/1b)CP);
- que o Arguido preste o consentimento (art. 43.º/1CP);
- possibilidade de instalação dos meios técnicos de controlo à distância (art. 19.º L33/2010-2Setembro - redação da L94/2017-23agosto), com consentimento das pessoas maiores de 16 (dezasseis) anos que coabitem com o Arguido (art. 4.º/4 L33/2010-2Setembro - redação da L94/2017-23agosto). (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juíza Desembargadora Maria Ermelinda Carneiro, 8março2017, NUIPC 64/16.5GAVLC.P1; visto como requisito de caráter meramente instrumental, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador José Carreto 15fevereiro2018, NUIPC 559/14.5PBMTS.P1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt/jtrp)
Cumpre então, perceber, se verificados os requisitos formais, a execução da pena de prisão efetiva em RPH aplicada ao Arguido é apta à sua preparação para conduzir futura vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes – e sem que, por esta via, se coloque, irremediavelmente, em causa a confiança da generalidade dos cidadãos na validade da norma violada, in casu a norma que criminaliza a violência doméstica, ou, inversamente, só o cumprimento da pena de prisão efetiva intramuros – leia-se dentro de Estabelecimento Prisional - servirá para atingir tais fins? Pela positiva, terá a execução da pena de prisão efetiva em RPH - num meio familiar que seja securizante e onde se encontre integrado - a virtualidade de contribuir para a ressocialização do Arguido?
Comecemos pelos requisitos formais.
No caso concreto, dir-se-á desde já que, sem prejuízo de computação doutros descontos que possam cumprir calcular, simplesmente contabilizando a pena ao dia da sentença (15janeiro2024), muito mais ao dia de prolação deste Acórdão (21maio2024), somente por reporte à data de privação da liberdade por via de m.c. de prisão preventiva (29maio2023), a possibilidade matemática de tal aplicação seria viável.
É certo, porém, que a sentença sequer ponderou tal possibilidade, o que temos como tecnicamente possível e não a consubstanciar uma qualquer omissão, mas ainda assim a merecer que se teçam considerações. É que se por um lado o art. 43.º/1a)CP parte da regra base de que só é permitido o cumprimento de pena de prisão efetiva em RPH quando a mesma não seja superior a 2 (dois) anos, o que não ocorre no caso em apreço por se tratar duma pena 2 (dois) anos e 7 (sete) meses, certo é que admite a exceção, ora em análise, pela via do desconto, como referido na alínea b) do art. 43.º/1CP.
De facto, o momento temporal a ter em conta para concretizar o desconto, não é, por regra, o da elaboração da sentença, sim é o da liquidação da pena que se lhe seguirá e que respeita já à execução da pena (art. 469.º; 477.º;479.ºCPP). (neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, rel. Juíza Desembargadora Teresa Coimbra, 9março2020, NUIPC 2590/19.5T8VCT.G1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg) Ainda assim, como se alude no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (rel. Juiz Conselheiro António Latas, 22junho2023, NUIPC 8657/21.2T8LRS.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)o instituto do desconto tem entre nós natureza híbrida, no sentido em que tanto pode traduzir-se no cumprimento de mera regra relativa à execução da pena, como em operação que integra a determinação judicial da pena.” Como tal, atendendo ao caso particular resultante do disposto no citado art. 43.º/1b)CP, mormente ao seu teor literal, pode concluir-se que, para efeitos de aplicação de RPH, se impõe que o desconto previsto nos art.s 80.º a 82.ºCP não seja relegado para a ulterior fase de liquidação da pena, sim seja logo ponderado na influência que consagra ao nível da especial determinação do modo de execução da pena, uma vez que, caso contrário, terá efeitos perniciosos e lesivos aos interesses do Arguido. (neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador Paulo Costa, 23novembro2022, NUIPC 102/15.9PFVNG.P3, acessível in www.dgsi.pt/jtrp; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juíza Desembargadora Cândida Martinho, 11outubro2023, NUIPC 187/22.1GAMGL-A.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc).
No mais, resulta já dos autos – ainda que em lugar paralelo, quer da decisão de 29maio2023 (ref. 144645404), onde requereu m.c. de OPHVE, quer do quanto a 14agosto2023 (ref. 25919217) nesse mesmo sentido reiterou – que o Arguido se mostra pretendente duma privação de liberdade (seja como m.c., seja agora como execução de cumprimento de pena de prisão efetiva) em permanência na habitação, sendo que se tem, por ora e para os efeitos de objeto de recurso, como inerente o seu consentimento a tal execução, com colocação de DIP (dispositivo de identificação pessoal) (vulgo, pulseira eletrónica) quão mais não seja pela expressão final do solicitado na peça de 14fevereiro2024 (ref. 25029235) ora em análise. (sobre a necessidade de se dar como provado tal circunstancialismo, cfr., quanto ao que deve constar na fundamentação de facto, o aludido por Sérgio Poças, in Da Sentença Penal: Fundamentação de Facto, Revista Julgar, n.º 3, 2007, acessível para consulta in www.julgar.pt)
No que tange à possibilidade de instalação dos meios técnicos de controlo à distância, resulta dos autos (relatório da Equipa da DGRSP-VE elaborado a 13abril2023, ainda que para efeitos diferenciados, ref. 25864850 de 14abril2023) – o que se tem por ora válido para os efeitos de objeto de recurso - que na residência de ..., 2700-605 Amadora, que posteriormente se viu estar errada [cfr. informação da Equipa da DGRSP-VE, de 17maio2023 (ref. 23379376)], pelo que a válida será a da ..., mesmo que tecnicamente fosse possível a instalação de UML (unidade de monotorização local), certo é que face à proximidade de localização da residência da vítima (160m) opera risco de eficácia da proteção desta – razão da pena acessória, necessariamente de forma íntima ligada à principal.
E aqui cumpre lembrar, desde já, que o RPH significa que o condenado tem de permanecer na habitação onde estão instalados tais meios de vigilância eletrónica, pelo tempo de duração da pena de prisão efetiva, sem prejuízo de ausências autorizadas. Quanto a esta permanência efetiva e constante num determinado local e nas limitações do mesmo, por paradigmático, há que compreender o relacionamento e a visão que se impõe ao condenado quanto à sua casa/habitação como sinónimo de prisão. De facto, é manifesto que, com a aplicação do RPH se cria uma tão específica quão total responsabilização para o condenado, porquanto além de ficar obrigado a cumprir as regras que lhe são impostas pode, se trabalho regular e viável tiver, sustentar-se a si e à família, investir em si próprio, na sua formação e educação, tratar-se, tudo sem que se encontre dependente das possibilidades/oportunidade limitadas e disponíveis em ambiente prisional. A autoresponsabilização é essencial na reintegração social. Só um condenado que tenha adquirido a consciência de que a sua situação judicial e, como tal, o seu futuro, depende exclusivamente de si e da sua capacidade de sozinho cumprir as regras que lhe sejam impostas em RPH, pois apenas a sua vontade o impede de abrir a porta de casa e sair – não existem grades ou guardas que o impeçam - está apto a ver ser executada a pena de prisão efetiva em RPH. (neste sentido, cfr. Carla Oliveira, Magistrada Judicial, Regime de Permanência na Habitação, citada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juíza Desembargadora Paula Natércia Rocha. 13janeiro2021, NUIPC 186/20.8PTPRT.P1, não publicado, do qual dispomos de cópia em suporte físico) Não podendo, por seu turno, deixar de ser ponderado o risco que um eventual incumprimento possa representar para a vítima, uma vez que muito diferente é o reporte pelo sistema de vigilância eletrónica duma perda da monitorização do condenado, compatível com a sua saída, não autorizada, do espaço habitacional monitorizado, mas em que haja tempo de colocar meios policiais e da própria Equipa da DGRSP-VE em ação antes de operar uma aproximação à vitima, outra coisa, diametral e estruturalmente oposta, é a situação de, face a uma elevada proximidade de residências, mesmo antes de operar razão para alarme face à referida perda de monitorização, já ser possível o contacto proibido.
No que tange a necessidade de consentimento das pessoas maiores de 16 (dezasseis) anos que coabitem com o Arguido desconhece-se - por ora e para os efeitos de objeto de recurso – que exista qualquer obstáculo nesse sentido.
Isto visto, dir-se-á, desde já que a execução da pena de prisão efetiva em RPH, face às limitações que condicionam a adequada possibilidade de instalação dos meios técnicos de controlo à distância, se mostra com difícil viabilidade, quando conjugada a pena principal com as penas acessórias, àquela umbilicalmente ligadas.
Entrando agora no campo da prevenção – nunca das referências de culpa, ao contrário do que o Arguido fez – importa referir, sem prejuízo do supra, que toda a realidade inerente às dificuldades de concreta aplicação de RPH mais se adensam quando se atenta nas circunstâncias de o Arguido, hodiernamente com 37 anos, viver antes da reclusão inserido no agregado familiar parental (onde também coabitam duas irmãs germanas), este com uma situação socioeconómica deficitária, ser pessoa com percurso laboral na área da construção civil pautado por inconsistência, padecer de longo percurso de hábitos de abuso de adição alcoólica (sendo que foi também em momentos desses que levou a cabo ao factos, assim evidenciando a sua personalidade agressiva e destemperada, tudo na certeza de que em sede prisional de tais consumos está impedido, mas em termos habitacionais nada nesse sentido está garantido), com antecedentes de abandono de tratamento e sem hodierno espelho de consciencialização vera da sua pessoal situação e inerente necessidade de aceitação de intervenção terapêutica, já ter sido autor [com início de carreira delitiva já com 2 (duas) décadas e reportado a 5fevereiro2004] de 15 (quinze) crimes, contar já com 7 (sete) condenações, por decisões transitadas em julgado em momento anterior aos factos dados como definitivamente provados nestes autos, “onde avultam os crimes eminentemente pessoais ou que igualmente afetam bens pessoais, pelos quais foi, inclusivamente, condenado em penas de prisão efetivas, em medida já relevante”, sendo pessoa que vem percorrendo a “escadaria gradativa” das penas, sem que por via dessa privação pessoal revele “qualquer efeito inibidor na sua conduta”, antes demonstrando que mesmo perante a oportunidade de penas de substituição, que não soube respeitar, e mesmo perante cumprimento de penas de prisão efetivas intramuros, possui uma personalidade que espelha “uma preocupante propensão para a prática de ilícitos que faz recear a reiteração da sua conduta, levando a um juízo reservado sobre a sua capacidade de ressocialização”. Mas mais, tal indiferença é ainda mais gritante quando é certo que parte dos factos dados como definitivamente provados nestes autos foram praticados na pendência da temporalidade de suspensão de execução da pena de prisão aplicada no NUIPC 226/21.3PHAMD, a determinar, por quem de direito, oportuna chamada à colação do art. 56.º/1b)CP, mas aqui a desde já revelar e, como tal, ponderar, o quanto tal manifesta em termos de indiferença do Arguido quanto à necessidade de não atuar, nem viver, com esta reiterada e problemática postura avessa aos valores ético-jurídicos tutelados pelo direito penal, com menosprezo pelos bens jurídicos preservados pelos ilícitos em questão. Ou seja, se por um lado os antecedentes criminais do Arguido per se se encarregavam de liminarmente muito afastar tal possibilidade, por outro lado a temporalidade dos factos pelos quais ora vai condenado, com relação àquela – mais uma – oportunidade consubstanciadoras de pena de substituição, irradiam tal viabilidade.
Dir-se-á, ainda, que apesar de não serem conhecidos indícios de rejeição social, o certo é que a conduta delituosa do Arguido evidencia uma personalidade tão agressiva e impulsiva quão indiferente às várias condenações anteriormente sofridas. Ora, uma personalidade assim avessa às imposições jurídico-penais – de que são reflexo os antecedentes criminais (as condenações sofridas) – bem como os comportamentos adotados, não só revela indiferença face às plurais condenações anteriormente sofridas onde oportunidades lhe foram concedidas, como compromete qualquer prognóstico de adesão à obrigação que caracteriza o regime de permanência na habitação – no que se incluem, necessariamente, quaisquer regras de conduta de reporte ao art. 43.º/4CP e em especial que conduzissem ao tratamento da sua problemática de alcoolismo – e, como tal, inviabiliza o juízo favorável no sentido de que esta forma de execução/cumprimento da pena de prisão efetiva satisfaz as necessidades de prevenção especial. Permitir que a pena de prisão efetiva aplicada, ainda que no sobejante inferior a 2 (dois) anos, face a desconto, fosse executada em RPH com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, mesmo perante a necessidade de ponderação de ultima ratio que a execução da pena de prisão efetiva intramuros acarreta face aos inconvenientes associados (apesar de a mesma não ser novidade para o Arguido, pois já foi sujeito ao cumprimento de várias penas de prisão efetivas intramuros, ab initio ou por revogação das de substituição), seria permitir ao Arguido continuar a acreditar que existe sempre mais uma oportunidade, sendo que, até agora, as inúmeras concedidas não as soube aproveitar.
Recapitulando, no caso concreto à saciedade se vê que não é relevante preservar o Arguido do efeito criminógeno da reclusão. De facto já pela mesma o Arguido passou, como já passou por ameaças da mesma e nada fez, mostrando-se alheio e indiferente, continuando a delinquir. A “prisão efetiva não é, para si, uma realidade abstrata, mas algo por si vivenciado e que, julgar-se-ia, procuraria evitar.” Assim não o quis o Arguido e, como tal, nada há a preservar nesse sentido.
Inexistem, pois, fundamentos para o condenar numa pena de prisão efetiva, a executar no sobejante, por desconto, inferior a 2 (dois) anos, em RPH.
E assim é, mesmo que no caso se entenda que se trata de uma pena de natureza curta, mais quando face ao dito desconto, à data do presente Acórdão (21maio2024) já bem inferior a 2 (dois) anos. Face a todo o quadro citado entende-se ser este um caso paradigmático do efeito “sharp-short-shock”, de cumprimento efetivo da pena de prisão no Estabelecimento Prisional. Neste sentido Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 360), pronuncia-se sobre o efeito de sharp-short-shock , dizendo que “uma pena de prisão curta (ou mesmo curtíssima) duração v.g. de alguns dias, seria necessária e útil em alguns casos, como única forma de convencer o agente da gravidade do crime praticado e, mesmo, de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma infringida”, contribuindo para que o Arguido se consciencialize quanto à gravidade das suas condutas e consequências daí decorrentes e se afaste – de futuro – da prática de novos crimes. (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, rel. Juíza Desembargadora Laura Goulart Maurício, 12julho2023, NUIPC 1364/22.0GBLLE.L1, acessível in www.dgsi.pt/jtre) A ver vamos se será com esta que o Arguido percebe que há que inverter rumo, pois a assim não ser só acumulará curriculum que o poderá levar à ponderação de delinquente por tendência.
Por último em função dos bens jurídicos violados pelo Arguido, impõe-se uma censura penal que transmita maior confiança dos cidadãos no sistema de justiça e sobretudo no que respeita ao sentimento de segurança face à violação da norma, atenta a conhecida existência de um número assustador de mulheres vítimas de maus tratos que continuam, ainda, nos dias que correm, a sofrer esse flagelo. Afigura-se-nos, pois, em termos de prevenção geral positiva, que o sentimento de impunidade relativamente ao recorrente, por parte da comunidade, facilmente poderia instalar-se, se permitindo ao mesmo fosse a execução da pena de prisão efetiva em RPH.
E daí, também, a necessidade de os Tribunais estarem em sintonia as mudanças de mentalidade e atitudes que a comunidade divulga, assim melhor e inteiramente exercendo as suas funções e competências, as quais aqui passam pela emanação de sinais claros no sentido de que a justiça penal não condescenderá com este tipo de condutas, as quais constituem nas sociedades modernas um escândalo traduzido em verdadeiro atentado a princípios básicos de dignidade e respeito aos direitos humanos. Esta necessidade de adaptação e resposta às mudanças sociais é crucial para manter a relevância e a eficácia do sistema judicial. Ao acompanhar e refletir as evoluções na mentalidade coletiva, os Tribunais não apenas reafirmam o seu papel como guardiões da Justiça, mas também contribuem para a consolidação de uma sociedade mais justa e equitativa.
Tudo determina no presente caso, como se disse, a plena afirmação de que são muito elevadas as necessidade de prevenção especial e geral.
Perante o percurso criminal do Arguido, perante o quanto a sociedade sente quando confrontada com a prática do crime que o Arguido praticou, a execução da pena de prisão efetiva em RPH não iria satisfazer a finalidade inerente. Os argumentos do Arguido, como já se disse fundados essencialmente nas questões que o Tribunal valorou ao nível da culpa, e não, como se exigia, que antes se fundassem num ataque de forma válida ao nível da prevenção, não são de todo relevantes para se determinar o cumprimento da pena de prisão efetiva nos moldes por si solicitados.
Finalizando a argumentação. Diz-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (rel. Juiz Desembargador Luís Teixeira, 24maio2023, NUIPC 564/22.8PCCBR.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc) que “IX- O cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação visa, essencialmente, os casos de agente por regra primário ou ocasional ou quando a prevenção geral e/ou especial não reclamem, de um modo suficientemente premente, o cumprimento da pena em regime fechado e quando, concomitantemente, se pretenda evitar o contacto do condenado com o sistema prisional mantendo-o, em contrapartida, inserido no meio familiar, social e profissional. X – O persistente desrespeito pelas regras sociais, a inexistência de hábitos de trabalho, o consumo de droga e estilo de vida instável e precário não permitem formular um juízo de prognose favorável ou positivo no sentido de que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação se traduziria numa efectiva reinserção social, ao mesmo tempo que protegeria o bem jurídico em causa.” Transpondo esta argumentação para o caso dos autos, comparando o aqui dito e os factos provados de reporte ao Arguido, fácil se vê que não é, pois, possível determinar o cumprimento/execução da pena de prisão efetiva em RPH.
A pena de prisão efetiva a cumprir sê-lo-á intramuros, em Estabelecimento Prisional, não merecendo, pois, qualquer reparo a sentença recorrida.

III – DECISÃO
Nestes termos, em conferência, acordam os Juízes que integram a 5.ª Secção Penal deste Tribunal da Relação de Lisboa:
a. em negar provimento ao recurso interposto pelo Arguido AA, no que versa sobre matéria de direito –execução/cumprimento da aplicada pena de prisão efetiva em RPH - e, consequentemente, confirmar na íntegra a decisão do Tribunal a quo.
Custas criminais a cargo do Arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS, nos termos dos art.s 513.º/1;514.º/1;524.ºCPP, e Tabela III anexa de reporte aos art.s 1.º;2.º;3.º/1;8.º/9, acrescidas dos encargos previstos no art. 16.º, ambos RCP (DL34/2008-26fevereiro e alterações subsequentes).
Notifique (art. 425.º/6CPP).
D.N.

Lisboa, 21maio2024, data eletrónica supra.
• o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários; com datação eletrónica – art. 153.º/1CPC e com aposição de assinatura eletrónica - art. 94.º/2CPP e Portaria 593/2007-14maio
Manuel José Ramos da Fonseca
João António Filipe Ferreira
Ester Pacheco dos Santos