Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MICAELA SOUSA | ||
Descritores: | INSTÂNCIA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE RECURSO CUSTAS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/02/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE SENTENÇA ARBITRAL | ||
Decisão: | DECLARADA EXTINTA A INSTANCIA | ||
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Sumário: | I – A instância pode extinguir-se por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, o que se verifica quando, por facto ocorrido na sua pendência, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida, situação em que não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir por já não ser possível o pedido ter acolhimento ou o fim visado com a acção ter sido atingido por outro meio. II - No âmbito do recurso ordinário, os factos supervenientes são aqueles que ocorreram ou foram conhecidos pela parte depois do encerramento da discussão em 1ª instância, ou seja, num momento em que a sua alegação já não era admissível; tais factos supervenientes podem relevar no procedimento de recurso em duas situações: podem integrar-se na matéria considerada na instância recorrida; podem respeitar a matéria específica dos recursos. III - Uma circunstância posterior à interposição do recurso pode retirar o interesse processual do recorrente e determinar a inutilidade superveniente da lide (ou melhor, da impugnação) e a consequente extinção dessa instância. IV – Assim, na instância de recurso podem ser alegados os factos que determinam aquela inutilidade superveniente, o que não contraria a proibição do ius novorum, pois o que esta impede é a alegação de factos novos como fundamento do recurso e não a faculdade de invocar factos supervenientes que relevam para a aferição dos pressupostos processuais. V - Na repartição da responsabilidade dos custos do processo arbitral, os árbitros podem fixar os encargos com o processo em função do decaimento na arbitragem, sem prejuízo de poderem usar de alguma equidade, quando, face ao comportamento processual das partes, se justifique uma repartição igualitária dos encargos. VI – Ainda que a demandada/recorrente não se tenha oposto ao direito da demandante/recorrida, o seu requerimento de Autorização de Introdução no Mercado de medicamento genérico na vigência dos direitos da propriedade industrial desta, é causa da propositura da acção no tribunal arbitral, havendo fundamento para a condenar na responsabilidade pelos custos em função do seu decaimento. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa * I – RELATÓRIO A., sociedade sedeada em New Jersey, Estados Unidos da América intentou acção arbitral contra B. alegando ser titular da Patente Europeia n.º 734 381, que tem a epígrafe “Antagonistas de Receptores de Taquininas à base de Morfolina e Tiomorfolina”, pedida ao Instituto Europeu de Patentes, em 13 de Dezembro de 1994, tendo vigorado até 13 de Dezembro de 2014 e do Certificado Complementar de Protecção n.º 159, e que ao abrigo dos direitos conferidos por estes dois instrumentos comercializa o medicamento que contém como substância activa Aprepitant, sob o nome comercial “Emend”, invocando os seus direitos de propriedade industrial emergentes da referida patente. O Tribunal Arbitral foi formalmente instalado em 27 de Junho de 2017, conforme Acta de Instalação que consta de fls. 4 a 17 dos autos. No dia 13 de Setembro de 2017, a A. apresentou petição inicial na acção principal deduzida contra a B. em que alega que é a titular das autorizações de introdução no mercado (AIM), do medicamento de referência Emend®, disponível nas dosagens de 80 mg, 125 mg e (80mg+125mg) que contém Aprepitant como substância activa e pertence ao grupo de medicamentos denominado “antagonistas do receptor de neuroquinina 1 (NK1)” (antieméticos e antinauseantes), tendo a demandada, B., apresentado junto do INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, três pedidos de Autorização de Introdução de Medicamento (AIM) para medicamentos genéricos contendo a substância activa Aprepitant, pedidos publicados na lista de 15 de Julho de 2016, nos termos do artigo 15º-A do DL 176/2006, de 30 de Agosto, e que constituem condição legal para a comercialização de qualquer medicamento uma vez concedidas as AlMs para comercializar os Genéricos Aprepitant, o que fará em violação dos direitos de propriedade industrial da demandante, pelo que formula os seguintes pedidos: · A condenação da demandada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, diretamente ou através de terceiros, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer qualquer medicamento genérico que contenha como substância activa Aprepitant, incluindo, mas não apenas, aqueles cujos pedidos de AIM se encontram identificados no artigo 104º da petição inicial, enquanto o CCP 159 se encontrar em vigor; · A condenação da demandada, com vista a garantir o exercício dos direitos da Demandante, a não transmitir a terceiros as AIMs, ou seus pedidos, melhor identificadas no artigo 104.º da petição, até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos; · A condenação da demandada, nos termos do artigo 829º-A do Código Civil, a pagar à Demandante uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 3 000,00 (três mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida nos termos do acima requerido; · A condenação da demandada a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente ação arbitral, e ainda a reembolsar a Demandante das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas, pagas pela Demandante em seu nome ou em suprimento da sua falta pela Demandada. A B. não deduziu oposição. Em 29 de Setembro de 2018, o Tribunal Arbitral proferiu o Primeiro Despacho com o seguinte conteúdo: “Em conformidade com a Acta de Instalação deste Tribunal Arbitral, a Demandante apresentou, em 13 de Setembro de 2017, a sua Petição Inicial, tendo a Demandada sido notificada, em 22 de Setembro de 2017, para apresentação da sua Contestação. Até à data, e depois de ultrapassado o prazo de que, nos termos da Acta de Instalação, a Demandada dispunha, a Demandada optou por não contestar a presente acção. Na sua Petição Inicial, a Demandante deduziu os seguintes pedidos. · Condenação da Demandada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, directamente ou através de terceiros, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer qualquer medicamento genérico que contenha como substância activa Aprepitant, incluindo, mas não apenas, aqueles cujos pedidos de AIM se encontram melhor identificados no artigo 104.º da Petição Inicial, enquanto o CCP 159 se encontrar em vigor; · Condenação da Demandada a não transmitir a terceiros as AIMs, ou seus pedidos, melhor identificadas no artigo 104.º da Petição Inicial, até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos; · Que, nos termos do artigo 829.°-A do Código Civil, fosse a Demandada condenada a pagar à Demandante urna sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 3.000,00 (três mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida em razão dos dois pedidos anteriores; e · Condenação da Demandada a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente acção arbitrai, e ainda a reembolsar a Demandante das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas, pagas pela Demandante em seu nome ou em suprimento da sua falta pela Demandada. Importa, assim, apurar as consequências que, relativamente a cada um dos pedidos deduzidos pela Demandante, resultam da falta de contestação pela Demandada. Para esse efeito, cabe era primeiro lugar notar que a Acta de Instalação não prevê qualquer solução específica para a falta de apresentação de Contestação, importando por isso recorrer ao que se dispõe na Lei n.º 62/2011, de l2 de Dezembro, e nos artigos 1082º a 1085´º do Código do Processo Civil, para os quais a Acta de Instalação, por opção das Partes, também remete. Neste contexto, e analisando individualmente cada um dos pedidos deduzidos pela Demandante, decide-se: · No que se refere ao primeiro pedido, e tendo em conta o disposto no número 2 do artigo 3º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, declara-se este pedido como procedente, condenando a Demandada nos exactos termos peticionados pela Demandante, sem necessidade de fundamentação adicional, tendo em conta que a falta de contestação tem por efeito, nos termos expressos da mesma disposição legal, que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados pela Demandante. Fica assim a Demandada condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, directamente ou através de terceiros, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer qualquer medicamento genérico que contenha como substância activa Aprepitant, incluindo, mas não apenas, aqueles cujos pedidos de AIM se encontram melhor identificados no artigo 104º da Petição Inicial, enquanto o CCP 159 se encontrar em vigor. · No que se refere ao segundo pedido, cumpre, antes de mais, verificar se a eventual transmissão das AIMs a terceiros se inscreve no conteúdo do conceito de “exploração industrial ou comercial” a que se refere o número 2 do artigo 3.° da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro. Com efeito, sendo esse o caso, não poderá o segundo pedido formulado pela Demandante deixar de ser considerado procedente, atento o efeito cominatório previsto na disposição legal em apreço. Pelo contrário, na medida em que não se insira no âmbito do referido conceito de “exploração industrial ou comercial”, o segundo pedido em apreço apenas poderá considerar-se procedente se uma apreciação do mérito do mesmo pedido depuser nesse sentido. É, assim, com este enquadramento que o Tribunal entende que se devem distinguir as situações em que a transmissão das AIMs configure já um primeiro acto de “exploração industrial ou comercial” e aquelas outras situações em que a referida transmissão não se inscreva ainda nesse âmbito. A título exemplificativo, relevarão do primeiro grupo de casos as situações em que Demandada venha a optar por não explorar directamente os medicamentos genéricos a que se referem as AIMs, transferindo estas AIMs, a título oneroso, para terceiros, com o objectivo de propiciar a estes terceiros essa mesma exploração directa (e, assim, apropriando-se imediata e antecipadamente da contrapartida dessa transmissão em detrimento de se apropriar antes do produto da posterior venda dos medicamentos genéricos que venham a ser produzidos). Com efeito, neste caso, a transmissão das AIMs não pode deixar de ser vista, numa lógica de racionalidade empresarial que se presume, corno a opção que a Demandada, segundo o seu exclusivo critério, terá adoptado para para explorar industrial e comercialmente o bem a que as mesmas AIMs se referem. Pelo contrário, já relevarão do segundo caso aquelas situações em que a Demandada se limite a transferir as AIMs para outras entidades, por exemplo, numa lógica de mera reestruturação interna, no seio do grupo em que se a Demandada se integra. Deste modo, em face do disposto no número 2 do artigo 3º da Lei n.º 62/20 l 1, de 12 de Dezembro, deve a Demandada ser condenada a não transmitir as A[Ms a terceiros quando, subjacente a essa transmissão, esteja uma lógica de “exploração industrial ou comercial” das mesmas AIMs. Pelo contrário, quando não seja possível identificar na transmissão das AIMs o início da “exploração industrial ou comercial” das mesmas AIMs, o segundo pedido aqui em consideração não poderá proceder. Na verdade, na parte em que o destino deste pedido deixe de depender do efeito cominatório previsto no número 2 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro para passar a ficar dependente da análise do respectivo mérito, não vê este Tribunal razão para se afastar do entendimento que vem sendo seguido pelos Tribunais Judiciais superiores, conforme esse entendimento se encontra, a título exemplificativo, enunciado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2015 (Proc. 747/13.1YRLSB.S1), disponível em http://www.dgsi.ot/isti.nsf/-/B09298597858C0EA80257E4B00540124. Assim, exactamente pelas mesmas razões constantes da mesma decisão (em particular no se que se refere à relevância que, no caso, deve ser atribuída ao artigo 263.º, número 3, do Código do Processo Civil), tem este Tribunal por certo que a decisão que, no presente processo, veda a “exploração industrial e comercial das AIMs” até à caducidade dos direitos invocados pela Demandante nos presentes autos será oponível a qualquer terceiro para o qual a Demandada venha a transmitir as AIMs. Decide-se assim pela procedência, apenas parcial, do segundo pedido deduzido pela Demandante, condenando-se a Demandada a não transmitir a terceiros as AIMs, ou seus pedidos, melhor identificadas no artigo 104.º da Petição Inicial, até à data de caducidade dos direitos reclamados pela Demandante no presente processo, quando, a essa transmissão, esteja subjacente uma lógica de “exploração industrial ou comercial”, nos termos e para os efeitos do número 2 do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro. · O terceiro pedido […] · No que se refere ao quarto pedido, começa este Tribunal por decidir fixar definitivamente os honorários dos Árbitros e do Secretário do Tribunal, em função do disposto na § 18.1.2 da Acta de Instalação, no valor global de EUR 7.500,00 e EUR 500,00, respectivamente, em ambos os casos acrescidos de IVA à taxa em vigor. Por outro lado, em função da evolução que o processo teve e que se traduziu na omissão de contestação pela Demandada, que assim deu causa ao desenvolvimento do presente litígio até esta fase, e em ponderação adicional da decisão tomada a respeito de cada um dos pedidos que antecedem, entende-se como adequado que os custos antes referidos sejam suportados pela Demandada, em 60% do seu valor, correndo pela Demandante os remanescentes 40% desses custos. Decide-se assim declarar parcialmente procedente o quarto pedido deduzido pela Demandante, notificando-se assim a Demandante e a Demandada para que, no prazo de 10 dias, procedam aos pagamentos a seguir indicados: · Pela Demandante: a. Para a conta com o IBAN ..., o valor de EUR 1.000,00, correspondente a 40% dos honorários do Árbitro indicado pela Demandante; b. Para a conta com o IBAN ..., o valor de EUR 1.000,00, correspondente a 40% dos honorários do Árbitro indicado pela Demandada; c. Para a conta com o IBAN ...., o valor de EUR 1.000,00, correspondente a 40% dos honorários do Árbitro Presidente; e d. Para a conta com o IBAN ...., o valor de EUR 200,00, correspondente a 40% dos honorários do Secretário; · Pela Demandada: e. Para a conta com o IBAN ...., o valor de EUR 1.500,00, correspondente a 60% dos honorários do Árbitro indicado pela Demandante; f. Para a conta com o MAN ..., o valor de EUR (500,00, correspondente a 60% dos honorários do Árbitro indicado pela Demandada; g. Para a conta com o IBAN ..., o valor dc EUR 1.500,00, correspondente a 60% dos honorários do Árbitro Presidente; e h. Para a conta com o IBAN ... o valor de EUR 300,00, correspondente a 60% dos honorários do Secretário.” Inconformada com esta decisão, a demandada B. interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as respectivas alegações do seguinte modo: A. A Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo tribunal recorrido na parte em que condenou, parcialmente, a Recorrente não transmitir as AIMs e ainda na parte que a condenou no pagamento de 60% dos encargos arbitrais. B. A decisão do Tribunal Arbitral padece de erro na interpretação e aplicação da lei sendo contraditória com a jurisprudência uniformizada do Tribunal da Relação quanto à necessária improcedência dos pedidos de condenação de não transmissão das AlMs. C. Segundo o Tribunal Arbitral a transmissão da AIM poderá constituir uma "exploração industrial ou comercial", mas tal entendimento não reflete o disposto no normativo indicado pelo próprio Tribunal Arbitral, isto é o artigo 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011. D. O artigo 3º, n.º 2 refere que o requerente ficará impedido de iniciar a exploração industrial ou comercial do medicamento genérico. E. O artigo 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011 não se refere a uma proibição de exploração da autorização de introdução no mercado, caso contrário aquela norma estaria em contradição com o artigo 4º da Lei n.º 62/2011, isto é a alteração do artigo 19º n.º 8 do Estatuto do Medicamento. F. Se a AIM não viola direitos de propriedade industrial, a sua transmissão também não poderá constituir uma violação de direitos de propriedade industrial. G. O artigo 101°, n° 1 e 2, do Código da Propriedade Industrial (CPI), identifica os direitos dos titulares de direitos de propriedade industrial e neste conjunto de direitos não se vislumbra nenhum que habilite as Recorrentes a procurar impedir a transmissão de AIM. H. A proibição de transmissão da AIM é uma limitação da própria eficácia da AIM, a que foi parcialmente suspensa pelo Tribunal Arbitral, tornando-a parcialmente intransmissível durante a vigência da patente/CCP. I. O artigo 179º, nº 2, da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, estabelece que a AIM não pode ser alterada, suspensa ou revogada, com fundamento na existência de direitos de propriedade industrial. J. Se a AIM da Recorrente para um medicamento genérico aprepitant não viola nenhuma patente ou CCP, por maioria de razão, a transmissão dessa mesma AIM a terceiros também é insuscetível de violar a patente ou o CCP de que a Recorrida se arroga titular. K. O Tribunal Arbitral incorreu numa interpretação errónea do artigo 179º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 62/2011. L. O Tribunal Arbitral faz uma incorreta interpretação do artigo 263º, n.º 3 CPC, porquanto invoca aquele artigo para justificar a condenação da Recorrente quando, na verdade, aquela norma impõe uma absolvição da Recorrente porquanto já identifica quais os efeitos da sentença relativamente a transmissários do direito. M. O Tribunal Arbitral refere um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que perfilha uma interpretação totalmente àquela que foi adotada na decisão recorrida. Naquele acórdão o Supremo Tribunal de Justiça refere o artigo 263º, n.º 3 do CPC exatamente para fundamentar que a Demandada deverá ser absolvida do pedido de proibição de transmissão das AIMS. N. Toda a jurisprudência superior tem vindo a decidir no sentido contrário à proibição da transmissão das AIMs, isto é em sentido contrário ao perfilhado pelo Tribunal Arbitral. O. O tribunal recorrido condenou a Recorrente no pagamento de 60% dos encargos arbitrais, com fundamento no facto de que a Recorrente não apresentou contestação e que, por esse motivo, deu causa à ação. P. O Tribunal Arbitral incorreu em erro de interpretação do artigo 3º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 62/2011. Q. O único ato da Recorrente foi, apenas exclusivamente, apresentar um pedido de autorização de introdução no mercado, ou seja, a Recorrente não praticou um único ato de violação de direitos de propriedade industrial. R. A Recorrente não contestou a petição inicial deduzida pela Recorrida, conformando-se com a cominação decorrente do disposto no artigo 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011 de 12 de dezembro, precisamente porquanto não tinha - e não tem, interesse em litigar o processo. S. Segundo a Lei n.º 62/2011, muito embora o pedido de AIM não possa ser alterado, suspenso ou revogado com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, o seu requerente ver-se-á confrontado com uma arbitragem necessária após apresentar tal pedido. T. Os requerentes de pedidos de AIM vêm-se confrontados com processos arbitrais sem qualquer fundamento, para além da apresentação daquele pedido (que, como vimos não constitui qualquer violação de direitos de propriedade industrial), como aliás ocorreu nos presentes autos. U. Tendo a Recorrente apenas apresentado um pedido de AIM que, como vimos não é violador de qualquer direito de propriedade industrial, não pode considerar-se que tenha dado causa à ação e consequentemente não poderá ser condenada no pagamento integral das custas de um processo que não conseguiu evitar. V. Toda a atuação da Recorrente foi direcionada a evitar que fossem praticados atos processuais inúteis, apenas se poderá concluir que caberá à Recorrida o pagamento dos encargos decorrentes dessa atividade processual. W. A jurisprudência do Tribunal da Relação tem seguido um entendimento diametralmente oposto àquele que foi seguido pelo Tribunal Arbitral. Nestes termos […] o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral deverá ser revogado e substituído por outro que: A. Absolva a Recorrente do pedido de proibição de transmissão da AIM, e B. Absolva a Recorrente do pagamento dos encargos arbitrais. A demandante/recorrida apresentou contra-alegações em que dá conta que os pedidos de AIM objecto do processo arbitral foram cancelados, a pedido da própria recorrente, no dia 5 de Julho de 2017, conforme resulta do teor da certidão do Infarmed, I. P., com data de 5 de Novembro de 2018, que junta e que obteve na sequência de pedido por si dirigido àquele instituto, depois de ter consultado a lista da “Publicação para efeitos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto” verificando que nela já não constava nenhum pedido de AIM efectuado pela recorrente. Sustenta a recorrida que, considerando-se a instância arbitral iniciada na data em que o pedido de submissão do litígio a arbitragem é recebido pela demandada, esta iniciou-se no dia 11 de Agosto de 2016 e o cancelamento do pedido das AIMs ocorreu no dia 5 de Julho de 2017, sendo facto posterior à instauração da acção arbitral; face ao cancelamento dos pedidos de AIMs deixou de existir qualquer possibilidade de a recorrente transmiti-los a terceiros, pelo que se tornou inútil o recurso à tutela judicial relativa ao pedido de proibição de transmissão das AIMs, pelo que deve ser julgada extinta a instância relativamente a este pedido de condenação da B. a não transmitir a terceiros as AIMs ou os relativos a medicamentos genéricos contendo Aprepitant como substância activa, não havendo que conhecer do objecto do recurso nesta parte. A recorrida sustentou, contudo, que a decisão arbitral, nessa parte, sempre deveria manter-se inalterada, pois que a condenação na proibição de transmissão a terceiros visa assegurar o cumprimento da condenação de não explorar comercialmente os medicamentos genéricos contendo Aprepitant como substância activa. Pugna ainda pela manutenção da decisão recorrida quanto à distribuição dos encargos com o processo arbitral. Em 19 de Dezembro de 2018, o Tribunal Arbitral proferiu Segundo Despacho concedendo à recorrente a oportunidade de se pronunciar sobre a utilidade do recurso e para informar se mantém interesse no seu prosseguimento. A recorrente B. apresentou requerimento em que declarou manter interesse no recurso interposto, considerando que não recorreu no segmento decisório vertido na alínea a), que poderia ser afectado pelos factos supervenientes e que o fundamento do recurso incide sobre a revogação do decidido sob as alíneas b) e d). * II – OBJECTO DO RECURSO Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95. Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre questões novas - cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 97. Assim, impõe-se a esta Relação conhecer das seguintes questões: · Admissibilidade da junção de documento; · Inutilidade superveniente da lide; · Em caso de não verificação da inutilidade, viabilidade da condenação da demandada/recorrente na obrigação de não transmissão a terceiros das Autorizações de Introdução no Mercado de Medicamento (AIMs); · Repartição dos encargos do processo arbitral; Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir. * III - FUNDAMENTAÇÃO 3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra e ainda as seguintes: · Por comunicação datada de 10 de Agosto de 2016, a A.notificou a B. de que pretendia iniciar contra esta sociedade uma acção arbitral, tendo por objecto o exercício dos direitos que alegadamente lhe assistem, nos termos, nomeadamente, do art.º 101º do Código de Propriedade Industrial, e que emergem da Patente Europeia n.º 734381 e do Certificado de Protecção Suplementar n.º 159, relativamente a medicamentos genéricos que utilizam a substância activa aprepitant, incluindo, mas não limitando, os que se encontram indicados nessa comunicação. · Nos termos da carta referida em 1., o objecto do litígio relaciona-se com o exercício, pela demandante, dos direitos de propriedade industrial que entende que lhe assistem, nos termos, nomeadamente, do artigo 101.° do Código da Propriedade Industrial, em razão da titularidade da Patente Europeia n.º 734381 e do Certificado de Proteção Suplementar n.º 159, relativamente a medicamentos genéricos com a substância activa "aprepitant", tendo em conta, nomeadamente, mas não limitando, o pedido de três autorizações para introdução no mercado de medicamentos genéricos, contendo a referida substância activa e tendo em vista a obtenção, pela Demandante, de decisão que, nomeadamente, (i) impeça a prática pela Demandada de quaisquer actividades que constituam violação dos referidos direitos, ou que obstem à sua continuação, no caso de tal violação ter sido já cometida, e que, neste último caso, (ii) condene a Demandada em indemnização pelos prejuízos causados à Demandante por essa violação. · A petição inicial foi apresentada em 13 de Setembro de 2017. · Com data de 9 de Agosto de 2016, o Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. certificou, nos termos e para os efeitos do artigo 188º do DL 176/2006, de 30-08, que os seguintes elementos respeitam a pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamento contendo a substância activa Aprepitant que foram submetidos àquela Autoridade: Data da Publicação – 15-07-2016; Nome do Requerente da Autorização de Introdução no Mercado – B.; Morada do requerente da Autorização de Introdução no Mercado – Dielslweg, 25 3752 LB Bunschoten Holanda; Data do pedido – 1-06-2016; Substância do Medicamento – Aprepitant; DCI do medicamento – Aprepitant; Dosagem do medicamento – 80 mg; Forma farmacêutica do medicamento – Cápsula; Medicamento de Referência – Emend; Dosagem do medicamento de referência – 80 mg; Forma farmacêutica do medicamento de referência – Cápsula; Data da Publicação – 15-07-2016; Nome do Requerente da Autorização de Introdução no Mercado – B.; Morada do requerente da Autorização de Introdução no Mercado – ... Bunschoten Holanda; Data do pedido – 1-06-2016; Substância do Medicamento – Aprepitant; DCI do medicamento – Aprepitant; Dosagem do medicamento – 125 mg; Forma farmacêutica do medicamento – Cápsula; Medicamento de Referência – Emend; Dosagem do medicamento de referência – 125 mg; Forma farmacêutica do medicamento de referência – Cápsula; Data da Publicação – 15-07-2016; Nome do Requerente da Autorização de Introdução no Mercado – B.; Morada do requerente da Autorização de Introdução no Mercado – ... Bunschoten Holanda; Data do pedido – 1-06-2016; Substância do Medicamento – Aprepitant; DCI do medicamento – Aprepitant; Dosagem do medicamento – 80 mg + 125 mg; Forma farmacêutica do medicamento – Cápsula; Medicamento de Referência – Emend; Dosagem do medicamento de referência – (80 mg) + (125 mg); Forma farmacêutica do medicamento de referência – Cápsula. * 3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO Da Admissibilidade da junção de documento A recorrida juntou com as suas alegações um documento identificado como “Doc. N.º 1”, que constitui certidão emitida pelo Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P., constante de fls. 114 dos autos, onde se encontra aposta a data de 5 de Novembro de 2018, com o seguinte teor: “O INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. certifica, para os efeitos requeridos, que os pedidos de autorização de introdução no mercado (AIM) de medicamentos genéricos contendo aprepitant como substância ativa, na forma farmacêutica de cápsula, nas dosagens de 80 mg, 125 mg e 80 mg+125 mg, requeridos pela empresa Mylan, B.V., em 01 de junho de 2016, foram cancelados a pedido do requerente a 05 de julho de 2017. Esta certidão é composta pela presente folha, e destina-se a ser entregue à Senhora Dra. MV, advogada da sociedade VIEIRA DE ALMEIDA & ASSOCIADOS, SOCIEDADE DE ADVOGADOS, R.L. com sede na Rua Dom Luís I, n.o 28, 1200-151 Lisboa, que, na qualidade de mandatária da A., a requereu no dia 25 de outubro de 2018 (entrada n.º 012666), ao abrigo do disposto nos artigos 82.0, 84.0 e 85.0 do Código do Procedimento Administrativo e n.o 3 do artigo 188.° do Decreto-Lei n.o 176/2006, de 30 de agosto, na sua redação atual. Por ser verdade e para constar é passada a presente certidão que vai assinada e autenticada com o selo em uso nesta Autoridade Nacional.” No que diz respeito à possibilidade de junção de documentos em fase de impugnação de decisão arbitral deve aplicar-se o regime previsto para a junção de documentos em fase de recurso consagrado no CPC, atenta a circunstância de a própria Lei n.º 62/2011, de 12-12 estipular a possibilidade de recurso para o Tribunal da Relação competente, conforme decorre do respectivo art.º 3º, n.º 7, cuja tramitação segue as regras previstas para a apreciação do recurso de apelação, pois que em caso de recurso interposto de sentença arbitral proferida em arbitragem com sede em Portugal, os prazos e os trâmites são os previstos na lei processual aplicável (sendo que a admissibilidade do recurso foi também expressamente consignada pelas partes no ponto 9.10 da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral, prevendo-se no ponto 9. a regulação de aspectos processuais omissos pelas regras do Código de Processo Civil). No âmbito das regras processuais civis os momentos normais para a junção dos documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção e da defesa são: 1) com o articulado respectivo (cf. art. 423º, n.º 1 do CPC); 2) até ao encerramento da discussão em 1ª instância com multa (ou sem ela, se feita a prova da indisponibilidade no primeiro momento) – cf. n.º 2 do art. 423º. Depois do encerramento da causa, a junção de documentos apenas é admissível para aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior (art. 425º do CPC). Dispõe o art.º 651º, n.º 1 do CPC: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.” Por sua vez, o art.º 425º do CPC estatui que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.” Da conjugação destas normas resulta que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é considerada apenas a título excepcional) depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: · a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remissão do artigo 651º, n.º 1 para o artigo 425º; · o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este. A impossibilidade de apresentação anterior legitima as partes a utilizar no recurso, juntando-os com a motivação deste, documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento, ou seja, até ao julgamento em primeira instância, o que pressupõe aquilo que se refere como superveniência objectiva ou subjectiva do documento pretendido juntar, impondo-se que a parte demonstre a referida superveniência – cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 313; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5-05-2016, relator Manuel Bargado, processo n.º 788/13.9TBSTR.E1 disponível na Base de dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt. Quanto à impossibilidade de apresentação anterior, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem que “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação nos termos do art. 429 ou 432, só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objectiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjectiva]. Acresce o caso em que o documento, com que se visa provar um facto já ocorrido e alegado, só posteriormente se tenha formado (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial desse facto).” – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pág. 243. No que tange à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» - cf. Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pp. 533-534. Como tal, não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a sentença, ou seja, não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado. Na situação em apreço, a recorrida justifica a junção do documento em sede de contra-alegações referindo que apenas em Outubro de 2018, através de consulta à lista da “Publicação para efeitos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30-08”, tomou conhecimento que dessa lista não constava já nenhum pedido de AIM efectuado pela recorrente para medicamentos genéricos contendo Aprepitant como substância activa. Não obstante não estar comprovada essa consulta, nessa data, não existem dúvidas que os pedidos de AIM que a demandada/recorrente dirigiu ao Infarmed, I. P. existiram e que figuraram na lista publicada por esse Instituto, nos termos do art. 15º-A do DL 176/2006, de 30-08, sendo certo que não resulta da lei qualquer obrigação para os titulares de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência de proceder a uma verificação sistemática e constante do conteúdo da publicitação na página electrónica do Infarmed, I. P. para aferirem da subsistência ou não de pedidos de autorização de introdução no mercado de medicamentos, o que justifica que a recorrida apenas agora tenha tido conhecimento do facto em apreço. Além disso, notificada do conteúdo das contra-alegações da recorrida, a recorrente limitou-se a reiterar o seu interesse no prosseguimento da instância de recurso, sem se ter pronunciado sobre o momento do conhecimento por parte daquela sobre o cancelamento dos pedidos ou sobre a admissibilidade da junção da aludida certidão. Ademais, note-se que a junção de tal documento não visa demonstrar qualquer facto relevante para a apreciação da causa ou do objecto do recurso mas antes comprovar a verificação da inutilidade superveniente da lide pela qual a recorrida pugna. Assim, porque apenas já em sede de instância de recurso a recorrida teve conhecimento do cancelamento dos pedidos de autorização de introdução no mercado, verificado em 5 de Julho de 2017 e porque só então pôde solicitar o documento que atesta essa realidade, que data de 5 de Novembro de 2018, sendo, como tal, documento objectivamente posterior à decisão arbitral recorrida e emitido em virtude de um facto subjectivamente posterior, tem-se por verificado o circunstancialismo acima descrito que justifica a sua admissão nos autos. * Questão prévia – Inutilidade Superveniente da Lide A recorrida A. pugna no sentido de esta Relação se abster de conhecer do objecto do recurso no que respeita à proibição de transmissão de AIMs, ou dos seus pedidos, relativas a medicamentos genéricos contendo Aprepitant como substância activa, na forma farmacêutica de cápsula, nas dosagens de 80 mg, 125 mg e 80 mg + 125 mg, atenta a sua manifesta inutilidade face ao cancelamento de tias de pedidos de AIM, convocando o estatuído no art. 277º, alínea e) do CPC, por entender que o cancelamento dos pedidos de AIM constitui um facto posterior à data em que se considera instaurada a ação arbitral e torna inútil o prosseguimento da acção relativamente ao pedido de proibição de transmissão dos pedidos de tais AIM, pois não é possível transmitir algo que, em virtude do seu cancelamento, não existe. O artigo 44º, n.º 2 alínea c) da Lei de Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro – subsidiariamente aplicável à presente arbitragem, atento o estatuído no art. 3º, n.º 8 da Lei n.º 62/2011, de 12-12 e, bem assim, por via da estipulação vertida no ponto 9. da Acta de Instalação - prescreve que o tribunal arbitral ordena o encerramento do processo arbitral quando verifique que a prossecução do processo se tornou, por qualquer outra razão, inútil ou impossível. Trata-se de uma previsão legal que se destina a cobrir todos os restantes casos para além dos previstos nas duas alíneas anteriores que são os mais comuns: alínea a) – desistência do pedido por parte do demandante; alínea b) – as partes concordam em encerrar o processo. O modo normal de extinção da instância é o trânsito em julgado da sentença final ou do acórdão, seja uma decisão sobre a relação material controvertida, seja uma decisão de absolvição da instância. No entanto, entre os fundamentos para a extinção da instância figura, nos termos do disposto na alínea e) do art.º 277.º do CPC, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. Esta dá-se “quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.” – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 546. Está-se perante uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, quando devido a novos factos, verificados na pendência do processo, não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir, quando já não é possível o pedido ter acolhimento ou quando o fim visado com a acção foi atingido por outro meio – cf. Prof. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra 1946, pp. 368-369. Sobre esta questão o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-10-2015, relator Oliveira Abreu, processo n.º 122702/13.5YIPRT.P1 discorreu do seguinte modo: “Em síntese, a instância extingue-se por impossibilidade superveniente da lide, quando uma ocorrência processual torna a instância desnecessária. E parece claro que o exemplo mais flagrante de impossibilidade superveniente ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao objecto do processo, na pendência da causa, independentemente ou antes da decisão judicial. A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente impossível, ou seja, sempre que a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento do objecto do processo, determinando impossibilidade de atingir o resultado visado. Assim, sempre que não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer na acção, é claro que o processo não deve continuar, mas antes cessar. A instância extingue-se porque se tornou impossível o prosseguimento da lide. Verificado o facto, o Tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção. Face a este breve enunciado é apodíctico adiantar que o facto susceptível de determinar a extinção da instância por impossibilidade de lide além de dever ser superveniente, ou seja, de verificação ulterior, deve importar impossibilidade de atingir o resultado visado. Para a integração do conceito em causa é, pois, necessário averiguar, antes de tudo o mais, qual é o objecto da lide, determinado em razão da pretensão ou pretensões deduzidas pelo autor na sua petição inicial.” Também na decisão sumária singular do Tribunal da Relação de Coimbra de 5-12-2012, relator Henriques Antunes, processo n.º 1124/11.4TBTMR.C1 refere-se a respeito da inutilidade superveniente da lide: “A instância extingue-se ou finda de forma anormal de todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objecto, ou por motivo atinente à causa, a respectiva relação jurídica substancial se torne inútil, i.e. deixe de interessar a sua apreciação. A inutilidade da lide é, portanto, simples reflexo, no plano processual, da inutilidade da relação jurídica substancial, quer esta inutilidade diga respeito ao sujeito, ao objecto ou à causa. Sempre que o efeito jurídico que se pretendia obter com a acção se mostre supervenientemente inútil, é claro que o processo não deve continuar – mas antes cessar.” No caso concreto, a questão da inutilidade da lide não foi colocada perante o Tribunal Arbitral, tendo sido introduzida nos autos já iniciada a instância de recurso e no âmbito das contra-alegações deduzidas pela recorrida. No contexto dos recursos ordinários, os factos supervenientes são aqueles que ocorreram ou foram conhecidos pela parte depois do encerramento da discussão em 1ª instância, ou seja, num momento em que a sua alegação já não era admissível (cf. art. 588º, n.º 3, c) do CPC). Como explica o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, “Os factos supervenientes podem relevar no procedimento de recurso em duas situações: esses factos podem integrar-se na matéria considerada na instância recorrida; esses factos podem respeitar a matéria específica dos recursos.” – cf. Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa 1997, pág. 455. Quanto aos factos relativos a matéria específica dos recursos não se colocam dúvidas quanto à possibilidade da sua alegação na instância de recurso (por exemplo, factos que implicam a suspensão da instância pelo falecimento da parte). No que diz respeito aos factos supervenientes relativos à matéria apreciada na instância recorrida, a solução não se afigura tão indiscutível. No entanto, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa propugna no sentido da sua admissibilidade referindo que pode ser alegado um facto superveniente e apresentada a respectiva prova documental, tanto quando aquele facto e esta prova conduzam à confirmação da decisão impugnada, como quando impliquem a sua revogação - cf. op. cit., pág. 457. E neste contexto, admite também a invocação de factos supervenientes relativos à apreciação dos pressupostos processuais, exemplificando, precisamente, a situação em que durante o recurso o interesse processual desaparece por uma circunstância que implica a inutilidade superveniente da lide, afirmando que “sempre que ocorra qualquer facto superveniente com relevância para a apreciação dos pressupostos processuais, ele não pode deixar de ser considerado na instância de recurso.” – cf. op. cit., pág. 458. Não obstante a introdução de uma questão nova na instância recursiva, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa afasta qualquer contradição que a admissibilidade da invocação do facto superveniente, nessa sede, implicasse, face à proibição do ius novorum, o que faz nos seguintes termos: “Dado que a legitimidade para recorrer é aferida pelo interesse processual do recorrente, há que aceitar que uma circunstância posterior à interposição do recurso possa retirar-lhe esse interesse. Isto é, também na instância de recurso se pode verificar a inutilidade superveniente da lide (ou melhor, da impugnação) e a consequente extinção dessa instância (cfr. art.º 287º, al. e)). Esta conclusão pressupõe que na instância de recurso possam ser alegados os factos que determinam aquela inutilidade superveniente, o que parece contrariar a proibição do ius novorum e a caracterização dos recursos ordinários previstos na legislação processual civil portuguesa como recursos de reponderação. Mas a contradição é aparente. O que está afastado é a possibilidade de alegar factos novos como fundamento do recurso e não a faculdade de invocar factos supervenientes que relevam para a aferição dos pressupostos processuais […] nomeadamente aqueles que constituem uma causa de extinção da legitimidade para recorrer.” É precisamente o que sucede no caso em apreço. Atente-se na pretensão deduzida pela demandante/recorrida e no segmento da decisão arbitral colocado em crise por via do presente recurso e relativamente ao qual se pondera a inutilidade da apreciação da respectiva impugnação: pretendia a A., enquanto titular das autorizações de introdução no mercado (AIM) do medicamento de referência Emend®, disponível nas dosagens de 80 mg, 125 mg e (80mg+125mg) que contém Aprepitant e da Patente Europeia n.º 734 381 e do Certificado Complementar de Protecção n.º 159 e tendo tomado conhecimento da apresentação pela B. junto do Infarmed, IP de três pedidos de Autorização de Introdução de Medicamento (AIM) para medicamentos genéricos contendo a substância activa Aprepitant, obter a condenação desta a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, diretamente ou através de terceiros, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer qualquer medicamento genérico que contenha como substância activa Aprepitant, incluindo, mas não apenas, aqueles cujos pedidos de AIM se encontram identificados, enquanto o CCP 159 se encontrar em vigor e, ainda, a sua condenação na proibição de transmissão a terceiros das AIMs, ou seus pedidos, até à data de caducidade do Certificado Complementar de Protecção 159. Em face da não apresentação de contestação pela demandada/recorrente, o Tribunal Abritral proferiu decisão condenando-a a abster-se de comercialiazar qualquer medicamento genérico que contenha como substância activa Aprepitant, enquanto o CCP 159 se encontrar em vigor e, além disso, entendeu apreciar o pedido de não transmissão das AIMs a terceiros, o que fez condenando a demandada a não transmitir a terceiros as AIMs, ou os seus pedidos, até à data de caducidade dos direitos reclamados pela demandante. A parte do segmento decisório que condenou a demandada/recorrente a abster-se de comercializar o medicamento genérico com a substância activa Aprepitant transitou em julgado, porquanto dela aquela não recorreu, pois que, para além da questão da distribuição dos honorários, apenas se insurge quanto à condenação na proibição de transmissão das AIMs ou seus pedidos. De acordo com o disposto no art. 33º, n.º 1 da LAV, aplicável subsidiariamente (cf. art. 3º, n.º 8 da Lei n.º 62/2011, de 12-12), não existindo convenção das partes em contrário – como não existe neste caso - o processo arbitral relativo a determinado litígio tem início na data em que o pedido de submissão desse litígio a arbitragem é recebido pelo demandado. Como tal, dado que o Tribunal Arbitral considera-se formalmente instalado em 27 de Junho de 2017 e da respectiva Acta de Instalação consta que a carta de 10 de Agosto de 2016 através da qual a ora recorrida notificou a recorrente de que pretendia iniciar a presente acção arbitral, foi por esta então recebida (necessariamente em data anterior à Acta de Instalação), deve ter-se por verificada a proposição da acção em momento anterior ao cancelamento dos pedidos de AIMs, o que ocorreu em 5 de Julho de 2017. Assim, o facto com base no qual a recorrida sustenta a inutilidade da lide constitui um facto superveniente à propositura da acção. Além disso, o documento que certifica esse cancelamento data de 5 de Novembro de 2018 e, como dele consta, apenas em 25 de Outubro de 2018 a sua emissão foi solicitada pela ilustre mandatária da recorrida, o que depõe no sentido de que o facto ora alegado pela A. constitui, relativamente ao momento da decisão arbitral, um facto subjectivamente superveniente. A introdução no mercado nacional de medicamentos para uso humano está sujeita a autorização por parte do Infarmed, IP. Essa autorização depende do preenchimento de requisitos atinentes à qualidade, segurança e eficácia terapêutica do medicamento, tendo como objectivo primordial a protecção da saúde pública. É o que resulta do art. 14º do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo DL n.º 176/2006, de 30 de Agosto -08, com alterações introduzidas pelo DL n.º 182/2009, de 07-08, DL n.º 64/2010, de 09-06, DL n.º 106-A/2010, de 01-10, Lei 25/2011, de 16-06, Lei n.º 62/2011, de 12-12, Lei n.º 11/2012, de 08-03, DL n.º 20/2013, de 14-02, DL n.º 128/2013, de 05-09, Lei n.º 51/2014, de 25-08, Decreto-Lei n.º 5/2017, de 6 de Janeiro e Decreto-Lei n.º 26/2018, de 24 de Abril. A efectiva entrada no mercado dos medicamentos genéricos pressupõe que as patentes respeitantes aos medicamentos de referência tenham caducado. Mas, não obstante a patente do medicamento de referência não ter caducado, tem-se entendido que podem terceiros dar início à prática de actos administrativos preparatórios de uma futura comercialização de produto objecto da patente, antes mesmo desta caducar – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2018, relator Távora Victor, processo n.º 889/17.4YRLSB.S1 e de 20-05-2015, relator Orlando Afonso, processo n.º 747/13.1YRLSB.S1. Com efeito, a Lei n.º 62/2011, de 12-12, ao introduzir alterações ao Estatuto do Medicamento, aditou igualmente um art.º 23º-A, no qual expressamente se declara que o pedido que visa a obtenção de inclusão do medicamento na comparticipação não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial, e que a decisão a proferir sobre a inclusão ou exclusão de medicamento na comparticipação não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial. De todo o modo, a AIM constitui um pressuposto essencial para a entrada do medicamento no mercado. Ao titular da patente apenas assiste o direito de impedir o início da comercialização do medicamento, enquanto a sua patente não caducar. É neste enquadramento que a Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, na redacção anterior ao DL 110/2018, de 10-12, instituiu um regime de arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada, para a composição de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou certificados complementares de protecção. De acordo com o disposto no art. 3º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, de 12-12, a arbitragem é necessária quando o interessado pretende invocar o seu direito de propriedade industrial na sequência da publicitação prevista no art. 15º-A do DL 176/2006, de 30-08, onde se estatui que os pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos devem ser publicitados pelo Infarmed, IP na sua página electrónica. Após a publicitação referida, o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial relacionado com os medicamentos de referência e genéricos em causa tem o prazo de 30 dias para o fazer junto de um tribunal institucionalizado ou solicitar uma arbitragem não institucionalizada. Ainda que o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do art. 3º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011 não esteja obrigado a alegar e provar que houve violação daquele direito ou que existe ameaça de violação, a presente acção arbitral assentou, precisamente, nos pedidos de AIM apresentados pela recorrente junto do Infarmed, IP e na ameaça de violação dos direitos de propriedade industrial que a demandante/recorrida entendeu estar subjacente a tais pedidos, relativamente ao medicamento genérico com substância activa Aprepitant. Assim, a causa da presente acção radicou na apresentação de tais pedidos de autorização de introdução no mercado daquele medicamento, causa que, conforme resulta do documento junto aos autos e acima transcrito, deixou de subsistir em virtude do cancelamento de tais pedidos apresentado pela própria recorrente, cancelamento que ocorreu no dia 5 de Julho de 2017. Todos os pedidos formulados pela recorrente e relativamente aos quais a recorrida entendeu verificar-se o risco de os seus direitos de propriedade industrial serem afectados, foram cancelados, pelo que fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão atinente à proibição de transmissão a terceiros das AIMs ou respectivos pedidos, porquanto deixaram de subsistir quaisquer pedidos ou AIMs concedidos com base neles atento tal cancelamento. Na verdade, em consonância com o acima expendido, não se pode deixar de concluir que a lide se torna inútil quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência (pois que então estar-se-ia no âmbito do mérito), mas por razões conectadas com a não possibilidade adjectiva de lograr o objectivo pretendido com aquela acção, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo. A lide fica inútil se ocorreu um facto ou uma situação posterior à sua inauguração que implique a impertinência, ou seja a desnecessidade, de sobre ela recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil. Esta desnecessidade deve ser aferida em termos objectivos. Assim, ainda que a recorrente insista na continuação da lide, manifestando o seu interesse em obter uma decisão por parte desta Relação, o prosseguimento da apreciação da impugnação que incidiu sobre o segmento decisório da alínea b) da decisão recorrida traduzir-se-ia na prática de acto inútil, pois que sempre o resultado seria inócuo ou indiferente, ou seja, cancelados os pedidos de AIMs e não tendo estes sido atribuídos, não tem qualquer utilidade apreciar da possibilidade de transmissão a terceiros de algo que não existe. Em face do cancelamento dos pedidos de AIMs que estiveram subjacentes à instauração da acção arbitral, esta tornou-se supervenientemente inútil. A inutilidade superveniente da lide ocorre precisamente pela falta superveniente de interesse processual, designadamente, de interesse processual da recorrente na apreciação da impugnação que dirigiu contra a decisão arbitral, quanto ao vertido na alínea b) do segmento decisório, o que determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277º, e) do CPC, relativamente ao pedido de proibição de transmissão a terceiros das AIMs ou seus pedidos – cf. neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Jurisprudência (542), 27/01/2017, Cláusulas contratuais gerais; acção inibitória; interesse processual; inutilidade superveniente da lide, Blog do IPPC em https://blogippc.blogspot.com/2017/01/jurisprudencia-542.html; cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-01-2018, relatora Maria Benedita Urbano, processo n.º 0129/17. Em face da perda de utilidade da lide quanto à questão em referência, não devem os autos prosseguir com o conhecimento do mérito, pelo que procedendo a questão prévia suscitada pela recorrida, fica prejudicado o conhecimento do mérito do recurso quanto à questão supra elencada sob a alínea c) como integrando o objecto do recurso [cf. conclusões A a N das alegações de recurso da recorrente] (cf. art.ºs 663º, n.º 2 e 608º, n.º 2 do CPC). * Repartição dos encargos do processo arbitral A recorrente insurge-se ainda contra o segmento da decisão arbitral que a condenou no pagamento de 60% dos encargos arbitrais referindo que o único acto que praticou foi a apresentação de um pedido de autorização de introdução no mercado, não tendo praticado qualquer acto de violação de direitos de propriedade industrial, para além de não ter contestado a petição inicial, o que significa que nunca esteve interessada em iniciar a exploração comercial do medicamento genérico objecto da AIM antes da caducidade dos direitos de propriedade industrial, não podendo concluir-se, como o tribunal recorrido, que a recorrente deu causa à acção; mais refere que a acção só foi iniciada atenta a arbitragem necessária prevista na Lei 62/2011, sem que exista qualquer fundamento para tanto, posto que a apresentação do pedido de AIM não viola os direitos de propriedade industrial, tal como decorre do art. 179º, n.º 2 do DL 176/2006. A recorrida sustenta que face à natureza necessária da acção arbitral foi forçada a iniciá-la contra a recorrente, tal como decorre do art. 3º, n.º 1 da Lei 62/2011, sob pena de ver precludido o seu direito de acção e violados os seus direitos de propriedade industrial; apesar de os pedidos de AIM não consubstanciarem, por si, actos violadores dos direitos de propriedade industrial, criam no titular de direitos de propriedade industrial a convicção de um risco sério de infracção destes, sendo que a demandante não tem de provar qualquer violação mas apenas a titularidade do direito invocado e a aptidão da conduta para a violação de tal direito. Na sua petição inicial a demandante/recorrida pediu a condenação da demandada a suportar todos os custos e encargos decorrentes da acção arbitral e a reembolsá-la das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas. O Tribunal Arbitral ao apreciar esse pedido decidiu declará-lo parcialmente procedente, notificando a demandante e a demandada para, no prazo de dez dias, procederem aos pagamentos dos honorários dos árbitros e do secretário então fixados, na proporção de 40% para a demandante e de 60% para a demandada. O Tribunal justificou a sua decisão do seguinte modo: “No que se refere ao quarto pedido, começa este Tribunal por decidir fixar definitivamente os honorários dos Árbitros e do Secretário do Tribunal, em função do disposto na § 18.1.2 da Acta de Instalação, no valor global de EUR 7.500,00 e EUR 500,00, respectivamente, em ambos os casos acrescidos de IVA à taxa em vigor. Por outro lado, em função da evolução que o processo teve e que se traduziu na omissão de contestação pela Demandada, que assim deu causa ao desenvolvimento do presente litígio até esta fase, e em ponderação adicional da decisão tomada a respeito de cada um dos pedidos que antecedem, entende-se como adequado que os custos antes referidos sejam suportados pela Demandada, em 60% do seu valor, correndo pela Demandante os remanescentes 40% desses custos.” Tal como decorre do estatuído nos art.ºs 17º e 42º, n.º 5 da LAV, a repartição pelas partes dos honorários e custos directamente emergentes do processo arbitral deve constar da sentença arbitral, em conformidade com a convenção de arbitragem, regulamento arbitral ou contrato celebrado com os árbitros. Além disso, os árbitros podem ainda condenar uma das partes a compensar a outra, pela totalidade ou parte dos custos e despesas razoáveis que suportou por força da sua intervenção no processo arbitral. As despesas decorrentes do processo integram, entre outras, as relativas a honorários de advogados, peritos, intérpretes e despesas de viagem e demais gastos incorridos pelas testemunhas. No entanto, o ressarcimento de tais montantes despendidos tem de ser previamente suscitado pelas partes. Nos termos do art. 48º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, de 1 de Março de 2014 (para cujas regras as partes remeteram a regulação de aspectos processuais não expressamente regulados – cf. ponto 9. da Acta de Instalação), compete ao tribunal arbitral, salvo disposição em contrário das partes, decidir o modo de repartição dos encargos de arbitragem, atendendo a todas as circunstâncias do caso, incluindo o decaimento e o comportamento processual das partes. Assim, na repartição da responsabilidade dos custos, os árbitros podem fixar os encargos com o processo em função do decaimento na arbitragem, podendo também suceder que o tribunal arbitral os impute equitativamente às partes, “ainda que a parte vencedora no litígio tenha ganho no todo ou em parte, mas devido à maior complexidade do processo criada desnecessariamente pela parte vencedora esta deva suportar uma parte dos honorários e/ou custos do processo” – cf. Diogo Lemos e Cunha, Da Forma, Conteúdo e Eficácia da Sentença Arbitral, pág. 232, acessível em https://a.storyblok.com/f/46533/x/e141352034/da-forma-conteudo-e-eficacia-da-sentenca-arbitral-diogo-lemos-e-cunha.pdf. Manuel Pereira Barrocas explica que “dado não existir em princípio no processo arbitral o regime de multas por actos desnecessários ou inúteis, é justo que o árbitro possa, com prudência e equilíbrio, levar em conta aqueles actos desnecessários e inúteis na condenação dos honorários e custos do processo” – apud Diogo Lemos e Cunha, op. cit., pág. 232, nota 103. Neste contexto, refere Menezes Cordeiro que “A prática arbitral vai no sentido de alguma equidade. Se ambas as partes se portaram leal e valorosamente, entende-se que o risco de dúvidas e litígios é inerente a qualquer relação de negócios. Logo, procede-se a uma repartição igualitária, independentemente de decaimento.” – cf. Tratado da Arbitragem, Comentário à Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, Almedina 2015, pág. 406 apud acórdão do Tribunal da Lisboa de 16-03-2017, relatora Maria Alexandrina Branquinho, processo n.º 407/17.04YRLSB-8. Na ausência de qualquer critério concretamente indicado pelas partes ou fixado pelos árbitros, atenta a remissão para o Regulamento de Arbitragem, aceita-se como justo e adequado o critério da percentagem do decaimento, sem prejuízo de eventuais correcções decorrentes de situações casuísticas, que justifiquem desvios à regra geral. Ao momento da prolação da decisão sobre a repartição dos encargos verificava-se a condenação da demandada/recorrente em dois dos pedidos formulados pela demandante, sendo que um deles é, precisamente, o pedido principal, que ocorreu por força do disposto no art. 3º, n.º 2 da Lei 62/2011, de 12-12, ou seja, porque não houve contestação, caso em que este normativo legal impõe a condenação imediata na obrigação de a demandada se abster de comercializar o medicamento genérico dentro do prazo de validade do direito de propriedade industrial da demandante. Na apreciação do proveito que as partes retiram do processo releva, por um lado, a circunstância de a demandante dele tirar proveito, pois que obtém, desde logo, face à requerente da AIM, a protecção dos seus direitos de propriedade industrial e, por outro, ainda que não se tenha provado a intenção da demandada de violar os direitos da recorrida durante o período de validade do CCP 159, a obtenção das AIM ainda dentro deste período confere-lhe o beneficio de mais cedo poder ver lançado no mercado o medicamento genérico, logo que expire o referido período de validade; além disso, a recorrente não poderia deixar de saber que ao requerer a AIM estaria sujeita a que o titular dos direitos que protegem o medicamento de referência intentasse a acção arbitral necessária para evitar uma eventual caducidade desses direitos – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 6-06-2019, relatora Maria Teresa Pardal, processo n.º 1460/18.9YRLSB.L1-6 e de 6-02-2014, relator Jorge Leal, processo n.º 866/13.4YRLB-2. Mas além desta condenação, em sede de decisão arbitral, a demandada/recorrente viu-se ainda condenada a não transmitir a terceiros as AIMs, ou seus pedidos, até à data da caducidade dos direitos reclamados pela recorrida, quando a essa transmissão estivesse subjacente uma lógica de “exploração industrial ou comercial”. Face à procedência de dois dos três pedidos formulados pela recorrida e à necessidade do recurso à arbitragem para que a demandante pudesse fazer valer os seus direitos de propriedade industrial, a ausência de contestação, por si só, não justifica a absolvição da recorrente da responsabilidade pelos encargos do processo arbitral, tanto mais que ao formular os pedidos de autorização de introdução no mercado do medicamento genérico supra identificado estava a suscitar, ao menos potencialmente, a interposição da acção arbitral, pelo que, então, a divisão da responsabilidade na percentagem de 40% e 60% afigurava-se correcta. De facto, o pedido em que a demandante decaiu (condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória não inferior a € 3 000,00 por cada dia de atraso no cumprimento da decisão) era acessório ou secundário. O pedido essencial era o primeiro (julgado procedente), de cuja eventual improcedência resultaria, de resto, a improcedência dos outros dois. Note-se que, independentemente de o prazo fixado no n.º 1 do art. 3º da Lei n.º 62/2011, de 12-12 dever ser entendido ou não como prazo de caducidade (questão que não cumpre neste momento analisar), o que releva é a necessidade que surge para a demandante em interpor a acção arbitral para assegurar ou precaver-se sobre uma possível violação dos seus direitos face à apresentação do pedido de autorização de introdução no mercado de medicamento genérico, pressuposto este necessário à respectiva comercialização que, a ter lugar durante o período de vigência daqueles direitos, os poderá afectar. Como já acima se aludiu, o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial, nos termos do art. 3º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, não está obrigado a alegar e provar que houve violação daquele direito ou que existe ameaça de violação, pois que o pode fazer valer no contexto dos direitos que o art. 101º do Código da Propriedade Industrial lhe confere. Não merece acolhimento a argumentação da recorrente de que não deu causa à presente acção, pelo facto de não ter praticado nenhum acto ilícito e não ter contestado. A sua acção ao requerer a AIM do medicamento genérico, estando ainda em vigor os direitos da propriedade industrial da recorrida constitui a causa da necessidade de propositura da acção no tribunal arbitral por parte desta, o que a recorrente não podia desconhecer – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-11-2013, relator António Martins, processo n.º 854/13.0YRLSB-6. Assim, sobreleva na questão da repartição dos encargos do processo arbitral o decaimento e a conduta processual das partes, sendo que, conforme se referiu, face à procedência de dois dos três pedidos formulados deve considerar-se ajustada a repartição dos encargos nos termos fixados pelo Tribunal Arbitral, não se descortinando qualquer fundamento para fazer recair sobre a demandante/recorrida uma responsabilidade superior à que lhe foi atribuída. E justifica-se tal proporção exactamente por via da consideração da proporção do decaimento, cuja repercussão da repartição dos encargos se entende justamente reflectida. Improcede, assim, nesta parte, a apelação, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida. * Das Custas De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria. O conhecimento do recurso interposto pela demandada/recorrente resultou, em parte, prejudicado pela verificação da inutilidade superveniente da lide decorrente do cancelamento dos pedidos de autorização de introdução do mercado promovido pela própria demandada, e, na segunda questão suscitada, foi julgado improcedente, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo da recorrente, nos termos do art.ºs 527º, n.ºs 1 e 2 e 536º, n.º 3, segunda parte do CPC. * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em: · julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, e não tomar conhecimento do objecto do recurso na parte atinente à não transmissão a terceiros das AIMs, ou seus pedidos, até à data de caducidade dos direitos reclamados pela demandante/recorrida; · julgar improcedente a apelação quanto à repartição dos encargos do processo arbitral, mantendo, em consequência, a decisão recorrida. As custas ficam a cargo da apelante. * Lisboa, 2 de Julho de 2019 Micaela Sousa Maria Amélia Ribeiro Dina Maria Monteiro |