Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5093/19.4T8STB-A.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO INICIAL
EMBARGOS DE EXECUTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1A ineptidão do requerimento executivo é um fundamento de oposição à execução (cf. art. 729º al. c) do C.P.C.) que não se pode confundir com o da inexistência ou inexequibilidade do título (art. 729º al. a) do C.P.C.).

2A ata que serve de base à execução, porque não contém deliberação relativa à fixação das contribuições a pagar pelos condóminos, mas sim ao apuramento das contribuições em dívida por alguns condóminos, não constitui título executivo.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa


Nos presentes embargos de executado deduzidos por F na ação executiva que lhe move Condomínio…, a embargante interpôs recurso do despacho saneador na parte em que se conheceu a exceção da ineptidão do requerimento executivo e a exceção da prescrição.

Na alegação de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1–O Tribunal a quodeveria ter decidido pela ineptidão do requerimento executivo como alegou a embargante, porquanto no mesmo não se verifica os requisitos da Obrigação Exequenda previsto no artigo 713º C.P.C. “certa, exigível e liquida”.
2–No Requerimento Executivo, coadjuvado pela acta 20, inexiste o requisito da Exigibilidade da Obrigação, uma vez que as quotas do condomínio, nos termos do artº 1424º do C.C. e do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, são obrigações propter rem, ou seja obrigações puras, e nesta espécie de obrigações, não existindo interpelação da executada, fixando-lhe um prazo para o pagamento da divida, como não existiu, a obrigação é inexigível, pela falta do requisito - interpelação da executada.
3–Nem tão pouco foi enviada à embargante, a acta nº 20, que integra o Titulo Executivo, como confessa a Exequente na sua Contestação (artº 40) e nem o Mmº. Juiz a quo apreciou devidamente a Contestação da Exequente, pois caso contrário a sua decisão, obrigatoriamente, teria sido outra.
4–Por outro lado, também não se verifica no Requerimento Executivo, o requisito da liquidez da Obrigação Exequenda, visto que no mesmo, na parte da liquidação da Obrigação, andou mal o exequente, ao não individualizar e discriminar os diferentes valores das quotizações de diferentes natureza (ordinárias e extraordinárias) como era sua obrigação fazê-lo, e do modo como o requerimento executivo está elaborado, nesta parte, não foi efectuada uma detalhada liquidação da obrigação.
5–Outrossim, relativamente aos juros aplicados pelo Exequente, no Requerimento Executivo, na liquidação da obrigação, este limita-se a apresentar um valor de € 2,917,46, a título de juros, sem mencionar a respectiva taxa de juro que aplicou, e a forma como os calculou.
6–Não existindo no Requerimento Executivo, elementos sobre a forma como os juros foram calculados, ficou a embargante impedida de deduzir oposição relativamente aos valores apresentados, tanto mais que existem juros contabilizados, na divida exequenda, que já se encontram prescritos nos termos do artigo 310º alínea d) do C.C.
7–Deste modo, entende a Embargante/ executada que não estando preenchido o requisito da exigibilidade da obrigação Exequenda, não deveria operar-se a respectiva liquidação nesta acção executiva, uma vez que resulta a insuficiência do titulo executivo, por falta dos requisitos previstos no artº 713º do C.P.C.
8–Assim sendo, deveria o Mmº. Juiz a quo ter decidido, relativamente ao requerimento executivo, in casu, que o mesmo é inepto, atento o disposto nos números 1 e 2 do artigo 186º alínea a) do C.P.C., e indeferi-lo liminarmente.
9–No que concerne, à excepção peremptoria invocada pela embargante da prescrição da divida exequenda, também andou mal o Tribunal a quo ao não decidir que existem dividas que já se encontram prescritas, nomeadamente as dividas das quotas ordinárias, como se refere nos Embargos.
10–Ora, tendo a Execução sido instaurada no ano de 2019, e exigindo o exequente o pagamento de quotas ordinárias cujo prazo de prescrição já havia ocorrido, anteriormente ao ano de 2017, e tendo a executada, nos embargos deduzido a excepção peremptória da prescrição, nos termos do artigo 310º alínea g) do C.C., ou seja,
11–Após a constituição da dívida e, dentro do prazo de prescrição de cinco anos, já que se a prescrição se completar antes de o crédito passar a estar sujeito ao prazo ordinário - artº 311º do C.C., (o que se verificou) o efeito da prescrição permanece intocado, conforme artº 303 do C.C. o que se verifica in casu.
12–Entendeu o Tribunal recorrido que a divida da embargante foi reeditada pela acta 20 e que por esse motivo o prazo de prescrição da divida é o prazo previsto nº artº 311, e assim sendo, considera a divida exequenda não prescrita.
13–A embargante não se conforma com esta decisão, tendo em conta o alegado pela exequente na sua Contestação, onde a mesma refere que o que interessa nesta acção é o ponto 5 da acta 20, e neste ponto (5 da acta 20) refere-se, a saber:
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a)-No primeiro parágrafo, o representante da sociedade que administra o condomínio: “vem informar a assembleia que continuam a existir saldos antigos por cobrar.”
O administrador do condomínio, apenas informa que existem saldos antigos por cobrar. E nada mais do que isto.
b)-No segundo parágrafo refere que “Aliás, a assembleia já havia aprovado o recurso à via judicial para resolver o problema, mas para agilizar os processo, foi elaborado um conjunto de informações especificas e detalhadas, nomeadamente, os extratos de conta corrente abaixo indicados com a indicação das atas em que foram aprovadas as dividas.
Os saldos em causa são
…”

E para o efeito, faz-se a relação dos condóminos relapsos e dos referidos saldos contabilísticos que respeitam a cada um, nomeadamente a ora executada. Ora dos saldos contabilístico da conta corrente dos condóminos devedores, não está elencada a distinção entre as quotas ordinárias e as quotas extraordinárias, e a respectiva taxa de juro aplicável a cada uma, e existindo esta espécie de quotas na execução, carecia de ser feita esta distinção, no ponto 5 da acta 20 folha 4, sendo este um dos requisitos que obrigatoriamente, devia constar, conforme o disposto no artº 703 nº 1 alìnea d) do C.P.C. e o artigo 6º nº 1 do D.L 268/94 de 25 do 10.
Assim, não se concorda com a decisão do tribunal recorrido, no sentido de se considerar que as dividas foram reeditas e que todas elas, independentemente da sua espécie ficaram sujeitas ao prazo ordinário do artº 311º do C.C.
c)- No terceiro parágrafo, é mencionado o seguinte:
“Após explicação do Dr. …, foi proposto intentar ação contra os referidos condóminos faltosos e, para o efeito, propõe ainda dar força executiva à presente ata.
Posta à votação a proposta foi aprovada por unanimidade”.
A “explicação” do Dr. … não se encontra transcrita na acta, explicação essa que parece ter sido importante para “dar força executiva à acta” pois não se entende como foi atribuída força executiva à acta 20.
Na proposta posta à votação, e que foi aprovada por unanimidade, a mesma é omissa quanto à interpelação dos condóminos devedores na fixação do prazo para o pagamento voluntário das dívidas, sendo esta uma exigência de eficácia das obrigações propter rem, como são as quotizações do condomínio e mais uma vez reitera-se, que na divida exequenda estão contabilizadas quotas ordinárias já prescritas, e as mesmas não foram individualizadas, ficando prejudicado o direito de invocar a prescrição, por parte dos condóminos devedores.
15–A exequente, na sua contestação para alegar a não prescrição das quotas ordinárias, vem invocar a jurisprudência, que no caso sub Júdice mais se adequa à sua defesa, no entanto, considera-se ser pacífico o entendimento, quer da doutrina, quer da jurisprudência de que a obrigação do condómino pagar as despesas de condomínio das quotas ordinária, cabe na previsão da alínea g) do artigo 310º do Código Civil, pelo que o prazo de prescrição é efectivamente de 5 anos. (Neste sentido, entre outos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Processo nº 7956/16.7T8CBR-A).
16–Tanto mais, que não existe uniformização da jurisprudência, no sentido de considerar que as quotas ordinárias do condomínio, previstas no artigo 310º alíneas g), deixaram de estar sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos.
17–O Mmº Juiz do Tribunal a quo , não reconheceu a existência de dívidas já prescritas, (quotizações ordinárias), assim como dos respectivos juros, prescrição esta invocada pela embargante, nos embargos de executado, violou o disposto nos artigos 303º e 310º alíneas d) e g) do C.C.
18–Face a todo o exposto requer-se que o Despacho Saneador que decidiu em parte do mérito da causa seja substituído por outro, que decida pela Ineptidão do Requerimento Executivo e caso, assim, não for entendido que se decida pelas prescrições das quotas ordinárias e respectivos juros.»
O embargado respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões:
«I.–O recurso a que ora se responde tem por objeto o douto Despacho Saneador proferido pelo Mm.º Juiz a quo, que conheceu parcialmente do mérito da causa.
II.–No referido Despacho, o Tribunal de Primeira Instância considerou que não verificam as exceções de ineptidão do requerimento executivo, de ilegitimidade passiva (da Executada) e de prescrição da dívida exequenda, deduzidas pela Embargante/ Recorrente.
III.–Considera a Embargante/Recorrente que o requerimento executivo apresentado pelo Embargado/Recorrido é inepto, nos termos do artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código do Processo Civil, por não se verificarem os requisitos da exigibilidade e da liquidez da obrigação exequenda, conforme preceitua o artigo 713.º do Código de Processo Civil.
IV.–Sustenta, por outro lado, a Embargante/Recorrente que a dívida exequenda se encontra prescrita, porquanto as quotizações do condomínio de que a mesma é devedora estão sujeitas a um prazo de prescrição de 5 (cinco) anos, e não de 20 (vinte) anos, ao abrigo do disposto no artigo 310.º, alínea g) do Código Civil, prazo esse já decorrido.
V.–Os argumentos aduzidos pela Embargante/Recorrente não colhem, pelo que nenhuma censura e/ ou reparo merece o douto Despacho Saneador.
VI.–A Recorrente sustenta que o requerimento executivo apresentado pelo ora Recorrido é inepto por a obrigação exequenda não ser exigível, em virtude de não teria sido fixado um prazo na Ata n.º 20 para que procedesse ao pagamento da dívida e, ainda, porque não foi interpelada para o efeito.
VII.–A obrigação exequenda diz-se exigível quando já se encontra vencida ou quando o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor, ou seja, quando já pode ser exigida.
VIII.–Da Ata n.º 20 constava a soma dos vários valores devidos a título de quotizações (ordinárias e extraordinárias) pela Recorrente (e outros condóminos), individualizados por número de fatura, natureza da dívida, data e atas das assembleias em que foram aprovadas, bem como a deliberação de propositura de ação judicial contra os faltosos.
IX.–As faturas emitidas têm, todas elas, uma data de vencimento.
X.–Além do prazo limite para pagamento constar das faturas emitidas para cada uma das quotizações devidas, a Recorrente foi interpelada extrajudicialmente, através de carta registada com AR, para proceder ao respetivo pagamento, tendo, nessa ocasião, sido fixado um prazo de 10 dias para o efeito (cfr. Doc. n.º 6, junto com a Contestação aos Embargos).
XI.–Acresce que, a obrigação diz-se líquida quando se sabe exatamente quanto se deve, o que sucede no caso em apreço.
XII.–O valor em dívida dado à execução está perfeitamente determinado e identificado – 4.572,79 € (quatro mil quinhentos e setenta e dois euros e setenta e nove cêntimos), montante ao qual acrescem os juros de mora, no valor de 2.917,46 € (dois mil novecentos e dezassete euros e quarenta e seis cêntimos).
XIII.–A não individualização e discriminação dos valores das quotizações consoante a sua diferente natureza (ordinárias e extraordinárias), na Ata n.º 20, em nada compromete a verificação do requisito da liquidez da obrigação.
XIV.–A obrigação exequenda apresenta-se certa, exigível e líquida, tal como impõe o artigo 713.º do Código de Processo Civil, não se verificando, portanto, a alegada ineptidão do requerimento executivo.
XV.–Por outro lado, a determinação do prazo de prescrição a que estão sujeitas as dívidas em discussão nos presentes autos pressupõe uma distinção prévia entre, por um lado, as prestações/ quotizações ordinárias e, por outro lado, as prestações/ quotizações extraordinárias, cuja cobrança foi peticionada.
XVI.–Nos autos de execução estão em causa, por um lado, prestações relativas às comparticipações das despesas comuns, periodicamente renováveis, apuradas por via dos orçamentos aprovados previamente em Assembleia Geral de Condóminos (ou seja, as quotizações ordinárias).
XVII.–E, por outro, prestações extraordinárias, custeadas por conta de obras de conservação e manutenção do imóvel, que foram fixadas em deliberação tomada em sede de Assembleia Geral, e que assumam um caráter pontual (ou seja, as quotizações extraordinárias).
XVIII.–As quotizações extraordinárias não são – nem podem ser – consideradas prestações periódicas renováveis, conforme sucede com as quotizações ordinárias, pelo que, relativamente àquelas, será aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 (vinte) anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil, o qual ainda não decorreu.
XIX.–Relativamente às quotizações ordinárias, as mesmas estariam, em tese, sujeitas ao prazo de prescrição de 5 (cinco) anos, por configurarem prestações periodicamente renováveis (cfr. artigo 310.º, alínea g) do Código Civil).
XX.–Sucede, porém, que, de acordo com o estatuído no artigo 311.º, n.º 1 do Código Civil, “o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”
XXI.–Significa que, relativamente às quotizações ordinárias, periodicamente renováveis, as mesmas deixam de estar sujeitas ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos, para passarem a estar sujeitas ao prazo geral de 20 (vinte) anos, se estiverem supervenientemente tituladas/ reconhecidas em sentença transitada em julgado ou em documento com valor de título executivo.
XXII.–A Ata n.º 20, datada de 5 de outubro de 2018, junta aos autos como título executivo (ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 703.º, n.º 1, alínea d) do CPC e 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro) é superveniente à constituição e vencimento das quotizações ordinárias, cumprindo, desta feita, a exigência constante do artigo 311.º, n.º 1 do Código Civil, de molde a que passe a ser-lhes aplicável o prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos (e não já o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos).
XXIII.–Nesta conformidade, deverão considerar-se sujeitas ao prazo geral de prescrição de 20 (vinte) anos, tanto as quotizações ordinárias (estas por via do artigo 311.º, n.º 1 do Código Civil) como as quotizações extraordinárias (estas por via do artigo 309.º do Código Civil).
XXIV.–Pelo que, bem andou o Mm.º Juiz a quo ao não dar por verificadas as exceções deduzidas pela Embargante/ Recorrente.»
A embargante também interpôs recurso da sentença pela qual foram julgados improcedentes os embargos e foi determinado o prosseguimento da ação executiva, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1ª–Nos presentes autos de execução que correm seu termo no Tribunal Judicial da Comarca de Almada, Juízo de Execução de Almada, Juiz 3, sob o n.º 5093/19.4T8STB-A, pede o exequente, Administração do Condomínio …, para a executada, F…, lhe pagar a importância de € 7.111, 09 (sete mil e cento e onze euros e nove cêntimos).
2ª–Em sede de despacho saneador o Mmº Juiz do tribunal a quo decidiu parcialmente do mérito da causa, considerando que não se verificava a ineptidão do requerimento executivo, nem a prescrição da divida exequenda, invocadas pela embargante, ora recorrente.
a)-Por não se conformar com esta decisão recorreu a embargante para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa em 19 de Dezembro de 2021 (Cfr. Refª: 31158134) e até à presente data o mesmo não foi objecto de conhecimento do tribunal a quo.
3ª–Na decisão do despacho saneador recorrido, decidiu o MMº. Juiz diferir para audiência de discussão e julgamento apenas os seguintes factos:
- Falta de convocatória para a assembleia de condóminos;
- Falta de comunicação das deliberações da assembleia.
4ª–Efectuado o julgamento com audição de uma testemunha da embargada, por vídeo conferência, decidiu o Mmº Juiz a quo o seguinte:
“Julgo os embargos à execução improcedentes e determino o prosseguimento da acção executiva”.
5ª–Agora, tal como outrora aconteceu com o seu recurso mencionado na conclusão 2ª, a), por não se ter conformada com a douta sentença, objecto do presente recurso, a ora recorrida, depois dela ter interposto o competente recurso, vem a agora a presença de Vossas Excelências clamar por justiça, oferendo para o efeito as razões de facto e de direito que julga lhe possam assistir.

A.–Das razões de facto:
Na douta sentença recorrida, além dos demais factos, foram dados como Factos provados:

6ª–Relativamente ao ponto 3 dos Factos Provados pelo Mm. Juiz, discorda a embargante dessa fundamentação na medida em que não existe um único elemento de prova, antes pelo contrário, de que na sua caixa de correio tenha sido depositado um aviso dos CTT para se proceder ao levantamento da alegada carta que lhe terá sido enviada.
a)-Confrontada a Testemunha da embargada E…, a instâncias da mandatária do exequente conforme CD faixa 202202171990942 – 17-2-2022-10:15, pela mesma foi dito o seguinte:
“Advogada – A senhora confirma que foi enviada uma convocatória à Dra F… em setembro de 2018 para a assembleia geral? E o que aconteceu relativamente a essa convocatória
Testemunha – ora bem foi enviada a convocatória registo com aviso de recepção e foi devolvida.
Advogada – foi devolvido com que indicação, tem a indicação?
Testemunha – foi devolvido, não diz nada, riscado o endereço, não diz nada,
Advogada - devolvido e não terá sido recebida.”
b)-pelos factos relatados pela testemunha E…, dúvidas não restam que a referida convocatória não chegou e nem podia ter chegado ao conhecimento da embargante, por facto que não lhe é imputável, porque quando alguma correspondência é devolvida, na estação dos CTT é mencionado no aviso de recepção o motivo de não ter sido levantada tal correspondência.
c)-É de todo estranho que o endereço tenha sido riscado sem qualquer justificação aceitável do que se alcança da testemunha do exequente, uma vez que aquele endereço foi sempre o indicado ao condomínio pela embargante para efeitos de correspondência, conforme decorre dos próprios autos.
d)-Assim, na nossa modesta opinião, os factos dados como provados n.ºs 2 e 3, carecem de suporte fáctico baseando os mesmos em meras presunções que, na boa verdade, entram em perfeita contradição com o depoimento da testemunha supra referida.
e)-Por outro lado, se o aviso tinha o endereço riscado, como afirma a testemunha, a questão que com legitimidade se coloca é a de saber, quem o riscou e porque o riscou?
f)-Questão esta que nos indica a existência de erro na avaliação levado a cabo pelo MMº Juiz que proferiu a sentença recorrida ao afirmar, como afirmou, no final da fundamentação dos pontos 2 e 3, o seguinte: “restando concluir que chegou ao seu destino e que na ausência (irrelevante) da embargante não veio a ser reclamada no posto dos correios”

7ª–Relativamente ao facto 4., que o MMº. Juiz a quo considera que resulta do teor da acta junto ao requerimento executivo e à contestação, cumpre esclarecer o seguinte:
a)-No requerimento executivo, a acta 20 que serve de título executivo nada refere quanto à devolução da convocatória da embargante, e deveria ter referido, sendo a acta 20 o título executivo.
b)-Temos assim que, a convocatória ou o registo dos CTT da mesma, não chegaram ao conhecimento da embargante, por causa que não lhe é imputável, pelo que não pode ser considerada eficaz a alegada declaração receptícia, prevista no artigo 224 nº1 do CC, como afirma a embargada, na sua contestação.

8ª–Nos embargos de executado, alega a embargante que nunca recepcionou a acta 20.
a)-Aliás, a embargada, na sua Contestação, afirma no artigo 40º que “a acta dessa mesma assembleia só não lhe foi remetida, porque a Embargada teve conhecimento através da consulta de certidão permanente do registo predial da fração, em 24 de Setembro de 2018, de que a mesma havia sido alienada a terceiro”
aa)-Facto este dado foi considerado como provado na sentença recorrida.
b)-E se dúvidas existissem, em audiência de julgamento, a testemunha E…, a Instâncias da Ilustre mandatária do embargado, esclareceu o tribunal o seguinte, conforme CD faixa 202202171990942 – 17-2-2022:
“Advogada – olhe e relativamente a esta acta 20 a sra já confirma ao tribunal que foi enviada a convocatória e que veio devolvida por não ter sido reclamada, que foi enviada para a mesma morada que tinha conhecimento e o que lhe pergunto na sequência da deliberação tomada em acta, os senhores enviaram a acta à dra F… ou não?
Testemunha – não não enviei essa acta nós não sabíamos que a Dra F… tinha vendido o apartamento, nós depois vimos pela certidão predial vimos que o proprietário era outro e então acta enviamos ao novo proprietário.
Advogada – então foi enviada ao novo proprietário a acta 20 porque a dra … já não era proprietária daquela fracção.
Testemunha – Sim, quando foi das convocatórias não tínhamos percebido a venda do apartamento, o apartamento foi vendido não tivemos conhecimento.”
b)-Tal situação, tão inusitada, levou o mandatário da embargante a inquirir a testemunha, conforme CD faixa 202202171990942 – 17-2-2022:
“Advogado – diz que enviou a acta 20 ao novo proprietário. A questão que lhe coloque se tem algum conhecimento, sabe se houve algum acordo que conste que o novo proprietário no pagamento dessas dividas?
Testemunha – não sei
Advogado – não procurou saber?
Testemunha – não
Juiz – a sra F… comunicou-lhe algum acordo?
Testemunha – não”.

9ª–Como é do conhecimento da embargada, a embargante nunca teve habitação permanente na fração do edifício …, deslocando aí esporadicamente e por esse motivo, forneceu logo de início a morada para onde deveria ser sempre contactada, sem nunca a alterar.
a)-Quando a propósito foi inquirida pela mandatária da embargada, conforme CD faixa 202202171990942 – 17-2-2022, respondeu dizendo o seguinte:
“Advogada – olhe para que morada foi enviada essa convocatória?
Testemunha – para… Corroios
Advogada – esta morada foi facultada por quem?
Testemunha – esta morada foi facultada pela drº. F… alguns anos atrás.
Advogada – e entretanto ela por acaso comunicou-lhe alguma alteração de morada? Fosse outra ou não?
Testemunha – não não”
b)-Mais uma razão a evidenciar que a embargante não foi notificada da acta 20 e suas deliberações, facto que lhe coartou irremediavelmente, o direito de impugnar as deliberações.

10ª–A omissão da obrigação de comunicação das deliberações a todos os condóminos ausentes não é um acto inócuo porque uma vez preterida, como foi, retira, como retirou, à acta a sua formalidade essencial relativamente à sua exequibilidade, atento ao disposto no artigo 224º nº 1, 2 e 3 do C. Civil

B.–Das razões de direito

11ª–Na sentença recorrida a fls 5, penúltimo paragrafo, vem afirmado o seguinte “o art. 6º nº1 do DL nº 268/94, de 25 de Outubro, fixa os requisitos de exequibilidade da acta da assembleia de condóminos, e nele não figura a notificação da acta aos condóminos”
12ª–A propósito vem referido no artigo 1432º nº 6 do C.C. o seguinte “As deliberações das assembleias de condóminos têm que ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção no prazo de 30 dias, conjugado com o artigo 1433º nº 2 a nº 5, ambos do C.C.
13ª–Ou seja, o comando jurídico acabado de citar, vem complementar o D.L. 268/94 de 25 de Outubro, pois caso assim não fosse, estava aberto um caminho ao livre arbítrio da administração do condomínio, de não enviar as actas a todos os condóminos ausentes, situação que esta que o legislador quis acautelar e que aceite e perfilhada por vasta jurisprudência
14ª–Resumidamente, tendo em consideração ao expendido, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e em consequência:
15ª–Deve a sentença recorrida ser declarada nula e sem efeito e em seu lugar ser proferida outra decisão que julgue procedente os embargos deduzidos pela embargante.»

O embargado respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
«A.–O presente recurso tem por objeto a impugnação da decisão da matéria de facto, na parte em que deu como provado que o Recorrido enviou à Recorrente, no dia 19 de setembro de 2018, carta registada com aviso de receção, contendo a convocatória para a Assembleia de Condóminos a realizar no dia 5 de outubro de 2018, carta essa que foi devolvida por não ter sido reclamada (cfr. Factos Provados 2 e 3);
B.–No essencial, a Recorrente invoca que a convocatória para a dita Assembleia Geral, que esteve na origem da Ata n.º 20, dada à execução, não chegou ao seu conhecimento por facto que não lhe é imputável, porquanto na sua caixa do correio não terá sido depositado um aviso dos CTT para que pudesse proceder ao seu levantamento;
C.–Da prova documental e testemunhal produzida nos autos resulta que a mencionada convocatória foi enviada à Embargante, ora Recorrente, porquanto,
D.–A testemunha E…, Chefe do Departamento de Contabilidade da Z…, empresa que faz a administração do condomínio do Edifício…, quando confrontada com a convocatória em causa, junta aos autos como Doc. 2 da Resposta aos Embargos, confirmou expressamente que a mesma foi enviada à Recorrente (cfr. 04:42m a 10:00m do ficheiro 20220217104050_20195721_3994074, com a gravação da audiência de discussão e julgamento);
E.–A mesma testemunha clarificou que a convocatória para a dita Assembleia Geral foi enviada para a morada facultada pela Recorrente ao Recorrido (cfr. 04:42m a 10:00m do ficheiro 20220217104050_20195721_3994074, com a gravação da audiência de discussão e julgamento);
F.–Tendo, ainda, esclarecido que a mencionada missiva foi devolvida ao remetente, o ora Recorrido, conforme resulta do carimbo aposto pelos CTT, encontrando-se, ademais, perfeitamente legível o endereço da Recorrente para o qual a convocatória foi enviada (cfr. 04:42m a 10:00m do ficheiro 20220217104050_20195721_3994074, com a gravação da audiência de discussão e julgamento);
G.–A convocatória para a Assembleia de Condóminos a que alude o artigo 1432.º, n.º 1, do Código Civil tem natureza de declaração recetícia, significando que se torna válida e eficaz logo que chegue ao poder do respetivo destinatário ou é dele conhecida, nos termos do artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil;
H.–Nos termos do n.º 2 do artigo 224.º do Código Civil, considera-se igualmente eficaz “a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”, o que se verifica no caso em apreço, porquanto a convocatória para a Assembleia de Condóminos só não chegou ao poder/ conhecimento da Embargante por não ter sido por esta levantada nos correios;
I.–A Recorrente não provou nos autos, e de resto nem sequer alegou em sede de Embargos, que a falta de levantamento da convocatória nos correios se ficou a dever ao facto de não ter sido depositado na sua caixa de correio o correspondente aviso;
J.–Conforme doutamente decidiu o Tribunal a quo, a não reclamação da carta no posto dos correios configura, na falta de alegação e de prova de razão justificativa de tal falta, ato culposo da Embargante, que não impede que se considere eficaz a referida convocatória para a Assembleia Geral de Condóminos do dia 5 de outubro de 2018 relativamente à Embargante, ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1432.º, n.º 1, e 224.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil;
K.–A ora Recorrente alega, por outro lado, que a omissão da obrigação de comunicação das deliberações constantes da Ata n.º 20, dada à execução, determina o incumprimento de uma formalidade essencial à sua exequibilidade, atento o disposto no artigo 224.º, n.º 1 do CPC;
L.–O Tribunal de Primeira Instância deu como provado que as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 5 de outubro de 2018 não foram notificadas à Embargante, ora Recorrente (cfr. Facto Provado 5);
M.–Conforme explicou a testemunha E…, a Ata n.º 20 não foi enviada à Recorrente porque, em 24 de setembro de 2018, o Recorrido teve conhecimento, através da consulta da certidão permanente do registo predial da fração, que a mesma havia sido alienada a um terceiro, deixando de pertencer à Recorrente (cfr. 17:20m a 19:01m do ficheiro 20220217104050_20195721_3994074, com a gravação da audiência de discussão e julgamento);
N.–A Ata n.º 20 foi, por isso, conforme explicou a mesma testemunha, enviada ao novo proprietário da fração (cfr. 17:20m a 19:01m do ficheiro 20220217104050_20195721_3994074, com a gravação da audiência de discussão e julgamento);
O.–Sem prejuízo, conforme explicou a testemunha E…, do ponto 5 da Ata n.º 20 consta uma relação com a identificação das dívidas vencidas da ora Recorrente ao Condomínio …, incluindo de anos anteriores, com a identificação do número da fatura, natureza da dívida, data e atas das assembleias gerais em que foram aprovadas (cfr. 15:53m a 17:20m do depoimento da testemunha E…, constante do ficheiro 20220217104050_20195721_3994074, com a gravação da audiência de discussão e julgamento);
P.–O referido depoimento é corroborado pelo teor das Atas n.ºs 18 e 19, bem como da Adenda à Ata n.º 19, juntas aos autos como Docs. 3, 4 e 5 da Resposta aos Embargos, as quais incluem os valores das dívidas vencidas da Recorrente ao Recorrido, que estão individualizados na Ata n.º 20;
Q.–Conforme foi expressamente confirmado pela testemunha E… e resulta dos Docs. 3, 4 e 5 juntos com a Resposta aos Embargos, as mencionadas Atas n.ºs 18 e 19 foram enviadas e recebidas pela Recorrente, bem como as convocatórias para as Assembleias Gerais que deram origem a essas mesmas Atas, não tendo sido impugnadas pela Recorrente (cfr. 10:00m a 12:32m, 12:33m a 14:20m e 14:21m a 15:15m do depoimento da testemunha E…, constante do ficheiro 20220217104050_20195721_3994074, com a gravação da audiência de discussão e julgamento);
R.–Na realidade, a assinatura da Recorrente consta da lista de presença da Ata n.º 18, correspondente à Assembleia Geral realizada no dia 13 de agosto de 2016, na qual foi deliberado que a dívida vencida da Recorrente ao Recorrido era, na referida data, de 4.009,96€ (cfr. Doc. 3 junto com a Resposta aos Embargos);
S.–A assinatura da Recorrente consta, ainda, do aviso de receção relativo à notificação para a Assembleia Geral realizada no dia 8 de julho de 2017, na qual foi deliberado que a dívida vencida da Recorrente ao Recorrido era, nessa data, de 4.289,67€ (cfr. Docs. 4 e 5 juntos com a Resposta aos Embargos);
T.–Tendo presente o exposto nas Conclusões precedentes, o Tribunal de Primeira Instância deu como provado que do ponto 5 da Ata n.º 20 consta a soma dos vários valores em dívida da Recorrente, individualizados por número de fatura, natureza da dívida, data e atas das assembleias em que foram aprovadas (atas n.ºs 9 a 19), perfazendo o montante total de 4.572,79 €, e a deliberação de propositura de ação judicial (cfr. Facto Provado 4);
U.–Tendo dado igualmente como provado que as deliberações contidas nas atas n.ºs 9 a 19, nas quais foram aprovados os valores parcelares constantes da Ata n.º 20, dada à execução, não foram impugnadas pela Embargante, ora Recorrente (cfr. Facto Provado 6);
V.–Os mencionados Factos Provados 4 e 6 não foram impugnados no recurso em apreciação, pelo que é inequívoco que a ora Recorrente foi notificada das deliberações que aprovaram os valores das suas dívidas vencidas ao Condomínio …, tendo inclusive sido regularmente convocada e/ ou participado em algumas das Assembleias Gerais de Condóminos em que foram discutidos e aprovados os valores das dívidas em causa, não tendo apresentado nessa sequência qualquer impugnação;
W.–Sem prejuízo, ao contrário do alegado pela Recorrente, a falta de notificação da “deliberação” constante da Ata n.º 20 não determina a inexequibilidade do título, mas apenas o diferimento do prazo para a impugnar, porquanto,
X.–O artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, que fixa os requisitos da exequibilidade da ata da assembleia de condóminos, não exige a notificação da ata aos condóminos;
Y.–A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem entendido pacificamente que “a falta de comunicação aos condóminos da deliberação da assembleia sobre as contribuições ao condomínio tem como único efeito dilatar para mais tarde (quando seja feita por qualquer meio idóneo: carta registada com aviso de receção ou outro mais solene, como a citação) o início do prazo de impugnação e não o início da possibilidade de execução” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de fevereiro de 2013, Processo n.º 1415/12.7TBFLG.G1, Rel. Maria Luísa Ramos) […];
Z.–Termos em que deve concluir pela exequibilidade do título dado à execução, ou seja, da Ata n.º 20».

São as seguintes as questões a decidir:
1º- recurso
- da ineptidão do requerimento executivo; e
- da prescrição.
2º- recurso
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; e
- da inexequibilidade do título.
***

Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
«1.–Entre, pelo menos, 2008 e 2018, a embargante foi proprietária da fracção “BN” do prédio…, em Portimão.
2.–No dia 19 de Setembro de 2018, a embargada enviou à embargante carta registada com aviso de recepção contendo convocatória para a Assembleia Geral do Condomínio do referido prédio, a realizar no dia 05 de Outubro de 2018.
3.–A referida carta foi devolvida por não ter sido reclamada.
4.–No dia 05 de Outubro de 2018, teve lugar Assembleia de Condóminos do referido prédio e na respectiva acta, dada à execução, relativamente ao ponto 5. “Análise das dívidas de condóminos”, consta indicado quanto à embargante a soma de vários valores, individualizados por número de factura, natureza da dívida, data e actas de assembleias em que foram aprovadas (actas 9 a 19), perfazendo o montante global de 4.572,79 euros, e a deliberação de propositura de acção judicial contra os “referidos condóminos faltosos” e, para o efeito, “dar força executiva à presente acta”.
5.–As deliberações tomadas na assembleia de 05 de Outubro de 2018 não foram notificadas à embargante.
6.–As deliberações contidas nas actas n.ºs. 9 a 19, de aprovação dos valores parcelares contemplados na acta n.º 20, não foram impugnadas pela embargante.
7.–Dentre as assembleias incluídas nas actas referidas em 4., a embargada, convocou a embargante, por carta registada com aviso de recepção, para a assembleia de 13 de Agosto de 2016, a que a embargante compareceu e em cuja acta (n.º18) consta ter sido deliberado por unanimidade dos condóminos presente propor acção judicial para recuperar o dinheiro por dívidas antigas, designadamente quanto à embargante, da dívida total de 4.009,96 euros, conforme “extracto anexado a esta Acta como doc. n.º 5”.
***

Na sentença recorrida, foi dado como não provado o seguinte facto:
«A embargante alienou a fracção “BN” no dia 28 de Setembro de 2018.»
***

Nos termos do art. 186º nºs 1 e 2 al. a) do C.P.C., “é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial”, sendo que se considera “inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação… da causa de pedir”.
Resulta do art. 10º nº 5 do C.P.C. que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Conforme dispõe o art. 713º do C.P.C., “a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo”.
Nos termos do art. 724º nº 1 als. e) e h) do C.P.C., “no requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo” e “liquida a obrigação e escolhe a prestação, quando tal lhe caiba, e alega a verificação da condição suspensiva, a realização ou o oferecimento da prestação de que depende a exigibilidade do crédito exequendo, indicando ou juntando os meios de prova”.

No despacho saneador, pode ler-se:
«A ineptidão do requerimento executivo é de muito mais difícil verificação do que a ineptidão da petição inicial, porquanto na acção executiva, por um lado, a causa de pedir consta as mais das vezes do título executivo e, por outro lado, quando tal não sucede, exige-se apenas que no requerimento executivo se faça constar a exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido – art. 724.º, n.º 1, al. e), do CPC – e, neste particular, para além da inteligibilidade da causa de pedir em face da acta junta como título executivo, ela foi reeditada e coadjuvada no requerimento executivo ao consignar-se “1.-A Exequente é uma sociedade comercial que se dedica à exploração da indústria hoteleira ou a quaisquer outras atividades turísticas em geral, assim como atividades acessórias e complementares, designadamente a administração de condomínios. 2.-A Exequente é Administradora do Condomínio do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito … em Portimão, denominado de … 3.-Por deliberação da Assembleia de Condóminos de 5 de outubro de 2018, vertida na ata n.º 20 (cfr. Doc. 1), foram aprovadas as quotizações devidas pelos condóminos, conforme consta do referido documento. 4.-A Executada é proprietária da fração “BN”, correspondente ao apartamento 501. 5.-Sucede que, a ora Executada não liquidou ao Exequente as seguintes faturas, decorrentes da prestação de serviços, as quais lhe são devidas: (…) 6.-Não obstante a Executada ter sido já interpelada, por carta registada com aviso de receção, datada de 8 de março de 2019, para efetuar o pagamento do valor em dívida a essa altura, o que também não ocorreu.”»

A ineptidão do requerimento executivo é um fundamento de oposição à execução (cf. art. 729º al. c) do C.P.C.) que não se pode confundir com o da inexistência ou inexequibilidade do título (art. 729º al. a) do C.P.C.) e o da incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução (art. 729º al. e) do C.P.C.).

Tal confusão entre fundamentos é notória na alegação da recorrente.
A posição do tribunal recorrido quanto à exceção da ineptidão do requerimento executivo é a correta.
Nos termos do art. 298º nº 1 do C.C., “estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.
“A prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade.”
“… a prescrição arranca, …, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito”.
“Por isso, embora a prescrição - tal como a caducidade - vise desde logo satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo, essa protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.
Há, portanto, uma inércia do titular do direito, que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação do direito à situação de facto” (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Atualizada, pág. 375 e 376).
Nos termos do art. 310º al. g) do C.C., “prescrevem no prazo de cinco anos quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.
Por força do art. 311º nº 1 do C.C., “o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”

No despacho saneador, pode ler-se:
“A prescrição da dívida exequenda não se verifica porquanto tendo sido deliberado na acta aprovar e reconhecer dívida anteriormente vencida a cargo da embargante, o título executivo formado concede ao respectivo direito (de exigir o seu pagamento) o prazo ordinário de prescrição de 20 anos – art. 311.º do CC, que ainda não decorreu.”
Contudo, no artigo 18º da oposição à execução, a embargante afirmou que “a ata 20, não tem força executiva, como pretende a exequente, porque depois de devidamente analisada, conclui-se que a mesma não preenche os requisitos exigidos no artº 6º do DL nº 268/94, de 25/10 e no artº 703º do CPC.”
Não podia, pois, o tribunal recorrido conhecer da exceção da prescrição antes de conhecer da exceção da inexequibilidade do título.
Se relegou para final o conhecimento da exceção da inexequibilidade do título, devia ter também relegado para final o conhecimento da exceção da prescrição.
***

No recurso que tem por objeto a sentença final, a recorrente especificou como incorretamente julgado o ponto 3 da matéria de facto provada.
Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, pode ler-se:
“O facto 2. e 3. resultaram dos talões de registo e aviso de recepção juntos com a contestação como documento n.º 2. A falta de menção expressa, por parte do funcionário postal, no envelope onde seguia carta, do motivo da devolução, não impediu o signatário de considerar que tal se deveu ao facto de não ter sido reclamada a carta no posto dos correios. Com efeito, a morada para onde seguiu tal carta é a mesma morada de destino de outras cartas recebidas pela embargante (vejam-se os demais A/R´s juntos com a contestação), da citação da executada e da executada constante da procuração outorgada ao mandatário judicial no dia de ontem, pelo que se trata da morada onde reside a embargante, morada esta que não padece de insuficiência ou de inexistente ou inacessível receptáculo postal (que a ocorrer teria sido sinalizado pela embargante), restando concluir que chegou ao seu destino e que na ausência (irrelevante) da embargante, não veio a ser reclamada no posto dos correios.”
Para que a carta pudesse ser reclamada pela embargante, necessário seria que o distribuidor do serviço postal tivesse deixado aviso na caixa de correio para levantar a carta no posto dos correios.
Não constando do envelope a menção “não reclamada”, não se pode presumir que foi deixado aviso na caixa de correio.
Assim, procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, passando a constar do ponto 3 da matéria de facto provada apenas que “a referida carta foi devolvida” e passando a constar da matéria de facto não provada que “o motivo da devolução referida no ponto 3 da matéria de facto provada foi a carta não ter sido reclamada”.
***

Na fundamentação da sentença recorrida, pode ler-se:
«Na petição, a embargante excepcionou a (1) ilegitimidade passiva, a (2) ineptidão do requerimento executivo, a (3) falta de título executivo e a (4) prescrição da dívida exequenda.
Remanesce apreciar, em face do julgamento improcedente das demais na fase do saneamento, a excepção da falta de título executivo – acta n.º 20 –, que a embargante fez decorrer (por isso finda o capítulo respectivo com a afirmação “Conclui-se, assim, que a Acta 20 não tem força executiva) de dois fundamentos:
- falta de convocatória para a assembleia de condóminos:
- falta de notificação das deliberações nela tomadas.»
Contudo, do artigo 18º da oposição à execução, não consta apenas “conclui-se, assim, que a ata 20, não tem força executiva”, mas também “conclui-se que a mesma não preenche os requisitos exigidos no artº 6º do DL nº 268/94, de 25/10 e no artº 703º do CPC.”
A argumentação da embargante que não foi considerada em sede de conhecimento da exceção da ineptidão do requerimento executivo por não dizer respeito a este fundamento de oposição à execução tem de ser tida em consideração em sede de apreciação do fundamento da inexequibilidade do título.
Nos termos do art. 6º nº 1 do DL 268/94, de 25 de outubro, “a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
No artigo 10º da oposição à execução, a embargante salientou que “o exequente… deu-se à permissão de não juntar aos autos as respectivas actas que aprovaram as comparticipações anuais cuja cobrança se pretende efectuar”.
Da ata que foi junta com o requerimento executivo “consta indicado quanto à embargante a soma de vários valores, individualizados por número de factura, natureza da dívida, data e actas de assembleias em que foram aprovadas (actas 9 a 19)”.
A ata que serve de base à execução, porque não contém deliberação relativa à fixação das contribuições a pagar pelos condóminos, mas sim ao apuramento das contribuições em dívida por alguns condóminos, não constitui título executivo (www.dgsi.pt Acórdãos do STJ proferidos a 1 de outubro de 2019, processo 14706/14.3T8LSB.L1.S1; e a 2 de junho de 2021, processo 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1).
***

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação que tem por objeto o despacho saneador e procedente a apelação que tem por objeto a sentença, revogando o despacho saneador na parte em que conheceu da exceção da prescrição, revogando a sentença recorrida, julgando procedentes os embargos e, em consequência, determinando a extinção da execução.
Custas da apelação que tem por objeto o despacho saneador por recorrente e recorrido na proporção de metade, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à recorrente.
Custas dos embargos e da apelação que tem por objeto a sentença pelo recorrido.



Lisboa, 27 de outubro de 2022



Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Octávio Diogo