Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6041/22.0T8LRS.L1-2
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: FALTA DE PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
APOIO JUDICIÁRIO
EMBARGOS DE EXECUTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Para efeitos de pagamento de taxa de justiça devida com o articulado inicial, a oposição à execução por embargos aproxima-se mais da contestação do que da petição inicial em ação declarativa, sendo-lhe aplicável o regime estabelecido nos n.ºs 1 a 4 do artigo 570.º do CPC.
II. Com a oposição à execução mediante embargos, o embargante tem de comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida, ou a concessão do benefício de apoio judiciário, ou a entrada no organismo competente do requerimento de apoio judiciário; neste último caso, o embargante deve comprovar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário.
III. Não o fazendo, a secretaria notifica o embargante para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
IV. Para efeitos de admissibilidade da oposição à execução, é irrelevante o pedido de apoio judiciário que o embargante formula meses após a entrada da oposição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
«BB», executada e embargante na execução que lhe é movida por «AA», notificada da decisão proferida em 02/11/2023, que determinou o desentranhamento da oposição à execução, e com essa decisão não se conformando, interpôs o presente recurso.
Em 24/10/2022, a executada deduziu oposição à execução, através de embargos de executado, e oposição à penhora.
Afirmou juntar «comprovativo de apoio judiciário».
Juntou requerimento de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não assinado e sem carimbo ou certificação de entrada nos respetivos serviços.
Não obstante, por ofício de 05/01/2023, o tribunal solicitou à Segurança Social informação sobre «a decisão que recaiu sobre o pedido de apoio judiciário formulado pela executada «BB», NIF - …, domicílio: Rua …».
Em 16/01/2023, a Segurança social informou não constar nenhum pedido de apoio judiciário formulado por «BB», para o processo em referência (Proc. 6041/22.0T8LRS-A).
Nesta sequência, em 06/02/2023, a secretaria emitiu guia para pagamento da taxa de justiça em falta acrescida da multa a que se reporta o artigo 570.º, n.º 3, do CPC.
A executada e embargante não pagou.
Em 03/03/2023, foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Ao abrigo do disposto no artigo 570º, n.º 5 do Código de Processo Civil, convida-se a embargante/executada a proceder, no prazo de 10 (dez) dias, ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da oposição e da multa em falta, acrescido do pagamento de multa no valor de 5 (cinco) UC, sob pena de ser ordenado o desentranhamento da oposição à execução.»
Emitida a guia em conformidade, também esta não foi paga.
Em 16/05/2023, a executada vem novamente requerer a junção aos autos do requerimento de apoio judiciário, e de email segundo o qual terá dado entrada do mesmo em 2023, alegando que o solicitador que tinha contratado para o fazer, em tempo, não o havia feito.
Em 30/05/2023, a Segurança Social informa que o requerimento da executada, entrado em 08/02/2023, está em fase de audiência prévia.
Em setembro de 2023, o tribunal pediu informação à Segurança Social sobre o desfecho do pedido, e, em outubro, a Segurança Social informou que o mesmo tinha sido indeferido.
Foi, então, proferida em 02/11/2023, a seguinte decisão:
«A embargante/executada foi devidamente notificada para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça e multa em falta, acrescidas de multa no valor de 5 UC, sob pena de desentranhamento da oposição à execução.
Na sequência, a embargante/executada nada veio pagar.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 570º, n.º 6 do Código de Processo Civil, determina-se o desentranhamento do requerimento de oposição à execução.
O desentranhamento do requerimento de oposição à execução, supra ordenado, determina a impossibilidade superveniente da lide, pelo que, e ao abrigo do disposto no artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, julga-se extinta a presente instância.
Custas pela embargante (cfr. artigo 536º, n.º 3, 1ª parte, do Código de Processo Civil).»
A executada e embargante não se conforma e recorre, formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso tem por objeto o despacho que determinou o desentranhamento do requerimento de oposição à execução.
2. Tal despacho teve como fundamento a falta de pagamento da taxa de justiça.
3. Porém, tal desentranhamento com o fundamento indicado não devia ter ocorrido.
4. Porquanto, após o ofício da Segurança Social que informou a decisão de indeferimento, não foi o mandatário constituído nem a executada notificados do mesmo.
5. Pelo que não teve o mandatário como alertar a sua constituinte para proceder ao pagamento da taxa de justiça.
6. Ainda assim, após a decisão de indeferimento, e mesmo que o mandatário tivesse sido notificado, que não foi, deveria ter sido o mandatário e a executada notificados, nos termos dos artigos 145.º, 570.º e 642.º, todos do CPC, para proceder ao pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 (dez) dias.
7. Não tendo sido o mandatário e a executada notificados para procederem ao pagamento da taxa de justiça, não pode o requerimento de oposição à execução ser desentranhado dos autos.
8. Pelo que, deve o presente recurso ter provimento, e, em consequência, ser o mandatário e a executada notificados nos termos dos artigos 145.º, 570.º e 642.º, todos do CPC.»
Não foram oferecidas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, coloca-se a questão de saber se o pedido de apoio judiciário que a executada deduziu mais de três meses após dar entrada da oposição à execução é eficaz para efeitos de obviar à prova do pagamento da taxa de justiça com a oposição e de permitir o pagamento no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indeferiu aquele pedido.
II. Fundamentação de facto
Os factos relevantes são os que constam do relatório.
III. Apreciação do mérito do recurso
Circunstanciadamente narrados os factos objeto de litígio e identificada a questão a decidir, vejamos, em seguida, as normas que se relacionam com esta, necessárias à decisão do pleito.
Chamamos, em primeiro lugar, à colação o disposto no n.º 7 do artigo 552.º do CPC, aplicável ao caso por força de duas remissões  adiante referidas. Lê-se no citado dispositivo, referente aos requisitos da petição inicial, que «o autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º» (negritos acrescentados). Trata-se da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, objeto de várias alterações, sendo a mais recente a da Portaria n.º 360-A/2023, de 14 de novembro.
O disposto no n.º 7 do artigo 552.º, é aplicável à contestação, com as necessárias adaptações, podendo o réu, se estiver a aguardar decisão sobre a concessão do benefício de apoio judiciário, comprovar apenas a apresentação do respetivo requerimento – assim o estabelece o n.º 1 do artigo 570.º do CPC.
Neste caso, o réu deve comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça ou juntar ao processo o respetivo documento comprovativo no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário (n.º 2 do mesmo artigo e diploma).
Tem-se entendido de forma pacífica nos tribunais superiores que, para efeitos de pagamento de taxa de justiça, os embargos de executado são equiparáveis à contestação da ação declarativa, e não à petição inicial, sendo-lhe, portanto aplicável o regime do citado artigo 570.º do CPC.
Neste sentido, encontramos muitas decisões, exemplificando com as três seguintes:
O Ac. TRG de 20-04-2017 (Pedro Alexandre Damião e Cunha), proc. 84/14.4TBBCL-C.G1, assim sumariado: «I. Para efeitos de pagamento de taxa de justiça, os Embargos de executado não são equiparáveis à petição inicial em acção declarativa, mas sim à contestação, donde resulta que lhe deverá ser aplicável o regime do art. 570º do CPC; II- Não pode, por isso, o Tribunal ordenar o desentranhamento do requerimento de Embargos de executado sem dar ao Executado/Embargante a possibilidade de proceder ao pagamento da quantia em falta, a título de taxa de justiça, nos termos do nº 3 do art. 570º do CPC». Na nota 4 deste acórdão encontramos uma lista de jurisprudência mais antiga em idêntico sentido, tirada na vigência do anterior CPC que continha nos seus artigos 150.º-A e 486.º-A normas equivalentes às constantes dos artigos 145.º e 570.º do CPC de 2013.
O Ac. TRL de 09-01-2020 (Nelson Borges Carneiro), proc. 34738/15.3T8LSB-B.L1-2, em cujo sumário se lê: «I - Configurando-se a oposição à execução como uma verdadeira ação declarativa, a petição da oposição é equiparável à petição inicial em ação declarativa; II - Sendo o requerimento de oposição à execução equiparável à petição inicial em ação declarativa, ser-lhe-ão aplicáveis as normas estatuídas no art. 552º, do CPCivil; III – Porém, para efeitos tributários, designadamente no atinente ao prazo e oportunidade do pagamento da taxa de justiça, afasta-se do regime puro e simples da petição inicial, mas antes aproxima-se do da contestação, já que ambos estão sujeitos a prazos cominatórios que devem levar a uma igualdade de tratamento dos seus respetivos destinatários; IV - Caso a executada/opoente não junte documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indeferiu o pedido de apoio judiciário, deverá a secretaria notificar a mesma para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC».
E, com a mesma orientação, o Ac. TRE de 24-02-2022 (Francisco Xavier), proc. 408/20.5T8SLV-A.E1, de cujo sumário destacamos, para o que ora releva: «IV. Para efeitos de pagamento de taxa de justiça, os embargos de executado não são equiparáveis à petição inicial em acção declarativa, mas sim à contestação, donde resulta que lhe deverá ser aplicável o regime do artigo 570º do CPC».
As citadas normas dos artigos 552.º e 570.º do CPC são concretizações da norma de mais elevado grau de generalidade constante do artigo 145.º do mesmo código: quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser comprovado o seu prévio pagamento ou a concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se, neste último caso, essa concessão já se encontrar comprovada nos autos (n.º 1 do artigo 145.º).
Em suma e a título de conclusão intercalar: a embargante, com a apresentação da oposição à execução por embargos (vulgo, petição de embargos), devia ter comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida, ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, ou a apresentação do requerimento para concessão do benefício de apoio judiciário.
Não o fez: no caso sub judice, conforme descrito no relatório, a recorrente deu entrada a oposição à execução, mediante embargos (através de mandatário judicial e de acordo com o procedimento eletrónico descrito na Portaria – isso não está em causa), mas não efetuou, logo não comprovou, o prévio pagamento da taxa de justiça devida, nem comprovou a concessão do benefício de apoio judiciário, nem sequer comprovou ter dado entrada ao requerimento de apoio judiciário. Disse, outrossim, estar a aguardar decisão sobre a concessão do benefício de apoio judiciário, mas não comprovou a apresentação do respetivo requerimento. Limitou-se a juntar um requerimento ao qual não tinha dado entrada.
Procuremos, então, as consequências para a referida conduta da embargante no artigo 570.º do CPC, que visa de forma direta a contestação, mas que, porquanto acima mencionado, se aplica à oposição à execução.
Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, o n.º 3 do artigo 570.º determina que a secretaria, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, notifique o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC. Se a secretaria não efetuar a notificação naquele prazo, pode fazê-la mais tarde (assim o expressa o n.º 4 do artigo 570.º).
Em cumprimento e ao abrigo destas disposições, a secretaria notificou a embargante para, em 10 dias a contar dessa notificação, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de  multa de igual montante.
A embargante não pagou.
Em seguida, o tribunal, em aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 570.º, deu nova oportunidade à embargante de efetuar o pagamento da taxa de justiça, acrescida da multa ali prevista.
Uma vez mais, a embargante não pagou.
Assim sendo, bem andou o tribunal a quo ao julgar extinta a instância de oposição por impossibilidade de prosseguimento dos seus termos.
Conforme acima relatado, a recorrente, meses decorridos sobre a entrada em juízo da oposição à execução, deu entrada a um requerimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça, requerimento que acabou por ser indeferido. Entende a recorrente que, após o indeferimento desse requerimento, lhe devia ter sido dada a oportunidade de pagar a taxa de justiça, ainda que com multa, nos termos do disposto no artigo 570.º do CPC. Sem razão, pois, como resulta dos artigos 570.º, 552.º e 145.º do CPC, o requerimento de apoio judiciário teria de ter sido deduzido antes da oposição à execução e, com esta, tinha de ter sido comprovada a entrada daquele requerimento.
Em consonância com as normas acima citadas, o n.º 2 do artigo 18.º da Lei do Apoio Judiciário – Lei 34/2004, de 29 de julho –, estabelece que o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.
Conforme esclarece Salvador da Costa, «o apoio judiciário, nas modalidades acima referidas, deve ser requerido antes da primeira intervenção processual do interessado, e a exceção no caso de a situação de insuficiência económica ser superveniente, caso em que deve ser requerido após o seu conhecimento dessa insuficiência. Temos, pois, que o apoio judiciário não pode ser requerido em qualquer estado da causa, mas sim antes do seu início, como regra, ou após a verificação da situação de insuficiência económica superveniente do impetrante, como exceção. Este regime conforma-se com o facto de a insuficiência económica do interessado para custear os custos da demanda se verificar antes da instauração da ação pelo autor, ou da apresentação da oposição pelo réu, ou depois da apresentação em juízo das concernentes peças processuais» – Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 10.ª ed., Almedina, 2021, p. 67.
Relembramos que a oposição à execução deu entrada em 24/10/2022 e o requerimento de apoio judiciário apenas foi formulado junto da entidade competente em 08/02/2023.
Para efeitos de admissibilidade da oposição à execução, é irrelevante o pedido de apoio judiciário que a embargante formulou meses após a apresentação da oposição.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando o despacho recorrido.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 10/10/2024
Higina Castelo
Carlos Castelo Branco
Laurinda Gemas