Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GOUVEIA BARROS | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE SUBSÍDIO DE DESEMPREGO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/16/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA | ||
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Sumário: | I) Tendo a apresentante pago pontualmente as obrigações emergentes dos empréstimos por si contraídos e só deixando de o fazer quando ficou desempregada em virtude da insolvência da entidade empregadora, não há fundamento legal para indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, ainda que entre a cessação dos pagamentos e a apresentação tenham decorrido mais de seis meses. II) Estando a insolvente a receber subsídio de desemprego, tal significa que vem diligenciando activamente pela procura de novo emprego, pois a atribuição daquela prestação social depende da comprovação de tal procura, o que só por si afasta o requisito estabelecido na parte final da alínea d) do nº1 do artigo 238º do CIRE. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção): R. P. S., residente em O…, apresentou-se à insolvência alegando, em síntese, que não tem quaisquer bens móveis ou imóveis de que possa dispor para pagar aos seus credores todos os valores que se encontram em dívida, no total aproximadamente de €61.601,84, acrescentando que no presente não tem quaisquer perspectivas de ver melhorada a sua situação financeira. Conclui pedindo que lhe seja também concedido o benefício de exoneração do passivo restante, dizendo, em síntese, que ficou desempregada e recebe apenas o subsídio respectivo no montante de 427 euros, tendo uma filha menor a seu cargo e não dispondo de qualquer apoio familiar. Decretada a insolvência por sentença de …/…/2011, prosseguiram os autos seus termos para decisão do incidente de exoneração, tendo o Senhor Administrador de Insolvência emitido Parecer, onde defende o indeferimento. Por despacho de fls 46 a 55 foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante e fixadas os termos da cessão do rendimento disponível ao fiduciário designado. Inconformado com o decidido recorre o credor B., S.A. para pugnar pela revogação da decisão, alinhando para tanto as seguintes razões com que encerra a alegação oferecida: a) A douta sentença recorrida viola frontalmente o artigo 238 do CIRE, tendo decidido a exoneração do passivo restante à devedora recorrida, que manifestamente não cumpriu a apresentação à insolvência no prazo de seis meses à sua verificação, tendo desta actuação tenha resultado prejuízo para os credores ora Recorrentes, tendo a Insolvente inequivocamente a consciência que a sua situação económica não iria melhorar. b) Na mesma linha, no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, foi decidido, “Na exoneração do passivo restante, compete ao requerente alegar e provar, nomeadamente, que da não apresentação à insolvência, após os seis meses seguintes à verificação dessa situação, não decorreu prejuízo para os credores” (Proc. 379/10.6TBGMR-E.G1, in dgsi.pt). c) Aplicando a jurisprudência ao caso concreto, verifica-se que, a insolvente jamais carreou para o processo qualquer elemento probatório, que permitisse ao tribunal aferir da não existência de prejuízo para os credores da sua não apresentação atempada à insolvência. d) Do entendimento jurisprudencial maioritário, tem-se verificado que é um ónus que impende sobre a Insolvente singular que requer a exoneração do passivo restante, o de alegar e provar, nomeadamente, que da não apresentação à insolvência, após os seis meses seguintes à verificação dessa situação, não decorreu prejuízo para os credores. e) Em conclusão, é manifesta a procedência do presente recurso, tendo a decisão recorrida violado, assim, o disposto no artigo 238 do CIRE, pelo que deverá ser revogada com as legais consequências. ** Não foi apresentada resposta pela recorrida. ** Factos Provados: A decisão que decretou a insolvência assentou na consideração dos seguintes factos: A) A requerente é solteira e tem uma filha com cinco anos de idade que se encontra a seu cargo desde que o companheiro, em meados do ano de 2008, a deixou, desconhecendo o respectivo paradeiro; B) Até essa data vivia em casa da mãe do companheiro, encontrando-se o casal empregado, pelo que contraiu vários empréstimos pessoais, que foi cumprindo atempadamente; C) A partir de então, regressou a casa dos pais, onde reside actualmente; D) Em virtude da insolvência do seu empregador, SUPERMERCADOS A. S., LDA., o seu contrato de trabalho cessou, estando em dívida vencimentos e indemnização; E) Ficou, então, desempregada, recebendo subsídio de desemprego no montante de €427,00 mensais; F) Apesar dos esforços envidados, não tem logrado fazer face a todas as suas despesas mensais e a cumprir o pagamento dos créditos concedidos por instituições financeiras, no valor global de €61.601,84 G) Não é titular de qualquer bem imóvel; H) Os seus credores são por ordem decrescente do valor do crédito os seguintes: 1. AOF 4 SARL, no montante de €20.417,00; 2. Banco B. – S.A, no montante de €6270,42; 3. Banco C., S.A, no montante de €10.920,70; 4. Banco S., S.A, no montante de €6.000,00; 5. C. International PLC, no montante de €5.404,06; 6. CO., no montante de €12.589,66. I) Pendem contra a requerente a acção executiva n°... na 1ª Vara Mista do Tribunal de L... para cobrança da quantia de €6270,42 instaurada por Banco B., S.A. e a injunção n°....... em que é requerente B., S.A. Sociedade Aberta, no valor de €10920,70. *** Análise do recurso: O objecto do recurso cinge-se a saber sobre quem impende o ónus de demonstração do pressuposto fixado na alínea d) do nº1 do artigo 238ºdo CIRE, tema que vem merecendo largo - mas desencontrado - tratamento na jurisprudência, como se colhe da mera consideração do teor das decisões invocadas na sentença e na alegação da recorrente, potenciado pela deficiente construção legal do instituto em questão e pela multiplicação de insolvências associadas ao sobreendividamento das famílias e à crise económica instalada. Recuperamos aqui o que sobre o tema escrevemos no acórdão nº364/11, tirado em 17/4/2012: “Conferidos os requisitos legais de que depende o deferimento do benefício em análise, conclui-se que “são dominados pela preocupação de averiguar se o insolvente, pelo seu comportamento, anterior ao processo de insolvência ou mesmo no curso dele, é merecedor do benefício que da exoneração lhe advém” (citámos Carvalho Fernandes em Colectânea de Estudos Sobre a Insolvência, pág. 276/277). Na verdade, a par de requisitos objectivos, ao tribunal cumpre avaliar globalmente a conduta do requerente da exoneração em ordem a determinar se ele é merecedor de uma nova oportunidade. Como escreve Assunção Cristas (Novo Direito da Insolvência, Rev. Thémis, ano de 2005, pág. 170), “é necessário que o devedor preencha determinados requisitos de ordem substantiva a saber: que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, no que respeita à sua situação económica (…)”. Ou seja, a concessão de nova oportunidade ao insolvente em detrimento dos seus credores, há-de assentar também numa aferição, no plano ético, da sua própria conduta que leve a concluir que é merecedor de tal benefício, nomeadamente, porque a insolvência foi puramente acidental e induzida por uma qualquer conjugação de circunstâncias alheias à vontade do devedor. Assim será, por exemplo, no caso de desemprego involuntário, doença grave do próprio ou de alguém do seu agregado, mas também no caso de insucesso, sem culpa do insolvente, de um qualquer investimento por ele realizado ou insolvência de um seu devedor, pois em qualquer das situações configuradas estiveram implicadas vicissitudes que transcendem o insolvente e estão subtraídas ao seu controlo. Por isso e tal como se escreveu no acórdão desta Relação de 7/12/2010 (Proc. nº10439/10), subscrito também pelo ora relator como adjunto, “a conduta, prosseguida conscientemente ao longo de anos, que permite ao devedor aparentar não o ser, gastando mais do que aufere, num ciclo de endividamento sem freio, sempre à custa do engrossar do rol dos credores e da contínua multiplicação do respectivo saldo devedor, não reveste as características de proceder honesto, lícito, transparente e de boa fé, que justificam, no plano substantivo, a concessão do benefício, de natureza excepcional, de exoneração do passivo restante”. Como se evidencia no Acórdão do STJ de 3/11/2011 (Maria dos Prazeres Beleza) “é o interesse dos credores que é globalmente protegido pelo processo de insolvência; mas a possibilidade de exoneração do insolvente do pagamento do passivo que fique por pagar (…) tem como objectivo específico a protecção do devedor. Pretendeu-se, por esta via, permitir um fresh start às pessoas singulares que sejam declaradas insolventes, verificados determinados requisitos que as tornem, aos olhos da lei, merecedoras da liberação de débitos não pagos, fora dos limites apertados das regras da prescrição”. Sopesado tal ensinamento escrevemos em recente acórdão proferido no processo nº5382/11 que “não se vislumbra qualquer diferença matricial entre os requisitos elencados nas várias alíneas do nº1 do artigo 238º do CIRE que justifique que uns sejam qualificados como constitutivos do direito e outros como exceptivos, sendo certo que na dúvida sempre devem ser subsumidos àquela categoria (nº3 do artigo 342º do CC). Por que haveria de onerar-se os credores com a alegação, por exemplo, de que o devedor requerente já beneficiara de tal instituto nos dez anos anteriores (alínea d) ou sofrera condenação subsumível à previsão da alínea f) e não impor-se ao devedor que alegue tais factos em ordem a justificar ser merecedor do benefício que peticiona. (…) E como hão-de os credores, a concluir-se pela dimensão exceptiva de tais requisitos, alegar factos tendentes a demonstrar a conduta desonesta, ilícita, opaca e de má fé do candidato ao benefício se não é minimamente razoável esperar que os conheçam?” Objectar-se-á que o requerente apenas tem de declarar “que preenche os requisitos para a concessão do benefício e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes”, como dispõe o nº3 do artigo 236º do CIRE, cabendo aos credores pôr em crise tal afirmação. Não vemos razões decisivas para inverter o entendimento perfilhado, de resto na esteira do acórdão tirado em 4/10/2007 no processo nº1718/07-2 da Relação de Guimarães, invocado pelo recorrente, do mesmo relator. Como se refere no Ac. do STJ de 6/7/2006 (Oliveira Barros) “as regras gerais a que obedece o ónus da prova estabelecidas no artigo 342º do CC, assentam na denominada teoria das normas (Normentheorie) de Rosenberg, baseada na relação entre regra e excepção, de que resulta que cada uma das partes terá de alegar e provar os pressupostos da norma que lhe é favorável”. Ora, como ensina o Prof. Carvalho Fernandes “é a ausência das condições – previstas nas várias alíneas do nº1 do artigo 238º do CIRE – que constitui requisito de admissibilidade da exoneração” (Revista de Derecho Concursal y Paraconcursal, 3/2005, pág. 379), o que, salvo melhor opinião, vai ao encontro do entendimento acima perfilhado. Sem embargo do que se refere, a própria controvérsia comporta algum artificialismo, pois a alegação/demonstração do “prejuízo para os credores” ou da sua ausência, envolve, em regra, a ponderação em concreto das vicissitudes que determinaram a situação de insolvência e a impossibilidade do devedor satisfazer o seu passivo. Pondera-se, por outro lado, que o tribunal defere ou indefere liminarmente o incidente, independentemente da postura dos credores ou do administrador da insolvência, relevando tão somente os factos apurados por este último ou alegados pelo próprio insolvente. Ou seja, a relevância da apresentação tardia à insolvência envolve a consideração das circunstâncias da vida do apresentante que, ocorridas após a ruptura do pagamento do passivo, se repercutiram de modo significativo na sua situação patrimonial, avaliação que na prática só é possível a partir dos elementos carreados pelo administrador da insolvência no seu relatório. Assim a mera circunstância de a insolvente ter contraído empréstimos nesse lapso temporal, não significa necessariamente uma actuação temerária ou irracional, pois tanto podem ter visado o gozo de férias numa estância de veraneio ou a aquisição de um veículo topo de gama, como a satisfação de uma necessidade premente ou a aquisição de um instrumento de trabalho. Por isso, confrontados os credores com uma sucessão de empréstimos, não se nos afigura curial onerá-los com a demonstração de que isso lhes causa prejuízo, considerando mais consentâneo com as regras da teoria de Rosenberg que deva ser o requerente a demonstrar a ausência do prejuízo. Ora, do relatório do Senhor Administrador consta que a insolvente e o seu companheiro contraíram “vários empréstimos pessoais, que foram cumprindo atempadamente” (alínea B de factos provados). Resulta também dos autos que o companheiro da insolvente a abandonou e à filha de ambos, em meados de 2008 e, não obstante, ela prosseguiu com o pagamento dos empréstimos contraídos pelo casal, pois o incumprimento do empréstimo à Co. só ocorreu em Junho de 2009, ao S. de 2009 e ao B. em Outubro de 2010, ignorando-se quando foram contraídos ou incumpridos os restantes empréstimos. Sabe-se também que, em virtude da insolvência da empresa onde trabalhava “o seu contrato de trabalho cessou, estando em dívida vencimentos e indemnização” ficando desde então desempregada e a receber subsídio de desemprego no montante de €427,00 mensais. Consta por fim que “apesar dos esforços envidados, não tem logrado fazer face a todas as suas despesas mensais e a cumprir o pagamento dos créditos concedidos por instituições financeiras”. Perante este quadro pessoal e social será possível concluir que a requerente não teve “um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, no que respeita à sua situação económica (…)”, na expressão e com o alcance propostos por Assunção Cristas na obra acima citada? A resposta, em nosso entender, não pode deixar de ser negativa. Reiteramos aqui o que escrevemos no acórdão de 14/2/2012 (Proc. nº…) sobre uma situação equivalente: “(…) Apesar do desemprego que atingiu a esposa, continuaram a cumprir as suas obrigações pontualmente, ainda por mais de um ano, ao mesmo tempo que ambos diligenciavam arranjar novo emprego, procurando negociar com os credores planos de pagamento compatíveis com as suas disponibilidades e situação e “acreditando, de forma séria, na melhoria da sua situação económica” (…). Não será antes expectável que continuem a lutar por reverter a situação de modo a poderem honrar os seus compromissos, procurando eventualmente junto dos seus credores a reestruturação das suas dívidas, ao mesmo tempo que diligenciavam por arranjar novo emprego para relançar as suas vidas?” A mera circunstância de estar a receber subsídio de desemprego tem subjacente a procura activa de emprego por parte da requerente, pois tal postura é um pressuposto daquela atribuição, sendo por isso mais do que razoável que, antes de se apresentar a insolvência, a requerente tivesse a legítima expectativa de conseguir novo emprego ou receber os valores e indemnização a que tem direito, que lhe permitiriam liquidar pontualmente as suas obrigações, tal com sempre fizera. Entendemos por isso que se justifica inteiramente o deferimento liminar da exoneração, em face da situação concreta da requerente e não com base em qualquer entendimento jurisprudencial atinente ao ónus da prova como foi decidido. *** Decisão: Atento o exposto, confirma-se o despacho impugnado, posto que por diverso fundamento. Custas pelo recorrente. Lisboa, 16 de Outubro de 2012 (Gouveia Barros) (Conceição Saavedra) (Cristina Coelho) ** | ||
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Decisão Texto Integral: |