Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ELEONORA VIEGAS (VICE-PRESIDENTE) | ||
Descritores: | DUPLICAÇÃO DE RECURSOS FALSIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/26/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO (405.º, CPP) | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Constituiria uma inadmissível duplicação de recursos com o mesmo objecto a admissão do recurso de um despacho e, simultaneamente, do recurso do despacho que, apreciando a arguida falsidade daquele, o manteve. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | I. Relatório AA, arguido nos autos, veio apresentar a reclamação prevista no art. 405.º do CPP que argui de inconstitucional e, por isso, alega reclamar ao abrigo do art. 643.º do CPC do despacho de 14.03.2025 pelo qual foi rejeitado, por inadmissível, o recurso que interpôs do despacho de 9.01.2025. Alega, em síntese, que a reclamação tem por fundamento razões de facto e de direito que o art. 405.º do CPP não consente, sendo que o conhecimento desses fundamentos exige o conhecimento da matéria do recurso, constando as razões para a admissão do recurso das oito conclusões do próprio recurso. Acresce, alega, que o despacho reclamado omitiu decisão sobre a arguição de nulidade constante da I parte do recurso. Concluindo que, se não for revogado o despacho reclamado e admitido o recurso, fica por cumprir o disposto no art. 449.º, n.º4 do CPC e no art. 265.º, n.º1 do CPP invocados nos requerimentos de 20.12.2024 e 27.02.2025, bem como a arguida desconformidade da narração com a factualidade processual efectiva. Cumpre apreciar. * II. Fundamentação Da consulta dos autos resultam os seguintes factos com relevância para a decisão: 1. Em 20.11.2024 foi proferido nos autos o seguinte despacho: I Requerimento do arguido de 14-11-2024, com a ref.ª Citius 41050891: Veio o arguido AA arguir: a) a irregularidade do processo, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 123.º do Código de Processo Penal, por omissão de decisão sobre o seu requerimento apresentado no processo principal a 30-03-2023; b) reclamação do ato de secretaria de 20-05-2024, por falta de notificação do mesmo ao Il. Mandatário do arguido. Cumpre apreciar e decidir. Quanto ao ponto a) do requerido, dispõe o art.º 123.º n.º 1 do Código de Processo Penal e do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado”. Note-se que no requerimento do arguido a que se alude, é invocada a falta de audição do arguido quanto à referência feita do teor da publicação da decisão do ..., publicada no Diário da República ..., de ... de ... de 2023, com a qual fundamenta a irregularidade da decisão em apreço. Sucede que tal “documento” corresponde à publicitação de sanção disciplinar aplicada ao arguido por “…, reunido em plenário em …, e transitado em julgado”, conforme disposto no art.º 142.º da Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados). A publicação da referida decisão tem em vista trazer ao conhecimento do público em geral, tanto do teor da referida decisão, como ainda a situação da inscrição do visado junto da Ordem dos Advogados. Ademais, a pretensa falsidade da referida decisão disciplinar haverá de ser arguida em sede própria, e não nestes autos, uma vez que o objeto dos mesmos não se confunde com aquela. Nestes termos, inexiste qualquer fundamento para que houvesse lugar à audição do requerente prévio à consideração de tal decisão no despacho em referência, datado de 24-04-2023, e demais consequências extraídas no mesmo. Por tudo o supra disposto, conclui-se a manifesta desnecessidade de que o requerimento do arguido fosse alvo de decisão pelo Tribunal, porquanto é manifesta a inexistência de qualquer fundamento de invalidade do despacho proferido a 24-02-2023. Face ao exposto, improcede a invocada irregularidade. * Já no que concerne à reclamação deduzida quanto ao ato de notificação promovido pela secretaria a 20-05-2024: Dispõem os n.ºs 5 e 6 do art.º 157.º do Código de Processo Civil que “5 – dos atos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquela depende funcionalmente. 6 - os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”. O ato de notificação datado de 20-05-2024, com a ref.ª Citius n.º 435695292 tinha por função o cumprimento da notificação pessoal ao arguido do despacho proferido por este Tribunal a 24-02-2023, conforme determinado a final do mesmo. Em tal data não foi expedida notificação ao Il. Defensor do arguido, porquanto o mesmo havia já sido notificado do mesmo a 24-03-2024, cfr. ref.ª Citius 424429165. Ficando assim patente a manifesta desnecessidade de repetição da notificação de tal despacho ao Il. Defensor do arguido, por configurar ato inútil, por falta de fundamento legal, indefere-se a reclamação apresentada. * II Ofício da PSP de 12-11-2024, com a ref.ª Citius 41013694: Tomei conhecimento da notificação ao arguido, a 23 de Outubro de 2024, do despacho que determinou a conversão da multa não paga em 500 dias de prisão subsidiária. Aguarde-se o trânsito em julgado da referida decisão e, após, emitam-se os competentes mandados de detenção e condução do arguido ao Estabelecimento Prisional. 2. Em 20.12.2024 o arguido requereu, “ao abrigo do disposto no artigo 451º, nºs 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 4º do CPP, e tendo em conta o disposto no artigo 372º, nºs 2 e 3, do Código Civil, seja declarada a falsidade deste ato/documento de 20-11-2024, em referência, nos termos e com os seguintes fundamentos: I – O referido ato/documento de 20-11-2024 padece da falsidade do artigo 372º, nºs 2 e 3, do Código Civil, ao atestar a existência de “trânsito em julgado” e “da notificação ao arguido, a 23 de Outubro de 2024, do despacho que determinou a conversão da multa não paga em 500 dias de prisão subsidiária.” Pois, basta o facto de, nos autos principais, se encontrar pendente recurso da decisão que não admitiu a Abertura de Instrução, interposto em 07-03-2014, a fls. 605-619, admitido por despacho de 01-03-2016, a fls 1044, para verificar a falsidade/inexistência das ditas atestações constantes do mesmo acto/documento. Por força do disposto nos artigos 449º, nº 4, do CPC, e 265º, nº 1, do CPP, a decisão sobre a presente arguição de falsidade tem de ser notificada à Exma. Procuradora-Geral Regional de Lisboa. II – O mesmo douto despacho embora se refira ao requerimento do ora requerente/arguido de 30-03-2023, mantém omissão de pronuncia sobre o respectivo teor. Para prova adicional do alegado nesse mesmo requerimento, requer a junção de cópia do requerimento com 9 documentos de prova, apresentado no Tribunal da Relação de Lisboa, em 05/12/2022 (doc. 1), que aguarda decisão da sua 5ª secção. III- Compulsados os autos via citius, verifica-se a emissão de mandado de detenção com data de assinatura de 20-12-2024 o qual também padece da falsidade do artigo 372º, nºs 2 e 3, do Código Civil, ao atestar a existência de “decisão transitada em julgado em 22/11/2024”. Ora, Pelo mesmo motivo supra exposto, ou seja, basta o facto de, nos autos principais, se encontrar pendente recurso da decisão que não admitiu a Abertura de Instrução, interposto em 07-03-2014, a fls. 605-619, admitido por despacho de 01-03-2016, a fls 1044, para se verificar a falsidade/inexistência das ditas atestações constantes do mesmo acto/documento. Por força do disposto nos artigos 449º, nº 4, do CPC, e 265º, nº 1, do CPP, a decisão sobre a presente arguição de falsidade tem de ser notificada à Exma. Procuradora-Geral Regional de Lisboa. 3. Por requerimento de 27.12.2024, o arguido interpôs recurso dos despachos de 24.02.2023 (423339923) e 20.11.2024 (440063053), formulando as seguintes conclusões: (…) (…) 4. Em 9.01.2025 foi proferido o seguinte despacho: Mantém-se o despacho proferido a 20.11.2024, por se entender que não padece de qualquer nulidade ou “falsidade” ao contrário do invocado. Por legal, tempestivo, apresentado por quem para tanto possui legitimidade e se mostra representado por advogado, admito o recurso interposto pelo arguido (cfr. artigo 399º, 401º, n.º 1, al. b), 411º, n.º 1, n.º 3 e 412º, todos do Código de Processo Penal) quanto ao despacho de 20.11.2024. O recurso sobe nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 414º , n.º 1, 406º, n.º 1, 407º, n.º 2, al. a), 408º, n.º 2, al. c), todos do Código de Processo Penal. Notifique nos termos do disposto no artigo 411º, n.º 6, do Código de Processo Penal. Oportunamente subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação, para apreciação do recurso. Quanto ao recurso respeitante ao despacho de 24.02.2023 por ser manifestamente extemporâneo, não pode ser admitido. Pelo exposto, e nos termos do disposto no artigo 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não se admite o recurso interposto por ter sido interposto fora de prazo. Notifique. 5. Em 27.02.2025 o arguido recorreu do referido despacho, formulando as seguintes conclusões: Da interposição de recurso, pelo arguido AA, a 27/02/2025 (ref. citius 42086150): A 27/02/2025, veio o arguido AA recorrer do despacho proferido a 09/01/2025 (ref. citius 441363070) alegando, em suma, que “A manutenção do despacho de 20/11/2024, pela decisão de 09/01/2025, ora recorrida, constitui recusa de pronúncia sobre o documento probatório de 05/12/2022, junto com o requerimento de 20/12/2024. Tal decisão tem de ser revogada, ordenando-se que o dito documento probatório seja apreciado”. Cumpre apreciar. Com efeito, por força do ora recorrido despacho de 09/01/2025, foi admitido o recurso interposto pelo arguido do despacho de 20/11/2024. Neste conspecto, dispõe o art. 401.º, n.º 1, al. b) CPP que “têm legitimidade para recorrer (…) o arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas”. Assim, uma vez que o arguido pretende recorrer do despacho que admitiu o seu recurso, por se inconformar com a manutenção do despacho proferido a 20/11/2024 pelo juiz a quo, tal consubstanciaria uma repetição do recorrido. Deste modo, impõe-se concluir pela inadmissibilidade do recurso ora apresentado, porquanto o mesmo versa sobre parte da decisão que admitiu o anterior recurso interposto pelo arguido, em conformidade com o art. 401.º, n.º 1, al. b) a contrario CPP. * A única questão a decidir nesta reclamação respeita à admissibilidade do recurso interposto pelo arguido em 27.02.2025, do despacho de 9.01.2025, rejeitado pelo despacho reclamado, de 14.03.2025. Sem prejuízo sempre se dirá, sobre a alegada inconstitucionalidade da norma do art. 405.º do CPP, que permite ao arguido num processo penal reclamar do despacho de não admissão ou retenção do recurso para o Presidente do Tribunal a que o recurso se dirige: Pelo acórdão nº 413/2002, de 10.10.2002, o Tribunal Constitucional decidiu “julgar inconstitucional, por ofensa do disposto nos artigos 2º e 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a norma ínsita no artigo 405º nº 1 do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a reclamação aí prevista não é meio adequado de impugnação do despacho de não admissão do recurso quando nela se suscitam questões complexas”. Ora, no caso não está em causa que a reclamação prevista no art. 405.º do CPP não seja o meio adequado de impugnação do despacho que não admitiu o recurso interposto pelo arguido. Pelo que é aplicável à reclamação apresentada. « Está em causa a não admissão do recurso do despacho de 9.01.2025, pelo qual foi: i) mantido o despacho de 20.11.2024; ii) admitido o recurso interposto desse despacho e iii) rejeitado, por extemporaneidade, o recurso interposto do despacho de 24.02.2023. O arguido reclama da não admissão do recurso que interpôs em 27.02.2025 da primeira parte do despacho de 9.01.2025, ou seja, da decisão que tem por objecto o requerimento de 20.12.2024, no qual requereu que fosse declarada “a falsidade do ato/documento de 20.11.2024” (o despacho referido supra no ponto 1 da matéria de facto) e que o Tribunal indeferiu, por entender que não padece de qualquer nulidade ou falsidade. O recurso interposto pelo arguido, como resulta das conclusões reproduzidas supra no ponto 4 da matéria de facto, tem por objecto o primeiro dos três segmentos do despacho de 9.01.2025 relativamente ao 3ª, de rejeição do recurso do despacho de 24.02.2023, foi também objecto de reclamação, já decidida no apenso E. Quanto às razões que justificam a admissão do recurso, o reclamante remete para as conclusões do próprio recurso, concluindo que, se não for admitido, ficam por conhecer as arguidas nulidade e por cumprir os arts. 449.º, n.º4 do CPC e 265.º, nº1 do CPP, invocados nos seus requerimentos, bem como a desconformidade arguida. Sucede que o reclamante recorreu do despacho de 20.11.2024, recurso esse que foi admitido pelo despacho reclamado (ii). Ora, admitir o recurso do despacho de 20.11.2024 e o do primeiro segmento do despacho de 9.01.2025 que o mantém, constituiria uma inadmissível duplicação de recursos com o mesmo objecto. O despacho de 9.01.2025 nada inovou em relação ao despacho que manteve “por se entender que não padece de qualquer nulidade ou “falsidade” ao contrário do invocado”. Admitido o recurso do despacho de 20.11.2024, a questão da sua nulidade, arguida no recurso, terá aí que ser analisada. Tornando inútil a apreciação da arguida nulidade do despacho de 9.01.2025 na parte em que o manteve. * III. Decisão Pelo exposto, julgo improcedente a reclamação apresentada pelo arguido. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs (art. 8º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa). Notifique. *** Lisboa, 26.05.2025 Eleonora Viegas (Vice-Presidente, com competências delegadas) |