Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | URBANO DIAS | ||
Descritores: | PROPRIEDADE DE IMÓVEL RESPONSABILIDADE CIVIL PRESUNÇÃO DE CULPA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/15/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | O art. 492º do C. Civil é expresso ao afirmar que o proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos. De acordo com o art. 1346º do CC, o apelado tem o direito de se opor à concretização de factos (no caso à ruptura de canalizações) derivadas do prédio vizinho e pertença do apelante na justa medida em que os mesmos provocam e provocaram danos no seu próprio prédio. Para que haja a fundada oposição o artigo em causa exige apenas que se verifique um dos dois casos: que as emissões importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel vizinho ou que não resultem da utilização normal do prédio de que emanam. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – Relatório José .. intentou, no tribunal cível de Lisboa, acção sumária, contra Jacinto .., Maria .. e João .., pedindo a condenação destes no pagamento da importância de 400.000$00 e juros à taxa legal desde a citação e, ainda, a efectuarem no seu prédio obras de consolidação da parede da empena esquerda, a repararem os estragos provocados nas paredes deste pelas infiltrações e nos 1º, 2º e 3º andares direitos e na loja nº 1 –A do R/C, incluindo picar, rebocar, esboçar, fazer acabamentos a cimento afagado, pintar paredes, substituir rodapés e tacos de pinho e outras reparações necessárias a eliminar os estragos derivados das infiltrações. Em suma, alegou que é comproprietário do prédio referido e contíguo ao pertencente aos RR. e ter tido necessidade de proceder a reparações resultantes de rotura nas canalizações dos RR., repetindo-se as infiltrações desde 1995 sem que estes hajam providenciado pelas reparações solicitadas, resultando estragos em várias divisões do prédio. Apenas contestou e por impugnação o R. Jacinto que pediu a improcedência da acção. Os restantes RR. foram citados editalmente e passaram a ser representados pelo MºPº. No despacho saneador, o tribunal foi julgado competente, as partes legítimas e o processo isento de nulidades. Foi elaborada a base instrutória. A audiência de discussão e julgamento decorreu com observância de todas as legais formalidades, como das actas consta. Após as respostas dadas aos quesitos formulados, o Mº juiz a quo proferiu a sentença na qual julgou a acção parcialmente procedente, apenas condenando o R. Jacinto a pagar em euros o correspondente a 318.276$00 e juros de mora contados à taxa legal a partir da citação até cumprimento, a reparar a canalização dos esgotos do prédio e a proceder a obras segundo as regras da arte, designadamente picar, esboçar, rematar a cimento afagado, substituir rodapés, tacos e rebocar nos 1º, 2º e 3º andares direitos do prédio do A. de modo a reparar os danos infra indicados. Com esta decisão não se conformou o R. Jacinto que apelou para este Tribunal, pedindo a sua revogação, tendo concluído do seguinte modo: - Não existe qualquer elemento que possibilite conduzir à conclusão de que o recorrente teve conhecimento antes de 16 de Agosto de 1995 da existência de infiltrações no prédio do recorrido; - Pelo que, o seu conhecimento só adveio em momento posterior aos danos, que ocorreram no ano de 1994 no prédio do recorrido; - Assim sendo, nos termos do art. 483º do C. Civil, competia ao recorrido alegar e provar que, em 1994, o recorrente teve conhecimento da rotura dos canos e que os mesmos estavam a causar infiltrações no prédio vizinho, a fim de lhe poder ser sacada a responsabilidade civil no pagamento das obras já realizadas pelo recorrido; - Não tendo sido feita tal prova, falta o elemento da culpa, e como tal, a condenação do recorrente no pagamento da quantia de 318.276$00 constitui uma clara violação do preceituado nos arts. 483º, 486º, 487º e 492º todos do C. Civil; - Sustenta a sentença recorrida que a pretensão do recorrido em peticionar a condenação do recorrente a proceder à reparação da conduta de esgotos e plenamente válida, visto a lei prever tal realidade, por via do disposto nos arts. 1346º e 1350º do C. Civil, contudo, tais disposições legais não têm aplicabilidade no caso em apreço, razão pela qual, estamos perante uma errada aplicação do direito; - Não existem nos autos elementos de facto que conduzam à possibilidade do Tribunal recorrido condenar o recorrente a executar as obras descritas no ponto nº 3 do § 4 da sentença, pelo que, ao ter condenado nos termos referidos, esta é nula, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 668º do C. Civil. O apelado, por sua vez, defendeu a manutenção da sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2 – Os factos dados como provados são os seguintes: - O A. adquiriu, por herança de Maria ..., em comum e sem determinação de parte ou direito o prédio com os números X da Rua Dr. Nicolau Bettencourt, freguesia de S. Sebastião da Pedreira em Lisboa (inscrito na matriz sob o art. 449º e descrito sob número 343, a fls. 11 e 12); - O prédio com os números X da Rua Nicolau Bettencourt é pegado com o prédio que tem os nºs Y da R. Carlos Testa e os nºs Z do Largo de S. Sebastião da Pedreira (descrito sob o art. 214º e inscrito sob o nº 3.634); - O prédio que tem os nºs Y da Rua Carlos Testa e os números Z do Largo de S. Sebastião da Pedreira foi comprado por Jacinto ... e por José ... por escrituras datadas de 30-10-73 e de 02-05-74; - Durante o ano de 1994 ocorreram infiltrações de água na empena do prédio com os números X da R. Dr. Nicolau Bettencourt; - E as infiltrações provocaram em andares deste queda de estuque e de reboco das paredes e o apodrecimento de tacos dos pavimentos e dos rodapés; - As referidas infiltrações foram causadas por roturas da canalização dos esgotos do prédio que tem os números Y da Rua Carlos Testa; - Em consequência dos estragos provocados pelas infiltrações o A. teve que proceder a reparações no prédio com os números X da Rua Dr. Nicolau Bettencourt por exigência dos inquilinos; - No primeiro direito o A. teve que picar paredes, esboçar, fazer acabamentos e rematar paredes a cimento afagado; - No segundo direito o A. teve que picar paredes, esboçar, fazer acabamentos e rematar paredes a cimento afagado, substituir o rodapé, levantar massas, limpar substituir tacos de madeira do chão; - No terceiro andar o A. teve que picar paredes, esboçar e rematar paredes a cimento afagado; - E em todos os andares teve que pintar as paredes reparadas; - O A. gastou nas referidas reparações a quantia de 318.276$00; - As infiltrações indicadas vêm ocorrendo de novo desde 1995; - Provocando salitres e empolamento das pinturas nas paredes e nos tectos que confrontam com o prédio que tem os nºs Y da Rua Carlos Testa; - E aluimento de rebocos, fendilhação e podridão dos rodapés e de tacos do chão; - No rés-do-chão do prédio com os nºs X da Rua Nicolau Bettencourt funciona um restaurante. 3 – Quid iuris? Face às conclusões do apelante, somos confrontados com as seguintes questões: - poderá o apelante ser responsabilizado pelos danos ocorridos em 1994? - têm ou não aplicação ao caso presente o preceituado nos arts. 1346º e 1350º do C. Civil ? - a sentença está ferida de nulidade face ao disposto na al. b) do nº 1 do art. 668º do C.P.C.? Analisemos cada uma destas questões. 1ª - os danos ocorridos em 1994 poderão responsabilizar o R.? O A., ora apelado, afirmou na sua petição que o R. Jacinto, ora apelante, recebeu da C. M. Lisboa, em 16.08.95, intimidação para, no prazo de 15 dias, iniciar as obras. Este facto foi reconhecido como verdadeiro pelo R. no art. 14º da sua contestação. Antes, em 29 de Março de 1995, o ora apelado tinha feito saber ao ora apelante dos danos provocados no prédio em virtude de roturas das canalizações do prédio deste (cfr. carta de fls. 206). Como dono do prédio, incumbia ao ora apelante a obrigação de saber do estado de conservação do seu prédio. O art. 492º do C. Civil é expresso ao afirmar que o proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos. Ora, sendo certo que o ora apelante só em 1995 é que teve conhecimento oficial do estado do seu prédio, isso não o desresponsabiliza pelos prejuízos que o apelado acabou por ter em consequência da má conservação do seu prédio. De acordo com o artigo supra citado, incumbia ao apelante provar que não teve culpa na produção dos danos verificados em 1994 ou, então, provar que, mesmo com a diligência devida, os mesmos se teriam verificado. Irrelevante, por isso a alegação do apelante de que só teve conhecimento dos danos em 1995 para efeito de não ser responsabilizado. O apelante pode (e deve), desta forma, ser responsabilizado pelos danos sofridos pelo apelado no seu prédio. 2ª questão – a aplicabilidade ao caso sub judice dos arts. 1346º e 1350º do C. Civil. Também aqui o apelante carece de razão. De acordo com o 1º artigo referido, o apelado tem todo o direito de se opor à concretização de factos (no caso à ruptura de canalizações) derivadas do prédio vizinho e pertença do apelante na justa medida em que os mesmos provocam e provocaram danos no seu próprio prédio. Como salientam Pires de Lima e Antunes Varela, para que haja a fundada oposição o artigo em causa exige apenas que se verifique um dos dois casos: que as emissões importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel vizinho ou que não resultem da utilização normal do prédio de que emanam (in Código Civil Anotado, Volume III – 2ª edição -, pág. 178). O 2º dos aludidos artigos ainda é mais claro a respeito da responsabilidade do apelante: “se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo de ruir, no todo ou em parte, e do desmoronamento puderem resultar danos para o prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da pessoa responsável pelos danos, nos termos do artigo 492º, as providências necessárias para o eliminar”. A realização das obras a que o R., ora apelante, foi condenado a realizar está fundamentada nestes dois preceitos legais: por virtude da ruptura das canalizações do prédio do apelante, o prédio do apelado sofreu danos que aquele deve, com fundamento nos referidos preceitos, reparar. As ameaças devem provir de um edifício ou de outra obra. Pode tratar-se de uma casa, mas também pode tratar-se de um muro, de uma fonte, de um aqueduto, de um pilar, de uma antena, de um pára-raios, de uma piscina que pela ruína possa provocar infiltrações nocivas ao prédio vizinho, ou de um simples andaime. São responsáveis pelos prejuízos o proprietário ou possuidor, ou a pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra, se a ameaça de ruína resultar exclusivamente de defeitos de conservação (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in obra citada, pág. 189, nota 4). As normas citadas são, pois, aplicáveis ao caso sub judice. 3ª questão – a invocada nulidade da sentença A al. b) do nº 1 do art. 668ºdo C.P.C. comina com nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão. De acordo com a apelante não existem nos autos elementos de facto que justifiquem a sua condenação na execução das obras descritas na sentença. Como refere Alberto dos Reis, uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas. E justifica, dizendo que a sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando geral e abstracto da lei o magistrado substitui um comando particular e concreto (in Código de Processo Civil anotado, Volume V, pág. 139). O apelante foi condenado a proceder a obras, designadamente picar, esboçar, rematar a cimento afagado, pintar e substituir rodapés e tacos e rebocar nos 1º, 2º e 3º andares direitos do prédio do A. de modo a reparar os danos causados, ou seja, salitres e empolamento das pinturas nas paredes e nos tectos, aluimentos de rebocos, fendilhação e podridão de rodapés e tacos no chão. E é fácil explicar a razão da condenação concreta da realização das obras descriminadas se atendermos que, anteriormente, pelos mesmos motivos, o apelado já tinha sido obrigado a picar paredes, esboçar, fazer acabamentos, rematar paredes com cimento afagado, substituir rodapés, levantar massas, limpar, substituir tacos de madeira no chão, ut factos dados como provados sob os nºs 8º, 9º e 10º e supra referidos. Estão, pois, justificados os fundamentos de facto que serviram de base a decisão de condenação do apelante na realização das obras referidas no nº 3 do § 4º da sentença, razão pela qual não se verifica a apontada nulidade da sentença. Também neste ponto a razão não está do lado do apelante. Improcede, desta forma, em toda a linha a tese do apelante. 4 – Decisão Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se, na improcedência da apelação, confirmar a sentença do Mº juiz da 6ª Vara Cível de Lisboa. Custas pelo apelante. Lisboa, aos 15 de Maio de 2003 Urbano Dias Sousa Grandão Arlindo Rocha |