Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8558/2007-1
Relator: MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA
Descritores: FORO CONVENCIONAL
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. A celebração de convenções sobre a competência quer de pactos de jurisdição, quer de pactos de competência, quer de convenções de arbitragem está genericamente sujeita às mesmas regras de formação atinentes à declaração de vontade e aspectos relacionados e aos mesmos requisitos de validade de qualquer contrato substantivo.
2. No caso dos autos, a cláusula 20 das “Condições Gerais” do contrato invocado pela Autora/Agravante (na petição inicial da presente acção), que estipula o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, para todos os litígios emergentes do mesmo contrato, constitui, tipicamente, um pacto de competência, nos termos e para os efeitos previstos no cit. art. 100º do C.P.C.
3.. A R. alegou que tal cláusula não lhe foi comunicada, colocando a cargo do A. o ónus da prova da sua comunicação adequada e efectiva.
2.Não tendo sido feita por qualquer meio prova quanto à comunicação efectiva terá de considerar-se a cláusula em apreço excluída, nos termos dos art. 5º e 8º, a) do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, o que determina a aplicação do regime supletivo vigente, nos termos do art. 9º, n.º 1 do mesmo diploma.
MRB
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam nesta secção cível os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

C, S.A., Autora nos autos supra referidos, veio interpor recurso de agravo da decisão proferida nos autos do 7º Juízo Cível de Lisboa, que julgou procedente a excepção dilatória da incompetência relativa, em razão do território e, em consequência, declarou esse tribunal incompetente para conhecer da acção e determinou a remessa do processo aos Juízos Cíveis do Porto, por serem os competentes.

São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas:

I. “CONCLUSÕES
1.ª Por despacho do Meritíssimo Juiz a quo foi o Tribunal considerado incompetente em razão do território e, consequentemente, determinada a remessa do processo para o tribunal competente.
2.ª O Meritíssimo Juiz a quo fundamentou a sua decisão em duas ordens de razões, ou seja, considerou que, por um lado, a Cláusula Contratual Geral que estabelece o pacto privativo de jurisdição não foi comunicada à Ré porquanto não foi realizada prova da comunicação da Cláusula Contratual Geral em apreço, e que, por outro lado, a norma supletiva aplicável implica que o tribunal competente para a instrução e julgamento da presente acção são os Juízos Cíveis do Porto.
3.ª Salvo melhor opinião, o Meritíssimo Juiz a quo não interpretou da maneira mais correcta os factos alegados pelas partes nem fez a mais correcta interpretação e aplicação do direito.
4.ª Ou seja, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu despacho sobre a excepção dilatória de incompetência territorial sem que dos autos constassem todos os elementos necessários (crf. atigos 510.º, n.4 aplicável por remissão do artigo 787.º e 513.º do CPC).
5.ª As partes estão obrigadas a arrolar testemunhas, porquanto para o efeito apenas esta prova seria relevante, na audiência preliminar ou não havendo lugar a esta no no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho saneador (cfr. artigo 512.º aplicável por remissão do artigo 787.º do CPC).
6.ª Pelo exposto, resulta evidente que a A, ora Agravante não produziu prova da comunicação da Cláusula Contratual Geral na qual está inserido o pacto privativo de jurisdição porque esse direito lhe foi negado.
7.ª No entanto, mesmo quando assim não se entender, sem conceder, sempre seremos levados a concluir que a norma supletiva aplicável impõe que o tribunal competente seja o Tribunal a quo, senão vejamos:
8.ª A A, ora Agravante, não alegou que o pagamento deveria ser realizado no domicílio da R, ora Agravada, como refere o Meritíssimo Juiz a quo, tendo referido, ao invés, que na data da entrega da mercadoria estava aquela obrigada à entrega de cheques pré datados (vide despacho recorrido e artigos 14.º e 50-º da petição inicial).
9.ª Nos termos do disposto no artigo 885.º do C.C. “1. O preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida. 2. Mas, se por estipulação das partes ou por força dos usos o preço não tiver de se pago no momento da entrega, o pagamento será efectuado no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.” – sublinhado nosso.
10.ª Nos termos do contrato celebrado entre as partes, a R, ora Agravada, estava obrigada à entrega, na data da entrega da mercadoria, de cheque para apresentação a pagamento a 30 dias com 2% de desconto, contados a partir dessa mesma data.
11.ª Acordo celebrado casuisticamente entre as partes e não através da adesão às Cláusulas Contratuais Gerais, como pode ser confirmado pela análise dos documentos juntos à petição inicial e à contestação.
12.ª Pelo exposto, resulta evidente que foi acordado entre as partes que o preço das mercadorias não seria pago no momento da entrega.
13.ª Logo, existindo acordo sobre o não pagamento do preço no momento da entrega da mercadoria, a obrigação de pagamento deve ser cumprida no domicílio do credor, ora Agravante (cfr. Artigo 885.º do CC).
14.ª Tendo A, ora Agravante, sede em Lisboa, o lugar do cumprimento da obrigação é em Lisboa, sendo a comarca de Lisboa territorialmente competente para conhecer da presente acção.
15.ª Por tudo quanto foi exposto, resulta claro que o tribunal competente para a presente acção é o Tribunal a quo, seja por via do pacto de jurisdição celebrado entre as partes, seja por via da aplicação da regra supletiva prevista no artigo 885.º do C.C.”

Não foram proferidas contra alegações.

O Tribunal a quo sustentou o despacho agravado.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso

Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex vi do art. 713, nº2, do mesmo diploma legal.

O despacho de que se agrava é o que passamos a transcrever.
“CONCLUSÃO:
Em 02-10-2006
-CLS-
Da incompetência territorial:
Na contestação, a R. suscitou a excepção da incompetência territorial deste tribunal de Lisboa, alegando que, e em suma, por força das regras supletivas de competência, o tribunal territorialmente competente é o tribunal do Porto e que as condições gerais onde se inclui a cláusula de jurisdição que estabelece a competência do tribunal de Lisboa não foram sequer comunicadas à R. e encontram-se depois da sua assinatura e a própria cláusula de jurisdição gera graves inconvenientes para a R., pelo que a mesma é proibida e nula.
A A. respondeu à excepção invocada, pugnando pela sua improcedência, por entender que as regras supletivas aplicáveis determinam a competência do tribunal de Lisboa e que a cláusula do contrato em causa é válida.
Dos documentos juntos aos autos com a p.i., subscritos por ambas as partes, retira-se, além do mais, o seguinte:
- Cláusula 20ª das Condições Gerais: “Em caso de conflito, será exclusivamente competente para julgar o Tribunal Judicial de Lisboa e será aplicável a Lei Portuguesa. (…)”
Importa então, e em primeiro lugar, apreciar da validade do pacto de competência em causa.
A competência é a medida de jurisdição de um Tribunal: este é competente para o julgamento de certa causa quando os critérios determinativos de competência lhe atribuem a medida de jurisdição que é a suficiente e a adequada para essa apreciação.
À competência assim delimitada chamam a doutrina e a jurisprudência competência jurisdicional.
Esta é um pressuposto processual, i. e., uma condição necessária para que o Tribunal possa pronunciar-se sobre o mérito da causa, através de uma decisão de procedência ou de improcedência.
A competência interna é aferida por diversos critérios legais e determina-se quanto aos tribunais judiciais, em razão da matéria, da hierarquia, do valor e do território (artigo 62.º do Código de Processo Civil e artigo 17.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).
Nos termos do artigo 100.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as regras de competência não podem, em regra, ser afastadas por vontade das partes. No entanto, dispõe o mesmo preceito, que é permitido a estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 110.º
Nesses casos, a convenção deve constar de acordo que satisfaça os requisitos de forma do contrato, fonte de obrigação, contanto que seja reduzido a escrito e designe as questões a que se refere e o critério de determinação do tribunal que fica sendo competente (artigo 100.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), sendo a competência assim fixada tão obrigatória como a que deriva da lei (artigo 100.º, n.º 4 do Código de Processo Civil).
No caso dos autos, a R. não impugnou a sua assinatura aposta nos documentos onde se encontra inserida a referida cláusula, nem arguiu a falsidade dos mesmos, pelo que está reconhecida a autoria das declarações nele constantes e respectiva força probatória dos documentos, sendo então a única questão a apreciar a validade da cláusula que estabelece o pacto de competência, inserida nas Condições Gerais do contrato, fisicamente incluídas após a assinatura da R.
Não restam dúvidas que as cláusulas contratuais gerais que integram o contrato celebrado entre as partes não foram objecto de prévia negociação, tendo a R. apenas aderido às mesmas, pelo que essas cláusulas são regidas pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto e n.º 249/99, de 7 de Julho, cfr. art.º 1º, n.ºs 1 e 2 e 4º daquele diploma.
Nos termos dos art.ºs 5º, 6º e 8º, a) e d) do referido diploma, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas, de forma adequada e efectiva, na íntegra ao aderente, cabendo o ónus da prova dessa comunicação ao contratante que submeta a outrem tais cláusulas, considerando-se excluídas do contrato quer as cláusulas que não tenham sido comunicadas, quer as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes.
Relativamente ao local de inserção das cláusulas contratuais gerais – após as assinaturas dos contratantes – o que se mostra relevante para efeitos do referido art.º 8º, d) é a referência à existência de tais cláusulas no rosto do documento, de forma a que um leitor medianamente atento, usando de normal diligência, não possa deixar de conhecer o seu conteúdo, pelo que, não tendo sido suscitada pela R. a falsidade dos contratos, concluí-se que o seu verso, que não consente qualquer aditamento, já se encontrava preenchido no momento em que a R. nele apôs a sua assinatura.
Se assim é, e se a R. apôs a sua assinatura no rosto do contrato e se aí consta não só referência expressa à existência de Condições Gerais, como a declaração de aceitação das mesmas, não há lugar à aplicação da alínea d) do referido art.º 8º, cfr., neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, de 08/05/2003, CJ, Tomo III, págs. 73 e segs.
Quanto à questão da comunicação das cláusulas, conforme referido, a R. declarou, nas condições particulares, aceitar as Condições Gerais de Venda Transcritas no seu verso sob o n.º 1 ao n.º 21. Tal não significa, no entanto, que se considere que foi cumprida a obrigação de comunicação efectiva de tais cláusulas, até porque a R. alegou que tais cláusulas não lhe foram comunicadas, colocando assim a cargo da A. o ónus da prova da sua comunicação adequada e efectiva. Ainda que a A. tenha alegado que o fez, não indicou, para efeitos do presente incidente, qualquer meio de prova, pelo que terá de considerar-se a cláusula em apreço excluída, nos termos dos referidos art.ºs 5º e 8º, a) do Decreto-Lei n.º 446/85, o que determina a aplicação do regime supletivo vigente, nos termos do art.º 9º, n.º 1 do mesmo diploma.
Tanto basta para que se conclua pela inaplicabilidade da cláusula em apreço, ficando prejudicada a questão de saber se a mesma deve ou não ser considerada relativamente proibida, nos termos do disposto no art.º 19º, al. g) do referido diploma legal.
Para aplicação das regras gerais supletivas, importa considerar que a A. peticiona o pagamento do preço de mercadorias que vendeu à R., pelo que a norma a ter em conta para efeitos de competência territorial é o art.º 74º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 14/06, de 26 de Abril, atenta a data da propositura da acção, que confere ao credor o direito de escolher entre o domicílio do réu ou o lugar onde a obrigação deveria ser cumprida. Ora, a R. está domiciliada no Porto e a obrigação em causa deveria ser cumprida no Porto, nos termos do art. 885º, n.º 1 do Código Civil.
Com efeito, não obstante a A. referir no seu articulado de resposta à contestação que, de acordo com o art.º 774º do Código Civil, a obrigação deveria ser cumprida em Lisboa, por um lado, a norma aplicável in casu é o referido art.º 885º do mesmo Código, especialmente delineado para a compra e venda, que estabelece que o preço é pago no lugar da entrega da coisa vendida e, por outro lado, resultando de acordo das partes nos respectivos articulados que o material encomendado deveria ser pago aquando da sua entrega no domicílio da R., sito no Porto, o tribunal territorialmente competente para julgamento da presente acção é o tribunal do Porto quer por constituir o domicílio da R., quer por ser o do local onde a obrigação deveria ser cumprida.
A incompetência relativa, em razão do território, constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso ou dependente de arguição, conforme os casos, e determina a remessa do processo para o tribunal competente, cfr. art.ºs108º, 109º, 110º, 111º, n.º 3, 493º, n.º 2, 494º, n.º 1, a) e 495º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, julgo procedente a excepção dilatória da incompetência relativa, em razão do território e, em consequência, declaro este tribunal incompetente para conhecer da presente acção e determino a oportuna remessa do processo aos Juízos Cíveis do Porto, por serem os competentes.
Custas do incidente a cargo da A., com taxa de justiça que se fixa em 1 UC.
Notifique e, após trânsito, remeta os autos aos Juízos Cíveis do Porto.
(Texto elaborado em computador e revisto integralmente pela signatária.)
Lisboa, 07-12-2006 (Após 18h00)”

Quid juris?
A questão em apreço nos autos é a de saber se o tribunal competente para conhecer da acção em que a A/agravante peticiona o pagamento de mercadorias que a Ré/agravada lhe encomendou é o tribunal de Lisboa onde a agravante intentou a acção por força da cláusula de jurisdição constante do contrato ou se, como defende o tribunal a quo, a competência incumbe aos juízos cíveis do Porto quer porque é aí que se encontra o domicílio da ré e é o local onde a obrigação deveria ser cumprida, tendo de considerar-se excluída a cláusula de jurisdição nos termos dos art. 5º e 8º, a) do Decreto-Lei n.º 446/85, por não ter havido comunicação efectiva de tais cláusulas, o que implica a aplicação do art. 885, do CPC.

No caso dos autos, a cláusula 20 das “Condições Gerais” do contrato invocado pela Autora/Agravante (na petição inicial da presente acção), que estipula o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, para todos os litígios emergentes do mesmo contrato, constitui, tipicamente, um pacto de competência, nos termos e para os efeitos previstos no cit. art. 100º do C.P.C.
Pacto de competência é a convenção pela qual as partes designam como competente para o julgamento de determinado litígio um tribunal diferente daquele que resulta das regras de competência interna.
A celebração de convenções sobre a competência quer de pactos de jurisdição, quer de pactos de competência, quer de convenções de arbitragem está genericamente sujeita às mesmas regras de formação atinentes à declaração de vontade e aspectos relacionados e aos mesmos requisitos de validade de qualquer contrato substantivo.
Ora no caso em análise, como se destaca no despacho sob censura, não foi cumprida a obrigação de comunicação efectiva de tais cláusulas. Com efeito, a R. alegou que tais cláusulas não lhe foram comunicadas, colocando a cargo do A. o ónus da prova da sua comunicação adequada e efectiva.
E a agravante não juntou aos autos nenhum documento nem indicou qualquer outro meio de prova quanto à comunicação efectiva pelo que tal, como foi entendido pelo tribunal a quo, terá de considerar-se a cláusula em apreço excluída, nos termos dos art. 5º e 8º, a) do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, o que determina a aplicação do regime supletivo vigente, nos termos do art. 9º, n.º 1 do mesmo diploma.
Assim sendo a norma aplicável para efeitos de competência territorial sempre seria a do art. º 74º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 14/06, de 26 de Abril, atenta a data da propositura da acção, (25.11.04) que confere ao credor o direito de escolher entre o domicílio do réu ou o lugar onde a obrigação deveria ser cumprida. Ora, a R. está domiciliada no Porto e a obrigação em causa deveria ser cumprida no Porto, nos termos do art. 885º, n.º 1 do Código Civil, não sendo aplicável o nº 2 do mesmo preceito, como defende a agravante, pois que tal entendimento é contrariado pelo alegado no próprio articulado da agravante –art. 13 e 14 da petição inicial.
A competência para conhecer dos autos é, pois, dos juízos Cíveis do Porto sendo de manter o despacho recorrido que julgou procedente a arguida excepção de incompetência relativa, em razão do território, do 7º Juízo Cível de Lisboa.

DECISÃO
Pelo exposto negam provimento ao agravo mantendo o despacho recorrido.
Custas pela agravante.
Lisboa, 8 de Janeiro de 2008.