Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
37/2007-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: ABANDONO DE TRABALHO
AUSÊNCIA AO SERVIÇO
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I. Para haver abandono do trabalho não basta que o trabalhador esteja ausente do serviço. É necessário que o mesmo assuma um comportamento, do qual se possa deduzir com segurança, que se quis desvincular do contrato;
II. Se o trabalhador faltar ao serviço durante dez ou mais dias úteis seguidos, sem comunicar ao empregador o motivo dessa ausência, não haverá presunção de abandono, se este conhecia os motivos da mesma;
III. Se poucos dias antes de terminar o seu mandato de deputado, o trabalhador se deslocou às instalações do Banco onde trabalhava e comunicou que não se apresentaria ao serviço por ter uma proposta de requisição de serviço de um organismo público e se esse organismo, poucos dias depois, informa o Banco que o trabalhador foi requisitado e, nessa qualidade, se encontrava ao seu serviço, como seu gestor financeiro, desde o termo do seu mandato de deputado, o Banco não pode invocar, nesta situação, abandono do trabalho, pois conhecia o motivo da ausência, sabia que esta era meramente temporária e que o trabalhador não queria desvincular-se;
IV. Se entendia que a não comparência ao serviço era injustificada, por não ter autorizado a “requisição” ou por esta não se ter processado nos devidos termos, e que devia pôr termo ao contrato com esse fundamento, o Banco só tinha um caminho: a via disciplinar. Nunca a invocação do abandono do trabalho.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

J…, residente na Rua…, instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra
B… Banco, S.A., com sede à Rua …., pedindo que o seu despedimento seja declarado ilícito e que a R. seja condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe os salários vencidos e vincendos até decisão final.
Alegou para tanto e em síntese o seguinte:
Entrou ao serviço do R., em 13.04.1981, sendo-lhe atribuída a categoria de gerente comercial, nível 13;
Entre 8.11.1996 e 15.11.2004, o A. exerceu as funções de deputado na Assembleia Legislativa Regional e o seu contrato de trabalho esteve suspenso, durante esse período;
Em 8.11.2004, antes da cessação da suspensão, o A. requereu ao R. que lhe fosse concedida licença sem vencimento pelo período de 36 meses o que não foi autorizado por este, conforme ofício de 22.11.2004;
Em 17.12.2004, o A. foi requisitado para exercer temporariamente funções de apoio à Casa do Povo de G…;
Em 14.02.2005, o Réu indagou da legalidade dessa requisição junto desta Casa do Povo sem que tivesse comunicado ao A. esse pedido de esclarecimento;
O Réu nunca lhe comunicou qual seria a sua posição face a tal requisição e, em 4.11.2005, recebeu uma comunicação sua na qual o informava que considerava cessado o contrato, por abandono do trabalho, com efeitos à data de 23.12.2004;
Sempre pretendeu manter o vínculo contratual com o Réu e este não pode invocar que desconhecia as razões da sua ausência ao serviço, pelo que a situação não se enquadra no previsto no art. 450º, n.º 2 do Código do Trabalho;
A comunicação do Réu constitui, assim, um verdadeiro despedimento, que por não ter sido precedido de processo disciplinar, deve ser considerado ilícito.

O Banco Réu contestou a acção alegando, em resumo, o seguinte:
Nunca deu o seu consentimento a qualquer requisição, limitando-se a formular um pedido de informação sobre a base legal dessa requisição que não obteve qualquer resposta, pelo que nunca se concretizou a referida requisição;
Em 7.10.2005, recebeu um pedido de autorização de requisição relativo ao A. formulado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira com efeitos a 1.10.2005 que não se veio a concretizar porque o Banco nunca prestou o seu acordo prévio;
O acordo do Réu era requisito indispensável para a efectivação da requisição;
O A., desde 23.12.2004, nunca apresentou qualquer justificação para as suas ausências, pelo que as mesmas revelam intenção de não retomar o serviço;
Após a comunicação da cessação do contrato de trabalho por abandono do trabalho, o A. não comunicou a ocorrência de motivo de força maior de forma a ilidir a presunção legal;
O contrato cessou, pois, em 23.12.2004.
Concluiu pela improcedência da lide e pela sua absolvição do pedido.

O A. respondeu sustentando que é irrelevante apreciar a licitude da requisição dado que nunca existiu um processo disciplinar para avaliar da falta de justificação das faltas; por outro lado, sendo a requisição, por natureza, transitória, não poderia o Banco presumir que o A. pretendia cessar a sua relação laboral.
O A. optou pela indemnização de antiguidade, em substituição da sua reintegração na empresa.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador/sentença, que julgou improcedente a acção e absolveu o Banco R. do pedido.

Inconformado, o A. interpôs recurso de apelação da referida decisão, no qual formulou as seguintes conclusões:
(…)
Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente e condene a Ré no pedido.
O Banco R., na sua contra-alegação, pugnou pela confirmação da decisão recorrida e pelo não provimento do recurso.

Admitido o recurso, na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A questão que se suscita neste recurso consiste em saber se o contrato de trabalho cessou, por abandono do trabalho, por parte do A., ou se este foi ilicitamente despedido pelo Banco R..

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

Alega o apelante que decisão que fixou a matéria de facto provada enferma de incorrecções nos pontos 1, 13 e 14.
Em relação ao ponto 1, no qual se deu como provado que “A cessação do contrato ocorreu em 23/12/2004”, o apelante sustenta que esta matéria constitui o “thema decidendum” desta acção, pelo que nunca poderia ser considerada provada.
Mas não lhe assiste razão. Na verdade, o que está em causa nesta acção, o que constitui verdadeiramente o “thema decidendum” deste processo, não é saber se a cessação do contrato ocorreu em 23/12/2004 ou em qualquer outra data - esse facto está provado por documento (cfr. fls. 11) e por acordo das partes (cfr. artigos 13 da p.i. e 23 da contestação) e ficou consignado, de forma correcta, no ponto 1 da matéria de facto provada – mas sim saber se o contrato de trabalho que vinculou ambas as partes cessou, por abandono do trabalho do A., ou se pelo contrário, este foi ilicitamente despedido pelo Banco Réu.
Em relação ao ponto 13 - no qual se deu como provado que “desde 23.12.2004, o A. nunca mais compareceu ao serviço no Banco réu” – também não assiste qualquer razão ao apelante. Com efeito, tal facto foi alegado pelo apelado no artigo 30º da sua contestação e resulta claramente provado dos articulados e dos documentos juntos a fls. 11 e 9.
Deve, por isso, manter-se tal como está consignado na decisão impugnada.
Finalmente, em relação ao ponto 14, no qual se deu como provado que “o A. nunca apresentou qualquer motivo para a não comparência, já se nos afigura que assiste razão ao apelante. Além de se tratar de matéria conclusiva, a mesma está em total contradição com a matéria alegada pelo apelado nos artigos 32º e 33º da sua contestação e com o teor do documentos juntos a fls. 9 e 31 dos autos, pelo que deve ser eliminada.
Assim, com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte matéria de facto:
1. O A. entrou ao serviço do Banco Réu, em 13.04.1981, sendo-lhe atribuída a categoria profissional de “gerente comercial”, nível 13 e pagas quatro diuturnidades e subsídio de isenção de horário em Outubro de 1996 (por acordo);
2. Entre 8.11.1996 e 15.11.2004, o A. exerceu funções de deputado na Assembleia Legislativa Regional (por acordo);
3. Por essa razão, o contrato de trabalho esteve suspenso (por acordo);
4. Em 8.11.2004, antes da cessação da suspensão do contrato de trabalho, o A. requereu ao Réu que lhe fosse concedida uma licença sem vencimento pelo período de 36 meses (por acordo e documento de fls. 7);
5. Por carta datada de 22.11.2004, o Réu deu conta ao A. que a “Comissão Executiva deliberou, em 2004/11/18, não autorizar, pelos motivos solicitados, o seu pedido de licença sem retribuição” carta esta que o A. recebeu em 3.12.2004 (documentos de fls. 8 e 57);
6. Com data de 19.01.2005 a Casa do Povo de G… enviou ao Réu uma carta com o seguinte teor: “Pelo presente vimos comunicar a V.Exas., que o Vosso Funcionário J…, ao serviço de Assembleia Legislativa da Madeira desde 1996, foi requisitado para Conselheiro e Gestor Financeiro da Casa do Povo de G…, Instituição de Utilidade Pública, sob a tutela da Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais, com efeitos a partir do dia 17 de Dezembro de 2004, pelo período de vigência do VII Governo Regional da Madeira. Informamos que o vosso Funcionário prescinde do vencimento do Banco, sem prejuízo para a carreira profissional do mesmo” (documento de fls. 9);
7. Com data de 14.02.2005, o Réu dirigiu ao Senhor Presidente da Casa do Povo de G… uma carta com o seguinte teor: "Em relação ao ofício dessa Casa do Povo de 19/01/2005 sobre o tema “Requisição do vosso funcionário J…”, vimos solicitar a V.Exa. se digne comunicar-nos qual a base legal em que assenta o pedido da requisição em apreço, a fim de ser apreciado e decidido” (documento de fls. 10);
8. O Réu não recebeu qualquer resposta por parte da Casa do Povo de G… à carta referida em 7 (por acordo);
9. O Réu nunca comunicou ao A. que havia solicitado o pedido de esclarecimento referido em 7. nem qual seria a sua posição sobre o pedido de requisição;
10. Em 4.11.2005, o A. recebeu uma carta enviada pela Réu, com data de 25.10.2005, na qual esta lhe dá conta que o mesmo “se deveria ter apresentado ao serviço em 2004-12-23. Não o tendo feito, nem apresentado motivos justificativos da ausência, considera-se que abandonou o trabalho, o que equivale, nos termos do n.º 4 do art. 450º do Código do Trabalho, à denúncia, por sua iniciativa, do Contrato. Desta forma, vimos, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do citado artigo do Código do Trabalho, comunicar-lhe que consideramos cessado, por abandono do trabalho, com efeitos à data de 23 de Dezembro de 2004, o contrato de trabalho que o ligou a este Banco” (documento de fls. 11 e por acordo);
11. Foi dirigido ao Réu um ofício com data de 6.10.2005, expedido pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma, com o seguinte teor: “Em cumprimento do Despacho de Sua Excelência o Senhor Presidente da Assembleia Legislativa da madeira, de 03 do corrente mês, solicito e antecipadamente agradeço a V. Ex.a., que seja autorizada a requisição do V/funcionário acima identificado, para prestar funções no Gabinete de Apoio do grupo parlamentar do PSD nesta Assembleia Legislativa, com efeitos a partir de 01 de Outubro de 2005, inclusive” (documento de fls. 39);
12. O Réu nunca deu o seu consentimento a qualquer requisição (por acordo);
13. Desde 23.12.2004, o A. nunca mais compareceu ao serviço no Banco Réu (por acordo);
14. A matéria que constava neste número foi eliminada pelas razões que atrás referimos.
15. O Réu não instaurou qualquer processo disciplinar ao A. (por acordo).

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

A questão fulcral que se suscita neste recurso consiste em saber se o contrato de trabalho que vinculou ambas as partes cessou, por abandono do trabalho do A. ou se, pelo contrário, este foi ilicitamente despedido pelo Banco Réu.
Nos termos do disposto no art. 450º, n.º 1 do Código do Trabalho, “considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de não o retomar.”
Para haver abandono do trabalho é necessário, portanto, que se verifiquem dois requisitos cumulativos: ausência do trabalhador ao serviço e um comportamento da parte deste do qual se possa deduzir, com segurança, de que não pretende retomá-lo. Não basta que o trabalhador esteja ausente do serviço, é necessário (também) que o trabalhador assuma um comportamento concludente, no sentido de evidenciar que, de facto, quis pôr termo ao contrato de trabalho, sem se dar sequer ao incómodo de proceder a uma declaração expressa nesse sentido junto da sua entidade patronal. É necessário que se verifique um comportamento do trabalhador do qual se possa deduzir, com segurança, que se quis desvincular daquele contrato.
O ónus da prova destes elementos cabe, em princípio, à entidade patronal (art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil); no entanto, tendo em conta as naturais dificuldades de prova de tais elementos, o n.º 2 do art. 450º do Código do Trabalho dispõe que se presume abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que a entidade empregadora tenha recebido a comunicação do motivo da ausência, invertendo-se assim o ónus da prova, face ao estatuído no art. 344º do Cód. Civil.
Assim, se a ausência do trabalhador ao serviço se prolongar durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador receba comunicação do motivo da ausência, presume-se haver intenção do trabalhador em não retomar o serviço. E quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz (art. 350º, n.º 1 do Cód. Civil). Quer isto dizer que para beneficiar da referida presunção legal, a entidade empregadora tem apenas de alegar e provar que o trabalhador faltou ao serviço durante 10 dias úteis seguidos, sem apresentar justificação, cabendo ao trabalhador provar que lhe comunicou o motivo dessa ausência ou que, por motivo de força maior, esteve impedido de o fazer, ilidindo, assim, a referida presunção.
Essa comunicação tanto pode ser feita por escrito, como pode ser efectuada por forma expressa ou tácita, desde que existam factos que, com toda a probabilidade, a revelem.
Se não provar que lhe comunicou o motivo da ausência ou que lhe foi de todo impossível fazer essa comunicação, a cessação do contrato consolida-se por abandono do trabalho.
A cessação do contrato, no entanto, só pode ser invocada pelo empregador, após comunicação por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador (art. 450º, n.º 5 do Código do Trabalho).
De notar, porém, que ainda que o trabalhador falte ao serviço durante dez ou mais dias úteis seguidos sem enviar à entidade patronal a comunicação a que se refere o n.º 2 do art. 450º do Código do Trabalho, não se verificará a presunção de abandono do trabalho se a entidade patronal conhecer os motivos pelos quais o trabalhador não compareceu ao serviço.
Terá havido, no caso em apreço, abandono do trabalho, por parte do apelante? Poderemos, sustentar como sustenta a sentença recorrida e o apelado que, além da ausência ao serviço, por um período superior a dez dias úteis, terá havido também um comportamento do apelante do qual se pode deduzir, de forma clara e inequívoca, que o mesmo quis pôr termo ao contrato de trabalho que o vinculava ao Banco Réu, desde 13/4/1981?
É o que iremos ver de seguida, começando por recordar a matéria de facto provada com interesse para a apreciação desta questão.
Essa matéria de facto é a seguinte:
1. Entre 8.11.1996 e 15.11.2004, o A. exerceu funções de deputado na Assembleia Legislativa Regional;
2. Em 8.11.2004, o A. requereu ao Réu que lhe fosse concedida uma licença sem vencimento pelo período de 36 meses, com início em 17/11/2004 e termo em 17/11/2007;
3. Por carta, datada de 22.11.2004, o Banco Réu comunicou ao A. que a “Comissão Executiva deliberou, em 2004/11/18, não autorizar (...), o seu pedido de licença sem retribuição”, carta essa que foi recebida pelo A., em 3.12.2004;
4. Em data que não é possível precisar, o A. deslocou-se às instalações do Banco Réu para falar com o Sr. Dr. J…A…, a quem afirmou que não se apresentaria ao serviço, dado já ter uma proposta de requisição de um organismo público;
5. Este limitou-se a ouvir o A. e a comunicar-lhe que tal assunto era da competência da Comissão Executiva do Banco e da Direcção de Recursos Humanos;
6. Em 19/1/2005, a Casa do Povo de G… enviou à Administração do Banco Réu uma carta com o seguinte teor: “Pelo presente vimos comunicar a V.Exas., que o Vosso Funcionário J…, ao serviço de Assembleia Legislativa da Madeira desde 1996, foi requisitado para Conselheiro e Gestor Financeiro da Casa do Povo de G…, Instituição de Utilidade Pública, sob a tutela da Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais, com efeitos a partir do dia 17 de Dezembro de 2004, pelo período de vigência do VII Governo Regional da Madeira. Informamos que o vosso Funcionário prescinde do vencimento do Banco, sem prejuízo para a carreira profissional do mesmo”;
7. O Banco Réu dirigiu ao Presidente da Casa do Povo de G… uma carta, datada de 14.02.2005, com o seguinte teor: "Em relação ao ofício dessa Casa do Povo de 19/01/2005 sobre o tema “Requisição do vosso funcionário J…”, vimos solicitar a V.Exa. se digne comunicar-nos qual a base legal em que assenta o pedido da requisição em apreço, a fim de ser apreciado e decidido”;
8. O Banco Réu não recebeu qualquer resposta da Casa do Povo de G…à esta carta;
9. O Banco nunca comunicou ao A. que havia solicitado o pedido de esclarecimento atrás referido nem qual seria a sua posição sobre o pedido de requisição;
10. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira enviou ao Banco Réu um ofício, datado de 6.10.2005, com o seguinte teor: “Em cumprimento do Despacho de Sua Excelência o Senhor Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, de 03 do corrente mês, solicito e antecipadamente agradeço a V. Ex.a., que seja autorizada a requisição do V/funcionário acima identificado, para prestar funções no Gabinete de Apoio do grupo parlamentar do PSD nesta Assembleia Legislativa, com efeitos a partir de 01 de Outubro de 2005, inclusive”;
11. O Banco Réu nunca deu o seu consentimento a qualquer requisição;
12. Desde 23.12.2004, o A. nunca mais compareceu ao serviço no Banco Réu e não apresentou qualquer motivo para a não comparência;
13. Em 4/11/2005, o A. recebeu uma carta do Banco R., na qual este lhe comunicou o seguinte: Em 2004-11-15, V. Exa. terminou o mandato de deputado na Assembleia Legislativa da RAM. Em 2004-12-13, a Assembleia legislativa da RAM, por carta, informa que V. Exa se encontra a gozar os 25 dias de férias referentes ao ano em curso que não gozou férias, pelo que se deveria ter apresentado ao serviço em 2004-12-23. Não o tendo feito, nem apresentado motivos justificativos da ausência, considera-se que abandonou o trabalho, o que equivale, nos termos do n.º 4 do art. 450º do Código do Trabalho, à denúncia, por sua iniciativa, do Contrato. Desta forma, vimos, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do citado artigo do Código do Trabalho, comunicar-lhe que consideramos cessado, por abandono do trabalho, com efeitos à data de 23 de Dezembro de 2004, o contrato de trabalho que o ligou a este Banco”.
Deste quadro resulta, de forma clara, que o Banco Réu conhecia os motivos pelos quais o A. não comparecia ao serviço, desde que terminou o seu mandato de deputado na Assembleia Legislativa da RAM. Deste quadro resulta, também, que o A. nunca teve intenção de abandonar o trabalho.
Na verdade, se o A. se dirigiu pessoalmente ao Banco e aí comunicou que não se apresentaria ao serviço, por ter uma proposta de requisição de um organismo público; se a Casa do Povo de G… enviou à Administração do Banco Réu, em 19/1/2005, um ofício, que este recebeu (fls. 38), a comunicar que o funcionário J…, ao serviço de Assembleia Legislativa da Madeira desde 1996, foi requisitado para Conselheiro e Gestor Financeiro da Casa do Povo de G…, Instituição de Utilidade Pública, sob a tutela da Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais, com efeitos a partir do dia 17 de Dezembro de 2004, pelo período de vigência do VII Governo Regional da Madeira, o Banco Réu não pode, de modo algum, afirmar que desconhecia os motivos da não comparência do A. ao serviço. Repare-se que, no referido ofício, não se pede uma autorização prévia para a requisição, mas comunica-se um facto (já) consumado, ou seja, que o A. foi requisitado para conselheiro e gestor financeiro da Casa do Povo de G…, com efeitos a partir de 17 de Dezembro. Pode discutir-se a legalidade ou a regularidade de tal “requisição”, pode sustentar-se que a não comparência do A. ao serviço se deve considerar injustificada, por não ter havido autorização prévia do Banco Réu para essa “requisição”, mas não pode sustentar-se que o Banco desconhecia o motivo da ausência do A., ou que ignorava que a ausência deste se devia a essa “requisição”. Aliás, o Banco Réu, ao alegar no artigo 36º da sua contestação que “(...), o A., mesmo sabendo que não havia concordância do Banco Réu quanto às “pretensas requisições, manteve-se a prestar serviço noutras entidades”, reconhece, inequivocamente, que conhecia os motivos da ausência do A., ora apelante.
Não se verifica, portanto, a presunção de abandono do trabalho, prevista no n.º 2 do art. 450º do Código do Trabalho.
Por outro lado, não existem quaisquer factos nem se verificou qualquer comportamento do A., dos quais se possa deduzir que o mesmo se quis desvincular do contrato. Antes pelo contrário, dos factos descritos sob os n.ºs 2, 4 e 6 resulta claramente que o A., ao proceder como procedeu, queria continuar a manter o seu vínculo contratual com o Banco e que sua vontade se orientava (apenas) para uma ausência meramente transitória e temporalmente delimitada. Na verdade, se poucos dias antes de terminar o seu mandato de deputado, o A. requereu ao Banco a concessão de uma licença sem vencimento, pelo período de 36 meses; se se deslocou às instalações do Réu e aí comunicou que não se apresentaria ao serviço, por ter uma proposta de requisição de um organismo público e se, entretanto, o Banco Réu recebe um ofício da Casa do Povo de G… a comunicar-lhe que o A. foi requisitado para conselheiro e gestor financeiro daquela instituição, com efeitos a partir de 17 de Dezembro, desta matéria de facto só pode inferir-se que o A. queria continuar a manter-se vinculado ao Banco Réu. Nunca o contrário.
O Banco Réu não podia, assim, invocar o abandono do trabalho para fazer cessar o contrato que o vinculava ao apelante, por não se verificar um dos pressupostos fundamentais do abandono. Se entendia que a não comparência do apelante ao serviço era injustificada, por não ter dado autorização prévia a essa “requisição”, e que devia pôr termo ao contrato com esse fundamento, o apelante só tinha um caminho: a via disciplinar. Instaurava-lhe um processo disciplinar, imputando-lhe incumprimento dos seus deveres contratuais, designadamente a violação do dever de comparecer ao serviço com assiduidade, e se viesse a provar-se, nesse processo, a existência de justa causa, aplicava-lhe a sanção de despedimento.
Invocar o abandono do trabalho do apelante para fazer cessar esse contrato, não tem, neste caso, o menor cabimento.
A carta registada que o apelado enviou ao apelante, em 25/10/2005, a comunicar-lhe que considerava cessado o contrato, por abandono do trabalho, com efeitos a partir de 23/12/2004, consubstancia, assim, um verdadeiro despedimento, o qual, por não se verificarem os pressupostos do abandono do trabalho e por não ter sido precedido de processo disciplinar, tem necessariamente de se considerar ilícito, nos termos do art. 429º, al. a) do Código do Trabalho.
Sendo ilícito tal despedimento, o Banco Réu devia ser condenado a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe as retribuições vencidas desde o 30º dia anterior ao despedimento até à data do trânsito em julgado deste acórdão (arts. 436º e 437º do Código do Trabalho), tal como o mesmo pediu na sua petição inicial.
Porém, como o apelante optou pela indemnização de antiguidade em substituição da sua reintegração, o mesmo tem direito a uma indemnização, cujo montante se deve fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da sua retribuição base e ao grau de ilicitude do despedimento. Como não consta da matéria de facto provada qual o montante da retribuição base e das diuturnidades que o A. actualmente auferiria se se mantivesse vinculado ao Banco Réu, e como esse elemento é essencial para a fixação dessa indemnização (art. 439º, n.º 1 do Código do Trabalho), o valor desta deve ser apurado no competente incidente de liquidação, se for caso disso.
Por outro lado, como o apelante, na data da recepção da carta que pôs termo ao contrato não se encontrava ao serviço do apelado, desde 1996, pelas razões que atrás referimos, e como o mesmo não alegou nem provou como evoluiria o contrato, designadamente, a partir de que data se apresentaria ao serviço do Banco, se não se tivesse verificado o despedimento, o apelado não pode ser condenado a pagar ao apelante as retribuições intercalares que reclama, uma vez que o mesmo não alegou nem provou que as auferiria se não se tivesse verificado o despedimento.

IV. DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, decide-se:
1. Revogar a sentença recorrida;
2. Julgar ilícito o despedimento do A.;
3. Condenar o Banco Réu a pagar ao A. a indemnização de antiguidade que vier apurar-se em incidente de liquidação de sentença;
4. Absolver o Banco Réu do pedido de pagamento dos salários intercalares;
5. Condenar as partes nas custas do recurso, na proporção de 30% para o apelante e 70% para o apelado.

Lisboa, 7 de Março de 2007
Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes