Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7402/23.2T8LSB.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: CRÉDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O prazo de prescrição de créditos laborais, incluindo os juros de indemnização decorrente da cessação do Contrato de Trabalho, é de 1 ano, nos termos do disposto no art.º 337, n.º 1, do Código do Trabalho, não se aplicando aqui os prazos previstos no Código Civil.
(sumário da autoria do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.
A) Autor (A.) e recorrente: AA
Ré (designada por R.): ANAC – Autoridade Nacional de Aviação Civil
O A. demandou a R. alegando que por sentença que transitou em julgado no dia 29 de junho de 2022, o Tribunal considerou ilícito o despedimento do autor, ocorrido no dia 31 de março de 2017 e condenou a Ré a pagar-lhe, entre outros, os seguintes valores:
1. € 44289,14, a título de indemnização por antiguidade;
2. € 19771,94, a título de retribuições vencidas, sem prejuízo da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do art.º 390.° que a ré deverá entregar na Segurança Social tendo por referência o referido lapso temporal;
3. € 2000,00 de danos não patrimoniais.
A Ré, em 1 de setembro, pagou € 76866,02, que incluiu todos os valores em que foi condenada e ainda os juros de mora conforme condenação, mas não pagou os juros sobre as quantias referidas em 1, 2 e 3 porquanto na referida sentença foi considerado não serem devidos juros sobre os mencionados montantes, por não terem sido peticionados. Porém, são devidos juros sobre as referidas quantias desde a citação para a referida ação, ou seja, desde 5 de abril de 2018, no que se refere às quantias referidas em 1 e 2 e desde a data em que a sentença foi proferida no que se refere ao montante mencionado em 3. e que o facto de não ter pedido juros na referida ação, não o impede de o fazer nesta ação autónoma.
Fundamentos com que pediu a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €12332,03 respeitante aos juros de mora, sobre os montantes em que a Ré foi condenada nos termos da sentença proferida no Processo n.º 6758/18.3T8LSB, a que devem acrescer juros que se vencerem até integral e efetivo pagamento.
Não havendo acordo, a R. contestou a Ré, alegando a prescrição dos créditos reclamados desde 1 de março de 2018, nos termos do art.º 337.º, n.º 1 do CT, já que o vínculo que unia A. e réu cessou em 31 de março de 2017, pelo que pede a absolvição da instancia; subsidiariamente, defende que só foi interpelada para pagar os montantes peticionados com a interposição da presente ação, pelo que apenas pode ser condenada no pagamento de juros de mora a partir do trânsito em julgado da decisão do presente processo; caso assim não se entenda, deve considerar-se que relativamente à parcela da indemnização por antiguidade e danos de natureza não patrimonial, a R. só entrou em mora a partir do trânsito em julgado do processo n.º 6758/18.3T8LSB, o que só ocorreu em 29 de Junho de 2022, data em que a primeira quantia se tornou líquida e nasceu na esfera jurídica da R. a obrigação de pagamento dos referidos danos não patrimoniais; Em qualquer dos casos, deve o Autor ser responsabilizado pela totalidade das custas do presente processo nos termos do art.º 527º, n.º 1, 1ª parte do Código de Processo Civil, por apenas por incúria não ter reclamado os juros que aqui peticiona, no processo n.º 6758/18.3T8LSB.
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Saneados os autos e efetuado o julgamento, o tribunal proferiu decisão julgando a ação parcialmente procedente e condenando a Ré a pagar ao autor, a título de juros de mora, a quantia de € 372,90, a que acrescem juros de mora à taxa legal de 4% ou outra que vier a vigorar, sobre a referida quantia, desde 24 de março de 2023, até integral e efetivo pagamento. No mais absolveu a Ré do pedido.
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B) O A. não se conformou e recorreu, concluindo:
I) O presente recurso vem interposto da douta sentença (…).
II) O “… demais peticionado pelo Autor” (de que a sentença absolveu a R.) correspondia, na verdade e no essencial, ao pedido principal formulado na petição inicial, qual seja o de que a Ré fosse condenada a pagar ao Autor “… a quantia de € 12.332,03, respeitante ao conjunto dos juros de mora, calculados à taxa legal de juros civis até 17 de Março de 2023, sobre os montantes que a Ré foi condenada a pagar ao Autor nos termos da sentença junta como documento 2 a esta petição inicial, nos autos de acção declarativa de condenação, sob a forma comum, que correu termos pelo Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 2, com o número 6758/18.3T8LSB, referentes a (i) indemnização de antiguidade - € 44.289,14 -, a (ii) retribuições vencidas no período compreendido entre 22 de Fevereiro de 2017 e 7 de Maio de 2017, sem prejuízo da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do art. 390.º que a Ré entregou na Segurança Social tendo por referência o referido lapso temporal - € 16.724,08 -, e a (iii) danos não patrimoniais - € 2.000,00 -, a que devem acrescer os demais juros que se vencerem até integral pagamento, calculados à supra referida taxa.”;
III) O Meritíssimo Juiz a quo entendeu que apenas devia condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de € 372,90, a que acrescem juros de mora à taxa legal de 4% ou outra que vier a vigorar, sobre a referida quantia, desde 24 de março de 2023, até integral e efetivo pagamento, o que representa uma pequena parte do pedido total;
IV) E pronunciou-se no sentido de que, ainda que o crédito peticionado não estivesse prescrito, os juros não seriam devidos desde 5 de Abril de 2018, como pretendia o Recorrente, mas só desde 29 de Junho de 2022, data em que transitou em julgado a sentença prolatada no supra indicado proc. n.º 6758/18.3T8LSB, razão pela qual também se recorre deste trecho da sentença;
V) O recurso vem interposto da sentença na parte em que absolveu o R. do pedido indicado no n.º 2. acima e na parte em que defendeu que os juros de mora devem ser contados a partir do trânsito em julgado de uma anterior sentença e não a partir da data em que a Ré nessa acção judicial foi citada;
VI) Não se recorre da decisão indicada na alínea 1), apenas da absolvição constante da alínea 2) do capítulo 4. da decisão da douta sentença recorrida
VII) A questão do prazo de prescrição dos créditos de juros laborais é controversa;
VIII) O prazo de prescrição dos juros de créditos laborais é de cinco anos, não de um ano;
IX) O crédito de juros é dotado de autonomia relativamente à fonte da obrigação em que os mesmos se estribam, tenha ela a natureza que tiver, nos termos do art.º 561.º do CC;
X) É natural que, salvo regime excepcional, os juros tenham um regime (um prazo) prescricional diferente do crédito que os origina;
XI) O art.º 337.º do CT não estabelece um regime distinto e específico para a prescrição dos juros moratórios sobre créditos laborais relativamente à regra do art.º 510.º, alínea d), do CC;
XII) Um juro não é um crédito laboral;
XIII) O regime jurídico da prescrição dos créditos laborais é um regime excecional e não refere os juros;
XIV) Só seria possível aplicar o prazo prescricional de um ano se o normativo laboral fosse inequívoco quanto à vontade de pretender abranger os juros no seu âmbito, o que não é o caso;
XV) Não é suficiente alegar que a lei laboral é especial em relação ao regime geral estabelecido no Código Civil para que, automaticamente, o regime da prescrição dos juros aplicável seja o do art.º 337.º do CT;
XVI) O Mmº Juiz a quo fez incorrecta interpretação e aplicação das normas combinadas dos art.º 337.º do CT e os art.º 9.º, n.º 2, 561.º e 310.º, al. d), todos do CC;
XVII) Quanto à determinação da constituição do devedor em mora, o Mmº Juiz a quo aplicou o regime previsto nos art.º 804.º e 805.º, n.º 1, do CC, de acordo com o qual a mora do devedor verifica-se quando há atraso culposo no cumprimento da obrigação e o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir;
XVIII) Mas o Meritíssimo Juiz a quo devia ter aplicado ao caso o disposto no art.º 805.º, n.º 3, do CC;
XIX) No caso de responsabilidade por facto ilícito, o devedor constitui-se em mora a partir da citação, ou seja, em vez de se proceder à avaliação do dano real sofrido com a mora, presume-se que, por estar privado do montante da indemnização, o lesado sofre um prejuízo que corresponde aos juros contados desde a citação;
XX) Os juros cujo pagamento o A. reclama resultam de facto ilícito praticado pela Recorrida, em todas as vertentes dos pedidos formulados – indemnização, retribuições vencidas e danos não patrimoniais;
XXI) O Mmº Juiz a quo fez incorrecta interpretação e aplicação das normas combinadas dos art.º 804.º e 805.º do CC e do art.º 323.º do CT;
XXII) A R. ficou constituída em mora dos valores em que foi condenada, indicados no ponto 2. acima, a partir do dia 5 de Abril de 2018;
XXIII) O Mmº Juiz a quo deveria ter tomado decisões diversas das que tomou in casu;
XXIV) Assim, o Meritíssimo Juiz a quo violou, no caso concreto, o disposto nos art.º 323.º e 337.º do CT e os art.º 9.º, n.º 2, 310.º, al. d), 561.º, 804.º e 805, todos do CC.
Remata pedindo que se revogue a sentença no que respeita à matéria objecto do recurso, substituindo-a por outra que considere que a presente acção foi proposta dentro do prazo legal, porque o prazo de prescrição dos juros é de cinco anos, e em consequência condene a R. a pagar ao A. a quantia de € 12.332,03, respeitante ao conjunto dos juros de mora, calculados à taxa legal de juros civis até 17 de Março de 2023, sobre os montantes que a Ré foi condenada a pagar ao A. nos termos da sentença junta como doc. 2 com a petição inicial, nos autos com o n.º 6758/18.3T8LSB, referentes a (i) indemnização de antiguidade - € 44.289,14 -, a (ii) retribuições vencidas no período compreendido entre 22 de Fevereiro de 2017 e 7 de Maio de 2017, sem prejuízo da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do art. 390.º que a Ré entregou na Segurança Social tendo por referência o referido lapso temporal - € 16.724,08 -, e a (iii) danos não patrimoniais - € 2.000,00 -, a que devem acrescer os demais juros que se vencerem até integral pagamento, calculados à supra referida taxa, contados desde 5 de Abril de 2018.
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A R. não contra-alegou.
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O DM do Ministério Público teve vista e emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença.
A. e R. responderam ao parecer.
Foram colhidos os competentes vistos.
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II
A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado, aliás, do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC.
Deste modo o objecto do recurso consiste em saber se os juros prescreveram ou não, e com que consequências. Para tal, o ponto essencial a apurar consiste em saber se os juros vencidos prescrevem no prazo de 1 ano previsto no art.º 337 do CT ou no prazo geral de 5 anos previsto no art.º 310 do Código Civil.
Discute ainda o recorrente o termo inicial da contagem dos juros de mora aludidos no n.º 1 da parte decisória da sentença recorrida.
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São estes os factos apurados nos autos:
A) Em 22 de Março de 2018 o Autor propôs contra a Ré uma acção declarativa de condenação, sob a forma comum, que correu termos pelo Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 2, com o número 6758/18.3T8LSB.
B) A Ré foi citada para, querendo, contestar a acção interposta pelo Autor no dia 5 de Abril de 2018.
C) Em 24 de Abril de 2019 foi prolatada sentença condenatória, que consta da plataforma Citius com a referência 386373630, com o seguinte dispositivo:
"Por tudo quanto se deixou exposto, o tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Julga ilícito o despedimento que o autor foi alvo por parte da ré;
b) Condena a ré a pagar ao autor, a título de indemnização de antiguidade, a quantia de € 44.289,14 (quarenta e quatro mil duzentos e oitenta e nove euros e catorze cêntimos);
c) Condena a ré a pagar ao autor, a título de retribuições vencidas no período compreendido entre 22 de Fevereiro de 2017 e 7 de Maio de 2017, a quantia de € 19.771,94 (dezanove mil setecentos e setenta e um euros e noventa e quatro cêntimos), sem prejuízo da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do art.º 390.° que a ré deverá entregar na Segurança Social tendo por referência o referido lapso temporal;
d) Condena a ré a pagar ao autor, a título de férias, subsídio de férias e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, a quantia de € 16.848,02 (dezasseis mil oitocentos e quarenta e oito euros e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 31 de Março de 2017 até efectivo e integral pagamento;
e) Condena a ré a pagar ao autor, a título de créditos de formação (79 horas), a quantia de € 2.883,50 (dois mil oitocentos e oitenta e três euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 31 de Março de 2017 até efectivo e integral pagamento;
f) Condena a ré a pagar ao autor, a título de danos de natureza não patrimonial, a quantia de €2.000,00 (dois mil euros).
g) No mais, absolve a ré do pedido."
D) A sentença supra referida transitou em julgado em 29 de Junho de 2022.
E) Em 1 de Setembro de 2022 a Ré pagou ao Autor a quantia líquida de € 76.866,02.
F) As verbas relativas à indemnização de antiguidade, às retribuições vencidas no período compreendido entre 22 de Fevereiro de 2017 e 7 de Maio de 2017, sem prejuízo da dedução a que alude a al. c) do n.º 2 do art.º 390. que a Ré entregou na Segurança
Social tendo por referência o referido lapso temporal, e aos danos não patrimoniais foram pagas sem acréscimo de juros de mora.

G) Com respeito às verbas relativas a retribuições vencidas no período compreendido entre 22 de Fevereiro de 2017 e 7 de Maio de 2017, no valor de € 19.771,94, foi abatido o montante de € 2.987,86 que a Ré teve de entregar à Segurança Social, pelo que a Ré pagou ao Autor a este título o montante de € 16.724,08.
H) Após o trânsito em julgado da sentença prolatada em primeira instância, na fase de liquidação do valor global devido pela Ré ao Autor em função do teor da sentença condenatória, o Autor, através do seu mandatário, reclamou junto da Ré, na pessoa das
suas mandatárias, o pagamento de todas as verbas em que a Ré foi condenada, nos termos acima indicados, acrescidas de juros moratórios, incluindo, portanto, juros sobre as verbas constantes das alíneas b), c) e f) da condenação.

I) Ao que a Ré, igualmente através das suas mandatárias e por diversas ocasiões - designadamente, em 8 de Julho de 2022, 19 de Julho de 2022 e 25 de Julho de 2022 - informou o mandatário do Autor que, relativamente às referidas verbas das alíneas b), c) e f) da condenação, só iria pagar montantes em singelo uma vez que não houve pedido de condenação nem - por isso mesmo - condenação do pagamento de juros moratórios sobre as mesmas, não havendo, por isso, fundamento para tomar posição distinta.
J) Por referência às condenações em causa naquelas três alíneas, pode ler-se na sentença condenatória, por três vezes, a seguinte frase:
"Não são devidos juros por não terem sido peticionados."
K) A Ré não pagou juros de mora ao Autor relativamente às referidas verbas das alíneas b), c) e f).
L) O autor foi despedido pela Ré no dia 31 de março de 2017 (facto provado sob o ponto 5. da sentença referida em A)).
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De Direito
A questão da prescrição dos juros foi longamente debatida e, ao contrário do que se diz nos autos, não é controvertida.
Assim, citaremos alguns arestos:
1. Ac. RL de 19.11.2014, processo comum n.º 292/13.5TTLSB.L1 (relatado pelo aqui relator):
Como escreveu o acórdão desta Relação de Lisboa, 08-11-2006 (…):
“(…) o trabalhador tem o prazo de um ano após a cessação do contrato para os demandar [os juros], como todos os créditos laborais (art.º 38, da LCT).
Não tem sentido buscar natureza diversa entre juros e (demais) créditos laborais: uns e outros surgem em virtude do inadimplemento do contrato laboral.
(…) Não cabe aplicar aqui, desde logo dada a autonomia do direito laboral, o disposto no art.º 310/d do Código Civil (…)
Simplesmente, os juros vencem-se com a obrigação e podem ser demandados até ao termo do prazo (de 1 ano) previsto na lei laboral.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/04/2005:
“Como referem Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, em anotação ao referido preceito (artigo 38.º da LCT) – in Comentário às Leis do Trabalho, I, pág. 185, este preceito estabelece um prazo especial para a prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho e uma regra específica para a sua contagem, nisso se esgotando o desvio ao regime geral da prescrição estabelecido no Código Civil (artigo 300.º e seguintes). A prescrição dos créditos laborais não corre enquanto o contrato de trabalho se mantiver em vigor. A obrigação de juros é acessória de uma obrigação de capital. No caso do trabalhador subordinado, os juros das prestações salariais em dívida são parte acessória destas e, pelo menos, mediatamente a respetiva obrigação resulta do próprio contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, pelo que não se vê justificação para que o respetivo prazo de prescrição corra na vigência do contrato de trabalho, contrariamente ao disposto no artigo 38.º da LCT (…). O art.º 310.º alínea d) do Código Civil não tem aplicação no caso em análise, pois continuamos a falar de créditos laborais, em que vigora o artigo 38.º, n.º 1 da LCT. (…)
(… No) acórdão desta Relação de Lisboa do 179/13.1TTLSB.L1 exarou-se:
Relativamente a esta questão, começou por se perfilar uma visão (…) civilista que se reconduzia à mera aplicação do regime previsto na norma citada pelos CTT, com a extinção, por prescrição, dos juros de mora vencidos há mais de 5 anos, contando-se este prazo desde a citação da devedora nos respetivos autos.
Contra tal tese foi-se formando na jurisprudência (…) uma posição juslaboralista e que (…) vem ao encontro do princípio contido no art.º 1.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho (“as normas subsidiárias não se aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste Código”), que embora contido num diploma de índole adjetiva, deve ser estendido também ao direito material e às suas relações com as outras áreas jurídicas (nomeadamente, com o direito civil e o direito comercial). (… Por) exemplo o Acórdão da Relação de Lisboa de 27/04/2005 diz: “Como referem Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, em anotação ao referido preceito (artigo 38.º da LCT) – in Comentário às Leis do Trabalho, I, pág. 185, este preceito estabelece um prazo especial para a prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho e uma regra específica para a sua contagem, nisso se esgotando o desvio ao regime geral da prescrição estabelecido no Código Civil (artigo 300.º e seguintes). A prescrição dos créditos laborais não corre enquanto o contrato de trabalho se mantiver em vigor. A obrigação de juros é acessória de uma obrigação de capital. No caso do trabalhador subordinado os juros das prestações salariais em dívida são parte acessória destas e, pelo menos, mediatamente a respetiva obrigação resulta do próprio contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, pelo que não se vê justificação para que o respetivo prazo de prescrição corra na vigência do contrato de trabalho, contrariamente ao disposto no artigo 38.º da LCT (…).
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.09.2004 no âmbito da Revista n.º 1761/04, defende-se: “Não estando prescritos os créditos laborais da Autora, também o não estão os respectivos juros de mora. O artigo 310.º alínea d) do Código Civil não tem aplicação no caso em análise, pois continuamos a falar de créditos laborais, em que vigora o artigo 38.º, n.º 1 da LCT. (…) Quer o art.º 38.º, n.º 1 da LCT, como o seu sucessor (art.º 381.º do Código do Trabalho 2003) são aplicáveis também aos juros de mora devidos em função do incumprimento de créditos laborais, só se começando a contar o prazo prescricional (de 1 ano, naturalmente) no dia seguinte ao da cessação do respetivo contrato de trabalho.
Desde a entrada em vigor do Código do Trabalho, este diploma previu um prazo especial, que se encontra ora no art.º 337, n.º 1, para a prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho e uma regra específica para a sua contagem, nisso se desviando do regime geral da prescrição estabelecido no Código Civil (artigos 300.º e seguintes). A prescrição dos créditos laborais não corre enquanto o contrato de trabalho se mantiver em vigor e depois tem a duração de uma ano. E a obrigação de juros é acessória de uma obrigação de capital.
No caso, as quantias peticionadas a titulo de juros moratórios por indemnização de antiguidade, retribuições e danos patrimoniais e morais, quando devidos são créditos (crédito é “o direito a uma prestação” – Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, I-223) que resultam da cessação do vínculo laboral, e inserem-se na previsão da norma constante do art.º 337º n.º 1 do CT, aplicando-se-lhes o prazo prescricional de 1 ano.
E é o regime do Código do Trabalho que é aplicável, atenta a autonomia do direito laboral, cumprindo ter em conta o prazo de um ano previsto no art.º 337, n.º 1, do CT e não o prazo de 5 anos do art.º 310/d do CC. (nem o de 20 anos do art.º 309). Aliás, seria absurdo, do ponto de vista lógico, que os frutos do capital tivessem um prazo de prescrição 5 vezes maior que o da prestação principal, que é necessariamente de um ano.
Pelo que não merece censura a sentença quando declara que “sendo a obrigação de juros acessória de uma obrigação de capital, no caso do trabalho subordinado, os juros das prestações salariais em dívida são parte acessória destas e, pelo menos, mediatamente a respetiva obrigação resulta do próprio contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, pelo que não se vê justificação para não aplicar o regime previsto no art. 337º, n.º 1 do C. Trabalho. Por conseguinte, estando provado que o contrato de trabalho cessou no dia 31 de março de 2017, estaria prescrito todo o crédito de juros agora peticionados pelo autor”.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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Pretende o recorrente que os juros sejam contados desde a data da citação e não desde a data da sentença, porquanto, alega, estão em causa factos ilícitos, devendo aplicar-se o disposto no art.º 805/3, do CC.
Está em causa o valor fixado em 372,90 € pela sentença recorrida, mas tendo em conta o que resulta da condenação no processo 6758/18.3t8LSB. Com efeito, o que foi decidido foi que “os montantes em causa são devidos por força da sentença”.
Isto basta para que se conclua necessariamente pela falta de razão do recorrente: o que aqui está em discussão é o incumprimento da decisão transitada proferida no aludido processo, e não os factos que aí foram apreciados. Consequentemente, não estamos perante responsabilidade pela prática de factos ilícitos, nos termos previstos no art.º 805/2/a do CC. De resto, a pretensão do recorrente atinge aqui o caso julgado, porquanto a referida sentença considerou que não podia condenar a ré em juros por não terem sido demandados, sendo óbvio que por esta via o recorrente pretende reabrir uma discussão já encerrada.
Assim, conclui-se que também aqui a decisão recorrida não merece censura
Desta sorte, o recurso improcede.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente e confirma a douta sentença recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.

Lisboa, 22 de maio de 2024
Sérgio Almeida
Alves Duarte
Maria Luzia Carvalho