Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CLÁUDIA BARATA | ||
Descritores: | INCUMPRIMENTO ALIMENTOS DESCONTO VENCIMENTO CONTRADITÓRIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/24/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALEMTNE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil; II. A Recorrida, alegando o incumprimento do Recorrente quanto à obrigação de alimentos, peticionou que o Tribunal, coercivamente, ordene as medidas necessárias a, por um lado, obter o pagamento da quantia que aquela alega como estando à data em divida, ou seja, o valor de €274,84, acrescido de juros de mora até integral pagamento, e ainda das quantias vincendas. No despacho foi ordenado o desconto imediato e mensal de €80,01 no subsídio atribuído ao Recorrente, a título de alimentos vincendos devidos à filha menor. Da conjugação do pedido formulado pela Recorrida com o despacho proferido que ordenou o desconto, não se vislumbra a existência de qualquer condenação ultra petitum, pois, mesmo que a pensão mensal devida seja de €79,96, o excedente de €0,05, que simpaticamente apelidaremos de irrisório, seria sempre para descontar na alegada quantia em divida de €274,84, acrescido de juros de mora até integral pagamento. III. Ordenado o desconto ao abrigo do regime previsto no artigo 48º do RGPTC sem prévia notificação do progenitor devedor, não se verifica qualquer violação do exercício do contraditório e de ausência de diligências instrutórias; IV. A aplicação do regime previsto no artigo 48º do RGPTC pressupõe a alegação de factos, sendo que a mera referência ao facto de o progenitor devedor não pagar pontualmente a prestação de alimentos é conclusivo. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório -------------------------, intentou, por apenso aos autos principais de regulação do exercício das responsabilidades parentais, incidente de incumprimento contra -----------------------------, peticionando: - “que julgue verificado o incumprimento pelo Requerido da prestação de alimentos a favor da menor e ordene o seu cumprimento coercivo por meio das medidas adequadas, no montante actual de 274,84 € (duzentos e oitenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora até integral pagamento e das quantias vincendas, tudo nos termos do art.º 41º do RGPTC.” Para tanto, em sede de requerimento inicial, alega a progenitora, em suma, que: - “Em sede do exercício das responsabilidades parentais sobre a menor, foi primeiro fixada provisoriamente pensão de alimentos do Requerido a favor da menor de 75,00 €, mediante despacho de 14/05/2019, e, posteriormente, foi fixado definitivamente, por acordo homologado por sentença de 05/11/2019, transitada em julgado, o valor de 70,00€, nos termos seguintes: 1. O progenitor pagará a título de pensão de alimentos à menor ---------- a quantia mensal de 70,00€ (setenta euros). O valor terá que ser pago até ao dia 8 (oito) de cada mês, a transferir para a conta bancária da progenitora. 2. A quantia mencionada em 1, será actualizada anualmente, em função dos índices dos preços ao consumidor publicado pelo INE no ano anterior, sendo a primeira atualização em Janeiro de 2020.” - “Nos termos do art. 2006º, do CC, os alimentos são devidos desde o momento da propositura da ação, no caso desde a entrada da petição inicial que foi dada aos autos em 16/01/2019, como consta dos autos principais.” - “E, por outro lado, que, de acordo com as taxas de inflação anualmente publicadas, o valor da pensão de alimentos foi atualizado para o montante de 70,21€ em Janeiro de 2020 e até Dezembro de 2021, para o montante de 71,12€ em Janeiro de 2022, para o montante de 76,66€ em Janeiro de 2023 e para o montante de 79,96€ em Janeiro de 2024 até ao presente.” - “I – Do incumprimento quanto ao pagamento da pensão de alimentos e despesas da ama: Até à presente data, 30/03/2024, o Requerido pagou a título de alimentos para a menor ------------ (imputando metade dos valores recebidos a esta e a outra metade ao filho ----------------, o filho mais velho da Requerente e Requerido), as seguintes quantias: No ano de 2019 pagou o total de 772,44€; No ano de 2020 pagou o total de 810,00€; No ano de 2021 pagou o total de 800,00€; No ano de 2022 pagou o total de 810,00€; No ano de 2023 pagou o total de 960,00€; Desde janeiro de 2024 até à data de 30 de Março de 2024 pagou o total de 116€; Tudo somando o valor de 4.268,44€ (quatro mil, duzentos e sessenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos).” - “Ora, tendo em conta a data da entrada da p.i. e a atualização anual do valor da pensão de alimentos, são as seguintes as quantias que o Requerido deveria ter pago a este título: No ano de 2019 deveria ter pago o valor total de 845,00€ ((75*11)+70); No ano de 2020 deveria ter pago o valor total de 842,52€ (70,21*12); No ano de 2021 deveria ter pago o valor total de 842,52€ (70,21*12); No ano de 2022 deveria ter pago o valor total de 853,44€ (71,12*12): No ano de 2023 deveria ter pago o valor total de 919,92€ (76,66*12); No ano de 2024 e até 30 de Março de 2024 - deveria ter pago o valor total de 239,88 (79,96€*3); Tudo somando o valor de 4.543,28€ (quatro mil, quinhentos e oitenta e três euros e vinte e oito cêntimos).” - “Pelo que persiste uma dívida, relativamente à pensão de alimentos devida, no montante de 274,84 € (duzentos e oitenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos).” - “Assim, o total devido pelo Requerido à Requerente é, portanto, nesta data de 30 de Março de 2024, 274,84 € (duzentos e oitenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos).” * Em 17 de Abril de 2024, a Mmª Juiz, proferiu o seguinte despacho: “I ------------------ move incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, por apenso à ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais de ---------------------, contra: - xxxxxxx. Alega, para tanto, que o progenitor não tem pago pontualmente a prestação de alimentos e cumprido o regime de visitas estabelecidos no processo principal por acordo e homologada por sentença. II Para efeitos do disposto no artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) tem-se em consideração, para além da matéria indiciária enunciada em I, que: 1) Em conferência de pais realizada no processo de regulação das responsabilidades parentais a 05/11/2019, foi acordado entre os progenitores que: “Alimentos “1. O progenitor pagará a título de pensão de alimentos à menor ------------------ a quantia mensal de 70,00€ (setenta euros). O valor terá que ser pago até ao dia 8 (oito) de cada mês, a transferir para a conta bancária da progenitora. 2. A quantia mencionada em 1, será actualizada anualmente, em função dos índices dos preços ao consumidor publicado pelo INE no ano anterior, sendo a primeira atualização em Janeiro de 2020.” 2) --------------------- beneficia de subsídio de desemprego no montante mensal de 732.32 €, com a remuneração mensal de 820,00€ - cfr. Informação Pessoa Singular na Segurança Social com a ref.ª 39062690, que se dá por reproduzida III Conquanto a jurisprudência dos tribunais superiores não seja unânime quanto ao procedimento a adotar em caso de incumprimento alimentar, pugnando uns no sentido de que o credor tem ao seu dispor três meios que se articulam entre si numa relação alternativa, segundo escolha do credor, de acordo com os respetivos pressupostos de cada um: (i) incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, previsto no artigo 41.º do RGPTC; (ii) efetivação da prestação de alimentos pelo artigo 48.º do RGPTC; (iii) execução especial por alimentos, regulada nos artigos 933.º a 937.º do CPC1, e outros no sentido de que o incidente de incumprimento previsto no art.º 41º não tem por objecto a falta de pagamento de alimentos ou outras quantias pecuniárias a cujo pagamento a sentença obrigou o incumpridor, destinando-se apenas a outros incumprimentos relativos à situação do menor, nomeadamente relativos a visitas, cujo incumprimento, por se tratar de prestação de facto positivo ou negativo infungível, exige a imposição de outros meios de coerção, nomeadamente sanções de natureza compulsória e indemnizatória2, certo é que o regime estabelecido no artigo 48º é aplicável ao caso dos autos. Dispõe o mencionado artigo 48º do RGPTC: ”1-Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte: a) Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respetivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública; b) Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário; c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários. 2 - As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las.” No caso dos autos mostra-se verificado o pressuposto vertido no exórdio do nº 1, porquanto o requerido está obrigado a prestar alimentos em data certa e não vem fazendo reiteradamente o pagamento nos dez dias seguintes ao vencimento. Acresce que a necessidade de tornar efetiva a prestação de alimentos é premente e não se compadece com delongas processuais, pelo que deve ser determinado o cumprimento do disposto na normação em apreço de imediato. IV Em face do exposto determino a notificação da entidade processadora do subsidio de desemprego para que proceder de imediato ao desconto mensal de 80,01€ (oitenta euros e um cêntimo) no subsídio atribuído a -----------, a título de alimentos vincendos devidos à filha menor ------------------------. A quantia em referência deve ser depositada diretamente, e sem quaisquer descontos na conta bancária de --------------------------. Nos descontos que efetuar, e ainda que com prejuízo do supra determinado, a entidade empregadora deixará sempre assegurada, a favor do devedor, a quantia mínima líquida equivalente à pensão social do regime não contributivo (245,79 € - artigo 18º nº 1 da Portaria n.º 424/2023, de 11 de dezembro): art. 738º, nº4 do Cód. De Processo Civil. No prazo de 10 dias após o primeiro processamento em conformidade, aquela entidade informará o início dos descontos com a advertência de, no caso de incumprimento não justificado: a) ser condenada em multa, agravada por estarem em causa alimentos a menor - art. 417º, nºs 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, conjugado com o art. 27º, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais; b) poder ser executada diretamente pelo credor. * ** Tendo em consideração que a matéria em apreço, circunscrita a alimentos, não justifica, por ora, a conferência a que alude o art. 41º, nº 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), notifique o Requerido(a) para, em 5 dias, alegar o que tiver por conveniente, sendo-o com: - a informação de que não é necessária a constituição de Advogado (apenas na eventualidade de recurso); - a informação de que recai sobre si o ónus de comprovar que efetuou o pagamento; e - a cominação de que, nada dizendo, se considerarão confessados os factos trazidos no requerimento inicial.” * Inconformado, o Requerido interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: “I. A 10/04/2024, veio a Recorrida deduzir contra o Recorrente, Incidente de Incumprimento do Exercício das Responsabilidades Parentais, relativamente à menor Beatriz, ao abrigo do art. 41º do RGPTC peticionando que se ordene o cumprimento coercivo no montante de 274,84 € (duzentos e oitenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos) acrescido de juros de mora até integral pagamento e das quantias vincendas. II. Sem mais, veio o Tribunal a quo proferir o Despacho datado de 17/04/2024, objeto do presente Recurso, nos termos do qual considerou verificado o incumprimento e “determin[ou] a notificação da entidade processadora do subsídio de desemprego para que proceder de imediato ao desconto mensal de 80,01 € (oitenta euros e um cêntimo) no subsídio atribuído a --------, a título de alimentos vincendos devidos à filha menor ----------------------.” III. Tendo o Recorrente, apenas a notificado o incidente sobre ele deduzido bem como do Despacho em crise a 21/05/2024, certo é que o Tribunal a quo decidiu sem que o Recorrente tivesse sequer hipótese de exercer o contraditório, sem ter praticado as diligências instrutórias necessárias, o que consubstancia uma violação do contraditório indiscutivelmente suscetível de influir no exame ou na decisão da causa. IV. Ora, assim operando, a decisão em crise inquina de ilegalidade por inobservância de uma formalidade processual legalmente prevista nos termos do art. 41.º n.º 3 do RGPTC e por efeito do n.º 1 do art.º 195º do CPC, o Despacho em causa é nulo, bem como os termos subsequentes. Assim, e em consequência, V. É nítida a ausência absoluta de fundamentação da decisão precipitada do Tribunal a quo, em sede do Despacho pelo que deve o mesmo ser considerado nulo por força do art. 615.º n.º 1 al. b) do CPC. A mais, VI. Uma vez que cabe à Requerente, ora Recorrida, optar por um dos procedimentos disponíveis no nosso ordenamento jurídico para fazer valer o direito que alega ter e tendo esta decidido deduzir o incidente de incumprimento ao abrigo do art. 41.º da RGPTC e não ao abrigo dos, salvo melhor entendimento, não cabe ao Tribunal a quo oficiosamente convolar o procedimento em causa no procedimento previsto no art 48.º do RGTPC. VII. Neste sentido veja-se a melhor jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa – que mais intensamente se tem debruçado sobre esta questão – bem como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 8/10/2009, devidamente indicados nas presentes alegações. VIII. Assim, se conclui que em fase do caso concreto o regime estabelecido no artigo 48.º do RGPTC não é aplicável porque não se preencherem os pressupostos legais e se mostra inadequada a tramitação processual inerente ao procedimento supra referido. Em face do peticionado pela Requerente e do valor que esta alega devido a título de pensão de alimentos vincendas apurado no montante de 79,96€ (setenta e nove euros e noventa e seis cêntimos) a decisão do Tribunal a quo de se proceder ao desconto no rendimento do Requerido, ora Recorrente, no valor mensal de 80,01 € (oitenta euros e um cêntimo) viola o disposto no art. 609, n.º 1 do CPC, bem assim como o princípio da segurança jurídica do Recorrente. IX. Caso, por alguma eventualidade, esta Relação não acolha os argumentos acima expostos – o que se admite por mera hipótese académica – sempre será de se notar que o Tribunal a quo, ainda que por pouca diferença, acaba por determinar o desconto do ordenado do Recorrente de valor ligeiramente superior àquele solicitado pela própria Recorrida. X. Assim, em conformidade com o art. 615.º n.º 1 al. e) do CPC o Despacho recorrido, na parte em que ordena o desconto do rendimento do Requerido em quantia superior à peticiona pela Requerente é, no nosso entendimento, nulo. XI. Por todo o exposto, dúvidas não podem subsistir que o Despacho, objeto do presente Recurso, violou os já supracitados preceitos legais, processuais e constitucionais. XII. Pelo que cumpre a este Tribunal ad quem dar provimento ao presente Recurso, revogando o Despacho recorrido, declarando-o nulo, devendo ser ordenada a baixa do processo para agendamento de conferência de pais e, se necessário for, julgamento para que se faça prova do supra alegado quanto ao cumprimento do Recorrente a respeito da pensão de alimentos da sua filha menor, --------------.” * Notificado, o Ministério Público contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: “1. Atenta a factualidade dada como provada na douta decisão recorrida, facilmente se conclui que não foi violado qualquer preceito legal, não existindo, em nossa opinião, quaisquer razões para que não venha a obter confirmação; 2. Os factos dados como provados encontram fundamento no resultado em todo o conjunto de prova produzida e junta aos autos; 3. Deverá assim manter-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos.” * A Requerente contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: “A. Nos presentes autos de incumprimento das responsabilidades parentais, o Requerido, notificado do despacho proferido em 17/04/2024, que ordenou o desconto no seu subsídio de desemprego da quantia mensal de 80,01€ a título de alimentos devidos à filha menor --------------, veio interpor o presente recurso alegando que a decisão em causa incorrera em vício de violação do contraditório, falta de fundamentação e condenação excessiva. B. Porém, nenhum dos argumentos procede. C. Ora, desde logo, temos que a invocação da falta de contraditório prévio reconduz-se a uma nulidade processual sujeita ao regime do art.º 195.º e 199.º do C. P. Civil, que pode ser conhecida desde que arguida no prazo legal de 10 dias após o seu conhecimento (art.º 149º do CPC). D. Assim, considerando que o Recorrente foi notificado da decisão recorrida em 21/05/2024 (conforme comprovativo que se junta sob o Doc. 1), e tendo invocado a alegada ilegalidade apenas nas alegações de recurso apresentadas após 31/10/2024, urge concluir que o Recorrente o fez fora do prazo legal de 10 dias, pelo que, a existir, sempre se mostra sanada a alegada nulidade processual. E. Mas ainda que assim não fosse, e sem conceder, há que ter presente que o art.º 3º do Código do Processo Civil consagra que não é lícito ao julgador, tomar providências contra determinada pessoa sem que esta tenha sido previamente ouvida ou decidir questões sem que ambas as partes tenham tido antecipadamente a oportunidade de se pronunciar sobre as mesmas e nessa medida “influenciar” a decisão final, salvo em casos excecionais. F. Ora, o mecanismo do art.º 48º do RGPTC é precisamente um desses casos excecionais, na medida em que constitui um procedimento célere e eficaz, motivado por razões especiais atinentes ao superior interesse dos menores no que concerne aos alimentos que lhe são devidos para sua subsistência. G. Acresce que o Requerido é sempre ouvido após efetivação dos descontos, podendo nessa altura tomar posição sobre a situação e colocar em causa o incidente do incumprimento da prestação de alimentos. H. Aliás, no caso presente o despacho recorrido ordenou logo a notificação do Requerido para em 5 dias alegar o que tivesse por conveniente, o que este já fez, e tudo sem que aparentemente haja sido notificada a entidade processadora dos descontos para esse efeito, não se vislumbrando nos autos até ao momento tal notificação. I. Como tal é evidente que o despacho judicial em causa não viola o princípio do contraditório, como, aliás, tem sido amplamente propagado pela jurisprudência dos tribunais superiores (neste sentido vide, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa número 6804/18.0T8FNC-E.L1-7 de 13/07/2023 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora n.º 737/15.0T8STR-F.E1 de 25/01/2018). J. Por outro lado, também falece de razão o argumento do Recorrente de subsiste falta de fundamentação no despacho recorrido. K. É sabido que uma decisão só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito ou quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial. L. Apreciando o despacho recorrido facilmente se constata que o mesmo se encontra devidamente fundamentado, tendo sublinhado a inexistência de consenso na jurisprudência dos tribunais superiores quanto ao procedimento a adotar em caso de incumprimento de alimentos face ao disposto nos artigos 41º e 48º do diploma legal aplicável, no sentido de se entender serem meios alternativos ou de se entender que só o artigo 48º em rigor deve ser acionado em caso de incumprimento alimentar, para concluir que, estando-se nos autos perante incumprimento alimentar, sempre será sempre este preceito aplicável e adequado ao caso. M. Mais declarou que, estando o Requerido está obrigado a prestar alimentos e não cumprindo pontualmente com a sua obrigação e sendo que a necessidade de tornar efetiva a prestação de alimentos não se compadece com delongas processuais, optava por, de forma absolutamente coerente e fundamentada, acionar o disposto no referido preceito. N. Acresce que, pese embora a Requerente/Recorrida ter mencionado no seu requerimento genericamente o artigo 41º do RGPTC e demais legislação aplicável, tal não impede o tribunal a quo de acionar o disposto no art.º 48º do mesmo diploma, até porque peticiona o incumprimento exclusivamente na vertente alimentar (embora, por lapso manifesto, a dada altura no despacho recorrido se refira também o incumprimento do regime de visitas) requerendo, ao final, ao julgador que “julgue verificado o incumprimento pelo Requerido da prestação de alimentos a favor da menor e ordene o seu cumprimento coercivo por meio das medidas adequadas”. O. Face ao pedido da Requerente, e sendo certo que, segundo a corrente doutrinária maioritária, o mecanismo processual previsto no art.º 48º do RGPTC pode ser utilizado sem o prévio recurso ao incidente de incumprimento mais abrangente previsto no artigo 41º do mesmo diploma (Entre outros RAMIÃO, TOMÉ D’ ALMEIDA – Organização Tutelar Anotada e Comentada), é de concluir que o despacho sob recurso não inquina de falta de fundamentação nem incorre em erro quanto à forma de processo, pois, em face do requerido cumprimento coercivo, decidiu pelo meio que fundamentadamente reputou por mais apropriado, por ser efetivamente o único específico para a situação colocada, por o devedor se encontrar na situação especial que possibilita a sua aplicação (estar a receber uma prestação mensal suscetível de descontos), e, finalmente, por subsistirem razões especiais (especial proteção das obrigações de alimentos) que exigem a adoção de providências céleres e eficazes. P. Com efeito, o recurso prévio ao disposto no art.º 41º sempre implicaria “um atraso processual incompatível com a urgência das necessidades das crianças”, pelo que é “mais razoável o recurso direto às medidas previstas no art.º 48º, nº 1, do RGPTC, independentemente do incidente de incumprimento previsto no art.º 41º do RGPTC” (Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio). Q. Face a todo o exposto, também não se pode considerar que estejamos perante uma convolação oficiosa ilegal do procedimento requerido, mais ainda quando nos movemos em sede de processo de jurisdição voluntária em que o Juiz tem ampla margem de manobra decisória (art.º 986º/2 CPC) e os princípios da adequação, da equidade e do inquisitório prevalecem sobre a legalidade estrita. R. Finalmente, entende, ainda, o Recorrente, que sendo o valor atualizado da pensão de alimentos da menor de 79,96€ (setenta e nove euros e noventa e seis cêntimos), não podia o Tribunal ordenar o desconto de 80,01€ no seu rendimento, por ser superior àquele montante, com o que alegadamente incorreu em condenação em quantidade superior ao pedido e consequente violação do disposto no art.º 609º do CPC. S. Ora, desde logo o que a Requerente/Recorrida pede no seu requerimento é a adoção de medidas coercivas adequadas tendo em vista o pagamento do montante de alimentos em incumprimento e das prestações vincendas, não peticionou um valor de desconto em concreto de 79,96€, pelo que não faz sentido falar em condenação superior ao pedido. T. Acresce que o art.º 48º do RGPTC não identifica o valor a descontar no salário do devedor de prestações devidas a título de alimentos em benefício do filho menor, mas tão só que os descontos devem ser feitos de modo a satisfazer as quantias em dívida, abrangendo também os alimentos que se forem vencendo, donde resulta que nada obsta a que fosse determinado o valor mensal em causa, aliás, cerca de apenas um euro acima do valor atualizado da pensão de alimentos para o ano de 2024. U. Mais ainda quando tal montante é relativamente baixo e quando no despacho recorrido ficou também salvaguardada uma quantia mínima de rendimento destinada a evitar que o devedor fique privado de meios que lhe permitam garantir o seu sustento: “ Nos descontos que efetuar, e ainda que com prejuízo do supra determinado, a entidade empregadora deixará sempre assegurada, a favor do devedor, a quantia mínima líquida equivalente à pensão social do regime não contributivo”. V. Concluindo, tendo em conta o valor das prestações vencidas em dívida e das prestações vincendas, bem como o âmbito da jurisdição voluntária em que nos movemos, é de considerar o montante fixado de 80,01€ como equitativo, justo e proporcional em função do valor do rendimento do Recorrente e do valor a vencer-se e em dívida. W. Resumindo, a decisão em causa não condena em objeto superior ou diverso do pedido nem faz de nenhum modo perigar os direitos e garantias do Requerido e aqui Recorrente. X. Pelo que deve improceder totalmente a Apelação.” * O Tribunal de 1ª Instância pronunciou-se quanto às alegadas nulidades no sentido que não se mostram verificadas as nulidades. O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. * II. O objecto e a delimitação do recurso O objecto do recurso é definido pelas conclusões da recorrente nos termos dos artigos 5º, 635º, nº3 e 639º nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil. A delimitação objectiva do recurso tem sempre que se balizar pelo teor das conclusões da recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, porquanto os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova. No recurso, enquanto meio impugnatório de decisões judiciais, só tem de se suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal de 1ª instância. Acresce ainda que o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio, mas sim uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Partindo desta premissa, o recorrente tem o ónus de alegar e de indicar, de acordo com o seu entendimento, as razões porque a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que ela padece, sob pena de indeferimento do recurso. Por último, o Tribunal de recurso não está vinculado à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Efectuada esta breve exposição e ponderadas as conclusões apresentadas, as questões a dirimir são: a) Arguição de nulidades da sentença nos termos do artigo 615º, nº 1, al. b) e e) do Código de Processo Civil; b) Da violação do princípio do contraditório e da realização de diligências instrutórias; c) Da (in)aplicabilidade do artigo 48º do RGTPC. * III. Os factos Factos ou actos processuais referidos e datados no relatório que antecede. * IV. O Direito a) Arguição de nulidades- vícios processuais - da nulidade da sentença com fundamento na al. b) do artigo 615º do Código de Processo Civil Uma das questões que aqui cumpre dirimir respeita à alegada nulidade da sentença com fundamento na absoluta de fundamentação da decisão. Dispõe o artigo 615º do Código de Processo Civil que: “1. É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…)”. A nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta. Doutrinariamente, na falta de fundamentação que constitui causa de nulidade da sentença, como ensina Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)”. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.140, defende que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação. Também Teixeira de Sousa, in Estudos sobre Processo Civil, pág. 221, escreveu que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (…)”. Na nossa jurisprudência é pacifico que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando exista falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta (neste sentido vide entre outros Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Maio de 2024; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de Maio de 2015; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2024, todos in www.dgsi.pt. Seguindo este entendimento não podemos considerar que o despacho sob recurso padece de nulidade porquanto, ainda que de modo resumido, a sentença foi fundamentada de facto e de direito. Quando muito tendemos a considerar que essa fundamentação é deficiente ou errada, facto este que não possui a virtualidade de consubstanciar qualquer nulidade ao abrigo do artigo 615º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil. Improcede, nesta parte, a arguida nulidade. b)Arguição de nulidades- vícios processuais - da nulidade da sentença com fundamento na al. e) do artigo 615º do Código de Processo Civil Sustenta o Recorrente que, “em face do peticionado pela Requerente e do valor que esta alega devido a título de pensão de alimentos vincendas apurado no montante de 79,96€ (setenta e nove euros e noventa e seis cêntimos), a decisão do Tribunal a quo de se proceder ao desconto no rendimento do Requerido, ora Recorrente, no valor mensal de 80,01 € (oitenta euros e um cêntimo) viola o disposto no art. 609, n.º 1 do CPC, bem assim como o princípio da segurança jurídica do Recorrente. Conclui que “(…) sempre será de se notar que o Tribunal a quo, ainda que por pouca diferença, acaba por determinar o desconto do ordenado do Recorrente de valor ligeiramente superior àquele solicitado pela própria Recorrida. Assim, em conformidade com o art. 615.º n.º 1 al. e) do CPC o Despacho recorrido, na parte em que ordena o desconto do rendimento do Requerido em quantia superior à peticiona pela Requerente é, no nosso entendimento, nulo.” Preceitua o artigo 615º, nº 1, al. e) do Código de Processo “É nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.” A Recorrida efectivamente invoca que a pensão de alimentos devida à menor em 2024, por força da actualização, passou a ser de €79,96. E peticiona a Recorrida que, face ao incumprimento pelo Recorrente da obrigação de prestação de alimentos a favor da menor, seja ordenado o seu cumprimento coercivo, adoptando as medidas adequadas, no montante, à data, de €274,84, acrescida de juros de mora até integral pagamento e das quantias vincendas, tudo nos termos do art.º 41º do RGPTC. Independentemente do recurso ao meio processual (saber se seria de aplicar a tramitação prevista no artigo 41º ou o artigo 48º, ambos do RGPTC, o que infra analisaremos), importa saber se no despacho proferido ordena um desconto superior ao peticionado (condenação ultra petitum). Este vicio de nulidade é uma decorrência da violação do princípio (dispositivo) consagrado no nº 1 do artigo 609º do Código de Processo Civil, referente aos limites da condenação, segundo o qual a sentença não pode condenar, além do mais, em quantidade superior ao pedido. Esta nulidade é aferida através do princípio da coincidência, mediante o qual o da sentença e o objecto do litígio (que corresponde à pretensão formulada e ao direito que será objecto dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo plasmado no artigo 3º, nº 1 do Código de Processo Civil. A Recorrida, alegando o incumprimento do Recorrente quanto à obrigação de alimentos, peticionou que o Tribunal, coercivamente, ordene as medidas necessárias a, por um lado, obter o pagamento da quantia que aquela alega como estando à data em divida, ou seja, o valor de €274,84, acrescido de juros de mora até integral pagamento, e ainda das quantias vincendas. No despacho foi ordenado o desconto imediato e mensal de €80,01 no subsídio atribuído ao Recorrente, a título de alimentos vincendos devidos à filha menor. Da conjugação do pedido formulado pela Recorrida com o despacho proferido que ordenou o desconto, não se vislumbra a existência de qualquer condenação ultra petitum, pois, mesmo que a pensão mensal devida seja de €79,96, o excedente de €0,05, que simpaticamente apelidaremos de irrisório, seria sempre para descontar na alegada quantia em divida de €274,84, acrescido de juros de mora até integral pagamento. Pelo exposto, improcede também esta nulidade. c) Da violação do direito ao exercício do contraditório e da ausência de diligências instrutórias Alega o Recorrente que o Tribunal de 1ª Instância decidiu sem que tivesse hipótese de exercer o contraditório e sem ter praticado as diligências instrutórias necessárias, o que consubstancia uma violação do contraditório indiscutivelmente susceptível de influir no exame ou na decisão da causa. Concluiu, que o despacho está inquinado de ilegalidade por inobservância de uma formalidade processual legalmente prevista nos termos do artigo 41º nº 3 do RGPTC e por efeito do nº 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil, o Despacho em causa é nulo, bem como os termos subsequentes. Em conformidade com o disposto no artigo 195º do Código de Processo Civil: “1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. 2 - Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes. 3 - Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo.” Caso o Tribunal de 1ª Instância não tivesse aplicado o disposto no artigo 48º do RGPTC e seguisse o preceituado no artigo 41º do referido RGPTC a questão suscitada poder-se-ia ter colocado (e aí sim seria de discutir se estaríamos ou não perante a violação do principio do contraditório, se essa violação seria causa de nulidade e se a nulidade foi ou não invocada dentro do prazo legalmente previsto). Todavia, o Tribunal de 1ª Instância aplicou o disposto no artigo 48º do RGCPT. Dispõe o artigo 48º do RGPTC que: “1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte: a) Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública; b) Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário; c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários. 2 - As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são directamente entregues a quem deva recebê-las.” Defende o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de Janeiro de 2018 (www.dgsi.pt) que: “(…) Ademais, importa sublinhar não ser obrigatória a audição do progenitor devedor antes de se ordenar o desconto no seu vencimento ao abrigo do disposto no art.º 48.º/1 do RGPTC. Com efeito, prescreve o art.º 48.º, n.º1, alínea b) do RGPTC que “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário”. E acrescenta o seu n.º2 : “As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las” “O presente normativo visa a cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de um procedimento específico pré-executivo, ou seja, à margem de uma ação executiva e independente dela, no sentido que a não procede, e aplica-se a qualquer processo tutelar cível em que se tenha fixado uma prestação de alimentos à criança”. Este procedimento especial, pela sua celeridade, garante de forma mais adequada e eficaz o superior interesse da criança, no caso, assegura a satisfação imediata das suas necessidades básicas, em particular os meios necessários à sua subsistência. E não tem de ser obrigatoriamente procedido por notificação ao requerido para dizer o que tiver por conveniente, só devendo ser notificado do despacho que ordena esses descontos. Procedimento que não viola o princípio do contraditório, já que o requerido será sempre ouvido, após a efetivação dos descontos, podendo tomar posição sobre o requerimento do incidente suscitado pela requerente, nomeadamente impugnar o incumprimento, comprovando o pagamento voluntário no prazo acordado ou fixado judicialmente, ou seja, demonstrando inexistir fundamento legal para o desconto no vencimento. (…)”. (no mesmo sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 2023 -www.dgsi.pt). Aqui chegados, tendo sido aplicado pela 1ª Instância o regime previsto no artigo 48º do RGPTC não se verifica qualquer violação do exercício do contraditório e da ausência de diligências instrutórias (estas só serão realizadas após o exercício do contraditório). Improcede nesta parte o recurso. d) Da (in)aplicabilidade do artigo 48º do RGPTC Invoca ainda o Recorrente que, tendo a Requerida optado por um dos procedimentos disponíveis no nosso ordenamento jurídico para fazer valer o direito que alega ter, tendo esta decidido e optado por deduzir o incidente de incumprimento ao abrigo do artigo 41º do RGPTC e não ao abrigo dos restantes que dispunha, entre os quais o regime previsto no artigo 48º, não cabia ao Tribunal de 1ª Instância oficiosamente convolar o procedimento em causa no procedimento previsto no artigo 48º do RGTPC. Como é sabido, o citado artigo 48º tem como objectivo a cobrança coerciva da prestação de alimentos, com base num procedimento específico caracterizado como de pré-executivo. Trata-se de um procedimento especial que permite e garante de forma mais célere, perante a existência de rendimentos do devedor, o pagamento da pensão alimentar. Do despacho recorrido consta que: - a Recorrida alegou que o progenitor não tem pago pontualmente a prestação de alimentos estabelecida no processo principal por acordo e homologada por sentença. - que, para além desta matéria indiciária, há que ter em conta que em conferência de pais realizada no processo de regulação das responsabilidades parentais a 05/11/2019, foi acordado entre os progenitores que o progenitor, aqui recorrente, pagará a título de pensão de alimentos à menor ------------ a quantia mensal de 70,00€ (setenta euros). O valor terá que ser pago até ao dia 8 (oito) de cada mês, a transferir para a conta bancária da progenitora. - a quantia mensal devida à menor será actualizada anualmente, em função dos índices dos preços ao consumidor publicado pelo INE no ano anterior, sendo a primeira actualização em Janeiro de 2020; - e da ainda como provado que o Recorrente beneficia de subsídio de desemprego no montante mensal de 732.32 €, com a remuneração mensal de 820,00€. É com base nestes argumentos que o Tribunal de 1ª Instância conclui e decide pela aplicação do disposto o artigo 48ºdo RGPTC. Da conjugação dos pressupostos que permitem a aplicação do disposto no artigo 48º do RGPTC com os argumentos invocados pela 1ª Instância, a MMª Juiz não podia ter lançado mão deste regime por ausência de factos que sustentem essa opção. Refere a 1ª Instância que a Recorrida alegou que o progenitor não tem pago pontualmente a prestação de alimentos estabelecida no processo principal por acordo e homologada por sentença. Estamos perante uma conclusão que não se mostra alicerçada em factos. Para que esta conclusão fosse possível (e como conclusão não devia estar elencada nos factos) deveria a progenitora alegar, de modo discriminado, por meses e anos quais os montantes pagos, a que título foram pagos (a obrigação de prestar alimentos não assenta apenas no pagamento da pensão de alimentos, mas também no pagamento de despesas com a ama) e em que datas foram pagas. Caso esta factualidade tivesse sido alegada, é que seria legitimo ao Tribunal de 1ª Instância concluir, ainda que indiciariamente, quais as quantias que não foram satisfeitas, a que respeitavam essas quantias, quando é que não foram satisfeitas e se não foram pagas nos dez dias seguintes ao vencimento. Face ao exposto, estava vedada à 1ª Instância a aplicação do regime previsto no artigo 48º do RGPTC por não se mostrarem demonstrados e verificados os seus pressupostos. Perante esta conclusão mostra-se inútil apreciar a questão suscitada sobre se podia ou não o Tribunal de 1ª Instância oficiosamente convolar o regime previsto no artigo 41ºdo RGPTC no regime vertido no artigo 48º do RGPTC. Não podendo a 1ª instância, nos termos explanados, aplicar o regime previsto no citado artigo 48º, impõe-se revogar o despacho proferido na parte em que determina a aplicação do regime previsto no artigo 48º do RGPTC e que consequentemente ordena a notificação da entidade processadora do subsidio de desemprego para que proceder de imediato ao desconto mensal de 80,01€ (oitenta euros e um cêntimo) no subsídio atribuído a ----------------------, a título de alimentos vincendos devidos à filha menor -----------------------, bem como o depósito directo e sem quaisquer descontos na conta bancária de ----------------- e a notificação da entidade processadora do subsidio nos termos ordenados. Mais se decide manter o despacho na parte que “(…)tendo em consideração que a matéria em apreço, circunscrita a alimentos, não justifica, por ora, a conferência a que alude o art. 41º, nº 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), notifique o Requerido(a) para, em 5 dias, alegar o que tiver por conveniente, sendo-o com: - a informação de que não é necessária a constituição de Advogado (apenas na eventualidade de recurso); - a informação de que recai sobre si o ónus de comprovar que efetuou o pagamento; e - a cominação de que, nada dizendo, se considerarão confessados os factos trazidos no requerimento inicial.” Procede parcialmente o recurso interposto. * V. Decisão Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente: a) revogam o despacho proferido na parte em que determina a aplicação do regime previsto no artigo 48º do RGPTC e que ordena a notificação da entidade processadora do subsidio de desemprego para que proceder de imediato ao desconto mensal de 80,01€ (oitenta euros e um cêntimo) no subsídio atribuído a ----------, a título de alimentos vincendos devidos à filha menor -------------, bem como o depósito directo e sem quaisquer descontos na conta bancária de ----------------- e a notificação da entidade processadora do subsidio nos termos ordenados; b) manter o despacho na parte que “(…) tendo em consideração que a matéria em apreço, circunscrita a alimentos, não justifica, por ora, a conferência a que alude o art. 41º, nº 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), notifique o Requerido(a) para, em 5 dias, alegar o que tiver por conveniente, sendo-o com: - a informação de que não é necessária a constituição de Advogado (apenas na eventualidade de recurso); - a informação de que recai sobre si o ónus de comprovar que efetuou o pagamento; e - a cominação de que, nada dizendo, se considerarão confessados os factos trazidos no requerimento inicial.” Custas a cargo do Recorrente e da Recorrida, na proporção de 50% para cada um, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido à Recorrida. Lisboa, 24-10-2024, Juiz Desembargadora Cláudia Barata Juiz Desembargador Nuno Gonçalves Juiz Desembargadora Vera Antunes (vencida, nos termos da declaração infra) Voto de Vencido. Votei vencida por discordar da parte final do Acórdão, resumida neste ponto do Sumário: “A aplicação do regime previsto no artigo 48º do RGPTC pressupõe a alegação de factos, sendo que a mera referência ao facto de o progenitor devedor não pagar pontualmente a prestação de alimentos é conclusivo” e teria indeferido o Recurso mantendo a Decisão proferida na 1ª Instância. O Regime Tutelar Cível é regido por princípios de simplificação de actos processuais e diligências instrutórias, para além de uma maior amplitude de poderes conferidos ao Tribunal. Não se deve olvidar que estamos perante um processo de jurisdição voluntária, em que o julgador não está adstrito a critérios de legalidade estrita, tal como vem consagrado no art.º 12º do RGPTC. Nestes processos o Tribunal tem todos os poderes investigatórios, não estando sujeito à iniciativa das partes, nem vigora o princípio do ónus da alegação e prova, conhecendo o Tribunal de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes. Outra característica específica é a de que o Tribunal, não estando sujeito a critérios de legalidade estrita, deve adoptar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para cada caso - cfr. art.ºs 986.º, n.º 2 e 987.º do Código de Processo Civil. Exemplos de simplificação processual são os consagrados no art.º 4º, n.º 1, a) ou no art.º 42º, n.º 2, dispondo este último: “O requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido…”, sendo aplicável à alteração do RRP mas que não deixa de enunciar um dos critérios orientadores deste tipo de processos. A propósito do incumprimento aqui em causa, a Requerente, depois de fazer referência ao que ficou fixado definitivamente, por acordo homologado por sentença de 5/11/2019, relativamente à pensão de alimentos devida à menor ------------ (quantia, modo e prazo de pagamento); bem como ao momento a partir do qual era devida e às actualizações fixadas, vem dizer o seguinte no r.i.: - “I – Do incumprimento quanto ao pagamento da pensão de alimentos e despesas da ama: Até à presente data, 30/03/2024, o Requerido pagou a título de alimentos para a menor -------- (imputando metade dos valores recebidos a esta e a outra metade ao filho -----------, o filho mais velho da Requerente e Requerido), as seguintes quantias: • No ano de 2019 pagou o total de 772,44€; • No ano de 2020 pagou o total de 810,00€; • No ano de 2021 pagou o total de 800,00€; • No ano de 2022 pagou o total de 810,00€; • No ano de 2023 pagou o total de 960,00€; • Desde janeiro de 2024 até à data de 30 de Março de 2024 pagou o total de 116€; Tudo somando o valor de 4.268,44€ (quatro mil, duzentos e sessenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos).” - “Ora, tendo em conta a data da entrada da p.i. e a atualização anual do valor da pensão de alimentos, são as seguintes as quantias que o Requerido deveria ter pago a este título: • No ano de 2019 deveria ter pago o valor total de 845,00€ ((75*11)+70); • No ano de 2020 deveria ter pago o valor total de 842,52€ (70,21*12); • No ano de 2021 deveria ter pago o valor total de 842,52€ (70,21*12); • No ano de 2022 deveria ter pago o valor total de 853,44€ (71,12*12): • No ano de 2023 deveria ter pago o valor total de 919,92€ (76,66*12); • No ano de 2024 e até 30 de Março de 2024 - deveria ter pago o valor total de 239,88 (79,96€*3); Tudo somando o valor de 4.543,28€ (quatro mil, quinhentos e oitenta e três euros e vinte e oito cêntimos).” - “Pelo que persiste uma dívida, relativamente à pensão de alimentos devida, no montante de 274,84 € (duzentos e oitenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos).” - “Assim, o total devido pelo Requerido à Requerente é, portanto, nesta data de 30 de Março de 2024, 274,84 € (duzentos e oitenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos).” [afigura-se que existe um manifesto lapso de escrita na menção por extenso da quantia devida, mas inócuo para o que aqui se discute]. Não se afigura que a Requerente tenha invocado apenas conclusões ou que careça o r.i. de alegação de factos que permitam a aplicação do art.º 48º do RGPTC. A Requerente invocou, como era seu ónus, nos termos do art.º 342º, n.º 1 do Código Civil, o conteúdo da obrigação, as quantias devidas, os prazos de pagamento e desde quando eram devidas as quantias bem como as quantias em falta, por referência aos anos e meses em causa. Desta forma, entendo não poder concluir-se pela inaplicabilidade do art.º 48º do RGPTC com este fundamento. No mais, acompanho o entendimento do Acórdão, acrescendo ainda que quanto à questão da Juiz ter optado por esta aplicação mesmo tendo a Requerente vindo deduzir o incidente de incumprimento nos termos do art.º 41º do RGPTC, entendo igualmente que nada obstava a tanto, estando essa decisão dentro dos poderes de gestão processual do Tribunal, atendendo ainda às supra referidas especificidades do processo tutelar e podendo o Tribunal aplicar “…as diligências necessárias para o cumprimento coercivo…” – art.º 41º, n.º 1 do RGPTC ou ainda, nos termos do art.º 28º do mesmo Regime: “1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão. 2 - Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo. 3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes. 4 - O tribunal ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência. 5 - Quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência, é-lhes lícito, em alternativa, na sequência da notificação da decisão que a decretou: a) Recorrer, nos termos gerais, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.” Assim, nada obstava à aplicação deste mecanismo pela Juiz a quo. Quanto ao contraditório e como refere Andreia Cristina Nascimento Canha, Cumprimento Coercivo das Obrigações Alimentares (a Crianças e Jovens, Dissertação apresentada ao Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra; 2016, p. 35: “Na senda de REMÉDIO MARQUES, e de modo a dar resposta a ambas as questões, tratando-se de um incumprimento efetivo de uma obrigação de alimentos devida a um menor, aplica-se o processo executivo especialíssimo do artigo 48.º do RGPTC, sem necessidade de incitar o incidente de incumprimento do artigo 41.º do mesmo diploma. No mesmo sentido, TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO diz-nos que se se trata apenas de incumprimento quanto à prestação de alimentos, partimos logo para o artigo 48.º do RGPTC. Também do mesmo entendimento, HELENA BOLIEIRO e PAULO GUERRA opinam no sentido de que o incidente de incumprimento deve ser incitado independentemente do mecanismo do artigo 48.º, corroborando jurisprudencialmente a sua opinião através do Acórdão da Relação de Lisboa de 09/02/1988, que proferiu que “o procedimento previsto na alínea a) do artigo 189.º da OTM [correspondente ao artigo 48.º do RGPTC] não tem de ser precedido por notificação ao requerido para dizer o que tiver por conveniente, nem de inquérito sumário, pois não lhe é aplicável o estabelecido no artigo 181.º [que corresponde ao artigo 41.º do RGPTC]; o requerido só tem de ser notificado do despacho que haja ordenado os descontos no seu vencimento, após estes se terem iniciado”. Não houve assim violação do contraditório, tendo sido dada a possibilidade ao Requerido para se pronunciar após a efectivação dos descontos, como determina a Lei. Nestes termos, indeferia o Recurso interposto e mantinha a decisão recorrida. Vera Antunes |