Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS BENIDO | ||
Descritores: | ESPECIAL COMPLEXIDADE DO PROCESSO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/04/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - O carácter altamente organizado do tipo de crime em investigação, por si só, não seja bastante para fundamentar o pedido de excepcional complexidade formulado. II - Tal carácter altamente organizado que o legislador associa ao tipo de crime objecto dos presentes autos, terá que ser analisado segundo as concretas circunstâncias da presente investigação III - O juízo sobre a complexidade assume-se, assim, como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e não estritamente do processo; as questões de interpretação e de aplicação da lei, por mais intensas e complexas, não atingem a noção. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | P. 272/11.5TELBB-C.L1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO O arguido G… inconformado com o despacho do Exmo. Juiz de Instrução Criminal que, nos termos do artº 215º, nºs 1 e 3, com referência ao artº 1º, al. m), ambos do Código de Processo Penal (CPP), declarou a excepcional complexidade dos autos nos termos e para os efeitos dos arts. 215º e 276º, nºs 1 e 2, do CPP, recorre extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: A. O presente recurso prende-se com a decisão proferida em 19 de Julho de 2012 pelo Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal, no qual foi declarada a excepcional complexidade do presente procedimento criminal, nos termos dos art.ºs 215.º - 1 e 3, com referência ao art.º 1.º m), ambos do C.P.P., a excepcional complexidade dos presentes autos nos termos e para os efeitos dos art.ºs 215.º e 276.º - 1 e 2 do C.P.P.; B. Na referida decisão, o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal consentiu em alguns dos argumentos utilizados na defesa do arguido, referindo que “(…) Comungamos da opinião manifestada pelas Defesas dos arguidos, de que a aproximação das férias judiciais não possa ser considerado como factor de impossibilidade de encerramento da fase de inquérito dentro do prazo máximo admissível (...)”; C. Refere também que – “(…)Igualmente somos em concordar que o carácter altamente organizado do tipo de crime em investigação, por si só, não seja bastante para fundamentar o pedido de excepcional complexidade formulado.(…)”; D. Não obstante a defesa do arguido tenha logrado concordância por parte do Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal, sustentou aquele, no entanto, a decisão de declarar a excepcional complexidade do processo, na natureza dos ilícitos sob investigação que o próprio legislador associa a criminalidade altamente organizada, o seu carácter transnacional, o elevado número de intervenientes ainda não totalmente circunscrito e a complexidade e morosidade inerente às diligências em curso e que se mostram ainda necessárias realizar; E. Concluiu, afirmando que, sopesando os Direitos Liberdades e Garantias (DLG) dos arguidos e os interesses da investigação criminal e bem assim a descoberta da verdade material, o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal decidiu afirmando “(…) que se mostram reunidos os pressupostos para que a investigação seja considerada de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.º, n.º 3 do C.P.P., mostrando-se tal regime adequado, atenta a previsível demora que a análise dos documentos e a obtenção de resultados das diligências em curso e a desenvolver irão implicar, bem como eventualmente, das novas diligências de prova que, da revelação da prova já recolhida poderão vir a derivar(…).”; F. Sucede que esta decisão sob recurso assenta sobretudo em aspectos hipotéticos que o processo de investigação poderá albergar e não em circunstâncias fácticas determinadas e concretas susceptíveis de consubstanciar a génese da excepcional complexidade do processo; G. Na verdade, o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal - enquanto garante dos direitos fundamentais da pessoa na fase de inquérito - não fez uma correcta avaliação das concretas circunstâncias da investigação de modo a assegurar uma justa ponderação no âmbito do conflito de interesses latente entre a realização da justiça e os direitos, liberdades e garantias (‘DLG’) do arguido; H. Não definindo a lei o que será um procedimento criminal de excepcional complexidade, limitando-se a fornecer elementos exemplificativos, indiciadores dessa realidade fáctica, “a declaração da excepcional complexidade do processo obriga a uma avaliação, caso a caso, das concretas circunstâncias da investigação em curso.” (Cfr. Tribunal da Relação do Porto proferido em 02/02/2011 no âmbito do processo n.º 770/10.8TAVCD-C.P1, disponível em www.dgsi.pt), na medida em que, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, deixou de funcionar ope legis; I. Não bastará a mera dificuldade do procedimento em tese, atento o tipo de crime em investigação, para a declaração como sendo de excepcional complexidade, exigindo-se a demonstração das razões concretas que, no processo em apreciação, demonstrem a existência de uma dificuldade concreta, e portanto, objectivamente determinável, só assim sendo preenchidos os conceitos indeterminados constantes do disposto no n.º 3 do art.º 215.º do Código de Processo Penal; J. No caso concreto, a prorrogação do prazo de duração máxima da prisão preventiva promovida pelo Senhor Procurador da República nada tem a ver com o preenchimento dos pressupostos em que assentam a aplicação desta medida de coação, ou seja, salvaguardar o perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente com a aquisição e conservação ou veracidade da prova, surgindo antes associada ao intuito/objectivo de ganhar mais tempo para o processamento dos diversos elementos de prova que foram sendo recolhidos desde o início do presente procedimento criminal que data de Outubro de 2011; K. Foram constituídos seis arguidos nos presentes autos, encontrando-se todos eles sujeitos a prisão preventiva desde Abril de 2012; L. O facto de não se encontrar eventualmente determinado o número total final de eventuais intervenientes nos ilícitos em investigação, pese embora a investigação se tenha iniciado há cerca de 9 meses, não poderá nunca influir na privação da liberdade daqueles que já se encontram detidos desde Abril de 2012, pois poderão estes novos e hipotéticos arguidos sempre serem julgados em processo autónomo; M. Salvo o devido respeito por opinião contrária, o presente procedimento não assume objectivamente excepcional complexidade que justifique a manutenção da restrição do direito à liberdade de arguido preso preventivamente por período correspondente quase ao dobro da duração legalmente prevista, cuja previsão legal é já agravada em função do tipo de crime/criminalidade sob investigação; N. Na decisão ora recorrida apela-se ao facto de “os crimes em investigação e o modus operandi que normalmente lhes está associado são, por regra, determinante de um morosa e excepcional complexidade de investigação.” (sublinhado nosso); O. Resulta, assim, claro que a eventual complexidade dos autos decorre de uma mera suposição, extraída de um apelo às regras de experiência noutros processos; não sendo feita qualquer circunscrição a factos e/ou elementos recolhidos até à data no processo que consubstanciem efectivamente uma especial complexidade; P. Os inúmeros elementos de prova recolhidos até à presente data no processo são aqueles que irão suportar uma acusação e que, uma vez, processados e examinados permitirão apurar toda a extensão da actividade criminosa sob suspeita; Q. Como argumento determinante para a revogação da decisão posta em crise pelo presente recurso teremos o facto de o Ministério Público, na promoção em que solicitou a declaração de excepcional complexidade dos presentes autos, se ter referido apenas às dificuldades no processamento e exame, em tempo útil, dos elementos de prova já recolhidos na investigação e entretanto solicitados a outras entidades; R. Ou seja, de elementos de prova e diligências já conhecidas, ou já realizadas; S. Todavia, o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal, sustentou a sua decisão de reconhecer e atribuir a qualificação dos presentes autos como de processo de excepcional complexidade, na necessidade que existiria da realização de novas diligências de prova, fazendo-o, ainda para mais, de forma abstracta e genérica, equacionadas apenas como uma hipótese; T. Não cabe ao Sr. Juiz de Instrução Criminal a direcção do Inquérito; U. Não poderá assim, e salvo o devido respeito, o Sr. Juiz de Instrução Criminal fundamentar a sua decisão relativa a esta matéria, em fundamento diverso daquele que foi invocado pelo titular do Inquérito, ainda para mais quando desconsidera – ignorando – o argumento utilizado pelo Ministério Público na sua promoção; V. De facto, refere o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal que “na fase actual da investigação, como aduzido pelo detentor da acção penal, mostra-se ainda necessário realizar um conjunto de diligências necessárias ao cabal esclarecimento dos factos em investigação e por forma a apurar a identidade e toda a extensão da actividade desenvolvida pelos arguidos (...).”; W. Contudo, o que o detentor de acção penal aduziu foi a dificuldade em processar toda a informação recolhida até à detenção dos arguidos e cruzamento de informações no âmbito do exame de todos os dados recolhidos e não a realização de novas diligências ou recolha de novos elementos probatórios para efeitos de imputação aos arguidos já constituídos no processo; X. Não só é de estranhar que não estejam ainda reunidas todas provas relacionadas com a investigação dos crimes que lhes vêm imputados, dado o período decorrido desde o início da presente investigação, como estamos perante um processo em que todos os arguidos se encontram detidos preventivamente, pelo que o processo tem tramitação urgente; Y. Ora, a (in)disponibilidade de meios que permitam dar resposta cabal à urgência destas matérias é alheia aos arguidos, ou seja, o direito à liberdade do arguido não poderá nunca ficar prejudicado face à necessidade de uma análise mais prolongada da prova indiciária reunida; Z. Quanto a outros suspeitos, reitera-se o acima exposto quanto à possibilidade de poderem aqueles ser julgados em separado, bastando para tanto a extracção de certidão para o efeito pelo Ministério Público; não podendo, obviamente, aceitar-se que esta situação possa comportar um ónus tão penoso para os arguidos já constituídos no processo de poderem ver a sua liberdade restringida pelo período de mais um ano além da duração máxima legalmente prevista; AA. No que diz respeito à intensa actividade de intercepções telefónicas, as mesmas respeitam sobretudo ao período antecedente à detenção dos arguidos, tendo sido certamente um importante elemento para a preparação da estratégia de detenção dos arguidos, e, nessa medida, previamente analisadas - mesmo que apenas parcialmente - conforme resulta, aliás, de menção expressa no despacho de aplicação da medida de coação de prisão preventiva, com identificação de várias passagens (em conformidade com o formalismo prescrito no artigo 188.º do C.P.P. - não sujeitas a transcrição); BB. Neste caso, os argumentos que, à partida e por mera hipótese de raciocínio, poderiam justificar uma prorrogação da duração do inquérito estão irremediavelmente associados à prorrogação da duração da prisão preventiva dos arguidos, situação que, em face dos elementos do processo, conflitua gravemente com os Direitos, Liberdades e Garantias daqueles; CC. De facto, não poderá ser à custa da elevação do prazo de prisão preventiva dos arguidos que estejam sujeitos a tal medida de coação que se deverá ultrapassar os eventuais atrasos de investigação, que é na verdade, aquilo que se pretende acautelar na situação concreta e a que os arguidos são alheios; DD. Por tudo quanto foi exposto supra, é forçoso concluir que não existem in casu circunstâncias concretas que justifiquem a prorrogação do prazo de duração máxima da prisão preventiva com base na declaração de excepcional complexidade do processo, e consequente duração do inquérito nos termos declarados, encontrando-se, deste modo, a decisão recorrida indevidamente fundamentada; EE. É patente um conflito entre a salvaguarda dos direitos fundamentais dos arguidos e os interesses subjacentes à investigação dos crimes de que vêm indiciados no presente processo; FF. Para além de ser ilegal, por sustentar a decisão em argumento que não foi utilizado pelo titular do Inquérito na promoção apresentada em juízo, o que viola o disposto no n.º 4 do art.º 215.º do C.P.P.; GG. O despacho ora em crise feriu os artigos 97.º, n. 5, 191.º, 215.º, n.º 3 e n.º 4 do C.P.P., bem como os artigos 20.º, n.º 4 in fine, 28.º, 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e art.º 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; HH. Deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho ora recorrido, por ilegal, substituindo-o por outro que atenda à pretensão da defesa, em conformidade com as leis processuais e fundamental e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mantendo-se o prazo máximo para dedução de acusação, com manutenção da medida de coacção de prisão preventiva, nos termos do disposto no art.º 215.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA! Respondeu o Ministério Público, concluindo: 1. O recorrente não tem razão, foi bem e de forma fundamentada declarada a excepcional complexidade do inquérito, nos termos dos artigos 215º n° s 1 e 3, 1° alínea m) e artigos 215° e 276° nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, influenciando e elevando o prazo máximo do inquérito para 12 meses e o prazo máximo de prisão preventiva. 2. Nos presentes autos estão em investigação crimes de associação criminosa p. e p. pelo artigo 28º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22/01 e de tráfico de estupefacientes, com agravação p. e p. pelos artigos 21° e 24° alínea f) do mesmo diploma legal, a que a decisão recorrida faz referência expressa e através da remissão para os argumentos aduzidos em sede de interrogatórios de arguidos detidos - fls. 2335 a 2389. 3. Tais crimes cabem na previsão do n° 2 do artigo 215º do Código de Processo Penal e na respectiva alínea a), quando refere a “criminalidade altamente organizada”, que por sua vez já integra crimes de “associação criminosa” e tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas. 4. Esta qualificação jurídica é baseada em “fortes indícios” da prática de tais crimes, comunicados ao arguido recorrente em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, o que justificou até a sua prisão preventiva que se mantém - artigo 202º do Código de Processo Penal, não sendo assim, obviamente, uma mera qualificação jurídica inicial baseada em subsunções jurídicas sobre hipóteses abstractas ou meras suposições. 5. Só por falta de uma atenta análise da decisão e da tramitação processual conhecida do arguido pode este invocar, o que não se aceita, que “esta decisão sob recurso assente sobretudo em aspectos hipotéticos que o processo de investigação poderá albergar e não em circunstâncias fácticas determinadas e concretas”. 6. O segundo critério previsto no artigo 215º n° 3 do Código de Processo Penal, reporta-se à objectiva complexidade excepcional ou acima da média do inquérito, nomeadamente “o carácter altamente organizado do crime”, que surge ao lado do “número de arguidos ou de ofendidos”. 7. Os mesmos factos fortemente indiciados, em que a qualificação jurídica se baseou, e as provas que a sustentam, permitem-nos defender também, de forma elementar, “o carácter altamente organizado do crime”, bastando concretizar e elencar como doutamente fez o Mmo. Juiz de Instrução os seguintes factores: 8. A dimensão transnacional e internacional da criminalidade em causa; 9. A quantidade elevada e a qualidade dos estupefacientes e objectos apreendidos relacionados com o tráfico, mais de 100 kilos de cocaína, o que pressupõe claramente a existência de recursos nomeadamente de transporte acima da média; 10. As acções de investigação que foram indispensáveis à identificação dos arguidos e seu modo de actuação e que precederam os interrogatórios de arguidos detidos, que implicaram um esforço de meios e de organização acima da média “tendo havido necessidade de recorrer a uma intensa actividade de intercepções a fim de se apurar e identificar os suspeitos envolvidos nos factos, detecção das operações de transporte de droga, das circunstâncias de tempo e lugar em que iriam ter lugar e dos meios utilizados, que terão, necessariamente, de ser objecto de exame”; 11. A investigação é tanto mais difícil e morosa quanto mais organizada e minuciosa é a actividade criminosa e os meios necessários para a desmantelar; 12. O uso de “manobras de dissimulação de condutas criminosas” – fls. 3677, 3678; 13. A constituição de seis arguidos, todos em prisão preventiva – fls. 3675; 14. A decisão recorrida encontra-se assim fundamentada não existindo violação do artigo 97° n° 5, nem dos n.°s 3 e 4 do artigo 215° do Código de Processo Penal. 15. A douta decisão não viola o artigo 191º do Código de Processo Penal, sendo a própria lei que retira da decisão de excepcional complexidade as consequências legais e imediatas para o prazo máximo de prisão preventiva, sendo que o arguido recorrente adoptou raciocínios inversos, partindo do fim para as causas, só porque não quer aceitar as consequências legais de decisões devidamente fundamentadas e ancoradas em factos e provas. 16. Não se aceita o pseudo-argumento segundo o qual “a prorrogação do prazo de duração máxima da prisão preventiva promovida pelo Senhor Procurador da República nada tem a ver com o preenchimento dos pressupostos em que assentam a aplicação desta medida de coacção, ou seja, salvaguardar o perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente com a aquisição e conservação ou veracidade da prova, surgindo antes associada ao intuito/objectivo de ganhar mais tempo para o processamento dos diversos elementos de prova que foram sendo recolhidos...”. 17. A decisão recorrida não viola o artigo 20º n° 4 da Constituição da República Portuguesa, não tendo sido apontados em concreto atrasos ou inactividade no inquérito. 18. Nem o artigo 28° da Constituição da República Portuguesa, referente à “prisão preventiva”, que no seu n° 4 prevê que a prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei, mais precisamente e nomeadamente, a lei processual penal que, em caso de excepcional complexidade do inquérito eleva os respectivos prazos máximos. 19. O arguido não especifica em que medida é violado o artigo 6° n° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 20. A decisão recorrida não invocou o argumento da “aproximação das férias judiciais” nem o “carácter altamente organizado do crime por si só” para decidir da excepcional complexidade do inquérito, antes contrabalançou de forma equilibrada os interesses da investigação e da descoberta da verdade material e os Direitos Liberdades e Garantias dos arguidos, nomeadamente do recorrente que se encontra preso preventivamente, tendo em conta a necessária análise da prova já obtida e aquelas diligências que ainda estarão por realizar. 21. O Juiz de Instrução não está limitado nos seus poderes a “copiar” os exactos argumentos apresentados na promoção do Ministério Público e não é verdade que o Ministério Público na sua promoção se referiu “apenas às dificuldades no processamento e exame, em tempo útil, dos elementos de prova já recolhidos na investigação e entretanto solicitados a outras entidades...”. 22. O Juiz de Instrução deu por integralmente reproduzidos todos os fundamentos constantes da promoção de fls. 3554 a 3555: 23. O processo é composto por 10 volumes e vários apensos - fls. 3554; 24. O número de arguidos em prisão preventiva aumenta a complexidade com defesas que exigem linhas de investigação diferentes - fls. 3554; 25. Para além da perícia à droga apreendida faltam examinar múltiplos objectos apreendidos como telemóveis e cartões SIM, GPS, computadores portáteis, CPU, e iPAD - fls. 3554; 26. Estão por terminar transcrições de escutas telefónicas e cruzamentos dos dados aí obtidos - fls. 3554; 27. A identificação de outros suspeitos intervenientes na mesma actividade criminosa - fls. 3555, é necessária pata limitar e perceber a concreta intervenção dos arguidos já constituídos e daqueles em prisão preventiva. 28. Não é linear o argumento de que “para investigar novos suspeitos, novos processos” e só do ponto de vista da defesa dos arguidos tal seria muito conveniente até pela facilidade em imputar factos ainda “sem dono” a outrem. 29. Não se vislumbra assim qualquer violação do artigo 215° nº 4 do Código de Processo Penal. 30. O prazo máximo de inquérito é de 12 meses em razão dos tipos de crime em investigação e da concreta excepcional complexidade do processo - artigo 276° n° 1 e 2 c) do Código de Processo Penal. 31. O prazo máximo de prisão preventiva é de 1 ano em razão dos tipos de crime em investigação e da concreta excepcional complexidade do processo - artigo 215° nº 3 do Código de Processo Penal. 32. Nestes termos, mais não resta do que sustentar na íntegra a douta decisão recorrida. Termos em que, negando provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida, farão V. Exas., como sempre, a habitual JUSTIÇA! O Mmo. Juiz “a quo” sustentou tabelarmente, mantendo-o, o despacho recorrido. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto aderindo à resposta do Ministério Público em 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, respondeu o arguido, ora recorrente, nos termos constantes de fls. 118/124. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, como vem sendo reafirmado, constante e pacificamente, pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores [cfr., por todos, Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 2ª ed., Editorial Verbo, pág. 335; e Ac. do STJ de 24-03-99, in CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247], sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso. E, de acordo com as conclusões formuladas pelo recorrente, definindo o objecto da cognição deste Tribunal, a única questão que cumpre decidir é a de apurar se estão reunidos os requisitos legais para que seja declarada a excepcional complexidade do processo. O despacho recorrido é do seguinte (transcrito) teor: «Da excepcional complexidade dos autos requerida a fls. 3554 a 3555 Nos termos e com os fundamentos constantes da douta promoção de fls. 3554 a 3555, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido veio o M.º P.º requerer a excepcional complexidade do processo, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 89.º - 6, 276.º - 1 e 2 c) e 215.º - 1 e 3 e 1.º - m), todos do CPP. Foram notificados os arguidos já constituídos, nos termos do n.º 4 do art.º 215.º do CPP. Face a tal notificação, vieram os arguidos G..., J…, A… e A… , a douto punho e, nos termos e com os fundamentos constantes dos respectivos requerimentos que ora fazem fls. 3643 a 3647, 3649 a 3656, 3657 a 3659 e 3662 a 3663, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, opor-se à excepcional complexidade dos autos requerida pelo M.º P.º. Mostrando-se decorrido o prazo concedido às Defesas para se pronunciarem, cumpre apreciar e decidir: Os presentes autos de inquérito foram instaurados em 25 de Outubro de 2011, tendo por objecto factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de tráfico de estupefacientes de carácter transnacional, encontrando-se, presentemente, seis arguidos em prisão preventiva, indiciados da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado. Ora, os ilícitos em investigação inserem-se no conceito de criminalidade altamente organizada tal como definida no art.º 1.º - m) do CPP. Em contestação à promoção do M.º P.º de excepcional complexidade, vieram os arguidos supra referidos, rebater todos os argumentos aduzidos pelo detentor da acção penal, alegando que tais fundamentos invocados não são susceptíveis de fundamentar tal pedido e, bem assim, que não basta a existência de um número elevado de arguidos e o carácter altamente organizado do crime, por si só, para se concluir pela excepcional complexidade do processo, conforme decorre do entendimento plasmado no acórdão proferido pelo TRP proferido em 02/02/2011, no âmbito do processo n.º 770/10.8TAVCD-C.P1; Comungamos da opinião manifestada pelas Defesas dos arguidos, de que a aproximação da férias judiciais não possa ser considerado como factor de impossibilidade de encerramento da fase de inquérito dentro do prazo máximo legalmente admissível para a medida de coacção de prisão preventiva e que tal facto possa ser motivo para que seja declarada a excepcional complexidade da investigação, tanto mais que os autos têm carácter urgente e correm termos durante o período de férias. Igualmente somos em concordar, que o carácter altamente organizado do tipo de crime em investigação, por si só, não seja bastante para fundamentar o pedido de excepcional complexidade formulado. Entendemos, outrossim, que tal carácter altamente organizado que o legislador associa ao tipo de crime objecto dos presentes autos, terá que ser analisado segundo as concretas circunstâncias da presente investigação. Compulsados os autos, verifica-se que, pese embora a presente investigação se tenha iniciado há cerca de nove meses, os presentes autos mostram-se longe de estar concluídos, não se mostrando, por ora, delimitado o número de intervenientes nos ilícitos em investigação. Resulta patente a dimensão internacional da actividade em investigação nos presentes autos, relacionada com a importação de produto estupefaciente, tendo sido desmantelada uma operação de importação de 122,05 quilos de cocaína, procedente do Porto de Santos – Brasil, por via marítima. Os crimes em investigação e o modus operandi que normalmente lhes está associado são, por regra, determinantes de uma morosa e excepcional complexidade da investigação. Na verdade e, no tocante aos arguidos já constituídos, os autos espelham como documentado nos primeiros interrogatórios judiciais perante o JIC, o seu elevado nível de organização, transnacional até, o que acarreta que a despistagem dos indícios que vão sendo recolhidos por forma a apurar toda a extensão da acção criminosa, se afigura como necessitando de um apurado conjunto de diligências, que não são compatíveis com os prazos normais do inquérito. Resulta assim patente, que os arguidos actuam de forma altamente organizada, com manobras de dissimulação das condutas criminosas, não se mostrando, mesmo após as respectivas detenções, cooperantes com a descoberta da verdade, que, de resto, a tal não estão obrigados. Por outro lado, das alegações constantes dos requerimentos apresentados pelos arguidos (…), não resulta, salvo melhor opinião, qualquer impedimento ao reconhecimento da excepcional complexidade da presente investigação, havendo, sim, por parte dos ora requerentes, uma indignação comum relacionada com supostos atrasos imputados à investigação e uma compreensível preocupação inerente ao alargamento do prazo máximo da medida de coacção de prisão preventiva que a declaração de excepcional complexidade dos autos importará. Ao contrário do que propugnam as Defesas dos arguidos, entendemos que, no caso concreto dos autos, é patente a excepcional complexidade da investigação e o carácter altamente organizado resultante quer do tipo de crime, quer do “modus operandi” dos seus agentes, que em regra, tentam camuflar os factos, bem como do carácter transnacional dos factos em investigação e o elevado número de intervenientes e meios utilizados pelos agentes para por em prática uma operação de importação de cocaína com a dimensão da que foi desmantelada, o que dificulta muito o apuramento de toda a extensão da actividade criminosa e, bem assim, da verdade material. Na verdade e, no tocante aos arguidos já constituídos, os autos espelham como documentado nos primeiros interrogatórios judiciais perante o JIC, o seu elevado nível de organização, transnacional até, o que acarreta que a despistagem dos indícios que vão sendo recolhidos por forma a apurar toda a extensão da acção criminosa, se afigura como necessitando de um apurado conjunto de diligências, que não são compatíveis com os prazos normais do inquérito. Foi possível à presente investigação proceder à apreensão de uma considerável quantidade de produto estupefaciente e um elevado número de objectos, dispositivos e documentos relacionados com os factos em investigação, tendo havido necessidade de recorrer a uma intensa actividade de intercepções telefónicas a fim de se apurar e identificar os suspeitos envolvidos nos factos, detecção das operações de transporte de droga, das circunstancias de tempo e lugar em que iriam ter lugar e dos meios utilizados, que terão, necessariamente, de ser objecto de exame. Na actual fase da investigação, como aduzido pelo detentor da acção penal, mostra-se ainda necessário realizar um conjunto de diligências necessárias ao cabal esclarecimento dos factos em investigação e por forma a apurar a identidade e toda a extensão da actividade desenvolvida pelos arguidos/suspeitos, cujo prévio conhecimento pelos mesmos, seria de molde a prejudicar gravemente a sua eficácia, comprometendo irremediavelmente o apuramento da verdade material. Não obstante o alegado pelas Defesas, ao qual não somos de todo alheios, perante os elementos disponíveis no processo, entende-se estarem preenchidos os pressupostos que o Código de Processo Penal, à presente data, preceitua, para a declaração ora solicitada. Assim, atenta a natureza dos ilícitos sob investigação que o próprio legislador associa a criminalidade altamente organizada, o seu carácter transnacional, o elevado número de intervenientes ainda não totalmente circunscrito e a complexidade e morosidade inerente às diligências em curso e que se mostram ainda necessárias realizar, sopesando os DLG dos arguidos e os interesses da investigação criminal e bem assim a descoberta da verdade material, considera este TCIC, que se mostram reunidos os pressupostos para que a investigação seja considerada de excepcional complexidade, nos termos do art.º 215.º - 3 do CPP, mostrando-se tal regime adequado, atenta a previsível demora que a analise dos documentos e a obtenção de resultados das diligências em curso e a desenvolver irão implicar, bem como eventualmente, das novas diligências de prova que, da revelação da prova já recolhida, poderão vir a derivar. Consequentemente nos termos dos art.ºs 215.º - 1 e 3, com referencia ao art.º 1.º m), ambos do CPP, declaro a excepcional complexidade dos presentes autos nos termos e para os efeitos dos art.º s 215.º e 276.º - 1 e 2 do CPP.». 2. Considerando-se os elementos disponíveis, à data da prolação do despacho recorrido, temos que o recorrente está indiciado pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artº 28º, do DL nº 15/93, de 22/01; e um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21º e 24º, al. f), do mesmo diploma. Os crimes de associação criminosa e tráfico de estupefacientes integram o catálogo da considerada “criminalidade altamente organizada” [al. m), do artº 1º, do CPP], pelo que os prazos de duração máxima da prisão preventiva, previstos no nº 1, do artº 215º, do CPP, são automaticamente elevados, conforme consta do nº 2 do mesmo artigo. Todavia, os prazos de duração máxima da prisão preventiva previstos no nº 1 podem, ainda, ser elevados nos termos do nº 3 daquele artº 215º desde que o procedimento respeite a um dos crimes previstos no nº 2, e se revele de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime. Estando o recorrente indiciado pela prática dos crimes de associação criminosa e tráfico de estupefacientes, a possibilidade de alargamento do prazo máximo de prisão preventiva para os limites previstos no nº 3, do artº 215º, do CPP, depende apenas de o procedimento se revelar de excepcional complexidade. O código não define o conceito de excepcional complexidade, limitando-se a título meramente exemplificativo, a indicar duas circunstâncias capazes de o corporizarem: o número de arguidos ou de ofendidos ou o carácter altamente organizado do crime (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 2ª ed., Universidade Católica Editora, pág. 281) Assim, a sua concretização, em cada caso, passa pela ponderação das dificuldades do processo – técnicas de investigação, número de intervenientes, necessidades de deslocação, meios utilizados – finda a qual o juiz, no seu prudente critério, o qualificará ou não como de especial complexidade. Assim, como se pode ler no Ac. do STJ de 26-01-05, Proc. nº 05P3114, acessível em www.dgsi.pt/jstj, “a especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual de procedimento enquanto sequência e conjunto de actos e revelação externa e interna de acrescidas dificuldades de investigação, composição e sequência com refracção nos termos e nos tempos do procedimento. A decisão sobre a verificação da especial complexidade não depende, pois, da aplicação da lei a factos e da integração de elementos compostos com dimensão normativa, nem está tributária da interpretação de normas. O juízo sobre a complexidade assume-se, assim, como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e não estritamente do processo; as questões de interpretação e de aplicação da lei, por mais intensas e complexas, não atingem a noção. As dificuldades de investigações (técnicas, com intensa utilização dos leges cortis da investigação), o número de intervenientes processuais, a deslocalização dos actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, a intensidade de utilização dos meios, tudo serão elementos a considerar, no prudente critério do juiz, para determinar que um determinado procedimento apresenta, no conjunto ou, parcelarmente, em alguma das suas fases, uma especial complexidade com o sentido, essencialmente de natureza factual, que a noção funcionalmente assume no artigo 215, nº 3 do CPP”. Existem nos autos elementos objectivos cuja conjugação aponta, decisivamente, para a excepcional complexidade do processo. Evidentemente que o número de arguidos (seis), todos em prisão preventiva, não significa por si só, tal atributo. Mas se considerarmos que, tal como alegado na promoção do Ministério Público, «para além da perícia à droga apreendida faltam examinar múltiplos objectos apreendidos. Como decorre da listagem de fls. 3450 a 3452, existem 19 telemóveis e cartões SIM, um GPS, 3 computadores portáteis, um CPU, e um iPad para serem examinados e submetidos a perícias, sendo que ainda se aguarda resposta a diversos pedidos de dados que foram efectuados às operadoras de serviços móveis quanto aos dados de telecomunicações. Está, ainda, por realizar a transcrição de muitas escutas telefónicas com interesse para a prova e o posterior cruzamento desses elementos com os já disponíveis com vista a investigar as respectivas ramificações. Por fim, encontram-se pendentes averiguações sobre outras suspeitas – e suspeitos – conexas com os factos em investigação nos autos que necessitam de algum tempo para serem realizadas», temos por certo que foram e continuam a ser grandes as dificuldades que se depararam e deparam aos investigadores, nos autos. Por outro lado, e como também vimos, os crimes em investigação, por força da lei, constitui em si mesmo um indício do carácter altamente organizado do crime pressuposto no nº 3, do artº 215º, do CPP. De referir que, contrariamente ao invocado pelo recorrente, o Mmo. Juiz “a quo” não sustentou a declaração de excepcional complexidade na necessidade da realização de novas diligências de prova. Face ao que antecede, porque se entende estarem verificados os pressupostos da declaração de excepcional complexidade do processo, previstos no artº 215º, nº 3, do CPP, deve manter-se o despacho recorrido, não tendo sido violada qualquer das disposições legais invocadas pelo recorrente. III – DECISÃO Face ao exposto, acordam os juizes da 9ª Secção deste Tribunal da Relação em: Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido G… , confirmando o despacho recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se em 3UC a taxa de justiça. 04-10-2012 Carlos Benido Francisco Caramelo |