Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9518/18.8T8SNT.L1­7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: CONTRATO PROMESSA
RESOLUÇÃO
ILICITUDE
EFEITOS
MANUTENÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Uma «plataforma legal», no contexto de um contrato de compra e venda de imóvel com recurso a crédito bancário, mais não é do que uma aplicação, um ambiente informático, gerido:
- por gabinetes jurídicos dos próprios bancos mutuantes, constituídos por advogados, juristas ou solicitadores, enquanto procuradores munidos de poderes por aqueles conferidos; ou,
- por sociedades de advogados contratadas pelos bancos mutuantes, para tratamento dos atos notariais e registrais necessários à celebração daquele tipo de contratos.
2. No caso de um documento particular ser impugnando em conformidade com o estatuído no art. 444.º do C.P.C., e de o seu apresentante não lograr fazer prova da sua genuinidade, ele fica destituído da força probatória consignada no art. 376.º, n.º 1, do Cód. Civil, mas poderá, não obstante, contribuir para a livre convicção do juiz sobre factos controvertidos com base na sua maior ou menor credibilidade.
3. A resolução ilícita, a que falte o pressuposto do incumprimento definitivo, não acarreta a destruição do contrato, uma vez que, em tal caso, por viciada, a declaração resolutiva é destituída de fundamento jurídico, não sendo, portanto, o resolvente titular do correspondente direito potestativo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I - RELATÓRIO:
JG intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AV, alegando, em suma, que no dia 29.08.2017, celebrou com a ré um contrato promessa de compra e venda tendo por objeto uma fração autónoma sita ____, pelo preço de € 85.000,00.
No ato da assinatura do contrato entregou à ré a quantia de € 8.500,00, a título de sinal e princípio de pagamento.
Nesse mesmo contrato as partes acordaram que o contrato definitivo seria celebrado até ao dia 29.10.2017, em ____, tendo a ré ficado incumbida de proceder à sua marcação.
Atendendo à circunstancia de a autora ter recorrido a crédito bancário, a realização da escritura acabou por ser agendada para o dia 15.12.2017, no balcão de ____ do Banco ____, ao que a ré não se opôs.
Sucede que, ao analisar a documentação da ré, o banco constatou que havia uma divergência nos documentos pessoais desta quanto ao seu estado civil, o que fez com que a escritura acabasse por não ser realizada naquela data.
Perante este circunstancialismo, a autora concedeu à ré algum tempo para realização escritura.
No entanto, por falta de posterior contacto da ré, em 07.03.2018 a autora enviou-lhe uma carta, dando-lhe o prazo de 20 dias seguidos para lhe facultar toda a documentação necessária à realização da escritura, findo o qual e sem que tal fosse satisfeito, se consideraria resolvido o contrato de promessa de compra e venda.
Tal prazo terminou no dia 08.04.2018, tendo-se operado a resolução do contrato, sendo que só em 16.04.2018 é que a mediadora imobiliária envolvida no negócio enviou à autora cópia da documentação.
Conclui pedindo que o contrato-promessa de compra e venda seja julgado validamente resolvido e a ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 17.000,00, correspondente ao dobro do sinal entregue, acrescida de juros de mora contados desde a citação, até efetivo e integral pagamento.
A ré contestou, alegando, em suma, que não incumpriu o contrato-promessa, antes foi a autora quem incorreu no seu incumprimento.
Foi a ré que, no dia 28 de março de 2018, procedeu à resolução do contrato-promessa.
Assiste-lhe, por isso, o direito de fazer sua a quantia entregue pela autora a título de sinal e princípio de pagamento.
Sem que tivesse deduzido reconvenção (ou sequer, apresentado defesa por exceção), a ré conclui a contestação pugnando para a mesma seja julgada «procedente por provada, absolvendo a ré do pedido, e por conseguinte:
a) que seja declarada «licita e válida a resolução do contrato-promessa de compra e venda efetuada pela ré aos 20/03/2020»;
b) que seja reconhecido «o direito da ré em fazer seu o sinal entregue pela autora, nos termos do art. 442.º, n.º 2, do CC.»
*
Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência prévia, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«NESTES TERMOS, de acordo com os fundamentos expostos e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supra citados, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar a Ré AV a restituir à Autora JG a quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos Euros), acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento, à taxa legal civil em vigor, absolvendo-a do demais peticionado.»
*
Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim, de forma desnecessariamente extensa, as respetivas alegações:
A. (...).
B. (...);
C. (...);
D. (...);
(...)
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
F. Nunca se poderia aceitar a redacção dada ao Facto 23 dado como provado: “O banco da Autora recusou celebrar a escritura de compra e venda no dia agendado, devido às divergências na documentação pessoal da Ré que detectou.”;
G. Conforme o Digníssimo Tribunal a quo acaba por indicar (vide página 15 da Sentença) a Testemunha SF, trabalhadora do Banco ____, no balcão de ____, “explicou que a escritura a celebrar no balcão do banco seria através da plataforma legal e que esta plataforma não aceitou a documentação enviada pela Ré”;
H. Resultando do depoimento daquela, ao minuto 06.37 e que se transcreve parcialmente: “Essa documentação é enviada para um departamento que é o Departamento que trata das Escrituras, nós ali não analisamos nada no Balcão”; ao minuto 08.30 “é feita pela Plataforma Legal, neste momento”;
I. Também a Testemunha DF, também trabalhadora do Banco ____, no balcão de ____, no seu Depoimento, afirma ao minuto 07.35 “(…) mesmo a nível da plataforma, quem elabora as minutas e quem escritura” e ao minuto 11.14 “é a Entidade que se responsabiliza pela documentação”;
J. E conforme resulta do email de 13/12/2017, já junto aos Autos;
K. Conclui-se desde logo que não foi a Entidade Bancária que disponibilizou o Crédito à Habitação à Autora, aqui Recorrida, que recusou celebrar a escritura.
L. Acresce não foi junto aos Autos qualquer troca de comunicação entre a Plataforma Legal e a Entidade Bancária!;
M. Não resulta de nenhuma da prova documental produzida que a Plataforma Legal tenha efectivamente recusado os documentos entregues pela Recorrente;
N. Muito menos resulta que tenha solicitado documentação adicional. O que também não se pode deixar de estranhar;
O. A Declaração alegadamente emitida pela Entidade Bancária, junta à Petição Inicial com o n.º 5, que imputa responsabilidades à Ré pela não realização da Escritura Pública, não deve ser considerada e objecto de prova, uma vez que foi impugnado pela Recorrente e a Recorrida não requereu, como podia e devia, produção de prova que afastasse as dúvidas suscitadas, conforme resulta do disposto no Artigo 444.º do CPC;
P. Motivo pelo qual nunca poderia o Digníssimo Tribunal a quo, dar como provado o facto, conforme foi redigido, porquanto não tem sustentação na prova produzida nestes Autos;
Q. Por conseguinte, também nunca se poderia aceitar o Facto dado como Provado em 18, porquanto não era o Banco quem procedia à preparação e análise da documentação;
R. Reiterando-se que não foi produzida prova suficiente de que tal factualidade tenha sido aferida pelo Banco, ou até mesmo pela Plataforma Legal;
S. Termos em que, desde logo, se Requer a V.Exas. (...) se Dignem alterar os factos 18 e 23 como não provados, atenta a ausência de prova nesse sentido;
DA NULIDADE DA SENTENÇA – DA CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO [ARTIGO 615.º, N.º1, AL. C)]
V. Não obstante, a factualidade dada como provada (nomeadamente a supra exposta) e a própria motivação, há uma contradição insanável com a própria decisão final;
W. Ficou sumamente provado que a Recorrente, através da Mediadora Imobiliária, disponibilizou sempre toda a documentação que lhe foi solicitada e que a Recorrida nunca especificou a necessidade de remeter qualquer outro documento;
X. O Digníssimo Tribunal a quo refere inclusive que “entende-se que não chega sequer a existir mora da Ré nos autos. Pelo que não podia a Autora resolver o contrato com fundamento em incumprimento definitivo daquela, à luz do artigo 442.º do Código Civil.”;
Y. E, em total contradição com toda a factualidade dada como provada, sua motivação e aplicação do Direito, conclui que: “Porém, resolvido o contrato (uma vez que, ainda que ilicitamente, a resolução produz efeitos) e atenta a circunstância de não ser imputável nem a Ré nem à Autora a não realização pelo banco do negócio definitivo determina que apenas assiste à Autora o direito ao recebimento da contraprestação por si efectuada, ou seja, ao recebimento da quantia por si entregue a título de princípio de pagamento, no montante de € 8.500,00.”;
Z. Ou seja, toda a factualidade assente e dada como provada, assim como a respectiva fundamentação e o direito ao caso aplicável, não permite concluir do mesmo modo que o Digníssimo Tribunal a quo fez;
AA. (...);
BB. (...);
CC. (...);
DA AUSÊNCIA DE PRONUNCIA SOBRE QUESTÕES QUE DEVIA APRECIAR [ARTIGO 615.º, N.º1, AL. D)]
DD. O Digníssimo Tribunal a quo não se pronunciou quanto ao Documento 5 junto à Petição Inicial, o qual foi impugnado pela Recorrente em sede de Contestação (tendo para tanto fundamentado naquela sede que o mesmo não estava devidamente carimbado, desconhecendo-se as assinaturas apostas, a sua genuinidade e veracidade do seu teor);
EE. Não obstante, o Digníssimo Tribunal a quo assentou a sua convicção, naquele documento;
FF. Também no que diz respeito à afirmação de “atenta a circunstância de não ser imputável nem à Ré nem à Autora a não realização pelo banco do negócio definitivo” estamos perante uma verdadeira ausência de Pronuncia e Decisão;
GG. O Digníssimo Tribunal a quo não podia, como fez, deixar de tomar uma posição perante a situação que lhe foi apresentada;
HH. Por fim, o Digníssimo Tribunal a quo também não se pronunciou relativamente ao facto da alegada recusa da documentação entregue pela Recorrente, não ter fundamento na Lei;
II. Reiterando-se para todos e os devidos efeitos que a simples recusa da documentação por parte da Entidade Bancária, não foi devida e legalmente fundamentada nem comprovada;
JJ. (...);
DA ERRADA INTERPRETAÇÃO DOS FACTOS, NORMAS E RESPECTIVA SUBSUNÇÃO
KK. A factualidade constante dos Autos, em especial os n.ºs 1, 5, 10, 13, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 34 da Factualidade dada como provada, importa uma Decisão diferente da proferida, ou seja, a Absolvição da Ré do Pedido, o que desde já se Requer a V.Exas.;
LL. (...);
MM. (...); 
NN. (...);
OO. (...);
PP. Por outro lado, mal andou o Digníssimo Tribunal a quo ao interpretar o disposto no Artigo 442.º do Código Civil, no sentido de que a Recorrida muito embora não pudesse resolver o Contrato Promessa com fundamento no incumprimento definitivo da Recorrente (porque esta nunca se constitui sequer em mora!), a resolução ainda que ilícita, produziria efeitos;
QQ. Ora, tal entendimento não tem colhimento no nosso Ordenamento Jurídico;
RR. A norma é explícita – o regime da resolução só é aplicado no caso de haver incumprimento definitivo. O que não se verificou, conforme sumamente demonstrado, a Recorrente nunca se constitui sequer em mora;
SS. Sendo certo que, a resolução do contrato-promessa, por parte da Recorrente não se baseando na lei ou em convenção, é ilícita!
TT. Sendo ilícita, não pode produzir efeitos (...);
UU. O Digníssimo Tribunal a quo, ao reconhecer a inexistência de fundamento da declaração resolutiva, teria de declarar que o Contrato objecto destes Autos não se havia extinguido com a Resolução da Recorrida, por ser ilícita;
VV. (...);
WW. (...);
XX. (...);
YY. (...).
*
A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.
***
II - ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º, do CPC).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
- se há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- se a sentença padece das nulidades que lhe se são imputadas pela apelante;
- se o tribunal a quo errou ao julgar validamente resolvido o contrato-promessa de compra e venda nos termos em que o fez.
***
III - FUNDAMENTOS:
3.1 - Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes enunciados de facto:
«1. Por documento escrito particular, assinado em 29.08.2017 e intitulado “Contrato promessa de compra e venda”, a Ré, AV, prometeu vender à Autora, JG, que, por sua vez, prometeu comprar àquela, a fracção ____.
 2. Mais acordaram a Autora e a Ré fixar em € 85.000,00 o preço global para a compra e venda da referida fracção autónoma.
3. E bem assim que, na data da assinatura do acordo escrito referido em 1), a promitente compradora entregaria à promitente vendedora a quantia de € 8.500,00 a título de sinal e princípio de pagamento, por transferência bancária, devendo o remanescente, no montante de € 76.500,00, ser entregue na data da escritura, por cheque bancário ou visado. 
 4. Mais ficou acordado entre as partes, conforme descrito na cláusula 3.ª do referido acordo, que:
“1. A escritura definitiva de compra e venda será efectuada até ao dia 29/10/2017, em ____.
2. No caso de a escritura pública de compra e venda não se realizar dentro do prazo previsto na cláusula anterior, será prorrogado aquele prazo até ao máximo de 30 (trinta) dias.
3. A promitente compradora deverá facultar neste acto à promitente vendedora cópias de toda a documentação indispensável à outorga da escritura de compra e venda”.
5. Ficou também acordado entre as partes que a marcação da escritura de compra e venda cabia à Autora, através do banco, uma vez que esta iria recorrer ao crédito bancário para aquisição da fracção autónoma melhor identificada em 1).
 6. Interveio na celebração do referido acordo escrito a mediadora “RS”.
 7. Foi a referida mediadora que redigiu o referido acordo escrito.
 8. A mediadora “RS”, mesmo antes da assinatura do acordo escrito referido em 1) pelas partes, teve conhecimento que a Autora iria recorrer ao crédito à habitação para aquisição da fracção, porém, não fez constar tal facto da redacção do referido acordo. 
 9. A Autora teve conhecimento do conteúdo do acordo escrito referido em 1) previamente à sua assinatura.
 10. O acordo escrito referido em 1) foi assinado pela Autora e pela Ré no dia 29.08.2017 e nessa data a Autora entregou à Ré, que recebeu, a quantia de € 8.500,00 a título de sinal e princípio de pagamento, conforme acordado.
 11. No dia 25.10.2017, pelas 07h52, a Ré enviou uma mensagem escrita para FG, da mediadora “RS”, com o seguinte teor:
“Bom dia Senhor FG, Teem [sic] novidades??? Sera que tenho que pôr a casa de novo á [sic] venda?”.
12. No mesmo dia, pelas 09h14, FG, da mediadora “RS” respondeu à Ré, também por mensagem escrita, o seguinte:
“Bom dia D. AV,
Claro que não, a cliente já tinha o crédito aprovado por um valor superior por isso um valor mais baixo não tem problema. É uma questão de tempo, porque a bancos [sic] que levam mais tempo que outros. Fique descansada que vamos vender o seu apartamento. Cumprimentos”.
13. Decorreu o prazo acordado para a celebração da escritura pública de compra e venda (até 29.10.2017) e bem assim o prazo de prorrogação de 30 dias, sem que fosse agendada a marcação da referida escritura pela Autora. 
 14. No dia 06.12.2017, pelas 14h47, a Ré enviou uma mensagem escrita para a Autora, na qual refere:
“Boa tarde D. JG, Estou bastante aborrecida, Infelizmente há mais de um mês que a data do contrato finalizou. Há mais de uma semana que estou à espera de uma data. A senhora deve compreender !!!! Espero até amanhã de manhã (para poder comprar o meu bilhete a tarde) para o Sr. FG me dar uma confirmação oficial. Caso contrário acredite D. JG que é com bastante pena de não fechar o negócio com senhora [sic]. Mas espero que compreenda que já esperei 6 semanas sem ter novidades da sua parte.”
 15. A Autora respondeu à Ré, por mensagem escrita, enviada, no mesmo dia, na qual refere:
“Boa noite, compreendo perfeitamente…Mas tb [sic] eu tenho andado numa agonia, pois a falha foi do banco. Ainda agora me ligaram e amanhã de manhã já terei a data da escritura”. 
16. A escritura de compra e venda foi agendada pelo banco da Autora para o dia 15.12.2017, no balcão do Banco ____, em ____.
 17. Foi dado conhecimento do agendamento da escritura de compra e venda para esse dia e local à Ré, tendo esta concordado com o agendamento. 
 18. Ao preparar e analisar a documentação necessária para a celebração da escritura de compra e venda, o banco da Autora constatou haver uma divergência na documentação pessoal da Ré, tendo vindo a apurar que:
 - no contrato promessa de compra e venda, a Ré estava identificada como sendo solteira;
- no comprovativo de pedido de cartão de cidadão que a mesma facultou para entregar no banco constava como casada; e
- na certidão predial da fracção autónoma melhor identificada no ponto 1), a Ré constava como divorciada.
19. No dia 11.12.2017, pelas 10h05, FG, da mediadora “RS”, enviou uma comunicação electrónica para __@__.pt, com o seguinte teor:
“Segue em anexo os documentos da proprietária, como é divorciada e o ex marido até já faleceu. Caso tenha alguma dúvida estou ao vosso dispor. Vejam se continua marcada a escritura e a que horas fica para dia 15.”.
20. No dia 11.12.2017, ML e FG, da mediadora “RS”, compareceram no Cartório Notarial em ____ e declararam o seguinte:
“Que pelo presente instrumento e para os devidos e legais efeitos, vêm declarar que AVM, , também usa e é conhecida por AV, nomes que usa indistintamente, sendo uma e a mesma pessoa”.
21. No dia 13.12.2017, pelas 8h43, SF, em nome do Banco ____, por comunicação electrónica dirigida a FG, da mediadora “RS”, informou o seguinte:
“Bom dia Sr. FG, A plataforma legal não aceita estes documentos, solicitam a certidão de nascimento da vendedora bem como a certidão de casamento que enviou traduzida. Penso que provavelmente é melhor adiarmos a escritura para a próxima semana, uma vez que mesmo que consiga os documentos em falta é provável que seja um pouco em cima do acontecimento”.
 22. No mesmo dia (13.12.2017), pelas 11h31, FG, da mediadora “RS”, respondeu a SF, do Banco ____, por comunicação electrónica, o seguinte:
“Bom dia Dª SF, Segue em anexo a certidão de nascimento e a certidão de divórcio traduzida para português. A cliente quando comprou o imóvel já estava divorciada. Por favor tente com que se faça a escritura na Sexta Feira porque a cliente já comprou o bilhete e não tem como vir a Portugal até Março de 2018. Aguardo notícias positivas suas”.  
23. O banco da Autora recusou celebrar a escritura de compra e venda no dia agendado, devido às divergências na documentação pessoal da Ré que detectou. 
 24. No dia 14.02.2018, pelas 10h56, FG, da mediadora “RS”, enviou uma comunicação electrónica à Autora, no qual refere o seguinte:
“Bom dia Dª JG,
Falei com a sua advogada na semana passada e estou esperando noticias quanto ao apartamento, eu continuo sem saber o que fazer em relação ao imóvel. Caso não tenha mais interesse eu tenho que voltar a por o imóvel no mercado, visto já estar reservado desde 2017. Por favor diga me alguma coisa ainda esta semana para eu saber o que contar. Com os melhores cumprimentos.”
25. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 07.03.2018, expedida no dia 08.03.2018 e recebida no dia 19.03.2018[1], com o assunto “Contrato promessa de compra e venda celebrado em 29/08/2017”, a Autora comunicou à Ré:
“Serve a presente para comunicar a V. Ex.ª o seguinte:
1 – Por contrato promessa de compra e venda, celebrado em 29 de Agosto de 2017, V. Exª. Prometeu vender-me a fracação autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão letra C, do prédio urbano sito […].
2 – Sucede que, a escritura de compra e venda em causa, tendo em conta o referido contrato promessa, deveria ter sido agendada por V. Exª., o que não aconteceu.
3 – No entanto, providencie tal marcação, sendo que a escritura “…não se realizou devido a incongruências na documentação pessoal da vendedora”.
4 – Sendo de referir que tal situação já existia aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, como era do seu conhecimento.
5 – Encontramo-nos já em Março e não pretendo protelar por mais tempo esta situação de não efectivação da escritura do contrato prometido.
6 – Pelo que, pela presente, comunico a V. Exª. que lhe concedo um prazo de 20 dias seguidos, a fim de me facultar toda a documentação pessoal e documentação relativa à fracção, devidamente actualizadas, de modo a poder marcar a escritura dentro do referido prazo.
7 – Decorrido o prazo supra referido, ou seja, 20 dias seguidos sem que me faculte toda a documentação necessária à realização da escritura, deverá V. Ex.ª considerar resolvido o contrato promessa de compra e venda da fracção em causa.
8 – Mais, comunico que esta é a última oportunidade concedida para a outorga da escritura, porquanto possuo outras possibilidades de compra de outros imóveis em condições semelhantes ao contrato em apreço, oportunidades essas que não pretendo descartar decorridos que sejam 20 dias seguidos a contar da recepção da presente carta.
9 – Assim, resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado em devido tempo, inter partes, extinguem-se as obrigações emergentes do mesmo.
10 – Importa salientar que, em caso de resolução do contrato, dever-me-á ser restituído o sinal em dobro”.
26. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 20.03.2018, FG, da “RS” comunicou à Autora o seguinte: 
“Exma. Senhora D. JG, venho pela presente, após e-mail e mensagem de telefone, com conhecimento da proprietária D. AV, solicitar a marcação da Escritura até ao final do mês de março de 2018, por parte do seu Banco, uma vez que necessita de financiamento. Assim sendo, será a sua entidade bancária que deverá proceder à marcação da escritura. Conforme já foi comunicado à sua advogada, a cliente proprietária reúne todos os elementos necessários para a realização da escritura. Face ao exposto, a pedido da proprietária, caso não proceda à marcação da escritura até ao final do corrente mês, no dia 1 de abril, o imóvel será colocado como disponível no mercado. Nestas circunstâncias, perderá o valor entregue aquando do Contrato Promessa de Compra e Venda, ou seja, os 8.500€. Encontro-me disponível para tratar de toda a burocracia inerente à escritura, nomeadamente tratar dos impostos para pagamento e acompanhá-la ao seu banco para solicitação dos cheques bancários. Caso não obtenha resposta, ou marcação da escritura até dia 31 de março de 2018, o imóvel ficará automaticamente disponível no nosso sistema […]”. 
 27. A Autora respondeu a FG, da mediadora “RS”, por carta registada com aviso de recepção, datada de 23.03.2018, informando o seguinte:
“Acuso a recepção da sua comunicação datada de 20 do corrente, cumprindo-me informar que em 7 de Março do corrente ano, enviei carta registada com aviso de recepção, à promitente vendedora, Sr.ª D. AV, cuja cópia se anexa, pelo que, me encontro a aguardar resposta à mesma para os devidos e legais efeitos. Assim, aguardo que me seja remetida, no prazo referido na carta anexa, toda a documentação pessoal e documentação relativa à fracção em causa, devidamente actualizadas de modo a poder marcar a escritura dentro do prazo referido”.
28. A referida carta foi devolvida pelos correios, pelo que a Autora procedeu ao seu reencaminhamento para FG, da mediadora “RS”, por email no dia 10 de Abril de 2018.
 29. Por email enviado no dia 16.04.2018, de FG, da mediadora “RS”, para a Autora, com o conhecimento da Ré, aquele informou:
“Boa tarde D.ª JG, Realmente acho muito estranho a carta que tentou enviar ter sido devolvida, porque a loja está sempre aberta das 9h até às 18h sem fechar. De qualquer maneira, junto segue em anexo todos os documentos para a marcação da escritura relativamente ao imóvel e proprietária. Depois de falar com a D.ª AV, a mesma estará em Portugal no dia 9 de Maio na parte da manhã e seria óptimo fazer a escritura nessa data. Aguardo então a confirmação por parte do seu banco até ao final desta semana para podermos finalizar todo este processo”. 
30. Em anexo ao referido email, FG enviou para a Autora fotocópia não certificada do registo predial respeitante à fracção autónoma, alvará de licença de utilização, plantas da fracção autónoma, cópia do cartão de cidadão da Ré, caderneta predial urbana referente à fracção autónoma, certificado energético e cópia de sentença de revisão estrangeira proferida no processo ___/__, do Tribunal da Relação de Évora datada de 22.02.2018.
31. A Autora respondeu, por email dirigido a FG, em 17.04.2018, pelas 11h16, no qual comunica:
“O assunto está a ser tratado pela minha advogada, até porque o prazo dado para me enviarem a documentação para a marcação da escritura terminou dia 8 (como constava na carta). Qualquer esclarecimento é com a Drª Helena”.
32. À comunicação electrónica referida anteriormente, respondeu, no mesmo dia (17.04.2018), pelas 20h30, FG, com conhecimento da Ré, no qual refere o seguinte:
“Boa tarde D. JG, Agora fiquei um pouco confuso. Afinal quer comprar o apartamento ou não?? O imóvel está reservado desde o ano passado e como lhe disse desde o princípio deste ano tenho todos os documentos necessários e actualizados para se realizar a escritura. Como sabe eu não tenho que entregar nenhum documento do imóvel a si mas sim ao seu banco já que vai recorrer a crédito. Eu quero finalizar este negócio e a proprietária também. Quer ou não comprar o apartamento?”.
33. A Autora respondeu a FG, em 18.04.2018, pelas 13h21, por email, informando o seguinte:
“Realmente o imóvel está reservado desde o verão, mas não é preciso lembrar a razão pela qual a escritura não foi feita em dezembro. Enviou-me uma carta a dizer que eu teria que marcar a escritura até dia 31 de março (depois da D. AV ter recebido uma carta minha a 19 de março), pois os documentos estavam em ordem, no entanto, eles só me foram enviados no dia 16 de abril e também não os enviou ao Banco nessa data. Não andamos a brincar!!! Como lhe disse, qualquer questão relacionada com este assunto, é para ser tratada com a minha advogada”.
34. A Autora não indicou à Ré quais os documentos que o banco efectivamente pretendia que lhe fossem enviados para a celebração da escritura de compra e venda e motivo pelo qual os documentos entregues não se revelaram suficientes, por desconhecimento seu. 
35. A Ré casou no dia 10.06.1989, em ____, com MM.
36. Por sentença proferida em 04.02.1999, pelo Tribunal de 1.ª Instância da República e Cantão de ____, foi decretado o divórcio entre a Ré e MM.
 37. MM faleceu em 05.06.2006.
 38. No dia 30.03.2017, foram distribuídos à __.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora os autos de revisão de sentença estrangeira n.º ____/__.
 39. Foi proferida decisão singular no dia 22.02.2018, julgando-se procedente a acção e decidindo-se confirmar a sentença proferida em 04.02.1999, pelo Tribunal de 1.ª Instância, do Cantão de ____, Suíca, transitada em julgado no dia 26.03.1999, pela qual foi decretado o divórcio entre AV e MM.
 40. A referida decisão transitou em julgado em 12.03.2018. 
 41. Na decisão proferida foi promovido oficiosamente o respectivo registo após trânsito em julgado.
 42. Pela AP. __ de ____, convertida em definitivo pela AP. __ de ____, encontra-se inscrita a favor da Ré, a aquisição, por compra, da fracção identificada em 1), estando a Ré aí identificada como sendo divorciada.»
*
A sentença recorrida considerou não provado o seguinte enunciado de facto:
«A. Incumbia à Ré proceder à marcação da escritura de compra e venda da fracção referida em 1).»
*
3.2 - Do mérito do recurso:
3.2.1 - Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Considera a apelante que o tribunal a quo errou ao considerar provados os pontos de factos 18 e 23, os quais, em seu entender, devem ser julgados não provados.
O teor daqueles enunciados, recorda-se, é o seguinte:
«18. Ao preparar e analisar a documentação necessária para a celebração da escritura de compra e venda, o banco da Autora constatou haver uma divergência na documentação pessoal da Ré, tendo vindo a apurar que:
 - no contrato promessa de compra e venda, a Ré estava identificada como sendo solteira;
- no comprovativo de pedido de cartão de cidadão que a mesma facultou para entregar no banco constava como casada; e
- na certidão predial da fracção autónoma melhor identificada no ponto 1), a Ré constava como divorciada.»;
«23. O banco da Autora recusou celebrar a escritura de compra e venda no dia agendado, devido às divergências na documentação pessoal da Ré que detectou.» 
O tribunal a quo motivou assim a decisão sobre esses enunciados de facto:
«Para prova do disposto nos pontos 18) e 23) foi determinante o depoimento da testemunha SF, trabalhadora do Banco ____, no balcão de ____, onde a escritura seria celebrada. Referiu a testemunha ter tratado do processo de empréstimo bancário solicitado pela Autora para aquisição da fracção em apreço, motivo pelo qual teve intervenção nos factos em discussão nos autos, sendo o seu conhecimento directo. Relatou a testemunha que, aquando da análise da documentação pessoal da vendedora (a Ré), foi detectada uma divergência no nome e bem assim no seu estado civil, uma vez que o seu divórcio ainda não se encontrava averbado na sua certidão de nascimento, na qual constava como casada. Mais explicou que a escritura a celebrar no balcão do banco seria através da plataforma legal e que esta plataforma não aceitou a documentação enviada pela Ré. Relatou a troca de conversações a este respeito, nomeadamente com FG da mediadora e o desenrolar dos acontecimentos. Do seu depoimento resultou pois, de forma objectiva e clara, que o banco detectou efectivamente as divergências assinaladas nos factos provados quanto ao estado civil da Ré, para ultrapassar tais divergências pretendia uma certidão de nascimento actualizada da Ré (na qual constatasse o averbamento do respectivo divórcio) e sem tal documentação o banco recusou celebrar a escritura na data agendada para o efeito, motivo pelo qual ficou o Tribunal convencido da veracidade da factualidade aqui descrita.»
Alega a apelante o seguinte:
«Por uma questão de precisão, nunca se poderia desde logo aceitar a redacção dada ao Facto 23 dado como provado: “O banco da Autora recusou celebrar a escritura de compra e venda no dia agendado, devido às divergências na documentação pessoal da Ré que detectou.”
Conforme o Digníssimo Tribunal a quo acaba por indicar (vide página 15 da Sentença) a Testemunha SF, trabalhadora do Banco ____, no balcão de ____, “explicou que a escritura a celebrar no balcão do banco seria através da plataforma legal e que esta plataforma não aceitou a documentação enviada pela Ré”.
Resultando do seu depoimento, ao minuto 06.37 e que se transcreve parcialmente: “Essa documentação é enviada para um departamento que é o Departamento que trata das Escrituras, nós ali não analisamos nada no Balcão”; ao minuto 08.30 “é feita pela Plataforma Legal, neste momento”.
Também a Testemunha DF, igualmente trabalhadora do Banco ____, no balcão de ____, no seu Depoimento, afirma ao minuto 07.35 “(…) mesmo a nível da plataforma, quem elabora as minutas e quem escritura” e ao minuto 11.14 “é a Entidade que se responsabiliza pela documentação”. Assim como do documento já junto aos Autos - email de 13/12/2017.
Conclui-se desde logo que não foi a Entidade Bancária que disponibilizou o Crédito à Habitação à Autora, aqui Recorrida, que recusou celebrar a escritura. Foi, ao invés, uma Entidade terceira e externa ao Banco. O Banco nunca poderia, porque não tinha legitimidade para a celebração da Escritura.  Poderia sim, ter recusado a documentação que instruiu o pedido de crédito, o que são situações distintas.
Sucede que, não foi junto aos Autos qualquer troca de comunicação entre a Plataforma Legal e a Entidade Bancária! Não resulta de nenhuma da prova documental que a Plataforma Legal tenha efectivamente recusado os documentos entregues pela Recorrente. Muito menos resulta que tenha solicitado documentação adicional. O que também não se pode deixar de estranhar.
A Declaração alegadamente emitida pela Entidade Bancária, junta à Petição Inicial com o n.º 5, que imputa responsabilidades à Recorrente pela não realização da Escritura Pública, não deve ser considerada e objecto de prova, uma vez que foi impugnado pela Recorrente e a Recorrida não requereu, como podia e devia, produção de prova que afastasse as dúvidas suscitadas, conforme resulta do disposto no Artigo 444.º do CPC.»
O mínimo que se pode afirmar é que o assim alegado pela apelante raia a litigância de má-fé.
A denominada «plataforma legal» mais não é do que um dispositivo, uma aplicação, um ambiente informático, gerido ou por gabinetes jurídicos dos próprios bancos, constituídos por procuradores munidos de poderes conferidos por eles, bancos, a advogados, juristas, ou por sociedades de advogados de que os bancos se socorrem, ou seja, por eles contratadas, que tratam dos seus atos notariais e registrais, nomeadamente, no que para aqui e agora interessa, de aquisição de habitação com recurso a crédito bancário, e que poderiam ser praticados em escritórios de advogados, solicitadores, cartórios notariais ou conservatórias.
É isto, na prática, segundo se crê, a chamada «plataforma legal».
Assim sendo, como se afigura que é, ao afirmar:
- «que não foi a Entidade Bancária que disponibilizou o Crédito à Habitação à Autora, aqui Recorrida, que recusou celebrar a escritura»;
- que «foi, ao invés, uma Entidade terceira e externa ao Banco», sem, no entanto, afirmar a que entidade se refere;
- que «o Banco nunca poderia, porque não tinha legitimidade para a celebração da Escritura», quando, ao que tudo indica, o banco seria entidade mutuante, credor hipotecária, logo, necessariamente, outorgante no contrato definitivo;
- que «poderia sim, ter recusado a documentação que instruiu o pedido de crédito, o que são situações distintas», quando foi exatamente o banco fez, ainda que por via da dita «plataforma eletrónica»,
a apelante pisa caminhos que se situam na fronteira da litigância de má-fé.
Diga-se ainda, com ressalva do devido respeito, que não é compreensível a afirmação de que «a Declaração alegadamente emitida pela Entidade Bancária, junta à Petição Inicial com o n.º 5, que imputa responsabilidades à Recorrente pela não realização da Escritura Pública, não deve ser considerada e objecto de prova, uma vez que foi impugnado pela Recorrente e a Recorrida não requereu, como podia e devia, produção de prova que afastasse as dúvidas suscitadas, conforme resulta do disposto no Artigo 444.º do CPC.».
Trata-se do documento junto pela autora com a petição inicial, identificado como n.º 5, e que consta de fls. 14, constituindo uma cópia de uma declaração emitida pelo Banco, com data de 2 de fevereiro de 2018, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«Para os devidos se declara, que a Sr.ª JG (...) tem aprovado no Balcão do Banco em ____ um financiamento para aquisição Habitação Própria Permanente, relativo à fração ____. Este financiamento teve escritura marcada para o mês de dezembro, a qual não se realizou devido a incongruências na documentação pessoal da vendedora.»
É evidente que tal documento particular não poderia deixar de constituir um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, sendo que, do art. 444.º do Cód. Civil, de forma alguma resulta o afirmado pela apelante.
É que, mesmo no caso:
- de um documento particular ser impugnando em conformidade com o estatuído no art. 444.º do C.P.C.;
- de o seu apresentante não lograr fazer prova da sua genuinidade,
ele «fica destituído da força probatória consignada no art. 376.º, n.º 1, do CC[2], mas poderá, não obstante, contribuir para a livre convicção do juiz sobre factos controvertidos com base na sua maior ou menor credibilidade (STJ 15-4-04, 04B795 e STJ 14-2-17, 2294/12.»[3].
Termos em que, sem necessidade de mais considerandos, por totalmente desnecessários, se julga improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3.2.2 - Da nulidade da sentença recorrida:
3.2.2.1 - Da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão:
Considera a apelante, pelas razões expostas em V. a Z. das suas conclusões, que a sentença recorrida é nula por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão final.
Dispõe o art. 615º, nº 1, al. c), 1ª parte, do CPC, que «é nula a sentença quando (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)».
Para que a decisão proferida se encontre em contradição com a fundamentação acolhida, necessário se torna que os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adotada[4].
Tal consubstancia um vício formal, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, não se confundindo, enquanto vício de natureza processual, com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
Em suma, pois, a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão apenas se verifica quando os fundamentos invocados conduzem, num processo lógico, a uma solução oposta àquela que foi adotada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente; de outra forma dizendo, esta nulidade radica numa desarmonia lógica entre a motivação fático-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso.
Ora, a sentença recorrida não padece de um tal vício!
Aquilo que a apelante faz, nesta sede, é imputar à sentença um erro de julgamento, um error in judicando, o qual, como se vem referindo, integra um vício substancial da sentença decorrente de uma incorreta ou ilegal apreciação das questões a solucionar.
O erro de julgamento, reitera-se, caracteriza-se por um erro de conteúdo, gerador, não da invalidade, mas da injustiça da sentença, situação que, a verificar-se, tem como consequência a sua revogação parcial ou total[5].
Se ocorreu, ou não, in casu, o referido erro de julgamento, é o que mais adiante analisaremos.
Termos em que improcede, nesta parte, a arguida nulidade da sentença.
3.2.2.2 - Da nulidade por o tribunal a quo ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado:
Considera a apelante, pelas razões expostas em DD. a II. das suas conclusões, que a sentença é nula por o tribunal a quo ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado.
É, salvo o devido respeito, manifesto o equívoco em que a apelante labora.
Dispõe o art. 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras», estatuindo, por sua vez, o art. 615.º, n.º 1.º, al. d), 1.ª parte, do mesmo código, que «é nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).»
A sentença comporta sempre um limite mínimo segundo o qual ao juiz compete resolver todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, com exceção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, entendendo-se por «questão» o efeito pretendido pelo autor (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), bem como as exceções, sejam dilatórias ou perentórias, e suas razões, invocadas pelas partes ou de que o juiz deva conhecer oficiosamente[6].
A omissão de pronúncia (vício a que alude o art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do C.P.C.) pressupõe o silenciar absoluto de qualquer questão de cognição obrigatória, nos termos do art. 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do C.P.C.; ou seja, tal nulidade ocorre quando o juiz pura e simplesmente deixa de se pronunciar sobre determinada questão que devesse apreciar, sendo certo que questão a resolver para os efeitos dos mencionados normativos legais é coisa diferente de «questão jurídica» - determinação de qual a norma aplicável e sua correta interpretação – que, como fundamento ou argumento de direito possa (ou deva mesmo) ser analisada no âmbito da apreciação da questão a resolver.
Assim, pois, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que constituem, de forma direta e imediata, dados integradores dos elementos constitutivos ou impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos cuja tutela é procurada pelas partes em juízo, na lógica e na perspetiva dos pedidos, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os argumentos, opiniões ou razões jurídicas.
Perante isto, facilmente se conclui que o alegado pela apelante nesta sede, não configura sequer qualquer situação de nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
Termos em que improcede, também nesta parte, a arguida nulidade da sentença.
*
Não deixará, de qualquer forma, de se afirmar que, num caso como o presente, sempre imperaria a regra consagrada no art. 665.º, n.º 1, do CPC, ou seja, ainda que a sentença fosse declarada nula, quer por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, quer por ocorrer omissão de pronúncia, este tribunal de recurso não deixaria de conhecer do objeto da apelação, uma vez que dispõe de todos os elementos para o efeito.
É, aliás, o que de seguida se fará!
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3.2.3 - Do enquadramento jurídico:
Dúvidas não subsistem que apelante e apelada celebraram, entre si, no dia 29 de agosto de um contrato-promessa pelo aquela declarou prometer vender a esta, que declarou prometer comprar-lhe, pelo preço de € 85.000,00, a fração autónoma identificada em 1. dos factos provados, tendo, naquela data, a promitente compradora procedido à entrega à promitente vendedora, da quantia de € 8.500,00, a título de sinal e princípio de pagamento.
Nesse contrato as partes acordaram que a escritura definitiva de compra e venda da fração seria efetuada até ao dia 29/10/2017, em ____, e que, no caso de não ser realizada nessa data, poderia sê-lo, no máximo, até 30 dias depois.
Mais ficou acordado que a marcação da escritura era incumbência da promitente compradora, através do banco, uma vez que esta iria recorrer ao crédito bancário para aquisição da fração.
Acontece que, pelas vicissitudes reveladas pela matéria de facto provada, até ao momento a escritura de compra e venda da fração não foi realizada.
Contrato-promessa, diz-nos o art. 410º, nº 1, do Código Civil[7], é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, sendo-lhe aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
Este contrato cria a obrigação de contratar, ou seja, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido.
Consta do contrato-promessa dos autos que «a Primeira Outorgante[8], terá direito a resolver o Contrato, fazendo suas as importâncias recebidas como princípio de pagamento, em caso de incumprimento definitivo do mesmo por parte da Segunda Outorgante.[9]», e que em caso de incumprimento definitivo do presente contrato por causas imputáveis à Primeira Outorgante, a Segunda Outorgante terá direito a resolver o contrato e a exigir da Primeira Outorgante o valor do sinal em dobro.»[10].
Tal clausulado está em sintonia com o estatuído no nº 2 do art. 442º: «se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houver tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.»
A senhora juíza a quo, depois de discorrer sobre o contrato promessa, o conceito de sinal, o direito consagrado às partes no art. 442.º, n.º 2, e o incumprimento definitivo, conclui, relativamente ao caso concreto, afirmando que «conforme apurado, decorrido o prazo acordado para a celebração da escritura pública de compra e venda (até 29.10.2017) e bem assim o prazo de prorrogação de 30 dias, nem a Autora, nem o banco no seu lugar, providenciou pela marcação da respectiva escritura. Ora, cabendo-lhe providenciar por tal marcação dentro de um prazo certo fixado, de comum acordo pelas partes, e não o tendo feito, sem que se tenha sido alegada e apurada uma justificação concreta para o efeito, constata-se que, decorrido o referido prazo, a Autora entrou em mora.
Sucede que, conforme resulta da factualidade dada como assente, o agendamento da escritura veio a ocorrer em data posterior (tendo ficado definido para dia 15.12.2017), no balcão do banco Banco ____, em ____, o que reuniu o acordo da Autora e bem assim da própria Ré. Pelo que, aceitando a Ré o agendamento da escritura em data posterior, pôs-se fim à mora da Autora.
Todavia, a referida escritura não veio a ter lugar no referido dia (que havia reunido o acordo de ambas as partes), porquanto o banco, ao preparar e analisar a documentação necessária para a celebração da escritura de compra e venda, veio a constar haver uma divergência na documentação pessoal da Ré, tendo apurado que:
- no contrato promessa de compra e venda, a Ré estava identificada como sendo solteira;
- no comprovativo de pedido de cartão de cidadão que a mesma facultou para entregar no banco constava como casada; e
- na certidão predial da fracção autónoma melhor identificada no ponto 1), a Ré constava como divorciada.
Por esse motivo, o banco recusou celebrar a escritura de compra e venda no dia agendado, tendo vindo a desenvolver-se uma troca de comunicações entre as partes, através das pessoas de SF e FG, representantes respectivamente do banco e da agência de mediação envolvida na negociação e celebração do contrato promessa, com vista à obtenção da documentação necessária para ultrapassar a divergência assinalada e se proceder à celebração do contrato prometido entre a Autora e a Ré.
Sucede que, conforme resulta dos autos, houve uma manifesta falha de comunicação entre o banco e o mediador, o que levou a que quer Autora quer a Ré não chegassem a ter conhecimento de quais os documentos que o banco efectivamente pretendia que lhe fossem enviados para a celebração da escritura de compra e venda e motivo pelo qual os documentos que foram sendo entregues pela Ré não se revelaram suficientes, tendo, a posterior troca de comunicações entre as partes, vindo a conduzir à resolução do contrato promessa de compra e venda pela Autora, por carta enviada e recebida pela Ré.
Entende, todavia, o Tribunal que, analisada a matéria de facto dada como provada, não se pode concluir que a não celebração do contrato prometido seja imputável quer a Ré (conforme pretende fazer valer a Autora) quer à própria Autora.
De facto, atentas as circunstâncias apuradas não se pode considerar imputável nem à Ré nem à Autora a inviabilidade de celebração do contrato definitivo. Senão vejamos.
Para além do desconhecimento quanto ao teor da documentação exigida pelo banco para a celebração do contrato prometido, já mencionado e que, no entender deste Tribunal, reveste particular relevância na determinação da diligência que pode ser exigida às partes, da factualidade apurada, resulta que a Ré foi prontamente respondendo às solicitações concretas que lhe foram sendo dirigidas, procedendo ao envio da documentação que lhe foi solicitada. 
Ademais, de nenhum elemento apurado nos autos resulta que a Ré, em momento algum, tenha recusado enviar qualquer documento que lhe tivesse sido solicitado de forma concretamente definida.
Acresce que a Ré já se encontrava divorciada desde 1999 (tendo inclusivamente falecido o seu ex-cônjuge em 2006) e bem assim já havia intentado a competente acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira em Portugal junto do tribunal competente para o efeito desde 2017 (isto é, em data muito anterior à celebração do contrato promessa), cuja tramitação e prosseguimento normal estão dependentes de terceiros, fugindo ao controlo da Ré. Assinale-se ainda que, conforme apurado, foi proferida decisão no âmbito dos referidos autos em 22.02.2018, desconhecendo-se a data em que a Ré foi notificada da mesma, tendo tal decisão transitado em julgado em 12.03.2018. Na referida decisão foi promovido o registo oficioso do divórcio da Ré, porém, não ficou demonstrado nos autos quando é que tal registo teve lugar.
No entanto, da factualidade dada como provada não resulta que alguma vez tenha sido exigida à Ré à apresentação de tal documento.    
Ora, exigindo-se para a constituição em mora que a parte não realize no tempo devido a prestação ainda possível a que está vinculado, por causa que lhe seja imputável, entende-se que não chega sequer a existir mora da Ré nos autos. 
Pelo que não podia a Autora resolver o contrato com fundamento em incumprimento definitivo daquela, à luz do artigo 442.º do Código Civil.
Porém, resolvido o contrato (uma vez que, ainda que ilicitamente, a resolução produz efeitos) e atenta a circunstância de não ser imputável nem a Ré nem à Autora a não realização pelo banco do negócio definitivo determina que apenas assiste à Autora o direito ao recebimento da contraprestação por si efectuada, ou seja, ao recebimento da quantia por si entregue a título de princípio de pagamento, no montante de € 8.500,00.»
Será assim?
A apelada, promitente compradora, enviou à apelante, promitente vendedora, com data de 7 de março de 2018, mas expedida no dia seguinte, e por esta rececionada a 19 de março de 2018, a carta registada com aviso de receção transcrita em 25. dos factos provados.
Desde logo, não obstante o teor do n.º 3 da cláusula 3.ª do contrato-promessa[11], a verdade é que os autos demonstram que a marcação da escritura de compra e venda não constituía incumbência da promitente vendedora, mas da promitente compradora, se se quiser, do banco a quem esta recorreu solicitando a concessão de crédito para aquisição da fração.
É isso que, à evidência, resulta provado dos pontos de facto 5., 13., 14., 15., 16. 17., 18., 21., 25., 27. e 33..
Concorda-se que:
- a aplicação das sanções previstas no art. 442º, nº 2 pressupõe o incumprimento definitivo e culposo do contrato promessa, não bastando a simples mora[12];
- os autos não revelam qualquer situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da apelante.
O incumprimento definitivo de um contrato promessa, traduzido na não realização da prestação, isto é, na não realização do contrato definitivo, ocorre:
a) se o credor perder o interesse na prestação como consequência da mora do devedor;
b) se, existindo mora, o devedor não cumprir no prazo, razoável, que o credor lhe fixar, mediante interpelação;
c) se o devedor fizer uma declaração, clara, inequívoca e peremptória que não cumprirá o contrato.
Começando por esta última situação diz respeito, trata-se da recusa de cumprimento – “repudiation of a contract” ou “riffuto di adimpieri” – gerador do incumprimento típico.
Como se julgou no Ac. do S.T.J. de 05.12. 2006, Proc. nº 06A3914 (Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt, essa causa tem de ser expressa por uma declaração absoluta e inequívoca de repudiar o contrato.
Impõe-se que o renitente emita uma declaração séria, categórica, de modo a não deixar quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido.
Tal como consta ainda daquele aresto, «mas o que o direito da “common law” chama de “anticipatory breach of contract”, ou “repudiation of a contract” terá de ser expresso e – nunca é demais repeti-lo – por forma a entender-se ser “a clear and absolute refusal to perform” e que “the party is unwilling.»[13].
Nada nos autos nos diz, tanto mais que os autores não o alegam, que o réu alguma vez tenha emitido uma tal declaração.
Na carta que acima se deixou transcrita a promitente compradora afirma que tendo ela própria providenciado pela marcação da escritura, esta «(...) não se realizou devido a incongruências na documentação pessoal da vendedora», pelo que lhe concede «(...) um prazo de 20 dias seguidos, a fim de me facultar toda a documentação pessoal e documentação relativa à fracção, devidamente actualizadas, de modo a poder marcar a escritura dentro do referido prazo», findo o qual, sem que lhe fosse facultada «toda a documentação necessária à realização da escritura», deveria «considerar resolvido o contrato promessa de compra e venda da fracção em causa.»
Mais comunicou a promitente compradora à promitente vendedora, naquela missiva, que se tratava da «última oportunidade concedida para a outorga da escritura», e que uma vez «resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado em devido tempo, inter partes», se extinguiriam «as obrigações emergentes do mesmo», devendo ser-lhe restituído o sinal em dobro.
Ora, como bem se salienta na sentença recorrida, e resulta da matéria de facto provada, àquela data, a promitente vendedora, ora apelante, não se encontrava em mora; aliás, não resulta dos autos que esta alguma vez tivesse estado na situação de mora.
Está provado que «decorreu o prazo acordado para a celebração da escritura pública de compra e venda (até 29.10.2017) e bem assim o prazo de prorrogação de 30 dias, sem que fosse agendada a marcação da referida escritura pela Autora» - ponto de facto 13.
Por isso, a promitente vendedora enviou à promitente compradora a missiva transcrita em 14., datada de 6 de dezembro de 2017, onde, além do evidente interesse que mantém na realização do negócio, manifesta o seu desagrado pelo facto de a escritura ainda não ter sido realizada.
Nesse mesmo dia a promitente compradora respondeu à promitente compradora, dando-lhe conta de ter «andado numa agonia» pelo facto de a escritura de compra e venda ainda não ter sido realizada, e informando-a do seguinte: «(...) a falha tem sido do banco. Ainda agora me ligaram e amanhã de manhã já terei a data da escritura» - ponto de facto 15.
A escritura de compra e venda foi então agendada pelo banco da Autora para o dia 15 de dezembro de 2017, no balcão do Banco ____, em ____ (ponto de facto 16.), do que foi dado conhecimento à promitente vendedora, tendo esta concordado (ponto de facto 17.).
Ao preparar e analisar a documentação necessária para a celebração da escritura de compra e venda, o banco da Autora constatou haver, na documentação pessoal da promitente vendedora, as divergências referidas no ponto de facto 18.
No entanto, está provado que no dia 11 de dezembro de 2017, FG, da mediadora “RS”, enviou uma comunicação eletrónica para o banco da autora, com o seguinte teor: «Segue em anexo os documentos da proprietária, como é divorciada e o ex marido até já faleceu. Caso tenha alguma dúvida estou ao vosso dispor. Vejam se continua marcada a escritura e a que horas fica para dia 15.» - ponto de facto 19.
Continua a ser evidente o interesse da promitente vendedora na realização da escritura.
Mais está provado que no dia 13 de dezembro de 2017, pelas 8 horas e 43 minutos, SF, em nome do banco ao qual a promitente compradora solicitou a concessão de crédito para a aquisição da fração, por comunicação eletrónica dirigida a FG, da mediadora “RS”, informou o seguinte: «Bom dia Sr. FG, A plataforma legal não aceita estes documentos, solicitam a certidão de nascimento da vendedora bem como a certidão de casamento que enviou traduzida. Penso que provavelmente é melhor adiarmos a escritura para a próxima semana, uma vez que mesmo que consiga os documentos em falta é provável que seja um pouco em cima do acontecimento» - ponto de facto 21[14].
Acontece que está provado que nesse mesmo dia, pelas 11 horas e 31 minutos, por comunicação eletrónica, FG, da mediadora “RS”, respondeu a SF, do Banco ____, nos seguintes termos: «Bom dia Dª SF, Segue em anexo a certidão de nascimento e a certidão de divórcio traduzida para português. A cliente quando comprou o imóvel já estava divorciada. Por favor tente com que se faça a escritura na Sexta Feira porque a cliente já comprou o bilhete e não tem como vir a Portugal até Março de 2018. Aguardo notícias positivas suas» - ponto de facto 22[15].
Temos, assim, que além de continuar a ser evidente o interesse da promitente vendedora na realização da escritura de compra e venda, esta prontamente enviou ao banco encarregado, por vontade da promitente compradora, de proceder à marcação da escritura, a documentação que este expressamente lhe indicou estar em falta.
Ainda assim, «o banco da Autora recusou celebrar a escritura de compra e venda no dia agendado, devido às divergências na documentação pessoal da Ré que detectou.» - ponto de facto 23. 
Não se deteta que à promitente vendedora tivesse dado conhecimento, quer pela promitente compradora, quer pelo seu banco, de qualquer outro concreto documento em falta, que impedisse a realização da escritura.
Está, aliás, provado que «a Autora não indicou à Ré quais os documentos que o banco efectivamente pretendia que lhe fossem enviados para a celebração da escritura de compra e venda e motivo pelo qual os documentos entregues não se revelaram suficientes, por desconhecimento seu.» - ponto de facto 34.
Não se vislumbra igualmente que após a referida comunicação de 13 de dezembro de 2017, a promitente compradora ou o seu banco tivessem voltado a contactar a promitente vendedora a propósito da realização da escritura.
Em suma, a promitente vendedora não se encontrava em mora para com a promitente compradora no momento em que esta, em março de 2018, lhe enviou a carta transcrita em 25.; nem se alcança, da matéria de facto provada, que alguma vez o tivesse estado.
Não havia, assim, qualquer fundamento, legal ou contratual, para o envio, pela promitente compradora à promitente vendedora, da carta transcrita no ponto de facto de 25., o mesmo é dizer, para a interpelar admonitoriamente para no prazo de 20 dias cumprir o contrato-promessa.
Por conseguinte, e obviamente, também não faz sentido falar em perda de interesse da promitente compradora na prestação, ou seja, na realização do contrato prometido, como consequência da mora da promitente vendedora; é que, como se tem enfatizado, inexiste tal mora.
Sempre se dirá, no entanto, que a perda de interesse pode resultar da superveniente inutilidade da prestação ou até do prejuízo que esta traria para o credor, no caso para a promitente compradora.
Perda de interesse que tem de ser real e efetiva, não se bastando com uma mera diminuição de interesse em contratar.
Na feliz expressão do Ac. do S.T.J. de 15.10.2002, CJ/STJ, III, 92, exige-se «uma perda subjectiva do interesse com verificação objectiva.»
A demonstração tem de ser concreta, no sentido de objetiva, não sendo suficiente a mera alegação do credor nesse sentido.
É que declaração de incumprimento definitivo de um contrato tem subjacente critérios de razoabilidade, normalidade negocial, com apego aos princípios de honestidade no trato contratual, não dependendo de meros caprichos ou impulsos de ocasião.
A perda do interesse não é um mero “não quero”, antes tem de se fundar numa causa objetiva que o cidadão comum possa apreender e compreender.
Como se diz no Ac. do S.T.J. de 18.12.2003, Proc. nº 03B3697, in www.dgsi.pt, «não basta o juízo valorativo arbitrário do próprio credor antes aquela (falta de interesse) há de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz).»
A promitente compradora não alega sequer, nestes autos, um único facto concreto suscetível de, uma vez provado, revelar a referida perda de interesse na realização do contrato prometido.
E já agora, o mesmo se diga relativamente à promitente vendedora, a qual, mesmo depois do envio, em 20 de março de 2018, por FG, da “RS”, à promitente compradora, da carta transcrita no ponto de facto 26., continuou a manifestar interesse na realização da escritura.
É o que resulta à evidência do teor do e-mail enviado por FG, da mediadora “RS”, à promitente compradora, no dia 16.04.2018, transcrito no ponto de facto 29.; é o que resulta ainda dos pontos de facto 30. e 32..
Em suma, o contrato-promessa de compra e venda dos autos não se mostra definitivamente incumprido por banda da promitente vendedora; o mesmo sucedendo, já se disse, por banda da promitente vendedora.
Afirma-se na sentença recorrida, como se viu, que «resolvido o contrato (uma vez que, ainda que ilicitamente, a resolução produz efeitos) e atenta a circunstância de não ser imputável nem a Ré nem à Autora a não realização pelo banco do negócio definitivo determina que apenas assiste à Autora o direito ao recebimento da contraprestação por si efectuada, ou seja, ao recebimento da quantia por si entregue a título de princípio de pagamento, no montante de € 8.500,00.»
Aqui reside a nossa discordância relativamente à sentença recorrida.
Não se desconhece que há quem considere que uma declaração resolutiva, mesmo desconforme à lei ou ao contrato, o mesmo é dizer, ilícita, não deixa de ter eficácia extintiva do vínculo contratual.
Trata-se de uma questão relativamente à qual se verificam divergências entre os autores portugueses.
Joana Farrajota[16] dá-nos conta dessas divergências.
Diz-nos a referida Autora que «apenas quando se encontrem preenchidos os pressupostos de existência do direito de resolução, bem como os respectivos pressupostos de exercício, será a resolução lícita. Interessa-nos todavia aqui não o exercício regular desta faculdade, mas o lado menos saudável daquele: a resolução emitida fora do respectivo quadro legal, do “licet”, em resultado da ausência de fundamento, “in casu”, o incumprimento. De facto, obtendo-se a resolução – em regra – por mera declaração à contraparte, nada obsta a que seja emitida sem que se verifique uma situação de incumprimento contratual relevante nos termos da lei.
A declaração de resolução, emitida em desconformidade com a lei ou a convenção das partes, não encontra uma designação consensual junto da doutrina e jurisprudência nacionais.
Raúl Guichard e Sofia Pais designam esta forma de resolução por resolução ilegítima[17]. P. Romano Martinez, por sua vez, apelida a resolução «(…) exercida em desrespeito de exigências formais, de pressupostos ou de direitos da contraparte ou de terceiros» por resolução ilícita[18].
(...)
O cerne da problemática da resolução infundada reside, num primeiro momento, nos respectivos efeitos na vigência do contrato, isto é, no esclarecimento da questão da produção do efeito extintivo, atendendo ao carácter ilícito da declaração. Será este então o nosso ponto de partida na análise do estado da arte da doutrina nacional.
(...)
Parte significativa da doutrina nacional tende a reconhecer eficácia extintiva à declaração resolutiva ilícita. Assim, não obstante a desconformidade daquela declaração com a lei, o contrato alvo da mesma seria destruído. (...) P. Romano Martinez entende que a resolução ilícita representa o incumprimento do contrato. Não ficámos todavia totalmente esclarecidos quanto ao pensamento do Autor. Assim, embora comece por afirmar que «(…) a resolução contrária à lei seria nula (art. 280º, n.º 1 do CC), inválida, portanto (…)»126[19], logo em seguida, partindo da impossibilidade de autonomização da declaração de resolução do contrato, retira que esta deve ser analisada como modo de cumprimento ou incumprimento do contrato, concluindo finalmente que «(…) a resolução ilícita não é inválida: representa o incumprimento do contrato» e, «(…) por via de regra, produz de imediato o efeito extintivo (…)»127[20]. Não transparece todavia de forma clara a razão de ser desta aparente incompatibilidade entre invalidade e incumprimento aceite pelo Autor como premissa da construção apresentada.
António Pinto Monteiro desenvolveu a problemática da resolução infundada no quadro do contrato de agência e, em geral, nos contratos de distribuição comercial[21]. Para o Autor, perante uma tal declaração, duas soluções possíveis se perfilam. Uma primeira, mais indicada no plano dos princípios, em que o contrato se manteria, fruto do carácter ilícito do exercício do direito resolutivo desprovido de fundamento. Neste caso a parte adimplente teria direito a ser indemnizada pelos danos causados pela «suspensão» do contrato, i.e., pelo período decorrido até à decisão da acção onde se apreciasse a licitude do acto. Outra, de ordem mais prática, em que o contrato se extinguiria, traduzindo-se a resolução sem fundamento num incumprimento contratual, gerador de uma obrigação de indemnizar a parte inadimplente. Muito embora reconhecendo que esta segunda orientação se traduz na admissibilidade da obtenção pelo devedor do resultado pretendido por meio de um comportamento ilícito, o Autor defende a respectiva adopção, apresentando para o efeito um conjunto de argumentos. De um lado salienta que, na prática, nem sempre será possível ou aconselhável impor a subsistência do contrato. E isto porque pode ter decorrido um longo período de tempo em que a relação entre as partes, de facto, cessou e em que se podem ter estabelecido relações alternativas com terceiros, com vista à satisfação dos interesses regulados pelo contrato em crise. Por outro lado, afirma o Autor, solução diversa também não se compaginaria com o carácter extrajudicial da resolução e a natureza meramente declarativa da acção judicial que aprecia a declaração de resolução[22]. O Autor como argumento na defesa desta orientação, a possibilidade de o contraente que resolve o contrato poder sempre denunciá-lo, caso se trate de um contrato de duração indeterminada. Seria assim possível, em regra, equiparar a resolução sem fundamento a uma denúncia sem respeito pelo pré-aviso legal que, por sua vez, confere apenas ao lesado o direito a uma indemnização, nos termos do n.º 1 do artigo 29.º do regime jurídico do contrato de agência130 . Finalmente refere ainda, em abono desta posição, a equiparação, pela doutrina e jurisprudência, da resolução sem fundamento à recusa de cumprir e desta ao incumprimento definitivo[23]. Finalmente refere ainda, em abono desta posição, a equiparação, pela doutrina e jurisprudência, da resolução sem fundamento à recusa de cumprir e desta ao incumprimento definitivo. Menos claras nos permaneceram as razões que conduzem o Autor, de um lado, a qualificar a declaração de resolução infundada como incumprimento contratual na segunda hipótese aventada – em que o contrato se extinguiu por efeito da resolução infundada – e, de outro, a recusar tal qualificação na primeira solução apresentada[24].
ASSUNÇÃO CRISTAS entende que a declaração de resolução – ainda que ilícita – destrói o contrato no momento em que se torna eficaz, chegando a tal conclusão pela combinação do modelo extrajudicial de resolução com o normal direito ao cumprimento das obrigações. Se a inexistência de fundamento da resolução for provada judicialmente, a resolução, esclarece a Autora, não desaparece, operando-se apenas uma modificação da respectiva valoração jurídica e dos seus efeitos: a resolução – anteriormente um acto legítimo – transforma-se em ilícito, com sentido de incumprimento. Assim, apesar de o contrato ter cessado irremediavelmente, o credor pode ainda exigir o cumprimento e oferecer a contraprestação[25]. Também aqui a solução apresentada não nos surge como clara, na medida em que parece prever o cumprimento do contrato (prestação e contraprestação) após a respectiva extinção. Se, de facto, o contrato se extinguiu, então também se extinguiram as pretensões jurídicas das partes ao cumprimento. Esta é, no nosso entendimento, a única posição consentânea com o entendimento segundo o qual o contrato se extingue por mero efeito da declaração de resolução. Neste sentido BECKMANN, na doutrina alemã, afirma que um dos efeitos do exercício do direito de resolução consiste na extinção dos direitos das partes ao cumprimento, bem como de quaisquer acções judiciais que tenham por base o interesse no cumprimento.
Esta crítica é extensível a toda a doutrina que, reconhecendo eficácia extintiva à resolução, simultaneamente a qualifica como acto de incumprimento contratual. Extinguindo-se o contrato não se deverá falar em incumprimento, na medida em que deixou de haver objecto de incumprimento. De facto, ainda que se enquadre a resolução infundada na figura do incumprimento do contrato, ao afirmar-se, simultaneamente, que extingue o contrato, sempre se terá de reconhecer que a sua vertente de acto de destruição do contrato consome aquela outra.
Brandão Proença, embora parecendo atribuir eficácia extintiva à declaração de resolução ilícita – afirmando que esta se produziu, inelutavelmente, nos momentos previstos no art. 224º, 1, 1ª parte, do C.C.[26] – reconhece nesta uma modalidade de recusa de cumprimento[27] e, bem assim (...) uma forma de incumprimento. Ressalva o Autor, os casos em que nos encontremos «(…) face a uma representação infundada e não culposa do incumprimento da contraparte (…)» do devedor-declarante, caso em que não deverá este ser colocado numa situação de incumprimento, devendo ser mantido o contrato[28].
Refira-se ainda, finalmente, a posição de Pais de Vasconcelos para quem a resolução sem fundamento, apesar da respectiva ilicitude, será em princípio eficaz, consubstanciando todavia o incumprimento definitivo do contrato. Excepcionalmente apenas, admite o Autor, nos casos em que a relação contratual tem especial relevância social – por exemplo, no caso do contrato de trabalho – a ilicitude poderá ter como consequência a ineficácia da resolução[29].
(...)
Apenas uma doutrina minoritária entende que a resolução ferida de ilicitude se encontra desprovida de eficácia extintiva.
O Autor que porventura mais terá aprofundado a questão da (in)eficácia da resolução infundada – muito embora o tenha feito de forma marginal – foi Paulo Mota Pinto, cujo entendimento tendemos a partilhar. Defende este Autor a ineficácia daquela declaração «(…) por não possuir fundamento jurídico e o resolvente não ser titular do correspondente direito potestativo»[30]. Nestes casos, não há, na realidade um direito de resolução, pelo que não poderá, consequentemente, produzir-se a extinção do contrato. Face ao exposto, conclui Paulo Mota Pinto, a sentença que reconheça a inexistência de fundamento da resolução tem como efeito declarar que o contrato, afinal, não se extinguiu.
O Autor admite todavia que, nos casos em que o resolvente dispusesse de um direito de denúncia ad nutum, a resolução sem fundamento possa ser equiparada, ou mesmo convertida, a uma denúncia sem pré-aviso. As duas únicas possíveis consequências da declaração de resolução infundada são assim, para Paulo Mota Pinto, de um lado a manutenção do contrato, acompanhada do respectivo não cumprimento e, de outro, a sua extinção, acompanhada de responsabilidade pelo desrespeito da obrigação de pré-aviso a que o exercício da denúncia se encontra sujeito[31]. Adicionalmente entende o Autor, respondendo aos argumentos avançados por Pinto Monteiro, não dever este princípio encontrar-se sujeito a desvios por razões de ordem prática, designadamente por dificuldades na retoma da relação contratual, «(…) sob pena de se estar a conceder directa prevalência, sobre a inequívoca força do Direito ao facto ilícito (…) e ao decurso do tempo». 142[32]. Por outro lado, continua, se se considerasse que o contrato se extinguia por efeito da resolução infundada, estar-se-ia a vedar ao credor a possibilidade de requerer a execução específica – quando esta fosse possível, abrindo assim a porta para que o devedor, sempre que quisesse eximir-se àquela, pusesse fim ao contrato, resolvendo-o, ainda que sem fundamento. Finalmente, considerando que a obrigação de indemnizar depende de culpa, sempre que o comportamento do devedor ao resolver infundadamente o contrato não fosse culposo, deixar-se-ia o credor sem qualquer protecção.
CALVÃO DA SILVA, a propósito de um caso em que a resolução foi declarada sem que se verificasse um seu pressuposto – o incumprimento – afirma a ilegalidade e ineficácia da mesma. Acrescenta o Autor ainda que a intervenção do tribunal é de mera apreciação da legalidade da resolução, i.e., de verificação dos respectivos pressupostos e de declaração da existência ou inexistência e eficácia da mesma[33].
Finalmente, BAPTISTA MACHADO, ao afirmar que a existência do direito de resolução se encontra dependente da verificação do respectivo fundamento[34]144 , parece inclinar-se no sentido da ineficácia da declaração resolutiva sem fundamento. Acrescente-se ainda que, para BAPTISTA MACHADO, a declaração de resolução infundada consubstancia uma forma de recusa de cumprimento.»[35]-[36].
Mais adiante, salienta ainda Joana Farrajota que «considerando que o vício de que sofre a declaração infundada resulta de “uma falta ou irregularidade dos elementos internos (essenciais, formativos) do negócio”[37], conclui-se que esta seria enquadrável na categoria das invalidades[38].
Cabe-nos agora esclarecer se o vício do acto de resolução “(…) o priva de eficácia ou torna precária essa eficácia”[39], i.e., se se trata de um caso de nulidade ou anulabilidade. A maioria da doutrina e jurisprudência, que se pronuncia sobre a invalidade da declaração de resolução infundada, tende a reconduzi-la à figura da nulidade, por referência ao artigo 280.º, n.º 1 do CC, na parte em que sanciona com nulidade o “negócio jurídico cujo objecto seja (...) contrário à lei”. A declaração de resolução infundada, na medida em que contraria o disposto no n.º 1 do artigo 432.º do CC, seria assim nula por força da conjugação desta disposição com o n.º 1 do artigo 280.º – consoante a posição adoptada quanto à qualificação da declaração de resolução, poder-se-á ainda ter de recorrer ao artigo 295.º.
Não é necessário, com efeito, recorrer aqui à previsão do artigo 294.º do CC, já que esta, como refere HÖRSTER, “(…) traduz um princípio básico e cede o seu lugar, sempre que os haja, a preceitos específicos”[40], in casu, o n.º 1 do artigo 280.º. Este artigo é, de facto, uma concretização da norma geral do artigo 294.º, propondo critérios mais pormenorizados para identificar os conteúdos de negócios jurídicos desconformes à lei.
A conjugação das disposições constantes dos artigos 432.º, n.º 1, e 280.º, n.º 1, do CC, in fine, conduzem-nos, no nosso entender, de forma inequívoca, à conclusão de que a resolução a que falte o pressuposto do incumprimento é nula e, desta forma, insusceptível de destruir o contrato[41].
(...).
Em conclusão, pode-se afirmar que a sanção-regra da declaração de resolução desprovida de fundamento é a nulidade, por força do disposto no artigo 432.º, n.º 1, conjugado com o n.º 1 do artigo 280.º, do CC. Não se trata todavia de uma regra absoluta, como já tivemos oportunidade de constatar, a propósito da análise dos regimes jurídicos de alguns contratos em particular, designadamente o regime do contrato de trabalho, em que o despedimento infundado é sancionado com a anulabilidade. De facto, outros interesses reconhecidos pela ordem jurídica poderão conduzir a um afastamento pela lei daquela regra, em detrimento da protecção do vínculo contratual.
(...).
A declaração de resolução infundada, mais não é do que um “tigre de papel”. Donde, apesar da existência de um significado negocial do acto – a destruição do contrato, este, em razão da respectiva invalidade, não é juridicamente atendível enquanto acto dirigido à extinção do contrato[42]. Embora em abstracto a declaração de resolução realizada à contraparte fosse, por força dos artigos 436.º, n.º 1 e 224.º, n.º 1 do CC, adequada à composição de um negócio jurídico, não produz os efeitos correspondentes ao seu significado, porque se encontra viciada[43]. Tal, como salienta FERREIRA DE ALMEIDA, não põe em causa o princípio performativo, já que este só se aplica a negócios e outros actos jurídicos e, no caso da resolução infundada, em bom rigor, não há um negócio jurídico[44].
No mesmo sentido se pronuncia na doutrina alemã BECKMANN, ao afirmar que as consequências jurídicas de uma declaração de resolução podem realizarse apenas quando esteja esclarecido que a declaração de resolução do credor foi efectuada legalmente, em particular, que existe um fundamento para a resolução. De facto, como chama a atenção Paulo Mota Pinto, é importante manter presente a distinção entre os pressupostos do direito potestativo de resolução de um lado e, de outro, o modo como se produzem os efeitos do direito, isto é, por mera declaração à contraparte – sem a necessidade de intervenção judicial. Inexistindo os referidos pressupostos – no caso, o incumprimento – não há direito de resolução, sendo a declaração pretensamente resolutiva ilícita e, em regra, ineficaz[45]. Neste contexto, a sentença, que reconheça a inexistência de fundamento da declaração resolutiva, declara, na realidade, que o contrato não se extinguiu[46]-[47].
À luz dos considerandos que antecedem, retornando ao caso concreto, e às suas peculiaridades, que ao longo do presente acórdão se foram deixando assinaladas, conclui-se que:
- inexistindo fundamento, legal ou contratual, para a resolução do contrato-promessa de compra e venda dos autos;
- não se mostrando o mesmo definitivamente incumprido por qualquer das partes;
- nada havendo que revele que qualquer das partes tenha perdido interesse na realização do contrato prometido,
há que:
- julgar procedente o recurso;
- revogar a sentença recorrida; e
- considerar em vigor o contrato-promessa.
*
IV – decisão:         
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso, revogando, consequentemente, a sentença recorrida, e declarando que se mantém em vigor entre apelante e apelada o contrato-promessa de compra e venda entre ambas celebrado no dia 29.08.2017, tendo por objeto a fração autónoma identificada em 1. dos factos provados.
Custas a cargo da apelada - art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

Lisboa, 21 de janeiro de 2020
Relator José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
_______________________________________________________
[1] Foi devido a manifesto lapso de escrita que a senhora juíza a quo escreveu «07.03.2017», «08.03.2017» e «19.03.2017», pois dos documentos de fls. 14vº a 16 resulta à evidência que as datas são, respetivamente, «07.03.2018», «08.03.2018» e «19.03.2018», tanto mais, até, que o contrato-promessa foi celebrado em 29 de agosto de 2017.
[2] «O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.»
[3] Cfr. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 513.
[4] Cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, 3ª Ed., 1952, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 141.
[5] Cfr. a este propósito, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 22, nota 14.
[6] Sobre a noção de «questões», nomeadamente para os efeitos dos arts. 608.º e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC/2013, vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, 1981, pp. 51-58.
[7] Pertencem a este diploma todos os preceitos que vierem a ser mencionados sem indicação da respetiva fonte.
[8] A promitente vendedora, aqui apelante.
[9] A promitente compradora, aqui apelada.
[10] Cláusula 6.ª, n.ºs 1 e 2, do contrato-promessa.
[11] «A promitente compradora deverá facultar neste ato à promitente vendedora cópias de toda a documentação indispensável à outorga da escritura de compra e venda.»
[12] Neste sentido, por todos, Manuel Januário da Costa Gomes, “Em Tema de Contrato-Promessa”, Edição da AAFDL, 1990, pp. 58-60; Fernando de Gravato Morais, “Contrato-Promessa em Geral e Contratos-Promessa em Especial”, Almedina, 2009, pp. 202-203, assim como a doutrina e jurisprudência mencionadas nas notas 397 e 398, e João Calvão da Silva, “Sinal e Contrato-Promessa”, 8ª Edição, pp. 107 ss., e demais doutrina e jurisprudência aí referidas.
[13] Cfr. Brandão Proença, Do incumprimento do Contrato Promessa Bilateral, Almedina, 1996, p. 91; cfr. também os Acs. do S.T.J. de 07.03.91, BMJ 405º, 456, de 28/3/2006, Proc. nº 327/06, 1ª Secção e de 18.04.2006, Proc. nº 844/06.
[14] O destacado a negrito é da nossa autoria.
[15] O destacado a negrito é, uma vez mais, da nossa autoria.
[16] A Resolução do Contrato Sem Fundamento, Coleção Teses, Almedina, 2015.
[17] Contrato-Promessa: Resolução Ilegítima e Recusa Terminante em Cumprir; Mora como Fundamento de Resolução; Perda de Interesse do Credor na Prestação; Possibilidade de Desvinculação com Fundamento em Justa Causa; “Concurso de Culpas” no Incumprimento; Redução da Indemnização pelo Sinal, in Direito e Justiça, XIV, 2000, I, pp. 316 a 333.
[18] Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição, Almedina, 2006, p. 75.
[19] Da Cessão…cit. p. 221.
[20] Da Cessão…cit. p. 221 e ss.
[21] Direito Comercial. Contratos de Distribuição Comercial, 3.ª Reimp. da edição de 2001, Almedina, 2009, pp. 149 e ss. e Contrato de Agência. Anotação, 7.ª ed., Almedina, 2010, pp. 134 e ss.
[22] Contrato…cit., p. 138.
[23] «Pouco clara pareceu-nos a remissão do Autor para um acórdão da Relação do Porto de 13 de Março de 1997, a propósito da posição propugnada. Se, de facto, a Relação do Porto manifesta o entendimento de que «(…) mesmo que a requerente prove que a resolução foi feita sem justa causa, nunca ela pode pedir na acção principal que o contrato resolvido renasça, impondo-se à requerida a continuação», parece fundamentar esta posição na impossibilidade de execução específica do contrato de agência, na medida em que afirma: «[s]e a requerente vier a intentar acção contra a requerida e demonstrar que o contrato foi resolvido sem justa causa, sendo ela contraente-cumpridora, e exigir o cumprimento do contrato, porque não é possível a execução específica, apenas prevista para o contrato-promessa (artº 830º C. Civil), a requerente apenas poderá pedir nessa acção o cumprimento sucedâneo. Ora, o sucedâneo do cumprimento do contrato “mais não é do que a indemnização a que o contraente-cumpridor tem direito, fixado em função do seu contrato tivesse sido pontualmente cumprido”. Apenas pode peticionar indemnização por resolução do contrato sem justa causa, evidente se torna que a requerente não pode pedir nessa acção que a requerida seja obrigada a continuar a relação obrigacional resolvida, fornecendo-lhe os seus produtos mediante pagamento» (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXII, II, p. 198).»
[24] Direito…cit., p. 150, nota de rodapé n.º 282.
[25] «É possível impedir judicialmente a resolução de um contrato?», Estudos Comemorativos dos 10 Anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Vol. II, Almedina, 2008, p. 63.
[26] A Resolução do Contrato no Direito Civil - Do Enquadramento e do Regime, Reimp. da Edição de 1982, Coimbra Editora, 2006, p. 153.
[27] Do incumprimento do contrato de promessa bilateral: a dualidade: execução específica – Resolução, Separata do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, p. 89.
[28] A Resolução…cit., pp. 152 e 153.
[29] Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª Edição, Almedina, 2010, p. 773.
[30] Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, Coimbra Editora, 2009, p. 1675, nota de rodapé n.º 4861.
[31] Idem, ibidem.
[32] Idem, ibidem. No mesmo sentido, defendendo a ineficácia da resolução infundada contra a proposta de Pinto Monteiro, Carlos Lacerda Barata, Anotações ao Novo Regime do Contrato de Agência, Lex, 1994, p. 79, e Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Almedina, 2011, pp. 894 e ss.
[33] «A Declaração da Intenção de não cumprir», Estudos de Direito Civil: Pareceres, Almedina, 1999, pp. 134 e 135.
[34] «Pressupostos da resolução por incumprimento», Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Juridica, 1991, pp. 130 e 131.
[35] Anotação ao acórdão de 08.11.1983, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 118, p. 275, nota de rodapé n.º 2.
[36] Joana Farrajota, A Resolução…cit., pp. 49-55.
[37] Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Reimp. da 4.ª Edição de 2005, Coimbra Editora, 2012, p. 615.
[38] Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 13.12.2007 (proc. n.º 07A2378, disponível em www.dgsi.pt), onde, a propósito da verificação de ausência de fundamento resolutivo de um contrato promessa de compra e venda se afirma: «[e] só a ocorrência efectiva – e objectiva – da perda de interesse é que é geradora do direito potestativo à resolução do contrato. Conclui-se, assim, que os recorrentes não resolveram validamente o contrato promessa de compra e venda, e que os recorridos não se colocaram em situação de incumprimento».
[39] Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral (Refundido e Actualizado), 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2002, p. 357.
[40] A Parte Geral do Código Civil Português. Teoria Geral do Direito Civil, Reimp. da edição de 1992, Almedina, 2000, p. 520.
[41] O destacado a negrito é da nossa autoria.
[42] Veja-se, neste sentido, o acórdão de 7.02.2008 do STJ, em que o tribunal, reconhecendo a ausência de incumprimento do contrato e, bem assim, de fundamento para a resolução, afirma: «[m]as o referido direito de resolução dependia de se verificar, para o efeito, fundamento legal bastante, seja de origem contratual ou legal (artigo 432º, n.º 1, do CC). Nem há fundamento convencional nem legal que sustente a referida declaração imputável à recorrente em termos de ser susceptível de implicar a destruição da mencionada relação jurídica contratual. Por isso, está a referida declaração de resolução que a recorrente dirigiu à recorrida afectada de nulidade (artigos 280º, n.º 1, 295º e 432º, n.º 1 do CC). Em consequência, não pode relevar, em termos de produção do efeito de destruição do contrato de subempreitada, a declaração de resolução que a recorrente dirigiu à recorrida» (disponível em www.dgsi.pt).
[43] O destacado a negrito é, uma vez mais, da nossa autoria.
[44] «Para este Autor, “(...) a expressão ‘negócio jurídico nulo’ (ainda que conveniente e universalmente usada) é uma contradição nos próprios termos, porque, seja qual for o fundamento e a natureza que ao negócio se atribuam, ele só é concebível como instituto jurídico diferenciado, se existir uma relação adequada entre os efeitos que o acto produz e algo que os faça gerar (...)”» - Carlos Ferreira de Almeida, Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, Vol. I, Almedina, 1992, pp. 218 e 219.
[45] Veja-se, neste sentido, o acórdão de 13.12.2007 do STJ (proc. n.º 07A2378, disponível em www.dgsi.pt).
[46] O destacado a negrito é da nossa autoria.
[47] Joana Farrajota, A Resolução…cit., pp. 185-188.