Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
681/13.5GABRR.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: RECOLHA DE AMOSTRAS DE ADN
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A recolha de amostras de ADN, a que se refere o art.º 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/08, de 12/2, a partir da alteração que foi conferida àquele mesmo preceito pela Lei n.º 90/2017, de 22/08, será sempre ordenada na sentença, por a actual versão do preceito determinar  que haverá lugar a recolha de amostras, na hipótese de o arguido ser condenado “por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados”, não impondo qualquer ponderação sobre a necessidade da recolha de amostra de ADN.
- Visto o regime constante da conjugação dos n.ºs 2 e 6 do art.º 8.º da Lei n.º 5/2008, a recolha de ADN, na situação de condenação em pena de prisão igual ou superior a 3 anos pela prática de crime doloso, incumbe ao juiz, não se tratando de mera faculdade mas sim de obrigatoriedade legal, o que lhe confere a natureza de um poder-dever”, assim se alterando também, o correspectivo entendimento Jurisprudencial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:

I - Relatório:

I - 1.) No Juízo Central Criminal de Almada (Juiz 2), Comarca de Lisboa, foram os Arguidos A., C., B., O. e S. todos com os demais sinais dos autos, submetidos a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal colectivo, acusados pelo Ministério Público pela forma seguinte:

- Os Arguidos A., C. e B., da prática de 1 (um) crime de extorsão p. e p. pelo artigo 223.º, n.º 1, do Cód. Penal;
- Os Arguidos A., C., B. (estes em concurso real), e O. e S., da prática de 1 (um) crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do mesmo Diploma.

Na sessão de julgamento verificada em 05/11/2019, comunicou-se o adicionamento e a concretização de factos melhor constante de fls. 736 verso e 737, sendo que o respectivo ponto 10 traduziria uma alteração substancial e de qualificação jurídica, a que a Defesa se opôs, razão pela qual não foi atendida.

I - 2.) Concluído aquele e proferida a respectiva sentença, veio a decidir-se, entre o mais, o seguinte:

- Absolver os arguidos A., C. e B., da prática de um crime de extorsão, p. e p. pelo art.º 223.º, n.º 1, do Cód. Penal.

- Absolver os arguidos A. C e O., da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Cód. Penal.

- Condenar o arguido A. pela prática de um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 154.º, 22.º, 23. e 73.º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, cuja execução se suspendeu pelo mesmo período, com a obrigação de o mesmo proceder ao pagamento de 500,00 (quinhentos) euros à Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes devendo em seis meses comprovar o pagamento de, pelo menos, metade de tal valor nos autos.

- Condenar o arguido C. pela prática de um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 154.º, 22.º, 23.º e 73.º do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
- Condená-lo ainda pela prática de um crime roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico aplicar ao arguido C., a pena única de 4 (quatro) ano e 6 (seis) meses de prisão.

- Condenar o arguido B. pela prática de um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 154.º, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
- Condená-lo pela prática de um crime roubo, p. e p. pelo artigo 210.º do Cód. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
Em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo mesmo período, com regime de prova.

- Condenar os arguidos C. e B. a pagarem, solidariamente, ao ofendido Tiago a quantia de 1.000,00 euros a título de danos provocados pelo seu comportamento, sendo que em relação aos mesmos foi determinada a recolha de amostra de ADN, nos termos do disposto no art.º 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, de 12/02.

I - 2.) Inconformado com o assim decido, recorreu o Arguido B.  para esta Relação, apresentando na síntese das razões da sua discordância, as seguintes conclusões:

1.ª - O Recorrente foi condenado: pela prática de um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 154.º, 22.º, 23.º e 73.º do C.P., na pena de 10 (dez) meses de prisão; pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º do C.P., na pena de 3 (três) anos de prisão; e em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período de tempo, e com regime de prova.

2.ª - Foi ainda determinado por decisão do Tribunal recorrido que, se procedesse à recolha de amostras de ADN do Recorrente, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Lei 5/2008, de 12/02 atenta a natureza do crime cometido e do perigo demonstrado pelo comportamento do mesmo.

3.ª - O crime de coacção na forma tentada, é punido com pena de prisão até 2 (dois) anos ou pena de multa até 240 (duzentos e quarenta) dias; por sua vez, o crime de roubo é punido com pena de prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos.

4.ª - A pena aplicada afigura-se excessiva, porquanto o Tribunal recorrido não teve em consideração e violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto nos Art.º 40.º e 71.º do C.P.

5.ª - O Recorrente confessou os factos, ainda que parcialmente.

6.ª - Encontra-se inserido social, familiar e profissionalmente.

7.ª - Embora tenha uma condenação pela prática de um crime de coacção agravada, por factos de 06/06/2012, já declarada extinta desde 23/05/2016, o Recorrente não possui no seu certificado de registo criminal, qualquer condenação, pela prática de crimes de roubo, devendo ser considerado primário quanto à prática de tal ilícito criminal.

8.ª - Os factos em apreço nos autos, reportam-se a finais do ano de 2013, ou seja, já se passaram há cerca de 6 (seis) anos atrás.

9.ª - O Recorrente nasceu a 17/10/1969, tendo actualmente 50 (cinquenta) anos de idade.

10.ª - A ilicitude dos factos é média dos factos e as necessidades de prevenção geral são medianas.

11.ª – B. é natural de Angola e imigrou para Portugal em 1975, na companhia dos pais, cuja família se enquadrava num estatuto social médio baixo.

12.ª - O pai era enfermeiro e a mãe doméstica, o arguido tinha quatro irmãos o que levava a que a família vivesse com algumas limitações económicas.

13.ª – B. ingressou na escola na idade normal, mas só concluiu o 6.º ano de escolaridade até aos 14 anos de idade. Entre os 14 e os 18 anos o arguido afirma não se lembrar qual foi a sua actividade.

14.ª - Começou a trabalhar aos 18 anos como ajudante de pintor de construção civil e posteriormente fez vários trabalhos de segurança em espaços de diversão nocturna, ainda que afirme que não dispunha da respectiva licença de exercício profissional. Refere que se encontra desempregado há muitos anos, diz desconhecer quantos, mas será há mais de cinco anos.

15.ª – B. diz ter vivido em união de facto com uma mulher, em idade que não sabe precisar, mas terá sido depois dos 30 anos. Diz que viveram durante 5 anos, não tiveram filhos e ter-se-ão separado porque "os feitios não se davam" (sic).

16.ª - Depois da separação o arguido regressou a casa dos pais, onde já só vivia a mãe que ficara viúva e ali tem permanecido.

17.ª - Em Novembro de 2013, data dos factos reportados na acusação, o arguido vivia com a mãe na Cidade Sol - Barreiro, na casa desta, localizada num bairro social.

18.ª – B. afirma que trabalhava como segurança de eventos aos fins-de-semana e durante a semana fazia biscates (...) e afirma que nos trabalhos de segurança auferia €40,00 por semana. Terá sido nesse contexto laboral que conheceu os co-arguidos nos autos.

19.ª - Presentemente o arguido vive com a mãe e com uma irmã que é deficiente (sofre de trissomia 21). O arguido desconhece se a casa está totalmente paga ao banco mas afirma que comparticipa nas despesas domésticas num montante variável.

20.ª – B. afirma que vive dos rendimentos auferidos pela realização de vários biscates, no montante variável de cerca de €700,00 mensais.

21.ª - Está social, profissional e familiarmente inserido.

22.ª - Deve ser aplicada ao Recorrente, uma pena de prisão de 6 (seis) meses, pela prática do crime de coacção na forma tentada e uma pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime de roubo - ambas suspensas na sua execução.

23.ª - Em cúmulo jurídico, não lhe deve ser aplicada uma pena de prisão, superior a 2 (dois) anos, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, por se entender tratar-se da pena adequada e suficiente para acautelar as finalidades da prevenção do crime.

24.ª - O Tribunal recorrido, ao fixar as penas parcelares e posteriormente a pena única ao Arguido, fê-lo sem ter em atenção a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial, verificadas no caso concreto, ultrapassando em larga medida a culpa deste no que concerne aos factos praticados.

25.ª - Deve a pena em que veio a ser condenado, ser substituída por outra de quantum inferior, nomeadamente de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, e sujeita a regime de prova, por se afigurar adequada e necessária às finalidades da punição.

26.ª - Foi determinado que, se procedesse à recolha de amostras de ADN do Recorrente, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Lei 5/2008, de 12/02 atenta a natureza do crime cometido e do perigo demonstrado pelo comportamento do mesmo.

27.ª - O disposto no artigo 8.º, n.º 2 da Lei 5/2012 de 12/02 não é de aplicação automática sempre que existe uma condenação transitada em julgado, e cuja pena seja superior a 3 anos de prisão.

28.ª - Para que seja determinada a recolha de ADN é necessário que se justifiquem os fundamentos da determinação dessa recolha, nomeadamente a existência de grave perigo de continuação da actividade criminosa ou outros receios relevantes que possam justificar a necessidade de tal recolha e por conseguinte a sua conservação e estabelecer uma adequada ponderação séria acerca da proporcionalidade de tal determinação.

29.ª - O Tribunal recorrido, determinou a recolha do ADN do Recorrente, apenas tendo feito uma breve menção, em referência à natureza do crime cometido e do perigo demonstrado pelo comportamento do mesmo, sem mais, nomeadamente, sem que tivesse justificado ou fundamentado, em concreto, a existência de perigo de continuação da actividade criminosa do arguido, ou outros receios, apenas tendo como único critério, a natureza do crime cometido e do perigo demonstrado pelo comportamento do mesmo.

30.ª - Tal decisão, de forma automática e sem qualquer fundamentação adicional, viola os princípios constitucionais inerentes à intimidade da vida privada, ao livre desenvolvimento pessoal e à auto-determinação informacional.

31.ª - Não basta, a condenação do arguido em pena superior a 3 anos, acrescida do facto deste apresentar antecedentes criminais por crimes de idêntica natureza, terá sempre de se verificar em concreto a existência inabalável de perigo de continuação da actividade criminosa e fundado receio que permita inferir da necessidade de recolha e conservação do ADN.

32.ª - No caso concreto, inexiste necessidade de impor a respectiva recolha, pois apesar do arguido ter 1 (um) antecedente criminal, o certo é, que, tal antecedente se refere a factos de 06/06/2012, e a pena já se encontra extinta pelo cumprimento, não havendo notícia de que o Recorrente tenha voltado a praticar quaisquer outros factos, para além dos que estão em causa nos presentes autos, e cuja prática se reporta a finais do ano de 2013 - ou seja, já decorridos cerca de 6 seis) anos.

33.ª - É total a inexistência de perigo de continuação da actividade criminosa.

34.ª - Inexistem quaisquer outros receios relevantes que possam impor a necessidade recolha de amostras de ADN ao Recorrente e a sua conservação por período por longos anos.

35.ª - Não se vislumbra qualquer outra razão ou receio que pudesse, de algum modo, sustentar a necessidade de recolha de amostras de ADN.

36.ª - A ser determinada a recolha de ADN, com fundamento quer na natureza do crime cometido, quer no perigo demonstrado pelo comportamento do mesmo, tal recolha seria desproporcional e violadora dos mais elementares princípios constitucionais!

37.ª - Ao determinar que se procedesse à recolha de amostras de ADN do Recorrente, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Lei 5/2008, de 12/02, atenta a natureza do crime cometido e do perigo demonstrado pelo comportamento do mesmo, sem qualquer fundamentação adicional, o Tribunal recorrido violou o disposto nos Art.ºs 8.º, n.ºs 2 e 3, 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 26.º, 35.º e 205.º da C.R.P., bem como o Art.º 8.º, da C.E.D.H. e o Art.º 8.º n.º 2 da Lei n.º 5/2008 de 12/2, por contender com o direito à reserva da intimidade (genética) da vida privada, ao livre desenvolvimento pessoal e à autodeterminação informacional.

38.ª - Impõe-se a revogação do Acórdão na parte que determinou a recolha de amostras de ADN ao Recorrente, por ser violadora do disposto nos Art.ºs 8.º, n.ºs 2 e 3, 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 26.º, 35.º e 205.º da C.R.P., bem como o Art.º 8.º, da C.E.D.H. e o Art.º 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008 de 12/2,

39.ª - Deve o Tribunal condenar o Recorrente em penas parcelares que se situem mais perto dos seus limites mínimos, no que concerne quer ao crime de coacção, na forma tentada, quer ao crime de roubo e, consequentemente, após efetivação do cúmulo jurídico, aplicar-lhe uma pena mais harmoniosa, proporcional e justa, face às circunstâncias supra expostas, tendo em consideração o vertido nos Art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2, 70.º e 71.º do C.P. e Art.º 13.º da C.R.P..

40.ª - Somente assim, realizar-se-ão, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, a protecção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade, de acordo com o disposto nos Art.ºs 40.º, 43.º, 50.º, 70.º e 71.2, todos do C.P..

41.ª - Foram violadas as disposições constantes dos artigos 154.º, 22.º, 23.º, 73.º e 210.º do C.P., bem como os artigos 40.º, 70.º e 71.º também do C.P.; o artigo 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008 de 12/02; os artigos 13.º, 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 26.º, 35.º e 205.º da C.R.P. e artigo 8.º da C.E.D.H.

Termos em que, deve o presente Recurso merecer provimento, e em consequência:
- Ser revogado o Acórdão recorrido que condenou o Recorrente na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, por se afigurar desproporcional às finalidades da punição e
- Serem aplicadas ao recorrente, penas parcelares mais justas e mais próximas dos limites mínimos e, consequentemente, uma pena única, por efeito do cúmulo jurídico, mais harmoniosa, justa e adequada;
- Ser revogado o Acórdão recorrido, na parte que determinou a recolha de amostra de ADN ao Recorrente, por violadora do disposto nos Art.ºs 8.º, n.ºs 2 e 3, 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 26.º, 35.º e 205.º da C.R.P., bem como o Art.º 8.º, da C.E.D.H. e o Art.º 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008 de 12/2,

II - 3.) Respondendo ao recurso interposto o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, concluiu por seu turno:

1.º - Aponta o recorrente vícios de direito à Deliberação condenatória, ora porque a punição (parcelar e final) excedeu a medida da culpa (art.º 40.º, 2, e 77.º, 1, 2.º período, CP) e ignorou circunstâncias favoráveis ao arguido (art.º 71.º, 2, CP), quer porque omitiu motivação para a intrusão na sua intimidade genética (art.º 8.º, 2, L 5/08, 12.02).

2.º - Afigura-se-nos desprovida de sustentação a dupla objecção, porquanto o Acórdão atendeu aos critérios legais estabelecidos para a fixação da medida concreta da (s) pena (s), por um lado, e, por outro, observou os requisitos atinentes à recolha de material genético para alimentação de base de dados conducente à investigação criminal.

3.º - Na primeira vertente (“quantum” sancionatório), deve ser dito que a apregoada “confissão”, com a caracterização dada pelo recorrente (plena e espontânea), surgiu após a produção da demais prova, o que sendo legítimo (art.º 343.º,1 CPP, e 32.º, CRP), habilitou o Tribunal a valorar devidamente essa “colaboração”, notando que já havia prova documental (auto de reconhecimento: art.º 147.º, CPP) e testemunhal (os ofendidos TP e AMR confirmaram, em Audiência, e previamente às declarações do arguido, que o viram nas situações delituosos por que viria a ser condenado) - cfr. fls. 18, penúltimo parágrafo; fls. 20, último parágrafo, e 21, 2.º parágrafo) - que retiraram essencialidade às declarações do arguido, aliás tardias.

4.º - Quanto aos níveis de exigências preventivas (gerais e especiais: art.ºs 402.º,1, 71.º,1 e 77.º,1, 2ª parte, CP), bem como à medida de culpa revelada nos factos praticados, os primeiros são consideráveis, se atentarmos que constituem os actos criminosos por que veio a ser condenado “criminalidade especialmente violenta” (art.º 1.º, l, CPP), gerando automático estatuto de “vítima especialmente vulnerável” aos ofendidos (art.ºs 16.º, Estatuto da Vítima, e 67.º-A, CPP) - numa clara demonstração da especial danosidade dos comportamentos, ao nível da tranquilidade e sentimento comunitários - e ter o recorrente anterior condenação por crime de idêntica etiologia, evidenciando impreparação para agir pró-normativamente, a que não é alheio o identificado défice auto-crítico.

5.º - A par desse quadro, a modalidade de actuação (grupal, por meses, e com recurso à exibição de uma seringa) e a vontade persistente de a concretizar, conhecendo a proibição da mesma (até pela antecedente condenação sofrida), o que densifica, exuberantemente, o grau de culpa.

6.º - Pelo que a concreta punição (singular e final), na sua dimensão (art.ºs 40.º, 71.º e 77.º, CP) e natureza (pena substitutiva art.º 50.º, CP) se revela, afinal, compassiva e claramente preocupada com a ressocialização do agente, não podendo, contudo, ser mais generosa, sob risco de ser entendida como clemencial ou impunidade, afectando letalmente os fins irrenunciáveis que a norteiam (art.º 40.º,1, CP), ferindo a assertividade dos bens jurídicos violados.

7.º - Por razões de segurança comunitária e da eficácia da Investigação Criminal, que a afirma, o legislador optou por consentir na criação de uma base de dados de perfis de ADN (L 2/08, 12.02), com pressupostos mínimos (pena aplicada de 3 anos de prisão ou superior, mesmo que venha a ser suspensa na sua execução: art.º 82.º, desse diploma), vinculando o Tribunal, nesse circunstancialismo, a ordenar a recolha de material genético ao delinquente (parte final do art.º 82.º CP).

8.º - Foi essa a interpretação feita pelo Ac. RC, 19.12.18, que afirmou a obrigatoriedade da inserção na base de dados.

9.º - Não ignorando nós a exigência associada de motivação (Ac. RL 11.10.11), sempre diremos que ela foi consignada, de modo sucinto mas claro, no Acórdão recorrido, quando se assinala, a final, a natureza dos crimes e o perigo decorrente, emergente da factualidade previamente descrita na fundamentação, mormente os “factos provados” 10 a 27 e 35/36, que consubstanciam a necessidade e pertinência da perícia biológica, assim se dando cumprimento ao dever geral de fundamentação (art.ºs 205.º,1, CRP, e 97.º,5, CPP), inquestionavelmente.

II - Subidos os autos a esta Relação, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer por via do qual propugnou igualmente a improcedência do recurso.
*
No cumprimento do preceituado no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
*
Os autos foram aos vistos legais.
*
Tendo lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir:

III - 1.) Conforme resulta das conclusões apresentadas, que entre nós, de forma consensual, definem o respectivo objecto, são as seguintes as questões colocadas à apreciação do presente Tribunal no recurso interposto pelo Arguido O.:

- Se as penas parciais e única que lhe foram aplicadas se mostram excessivas, devendo antes ser condenado na de 6 (seis) meses pela prática do crime de coacção na forma tentada e de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pelo de roubo, e no seu cúmulo jurídico, na pena de 2 (dois) anos, mantendo-se a suspensão decretada;
- Se o acórdão recorrido deve ser revogado na parte em que determinou a recolha de amostra de ADN em relação à sua pessoa.

III - 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro o teor da factualidade que se mostra definida:

Factos provados:
(…)
Factos não provados:
(…)

III – 3.3.2.) No caso presente, tal como se consigna no acórdão deixado recorrido, o crime de coacção, na forma tentada, é punido com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (cfr. art.ºs 154.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, 23.º e 73.º do Cód. Penal).
Já o de roubo (art.º 210.º, n.º 1, do mesmo Diploma), com prisão de 1 a 8 anos.

  Dada a alteridade sancionatória prevista para o primeiro, o art.º 70.º do Cód. Penal impõe, como é sabido, que se opere uma operação prévia de escolha.
Determinação que o Tribunal Criminal de Almada não deixou de satisfazer, concluindo pela prevalência da modalidade privativa de liberdade [“Os arguidos O. e B. têm já condenações anteriores por crimes análogos extorsão e ameaça, sendo que a sua actuação teve uma insistência e densidade de ameaça que as exigências de prevenção do crime não se compadecem com a aplicação de uma pena de multa”].

Seja como for, do nosso ponto de vista, esta é um tópico que não carecerá de particular desenvolvimento, haja-se em vista que na perspectiva do próprio Arguido, a pena que considera como sendo a mais adequada para o sancionamento daquela mesma infracção não deixa de constituir uma pena detentiva - 6 meses de prisão.

III – 3.3.3.) Progredindo agora para o plano da sua determinação concreta, importa recordar que de entre os tais factores que não fazendo parte do tipo depõem a favor ou contra o agente, referidos no art.º 71.º, n.º 2, do Cód. Penal, o Tribunal recorrido teve presente fundamentalmente os seguintes:
(…)

– 3.3.4.) Analisemos, por fim, a questão conexa com a recolha de amostras de ADN determinada pelo Colectivo ao abrigo do art.º 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, de 12/01, decisão para a qual se entende dever exigir-se a verificação, em concreto, de um “inabalável perigo de continuação da actividade criminosa e fundado receio que permitir inferir da sua necessidade”- que no caso não se patentearia -, sendo que na situação dos presentes autos, tal recolha traduziria uma desproporcional violação dos “mais elementares princípios constitucionais, mormente do seu direito “à reserva intima (genética), ao livre desenvolvimento pessoal e à autodeterminação informacional”.

Posto que no já distante ano de 2011 tenhamos subscrito como Adjunto, o invocado acórdão desta Relação e Secção de 11/10 daquele ano, no processo n.º 721/10.0PHSNT, relatada pelo nosso Exmo. Colega Agostinho Torres, apontando no sentido de que “a recolha de amostras de ADN, a que se refere o art.º 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/08, de 12/2, não é automática face a uma condenação transitada em julgado, pressupondo a existência de grave perigo de continuação criminosa ou outros receios relevantes que possam ou permitam inferir a necessidade daquela recolha e subsequente conservação; Determinando aquela recolha, a sentença deve fundamentar em concreto aquele perigo, de modo a convencer da sua necessidade e proporcionalidade”, a verdade é que, sem prejuízo das doutas e judiciosas razões que suportam tal enunciação e do eco que encontrou em outras decisões judiciais, certo é que a evolução legislativa e jurisprudencial entretanto conferida a esta matéria conduziu a que, pelo menos em parte, tal enunciação tenha perdido actualidade.

No primeiro plano porque, embora o n.º 1 do respectivo art.º 8.º continue a referir que “a recolha de amostra em arguido em processo criminal pendente, com vista à interconexão a que se refere o n.º 2 do artigo 19.º-A, é realizada a pedido ou com consentimento do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento escrito, por despacho do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado”, a partir da alteração que foi conferida àquele mesmo preceito pela Lei n.º 90/2017, de 22/08, o seu n.º 2 passa agora a determinar que na hipótese do arguido ser condenado “por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados” a recolha de amostra “é sempre ordenada na sentença”.

O que vale dizer que nestas situações - a que se patenteia nos autos -, tal recolha é obrigatória (cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 19/12/2018 no processo n.º 279/16.6PBCTB.C1), ou na formulação mais explícita do acórdão da mesma Relação de 20/02/2019, no processo n.º 269/16.9GAACB-A.C1, “a nova redacção do n.º 2 do art.º 8.º da Lei n.º 5/2008, de 12/02, dada pela Lei n.º 90/2017, de 22/08, não impõe qualquer ponderação sobre a necessidade da recolha de amostra de ADN.
Visto o regime constante da conjugação dos n.ºs 2 e 6 do art.º 8.º da Lei n.º 5/2008, a recolha de ADN, na situação de condenação em pena de prisão igual ou superior a 3 anos pela prática de crime doloso, incumbe ao juiz, não se tratando de mera faculdade mas sim de obrigatoriedade legal, o que lhe confere a natureza de um poder-dever”, assim se alterando também, o correspectivo entendimento Jurisprudencial.
Donde, ainda que acórdão até tenha convocado sumariamente para esse efeito, “a natureza do crime cometido e do perigo demostrado pelo comportamento dos mesmos” (Arguidos B. e O.), a conformidade daquela determinação afigura-se-nos indiscutível.

Esta mesma posição e bem assim a resposta às objecções do TEDH vertidas no aresto de 2011 desta Secção, bem como as dúvidas de conformidade com a nossa Lei Fundamental aí igualmente suscitadas, estão perfeitamente solucionadas pelo acórdão n.º 333/2018 do Tribunal Constitucional de 27/06/2018, no processo n.º 195/2018, de cuja fundamentação seja-nos permitir extrair estes pequenos excertos:

“Ao prever a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos (ainda que esta tenha sido substituída), a ordenar por despacho do juiz de julgamento, após trânsito em julgado da condenação, o legislador instituiu como regra a referida determinação, prescindindo, na interpretação do tribunal a quo, de uma análise casuística da pertinência em sujeitar o arguido a recolha ADN e subsequente inserção na respetiva Base de Dados”.
(…)
“A recolha de análise de ADN em causa na norma ora em juízo não se destina – pelo menos de modo imediato –, a produzir prova no processo, mas sim a ser inserida na Base de Dados de Perfis de ADN tendo em vista a facilitação da investigação de outros crimes em que não foi identificado o autor (artigo 18.º, n.º 3, da LBDADN). Trata-se, por conseguinte, de uma norma que estabelece uma reserva de intervenção judicial que se traduz na atribuição de competência ao juiz para a realização de ato não processual, distinguindo-se, neste aspecto, das normas que estabelecem uma reserva de juiz no inquérito (ou na instrução) para a realização de atos processuais.”
(…)
“Diferentemente, para cumprir a previsão da medida não genuinamente processual contida na norma em análise o juiz limita-se a verificar se estão reunidos os pressupostos formais indicados pelo legislador e que consistem na ausência de recolha anterior no mesmo processo, na condenação por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, e no trânsito em julgado daquela condenação. Desta forma, e diferentemente do que se passa na medida genuinamente processual prevista no n.º 1 do artigo 8.º, na norma em análise existe uma dimensão que se traduz na atribuição ao juiz de uma mera operação de associação de efeitos definidos pelo legislador à condenação criminal em determinada pena de prisão”.
(…)
“Em suma, a instituição pelo legislador - no cumprimento do seu poder de densificação dos pressupostos materiais da medida restritiva de direitos fundamentais na norma que a habilita - da regra da recolha de ADN a condenados em pena igual ou superior a 3 anos de prisão, ainda que substituída, apresenta-se como uma medida útil, necessária e proporcional aos fins prosseguidos, sendo os casos de eventual desnecessidade ou excesso deixados ao prudente critério jurisdicional a fundamentar com base nos elementos concretos do processo, em concretização da tutela dos direitos fundamentais dos visados, o que se insere plenamente nos fins da reserva judicial de reforço da tutela conferida pela posição institucional de neutralidade e de independência que caracterizam estatuto do juiz. O regime legal em que se insere a norma em apreciação responde à prescrição dos pressupostos materiais, formais, orgânicos e procedimentais que densificam suficientemente a autorização legal para a medida e acautela o justo equilíbrio entre interesses públicos e privados concorrentes”.
(…)
“É assim de concluir pela não inconstitucionalidade da norma que determina que a recolha de amostras em condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com finalidades de investigação criminal e inserção na base de dados respectiva (…)”.

Nesta conformidade:


IV – Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, acorda-se, pois, em julgar improcedente o recurso interposto pelo Arguido B..
Em razão do seu decaimento, e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que possa beneficiar, pagará o mesmo 3 (três) UCs de taxa de justiça, ex vi dos art.ºs 513.º e 514.º do Cód. Proc. Penal e respectivo Regulamento das Custas Processuais.

Elaborado em computador. Revisto pelo relator, o 1.º signatário.

Lisboa, 8 de Setembro de 20202
Luís Gominho
José Adriano