Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
117/23.3T8TVD.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: DIREITO A FÉRIAS
ASSÉDIO MORAL
SUPERIOR HIERÁRQUICO
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I– Sendo o trabalhador admitido em Agosto de um determinado ano, tem o mesmo direito a 2 dias úteis de férias por cada mês do trabalho prestado nesse ano e no dia 1 de Janeiro do ano subsequente ao da admissão, adquire o direito a 22 dias úteis de férias, o qual se vence após seis meses de execução do contrato, sendo coincidente o momento do vencimento de ambos os direitos a férias.

II– Integra assédio moral a conduta do superior hierárquico do trabalhador, motorista de viaturas pesadas, que por vezes mandava este fazer a limpeza do pátio interior e exterior das instalações do empregador quando as mesmas não se compreendiam na sua categoria profissional, apesar existir no local um operador de limpeza, por vezes acompanhando tais ordens com expressões objetivamente injuriosas dirigidas ao Autor tais como “seu burro” e “não vales uma merda”, com conhecimento dos colegas, chegando a encostar a cabeça à cara do trabalhador, deixando-o com receio de ser agredido, tendo tais condutas levado a que o trabalhador sofresse nervosismo, angústia, perturbações do sono, perda de apetite, a irritar-se e exaltar-se com facilidade e discutir com a sua companheira, contribuindo para a separação de casal durante cerca de dois meses, e levando o trabalhador a demitir-se.

III– Sendo a conduta assediante prosseguida por uma pessoa inserida na estrutura organizativa de meios humanos utilizada pelo empregador no desenvolvimento da sua actividade comercial e que atuava como superior hierárquico do trabalhador alvo do assédio, o empregador responde como se os factos fossem praticados por ele próprio, nos termos do disposto no artigo 800º, n.º 1, do Código Civil que prescreve a responsabilidade do devedor pelos actos “das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”.

IV– Também das regras especificamente laborais emerge o dever do empregador de impedir que sucedam circunstâncias destas ou, uma vez ocorrendo as mesmas à sua revelia, o dever de lhes pôr fim, instaurando procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de assédio no trabalho, além de se configurar como justa causa subjectiva de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador a prática de assédio por outros trabalhadores, prefigurando-se esta hipótese como um exemplo de “violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador”, que acarreta para o empregador a inerente obrigação indemnizatória.

V– Os danos sofridos pelo trabalhador referidos no ponto IV revestem-se de gravidade suficiente para merecer a tutela do direito.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:


П

1. Relatório

1.1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, SA., formulando o pedido de condenação da R. a pagar-lhe:

- €360,00 por falta de pagamento do valor de complemento salarial previsto na clausula 59.º do I.R.C.T. aplicável;

- €1.759,65 por falta de inclusão e de pagamento de 3 prémios retributivos mensais na retribuição de férias e de subsidio de férias;

- €2.853,27 por retribuição de 20 dias férias e respetivo subsídio e férias;

- 617,68 de diferença de valor por subsidio de férias não pago;

- €1.773,66 de retribuição de trabalho suplementar prestado;

- €324,46 por formação profissional não ministrada;

- €15.000,00 de indemnização por danos morais;

- juros moratórios vencidos e vincendos aplicáveis sobre tais quantias às várias taxas legais anuais desde o seu vencimento e até efetivo e integral pagamento.

Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que em 24 de agosto de 2020 celebrou contrato de trabalho com a Ré para exercer funções de motorista de viaturas pesadas de mercadorias, com tonelagem de 24 toneladas, das 8 horas às 17 horas, num total 40 horas semanais; que, além do subsídio de refeição auferia a retribuição mensal de €1.569,30, formada pelo ordenado base de €1.000,00, prémio de equipamento no valor fixo de €150,00, prémio de disponibilidade, variável com o valor médio de €214,30 e prémio de produtividade, variável com o valor médio de €205,00; que a Ré não lhe pagou o complemento salarial no valor mensal de €20,00, previsto na clausula 59.º do IRCT aplicável (CCTV entre a ANTRAM e a FECTRANS publicado no BTE n.º 45/2019, com PE n.º 49/2020 de 26/02), pelo que lhe são devidos €360,00 (18 x €20,00); que, face à duração do contrato até 12 de fevereiro de 2022, obteve direito ao gozo de 54 dias úteis de férias, tendo gozado apenas 34 dias de férias, sendo assim devida retribuição de férias e subsídio de férias relativas aos restantes 20 dias não gozados, no valor de €2.853,27 (€1.569,30 : 22 dias x 20 dias x 2); que durante o contrato gozou e foram pagos 34 dias de férias, não tendo a Ré repercutido no pagamento da retribuição e no subsídio de férias relativos aos 34 dias de férias gozadas o valor dos prémios de equipamento, disponibilidade produtividade, no valor conjunto de €569,30, pelo que lhe são devidos €1.759,65 (€569,30 : 22 x 34 dias x 2); que, mesmo considerando apenas o valor da retribuição base, pelos 34 dias de férias gozados seriam devidos subsídios de férias no valor de €1.545,45, tendo a Ré pago apenas €500,00 em 2021 e €427,77 em 2022, sendo assim devidos os restantes €617,68; que, apesar do seu horário de trabalho estar fixado entre as 8 horas e as 17 horas, por ordem da Ré entrava ao trabalho às 7 horas, assim perfazendo uma hora de trabalho suplementar por dia, num total de 246 horas, pelas quais é devida retribuição no valor de €1.773,66 (246 x €7,21); que tem direito a 58,3 horas de formação, das quais 2 foram ministradas, pelo que tem direito ao pagamento das 56,3 horas de formação em falta, no valor de €324,46 (56,3 x €5,76); que, apesar de deter a categoria profissional de motorista de viaturas pesadas e da Ré ter um trabalhador para tal serviço específico, muitas vezes o seu superior hierárquico CC dava-lhe ordens para fazer a limpeza do pátio interior e exterior das instalações da central de betão, acompanhadas de humilhações e rebaixamentos morais, e, pelo menos por 4 vezes encostou a cabeça à sua cara deixando-o com medo de ser agredido; que tais atos do superior hierárquico, lhe causaram tristeza, ansiedade, pressão, nervosismo e angustia, perturbação do sono, perda de apetite, necessidade de se isolar, irritação e exaltação com facilidade, e determinaram discussões com a sua companheira levando a uma separação temporária de ambos e à sua saída da empresa, correspondendo a assédio laboral, pelo que o empregador é responsável pelo ressarcimento dos danos, pelos quais reclama €15.000,00 de indemnização.

Realizada a audiência de partes e, não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação da R. para contestar, vindo esta a apresentar contestação na qual alegou, em suma: que o Autor foi contratado com o vencimento mensal ilíquido inicial de €850,00 só passando a auferir €1.000,00 a partir de novembro de 2020 e tinha um horário de 40 horas semanais, de segunda a sexta feira, das 08h00m às 12h00m e das 13h30m às 17h30m; que o contrato de trabalho cessou por iniciativa do Autor em 04 de Fevereiro de 2022 porquanto a Ré prescindiu do prazo de aviso prévio para além dos dias de férias que na altura apurou; que o o IRCT aplicável é o CCT celebrado pela APEB - da qual é associada -publicado no BTE n.º 26, de 15/07/2009, que não prevê qualquer complemento salarial para a categoria de motorista; que os prémios auferidos pelo Autor não tinham natureza retributiva e o respetivo pagamento não estava antecipadamente garantido pois decorriam da assiduidade e do desempenho do Autor, pelo que não integravam a retribuição das férias e o respetivo subsídio; que o o Autor apenas tinha direito a 32 de férias; que houve dias em que o Autor chegou mais cedo que as 08h00m e/ou saiu mais tarde que as 17h30m compensando esse tempo com outros dias em que saiu mais cedo que as 17h30m, tendo sido sempre remunerado pelo trabalho prestado pois recebia o prémio de disponibilidade para responder a solicitações que fosse além das responsabilidades de trabalho que lhe estavam normalmente adstritas; que o Autor tinha direito a que lhe fossem ministradas 57 horas de formação profissional, tendo-lhe sido proporcionadas 31h30m, pelo que lhe é devida apenas retribuição por 25h30m de formação no valor de €147,13, e que desconhece a existência dos alegados conflitos entre o Autor e um dos operadores de uma das centrais de betão a partir da qual o Autor prestava o seu trabalho, nunca nada lhe tendo sido comunicado pelo Autor, pelo que não pode ser responsabilizada por eventuais condutas em relação às quais é alheia.

Foi fixado o valor da causa em € 22.688,72, proferido despacho saneador e dispensada a realização de audiência prévia, bem como a fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência:

1) Condeno a Ré a pagar ao Autor:

a) €845,26 (oitocentos e quarenta e cinco euros e vinte e seis cêntimos) a título de diferenças de retribuição pelas férias gozadas, acrescidos de juros de mora à taxa legal vencidos desde 04.02.2022 e vincendos até integral pagamento;

b) €1.400,86 (mil e quatrocentos euros e oitenta e seis cêntimos) a título de retribuição por férias não gozadas e proporcionais de retribuição de férias, acrescidos de juros de mora à taxa legal vencidos desde 04.02.2022 e vincendos até integral pagamento;

c) €1.619,23 (mil seiscentos e dezanove euros e vinte e três cêntimos) a título de diferenças de subsídio de férias, acrescidos de juros de mora à taxa legal vencidos desde 04.02.2022 e vincendos até integral pagamento;

d) €305,00 (trezentos e cinco euros) a título de retribuição por formação profissional não ministrada acrescidos de juros de mora à taxa legal vencidos desde 04.02.2022 e vincendos até integral pagamento;

e) €3.000,00 (três mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, vincendos a partir desta data e até integral pagamento;

2) Absolvo a Ré do mais peticionado pelo Autor;

[…]»

*

1.2. A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:

1. O presente recurso versa a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e matéria de direito.

Quanto à matéria de facto

(...)

Quanto à matéria de Direito

11. Por referência aos factos provados em 11) e 12), o Recorrido tinha direito a trinta e dois dias de férias por referência a todo o período que esteve ao serviço da Recorrente, pois como o Recorrido iniciou o seu contrato de trabalho a 24 de agosto de 2020 e, por isso, no ano civil de contratação só trabalhou 4 meses, tinha direito a 2 dias de férias por cada mês, 4 meses x 2 = 8 dias de férias no ano de contratação, que pôde gozar a partir de Março de 2021 e até Junho de 2021; após trabalhar o ano civil de 2021, o Recorrido passou a ter direito a mais 22 úteis de férias retribuídas e é à soma destes com os que ganhou no ano da admissão e que pudesse não ter gozado, que se aplicaria o limite legal de 30 dias; com a cessação do contrato em 04/02/2022 e por ter trabalhado o mês de Janeiro de 2022, o Recorrido tinha direito a mais 2 dias de férias (artigos 237.º, 238.º, 239.º e 245.º, todos do Código do Trabalho - CT).

12. A interpretação propugnada pelo Tribunal “a quo”, na parte em que concluiu que o Recorrido teria direito a um maior número de dias de férias, violou o disposto aqueles preceitos, por assentar num pressuposto erróneo ao retirar sentido à expressão legal “ano civil” e gerador de desigualdades injustificadas entre trabalhadores recém contratados e trabalhadores com maior antiguidade.

13. As normas que se enunciaram e que mostram violadas, deveriam ter sido interpretadas pelo Tribunal no sentido de que pelo trabalho prestado à Recorrente o trabalhador tinha direito a trinta e dois de férias.

14. Por referência aos factos aqui considerados provados de 16 a 24) verifica-se a inexistência de assédio moral ao Recorrido, pois estamos apenas perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se entende por um “conflito laboral” entre o Recorrido e o Senhor CC, tendo a Recorrente sido até elogiada pelo Recorrido, tendo apenas ficado claro que o Senhor CC tem um feitio rude, autoritário e áspero, que grita e fala em tom exaltado com todos os trabalhadores da central, mas não que tivesse a intenção de humilhar ou destratar o A. com qualquer objetivo específico, havia tão somente um sério conflito entre duas personalidades diferentes. Sendo certo que a intenção é um elemento essencial para a ilicitude (artigos 28.º e 29.º, n.ºs 3 e 4 do CT).

15. Tais normas mostram-se violadas e deveriam ter sido interpretadas pelo Tribunal no sentido de que não estão cumpridos os requisitos legais, nomeadamente a ilicitude, quanto ao assédio e que estamos apenas perante um conflito laboral.

16. E mesmo que assim não se entendesse, o que só por razões académicas se concebe, o montante indemnizatório por danos não patrimoniais que se mostra concedido na Sentença do Tribunal “a quo” viola o disposto no artigo 496.º do CC, pois os alegados danos de natureza não patrimonial só são de indemnizar quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito tendo em atenção princípios de equidade, em face da natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta, que não se mostram integrados, sendo consequentemente, injustificados.

Nestes termos e nos mais de Direito se requer, com os fundamentos constantes das Conclusões formuladas, a procedência do presente recurso e, consequentemente, seja parcialmente revogada a Sentença recorrida, sendo a Recorrente parcialmente absolvida dos pedidos em conformidade com as Conclusões extraídas, fazendo-se sã, serena e objetiva JUSTIÇA.”

*

1.3. O A. apresentou contra-alegações que concluiu do seguinte modo:

1.º A R. apenas ministrou 5 horas de formação profissional ao A.

2.º Enquanto trabalhou para a R. o A. sofreu múltiplosatos de humilhação e violência praticados pelo seu superior hierárquico e que pela sua gravidade e importância merecem proteção legal

3.º Pela totalidade do contrato o A. adquiriu o direito ao pagamento de um total de 54 dias de férias e seu subsídio.

4.º Assim e inversamente ao sustentado nas doutas conclusões apresentadas por parte da recorrente nenhuma censura merece a douta sentença ora impugnada.

Pelo exposto o presente recurso não poderá merecer provimento mantendo-se nos seus exatos termos a decisão recorrida.

*

1.4. O recurso foi admitido com efeito devolutivo.

*

Subidos os autos a este Tribunal da Relação foram colhidos os “vistos”, e o Ministério Público não emitiu Parecer uma vez que Público patrocina o A. ora recorrido (artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).

Uma vez realizada a Conferência, cumpre decidir.

*

2. Objecto do recurso

*

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.

Assim, as questões que incumbe enfrentar são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:

1.ª da impugnação da decisão de facto no que concerne aos factos considerados provados nos pontos 15) e 17) a 22) e aos factos não provados no ponto 12) da sentença;

2.ªdos créditos do recorrido relativos a férias;

3.ª do valor devido a título de formação profissional;

4.ª do assédio moral;

5.ª do quantum da indemnização por danos não patrimoniais.

*

*

3. Fundamentação de facto

*

3.1. A impugnação da matéria de facto

*

(…)

*

3.2. São os seguintes os factos provados a atender para a decisão do recurso (…):

1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré a 24 de agosto de 2020 através de celebração de contrato individual de trabalho a termo certo, pelo prazo de seis meses, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de motorista, sendo estipulada a retribuição base mensal ilíquida inicial de €850,00, acrescida de subsídio de refeição, e um período normal de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta feira, entre 08h00m e as 12h00m e as 13h30m e as 17h30m;

2) A Ré dedica-se à comercialização de betão pronto;

3) A Ré é associada da APEB - Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto desde 26.02.2008;

4) O Autor exercia as suas funções de motorista conduzindo e operando viaturas pesadas, nomeadamente autobetoneiras e autobombas utilizadas nas entregas do betão comercializado pela Ré;

5) A partir de novembro de 2020 a retribuição base mensal ilíquida do Autor foi aumentada para €1.000,00;

6) Para além da retribuição base do subsídio de refeição, ao longo da relação laboral a Ré pagou ao Autor mensalmente outras prestações designadas prémio de equipamento, prémio de disponibilidade e prémio de produtividade, pelos seguintes valores ilíquidos:
    mês/ano
prémio de equipamento
prémio de disponibilidade
prémio de produtividade
    set-20
    127,50 €
      80,00 €
    out-20
    127,50 €
      155,00
    nov-20
    150,00 €
      315,00
      175,00
    dez-20
    150,00 €
      200,00
      30,00 €
    jan-21
    150,00 €
      185,00 €
      50,00 €
    fev-21
    150,00 €
      200,00 €
      20,00 €
      155,00 €
    mar-21
    150,00 €
      155,00 €
      140,00 €
    abr-21
    150,00 €
      295,00 €
      205,00 €
    mai-21
    150,00 €
      140,00 €
      90,00 €
    jun-21
    150,00 €
      225,00 €
      115,00 €
    jul-21
    150,00 €
      135,00 €
      260,00 €
    agosto 21
    34,77 €
      255,00 €
    150,00 €
      135,00 €
      270,00 €
    set-21
    150,00 €
      250,00 €
      90,00 €
    out-21
    109,09 €
      225,00 €
    nov-21
    150,00 €
      585,00 €
      125,00 €
    dez-21
    150,00 €
      166,40 €
      85,00 €
    jan-22
    150,00 €
      200,00 €
      170,00 €
    fev-22
7) O prémio de equipamento era pago ao Autor pelo facto do mesmo zelar pela boa conservação e limpeza dos veículos que lhe estavam atribuídos;

8) O prémio de disponibilidade era pago ao Autor pela disponibilidade e efetiva prestação de trabalho fora do seu horário de trabalho;

9) O prémio de produtividade era pago ao Autor em função da efetiva realização de serviços de transporte, sendo o seu valor maior quantos mais serviços fossem efetuados;

10) Em 13 de janeiro de 2022 o Autor comunicou à Ré a cessação do contrato por sua iniciativa, com efeitos (pré-aviso) reportados a 12 de fevereiro de 2022, tendo, no entanto, cessado a relação laboral em 4 de fevereiro de 2022, por ter a Ré prescindo do período de pré-aviso remanescente;

11) Durante o contrato o Autor gozou 34 dias de férias;

12) A Ré pagou ao Autor retribuições de férias no valor global de €1.536,21, assim discriminados:
    Mês/Ano
    Valor pago:
    nov-20
      33,33 €
      jan-21
      33,33 €
      fev-21
      227,25 €
      jun-21
      272,70 €
      ago-21
      45,45 €
      set-21
      333,30 €
    nov-21
      45,45 €
      dez-21
      45,45 €
      jan-22
      318,15 €
      fev-22
      181,80 €
      Total
      1.536,21 €

13) A Ré pagou ao Autor subsídios de férias e proporcionais de subsídios de férias no valor global de €1.427,77, assim discriminados:
    Mês/Ano
    Valor pago:
      fev-21
      500,00 €
      ago-21
      500,00 €
      fev-22
      427,77 €
      Total
      1.427,77 €

14) Por ordem da Ré era habitual o Autor iniciar a jornada de trabalho pelas 07h00m, usando as viaturas da Ré para proceder à carga do betão nas unidades de produção em Torres Vedras, Caldas da Rainha, Alenquer e Tojal – Batalha e daí efetuar o transporte para descarga em clientes da Ré, o que sucedeu, pelo menos, nas seguintes datas:
- Novembro de 2020: dias 23, 24 e 25;
- Dezembro 2020: dias 3, 4, 7, 9, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 28 e 29;
- Janeiro de 2021: dias 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 27 e 29;
- Fevereiro de 2021: dias 1, 3, 4, 5, 17, 18, 19, 22, 23 e 24;
- Março de 2021: dias 1, 2, 3, 4, 5, 12, 15, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 25, 26 e 31;
- Abril de 2021: dias 5, 12, 13, 14, 15, 20 e 21; - Agosto de 2021: dias 6, 9, 10, 11, 12 e 31;
- Setembro de 2021: dias 1, 2, 3, 20, 23 e 28;
- Outubro de 2021: dias 4, 8, 18, 20, 22, 25, 26, 27 e 29;
- Novembro de 2021: dias 3, 9, 10, 15, 16, 17, 18, 22, 25 e 30;
-Dezembro de 2021: 2, 3, 6, 7, 15, 16, 17, 21, 22 e 23;
- Janeiro de 2022: dias 10, 11 e 12;

15) A Ré proporcionou ao Autor 6 horas de formação contínua;
16) CC desempenhava as funções de operador da central de betão de Torres Vedras, no interesse da Ré, estando inserido no âmbito da estrutura  organizativa   de  meios  humanos           utilizada pela  Ré no desenvolvimento da sua atividade comercial, atuando como superior hierárquico do Autor, dando-lhe ordens e instruções e organizando e programando as suas viagens e deslocações;
17) Apesar do Autor deter a categoria profissional de motorista de viaturas pesadas e de na central de betão de Torres Vedras e para tal serviço específico existir um operador de limpeza com máquina ao seu dispor, a quem cabia as tarefas de limpeza, o referido CC por vezes mandava o Autor fazer a limpeza do pátio interior e exterior das instalações da central de betão que compreende pavilhão/armazém e zona de parqueamento;
18) Algumas vezes tais ordens de limpeza, dadas a si e com conhecimento dos seus colegas motoristas, eram acompanhadas de expressões dirigidas ao Autor tais como “seu burro” e “não vales uma merda”;
19) Algumas vezes o referido CC, encostou mesmo a cabeça à cara do Autor, deixando-o com receio de ser agredido;
20) No dia 13 de janeiro de 2022, na central de Torres Vedras, o referido CC, apesar de haver serviços e clientes à espera, em vez de atribuir ao Autor serviço para transporte de betão mandou-o ir com uma pá, apanhar e juntar areia do chão;
21) Não tendo o Autor aceite desempenhar aquela tarefa o referido CC mandou-o ir fazer a pintura de uns tubos de ferro de uma viatura autobomba, o que o Autor também declinou, por entender que tais ordens eram um castigo vexatório e humilhante que já estava saturado de suportar;
22) Em consequência das suprarreferidas conduta de CC, sobretudo nos últimos meses da relação laboral, o Autor sofreu nervosismo, angústia, perturbações do sono, perda de apetite e irritava-se e exaltava-se com facilidade e discutia com a sua companheira, contribuindo para a separação de casal durante cerca de dois meses, em função do que resolveu demitir-se;
23) O Autor não reportou as suprarreferidas condutas do CC ao departamento de recursos humanos da Ré nem a qualquer outro responsável da mesma.
                                                                                                               *
4. Fundamentação de direito
                                                                                                               *
4.1. Dos créditos do recorrido relativos a férias
A primeira questão de direito colocada na apelação a este Tribunal da Relação – a segunda acima enunciada quando se traçou o objecto do recurso – consiste em aferir dos montantes devidos ao trabalhador ora recorrido a título de férias e subsídio de férias.
Ficou provado nestes autos que o recorrido foi admitido ao serviço da recorrente em 24 de Agosto de 2020 e a relação laboral cessou em 4 de Fevereiro de 2022 [factos 1) e 10)].
Ficou também provado que durante o contrato o A. gozou 34 dias de férias e que a R. lhe pagou retribuições de férias e subsídios de férias nos termos referenciados nos factos 12) e 13.
A sentença da 1.ª instância, acolhendo a tese do A., considerou que ao longo do contrato este adquiriu direito ao gozo de um total de 52 dias de férias, assim discriminados:

  • 8 dias relativos ao trabalho prestado 2020 (2 dias por cada mês completo de trabalho, nos termos do artigo 239º n.º 1, do CT;
  • 22 dias, adquiridos em 01.01.2021, nos termos do artigo 238º n.º 1 e 237º n.º 1 e 2 do Código do Trabalho;
  • 22 dias, adquiridos em 01.01.2022, nos termos do artigo 238º n.º 1 e 237º n.º 1 e 2 do Código do Trabalho.
E considerou, também, que nos termos do artigo 245º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, o A. adquiriu o direito a receber a retribuição de férias e respetivo subsídio proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação, ou seja, mais 2 dias (que se corporiza no pagamento da retribuição e do subsídio que lhes corresponderia, se fossem gozadas, uma vez que o A. já não as poderá gozar).
Concluindo que “fica evidenciado que ao longo da relação laboral o Autor adquiriu direito ao gozo de 52 dias de férias e ao inerente pagamento do correspondente retribuição e subsídio de férias e, com a cessação do contrato, adquiriu o direito ao pagamento da retribuição e subsídio relativos ás férias vencidas e não gozadas e a mais 2 dias, referentes a proporcionais do ano da cessação do contrato – cfr. artigo 245º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Trabalho”.
O que perfaz os indicados 54 dias de férias referenciados pelo A. na sua petição inicial.
Na apelação, a recorrente vem defender que o recorrido tinha direito a 32 dias de férias por referência a todo o período que esteve ao seu serviço.
Segundo alega, como o mesmo iniciou o seu contrato de trabalho a 24 de Agosto de 2020 e, por isso, no ano civil de contratação só trabalhou 4 meses, tinha direito a 2 dias de férias por cada mês, 4 meses x 2 = 8 dias de férias no ano de contratação, que pôde gozar a partir de Março de 2021 e até Junho de 2021; após trabalhar o ano civil de 2021, o recorrido passou a ter direito a mais 22 úteis de férias retribuídas e é à soma destes com os que ganhou no ano da admissão e que pudesse não ter gozado, que se aplicaria o limite legal de 30 dias; com a cessação do contrato em 04/02/2022 e por ter trabalhado o mês de Janeiro de 2022, o recorrido tinha direito a mais 2 dias de férias (artigos 237.º, 238.º, 239.º e 245.º, todos do Código do Trabalho - CT). Alega ainda que a interpretação propugnada pelo tribunal “a quo”, na parte em que concluiu que o recorrido teria direito a um maior número de dias de férias, violou o disposto aqueles preceitos, por assentar num pressuposto erróneo ao retirar sentido à expressão legal “ano civil” e gerador de desigualdades injustificadas entre trabalhadores recém contratados e trabalhadores com maior antiguidade.
Resulta da alegação da recorrente que a divergência na contabilização dos dias de férias face ao decidido na sentença reside no facto de a recorrente não contabilizar o vencimento de 22 dias úteis de férias no ano de 2021 – que a sentença contabilizou –, essencialmente por considerar que deste modo se retira sentido à expressão legal “ano civil”.
É pois sobre este direito a férias vencidas no ano de 2021, por reporte ao trabalho prestado no ano civil anterior, que nos debruçaremos.
Recordemos que, nos termos do preceituado no artigo 237.º, n.º1, do Código do Trabalho, “[o] trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro”. Estabelece o n.º 2 do mesmo preceito que “[o] direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço”.
Por seu turno o artigo 264º do Código do Trabalho dispõe no seu n.º 1 que “[a] retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo” e no seu n.º 2 que “[a]lém da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias”.
Não há dúvida nestes autos de que se venceram 8 dias de férias no ano de 2020 (ano da admissão), em conformidade com o disposto no artigo 239.º do Código do Trabalho nos termos do qual “[n]o ano da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após seis meses completos de execução do contrato” (n.º 1) e “[n]o caso de o ano civil terminar antes de decorrido o prazo referido no número anterior, as férias são gozadas até 30 de Junho do ano subsequente” (n.º 2), sendo que “[a]a aplicação do disposto nos números anteriores não pode resultar o gozo, no mesmo ano civil, de mais de 30 dias úteis de férias, sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” (n.º 3).
Quanto ao ano de 2021, não obstante o direito a férias se reporte ao trabalho prestado no ano civil anterior e, em 2020, o recorrido tenha sido admitido apenas em 24 de Agosto de 2020,  entendemos que efectivamente adquiriu o direito a 22 dias úteis de férias, tal como decidiu a sentença, nos termos do artigo 237.º, n.º 1, do Código do Trabalho, sendo de notar que este preceito não estabelece qualquer limitação em função do tempo de trabalho prestado no ano civil anterior, dispondo significativamente que o direito “não está condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço”.
Apenas não acompanhamos a sentença no que concerne à data específica do ano de 2021 em que este direito se venceu, na medida em que se nos afigura que o decurso dos seis meses completos de execução contratual a que alude o artigo 239.º, n.º 1 do Código do Trabalho também condiciona o vencimento do direito a férias no ano de 2021, pelo que, no caso vertente, o vencimento do direito a 22 dias úteis de férias que se venceria, em princípio, em 1 de Janeiro de 2021 apenas se venceu em 24 de Fevereiro de 2021.
Com efeito, e como refere Luís Miguel Monteiro, “[o] «período de espera» de seis meses exigido pelo n.º 1 [para o ano da admissão] também condiciona o vencimento do direito a férias no ano subsequente ao da admissão. Não faz sentido que o direito a férias mais recente – o vencido no ano imediatamente posterior ao da contratação – se vença mais cedo do que o direito a férias mais antigo, referente ao ano da contratação. Assim, o trabalhador admitido em 1 de Outubro tem direito a seis dias úteis de férias em virtude do trabalho prestado nesse ano, a que acresce o período de vinte e dois dias úteis vencidos no ano seguinte, não em 1 de Janeiro como é regra, mas logo que perfaça seis meses completos de execução contratual. O que significa que é coincidente o momento do vencimento de ambos os direitos a férias[1].
Nesta conformidade, é de confirmar a sentença nesta parte, afirmando que o recorrido tem direito a 54 dias de férias, sendo 8 dias pelo período de Agosto a Dezembro de 2020, 22 dias adquiridos em 2021 (vencidos em 24 de Fevereiro de 2021), 22 dias adquiridos em 1 de Janeiro 2022 e 2 dias proporcionais à duração do contrato neste mesmo ano de 2022[2].
Uma vez que a recorrente não questionou o modo como foram computados na sentença os valores devidos a título de férias e subsídios de férias, nada mais há a apreciar a este propósito, ainda que se discorde da precisa data fixada na sentença para o vencimento, no ano de 2021, das ferias e subsídios de férias, por reporte ao trabalho prestado no ano civil anterior, que se situa antes no dia 24 de Fevereiro de 2021, seis meses após a admissão do recorrido ao serviço da recorrente.
Esta diferença de perspectiva quanto à data do vencimento das férias, não tem qualquer relevo na decisão final uma vez que a recorrente foi condenada em juros moratórios sobre as quantias devidas a este título apenas a partir de 4 de Fevereiro de 2022, data posterior ao vencimento da obrigação, quer na perspectiva da sentença (1 de Janeiro de 2021), quer na perspectiva deste Tribunal da Relação (24 de Fevereiro de 2021).
Não se concede provimento à apelação neste segmento, mantendo-se a decisão adrede adoptada na 1.ª instância.
                                                                                                               *
4.2. Do crédito por formação profissional
Já no que concerne ao valor devido ao recorrido a título de formação profissional não ministrada, a procedência da impugnação da decisão de facto implica necessariamente a alteração do decidido.
Com efeito, tendo em consideração o disposto nos artigos 131.º, n.º 2 e 134.º do Código do Trabalho, estando provado que a R. proporcionou ao A. 6 horas de formação contínua, e lançando mão do critério adoptado na sentença – que não foi colocado em causa na apelação –, é de considerar que é devida a título de formação profissional o valor correspondente a 51,86 horas de formação (57,86 horas devidas – 6 horas ministradas).
Tendo em conta a retribuição horária de €5,77 ((€1.000,00 x 12) : (52x 40)) em conformidade com a fórmula indicada no artigo 271º do Código do Trabalho, o valor aimda devido a título de horas de formação se cifra em € 299,23 (51,86 x €5,77).
Procede a apelação, fixando-se a quantia devida a título de formação profissional no valor de € 299,23, neste aspecto se alterando a sentença.
                                                                                                               *
4.3. Do assédio moral
Alega a recorrente que, por referência aos factos considerados provados de 16) a 24), se  verifica a inexistência de assédio moral ao recorrido, pois estamos apenas perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se entende por um “conflito laboral” entre o recorrido e o Senhor CC, tendo a recorrente sido até elogiada pelo recorrido, tendo apenas ficado claro que o Senhor CC tem um feitio rude, autoritário e áspero, que grita e fala em tom exaltado com todos os trabalhadores da central, mas não que tivesse a intenção de humilhar ou destratar o A. com qualquer objetivo específico, havendo tão somente um sério conflito entre duas personalidades diferentes.
Alega também que a intenção é um elemento essencial para a ilicitude, invocando o disposto nos artigos 28.º e 29.º, n.ºs 3 e 4 do Código do Trabalho.
Vejamos.
O assédio moral, ou mobbing, conceito intimamente ligado à tutela da dignidade da pessoa que trabalha, encontra-se em plena evolução e pode traduzir-se em comportamentos muito diversificados, constituindo, ainda hoje, “um conceito juridicamente fluido e impreciso”, como nota o Prof. João Leal Amado[3].
À figura do mobbing, podem estar subjacentes diferentes razões ou propósitos e poderá o mesmo manifestar-se por variadas formas ou práticas, designadamente através de comportamentos que, isoladamente, até poderão ser lícitos e parecer insignificantes, mas que poderão ganhar um relevo muito distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ou prolongados ao longo do tempo. Como é doutrinariamente reconhecido, o principal mérito da figura consiste na ampliação da tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados, poderiam parecer de pouca monta, mas que devem ser reconduzidas a uma unidade, a um projecto ou procedimento, sendo que a eventual intenção do agressor pode relevar para explicar a fundamental unidade de um comportamento persecutório[4].
O Código do Trabalho de 2009, amplificou o conceito de assédio expresso no Código do Trabalho de 2003 ao abranger não apenas as hipóteses em que se vislumbra o “objectivo” do empregador de afectar a dignidade do trabalhador, mas também aquelas em que, ainda que se não reconheça tal desiderato, ocorra o “efeito” a que se refere a parte final da norma. Além disso, deixou de associar a verificação do assédio à existência de um dos factores de discriminação enunciados na lei, o que dispensa o recurso a que anteriormente se procedia à norma mais geral que prevê o direito à integridade física e moral (artigo 15.º, que corresponde ao artigo 18.º do Código de 2003).
Estabelece na verdade o artigo 29.º, n.º 2 do Código do Trabalho[5] que:
«Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador..»
Ainda que se reconheça a necessidade de usar da cautela necessária na apreciação do concreto circunstancialismo de cada caso, pois que nem todas as situações de exercício arbitrário do poder de direcção se reconduzem à figura do assédio moral, entendemos que o caso vertente, situando-se muito próximo da fronteira do instituto, não deixa ainda de se integrar numa hipótese de assédio.
São a este propósito pertinentes as considerações emitidas na douta sentença sob recurso, que reproduzimos:
«[…]
Regressando ao caso em apreço nos autos, como consignado nos pontos 16) a 22) dos factos provados, CC, atuando como superior hierárquico do Autor (pois que o mesmo, ainda que não demonstrada a existência de contrato de trabalho com a Ré, desempenhava as funções de operador da central de betão de …, dando ordens e instruções ao Autor e organizando e programando as suas viagens e deslocações, estando assim inserido na estrutura organizativa de meios humanos utilizada pela Ré no desenvolvimento da sua atividade comercial e atuando portanto no interesse da mesma) frequentemente mandava o Autor fazer a limpeza do pátio interior e exterior das instalações da central de betão quando as mesmas não se compreendiam na categoria profissional de motorista de viaturas pesadas do Autor, apesar existir no local um operador de limpeza para executar tais tarefas, por vezes acompanhando tais ordens com expressões objetivamente injuriosas dirigidas ao Autor tais como “seu burro” e “não vales uma merda”, com conhecimento de colegas do Autor, chegando a encostar a cabeça à cara do Autor, deixando-o com receio de ser agredido, culminando em 13 de janeiro de 2022, com novas ordens para o Autor ir apanhar e juntar areia do chão com uma pá e pintar tubos de ferro, tendo tais condutas levado a que o Autor sofresse stresse, ansiedade, nervosismo, angústia, perturbações do sono, perda de apetite e irritava-se e exaltava-se com facilidade e discutia com a sua companheira, contribuindo para a separação de casal durante cerca de dois meses, e levado a que se demitisse.
Tal contexto factual permite a qualificação da conduta de CC como assédio moral pois que ali estão reunidas as supra referidas características que o caracterizam, nomeadamente comportamentos de quem atua como superior hierárquico do Autor, objetivamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da sua dignidade, praticados no seio da empresa e por causa da relação de trabalho, que tinham necessariamente subjacente uma intenção de humilhar e desestabilizar (de outro modo não pode deixar se entender tendo em conta a atribuição de tarefas que não são inerentes à categoria profissional acompanhadas de expressões injuriosas), que se verificaram por diversas ocasiões ao longo da relação laboral e tiveram como consequência efetivos danos de natureza não patrimonial e levaram mesmo à tomada de decisão de saída da empresa.
(…) da celebração do contrato de trabalho não emergem apenas os deveres principais de prestar uma atividade mediante pagamento de retribuição, mas também deveres acessórios de conduta que vinculam o empregador, nomeadamente direitos de personalidade, integridade física e moral, reserva da intimidade da vida privada e de prestar trabalho em condições de segurança e saúde (cfr. artigos 14º, 15º, 16º, 24º, 25º, 29º, 126º, 127º e 128º e 281º do Código do Trabalho), estabelecendo o artigo 127.º, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho, de forma expressa, que constitui obrigação do empregador “proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral”, pelo que o incumprimento de tais deveres acarretará, inequivocamente, responsabilidade.
Assim sendo, uma vez que as situações de assédio moral determinam a lesão de direitos de personalidade do trabalhador no quadro da especial vulnerabilidade que caracteriza a sua posição na relação laboral e em infração de deveres de proteção e segurança que o empregador deve acautelar, é de perfilhar o entendimento segundo o qual, neste âmbito, a responsabilidade do empregador reveste natureza contratual.
(…)
No âmbito do regime da responsabilidade contratual determina o artigo 798º do Código Civil que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”, acrescentando o artigo 799º, n.º 1, do mesmo diploma que “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”.
Deste modo, quando estejam em causa factos cuja autoria é do próprio empregador, incumbe-lhe provar que os factos lesivos invocados pela vítima não procedem de culpa sua, nos termos do art. 799º, n.º 1, Código Civil, ou, nas situações de assédio discriminatório, que a diferença de tratamento não assenta em fatores dessa natureza (cfr. nºs 5 e 6 do art. 25º do Código do Trabalho).
No entanto, no caso em apreço está em causa uma conduta que foi praticada não pelo próprio empregador mas por uma pessoa sua subordinada, que estava inserida na estrutura de recursos humanos que utilizava para desenvolver a sua atividade e que atuava como superior hierárquico do trabalhador alvo do assédio.
Todavia, ainda assim o empregador responde nos mesmos termos, como se os factos fossem praticados por ele próprio, nos termos do disposto no artigo 800º, n.º 1, do Código Civil, que estabelece que “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.”.
Defendendo esta solução Pedro Romano Martinez (in, “Código do Trabalho anotado”, Almedina, Coimbra, 2006, p. 127), afirma: “julga-se que está em jogo o regime da responsabilidade civil obrigacional (...) circunstância que acarreta, nomeadamente, o regime da presunção da culpa (art. 799º do CC) e o da responsabilidade directa por facto de terceiro (art. 800º do CC)”.
No mesmo sentido Rita Garcia Pereira (in “Mobbing ou Assédio Moral no trabalho, Coimbra Editora, Coimbra”, 2009, p. 225) atribui a responsabilidade pela preservação dos direitos de personalidade dos trabalhadores ao empregador, responsabilizando-o por atos praticados pelos seus trabalhadores, quando o sejam em seu benefício, independente da sua eventual culpa, nos termos do preceituado pelo art. 800º do Código Civil.
De resto, foi este os entendimento também assumido no já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/12/2014 - Processo: 590/12.5TTLRA.C1.S1, onde se consignou que: “(…) IV - Estando demonstrado que a superiora hierárquica da trabalhadora praticou uma sequência de comportamentos encadeados que, para além de atentatórios da sua dignidade, se traduziram num ambiente intimidativo, hostil e desestabilizador, com o objetivo de lhe causar perturbação e constrangimento, mostra-se preenchido o condicionalismo previsto no artigo 29.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que confere ao lesado o direito a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. V - Ao contrato de trabalho corresponde, paradigmaticamente, uma relação obrigacional complexa, da qual emergem, a par dos deveres principais (prestar uma atividade e pagar a retribuição), deveres secundários e deveres acessórios de conduta suscetíveis de se reconduzirem a três categorias: i) deveres de proteção da pessoa e/ou património da contraparte; ii) deveres de lealdade; iii) e deveres de esclarecimento. VI - Nas situações de assédio moral, a lesão dos direitos de personalidade surge no quadro da especial vulnerabilidade que caracteriza a posição do trabalhador na relação laboral e em infração de deveres de proteção e segurança emergentes desta relação. VII - Sendo os atos de assédio praticados, culposamente, por um superior hierárquico do trabalhador, o empregador é responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos, por força do disposto no artigo 800.º, n.º 1, do Código Civil.”.
(…)
No caso em apreço nos autos é inequívoco que os danos sofridos pelo Autor foram produzidos em estrita conexão com as funções que CC desempenhava no interesse da Ré, inserido na estrutura de meios humanos com que a mesma desenvolvia a sua atividade comercial, pelo que lhe estavam inerentemente delegadas as responsabilidades da Ré no domínio do respeito pela proteção dos trabalhadores, não existindo assim qualquer dúvida relativamente à natureza culposa da atuação do referido CC , culpa que se “comunica” à Ré, em face do segmento final do transcrito n.º 1 do art. 800.º do Código Civil, concluindo-se, assim, no sentido da responsabilidade da Ré pelo ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor.
[…]»
Subscrevemos este juízo expresso na bem elaborada sentença, vg. no que concerne à responsabilização do empregador pelos actos praticados pelo superior hierárquico do trabalhador, que segue estritamente o regime legal e a jurisprudência mais recente sobre a matéria.
É de destacar que, apesar de no caso vertente a conduta não ter sido pelo próprio empregador[6], mas por uma pessoa inserida na estrutura organizativa de meios humanos por ele utilizada no desenvolvimento da sua actividade comercial e que atuava como superiora hierárquica do trabalhador alvo do assédio, o empregador responde, nos mesmos termos, como se os factos fossem praticados por ele próprio, nos termos do disposto no artigo 800º, n.º 1, do Código Civil segundo qual “[o] devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”.
Apenas se nos oferece enfatizar que os factos relatados na decisão que se consubstanciam na atribuição por diversas vezes ao autor, pelo seu superior hierárquico, de funções de limpeza não integradas na respectiva categoria profissional, com o conhecimento dos seus colegas motoristas, acompanhados de expressões que lhe eram dirigidas pelo seu superior hierárquico tais como “seu burro” e “não vales uma merda” (factos 17. e 18.), expressões que se revestem de uma enorme violência para quem por elas é visado e as ouve e são fortemente lesivas da sua dignidade, são efectivamente actos graves e vexatórios.
E são-no apesar de não se ter provado que fossem frequentes as indicadas ordens de realização de tarefas de limpeza não compreendidas na categoria profissional do trabalhador.
Por outro lado, o comportamento do mesmo superior hierárquico de, nalgumas vezes, encostar mesmo a cabeça à cara do autor, deixando-o com receio de ser agredido (facto 19.), além de lhe dirigir as indicadas expressões, leva a um grau muito elevado a censurabilidade da sua conduta e o próprio grau de ilicitude da mesma[7].
A rematar todo este ambiente que se criou, os factos que sucederam no dia 13 de Janeiro de 2022, em que o indicado superior hierárquico, apesar de haver serviços e clientes à espera, em vez de atribuir ao autor serviço para transporte de betão mandou-o fazer limpezas e pintar tubos de ferro, ordens que o autor entendeu constituírem um castigo vexatório e humilhante que já estava saturado de suportar, vindo a por fim ao contrato de trabalho por sua iniciativa nesse mesmo dia (factos 20., 21. e 10.), constituem o epílogo do que se nos afigura ser um inequívoco cenário de assédio, integrado por comportamentos oriundos do superior hierárquico do trabalhador, real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade da pessoa, que se protelaram no tempo, criando um ambiente hostil e intimidativo e acarretando consequências para o trabalhador.
Quanto a estas consequências, ficou provado que, em virtude das condutas do CC, sobretudo nos últimos meses da relação laboral, o recorrido sofreu nervosismo, angústia, perturbações do sono e perda de apetite, irritava-se e exaltava-se com facilidade e discutia com a sua companheira, contribuindo para a separação de casal durante cerca de dois meses, em função do que resolveu demitir-se (facto 22.), pelo que também do ponto de vista dos efeitos da conduta da recorrente se mostra preenchida a fattispecie do artigo 29.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
De notar, para alicerçar a responsabilização do empregador que vimos já radicar-se no disposto no artigo 800.º, n.º 1 do Código Civil,  que nos termos da lei laboral o mesmo tem o dever de impedir que sucedam circunstâncias destas ou, uma vez ocorrendo as mesmas à sua revelia, tem o dever de lhes pôr fim – cfr. o artigo 127.º, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho –, sendo que à luz do artigo 127.º, n.º 1, alínea l) do Código do Trabalho, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 73/2017, a lei é agora clara quanto ao dever do empregador de instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de assédio no trabalho.
De notar, ainda, que o Código do Trabalho configura como justa causa subjectiva de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador “a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores”, prefigurando esta hipótese como um exemplo de violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador” – artigo 394.º, n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho –, que acarreta para o empregador a obrigação indemnizatória prevista no artigo 396.º do mesmo compêndio normativo.  
Em suma, e tendo ainda presente que é dever do empregador o de proporcionar boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral [artigo 127.º, n.º 1, al. c) do CT], em consonância com o direito do trabalhador à respectiva integridade física e moral (como expressamente assinala o artigo 15.º do Código do Trabalho, concretizando no regime do contrato de trabalho o direito constitucional plasmado no artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa), entendemos que o comportamento do superior hierárquico do trabalhador que ficou provado nos autos é evidentemente indesejado e, ainda que se não tenha apurado o objectivo com que foi praticado, teve o evidente efeito de perturbar  o recorrido e a afectar na sua dignidade, criando-lhe um ambiente intimidativo, hostil, humilhante e desestabilizador.
O que tanto basta, a nosso ver, para que se considere preenchida a hipótese de assédio prevista na lei, responsabilizando o empregador pela sua prática nos termos do disposto no artigo 800.º, n.º 1, do Código Civil e pela reparação das suas consequências nos termos dos artigos 29º, n.º 4, e 28º do Código do Trabalho.
Deve pois confirmar-se o juízo a este propósito expresso na sentença.
                                                                                                               *
4.4. Do quantum da indemnização por danos não patrimoniais.
Relativamente à indemnização por danos não patrimoniais, a sentença da 1.ª instância condenou a R. no pagamento ao A. da indemnização de € 3.000,00 que julgou adequada à facticidade demonstrada, com a seguinte fundamentação:
“[…]
No caso em apreço, o assédio determinou ao Autor receio de ser agredido, stresse, ansiedade, nervosismo, angústia, perturbações do sono, perda de apetite e irritava-se e exaltava-se com facilidade e discutia com a sua companheira, contribuindo para a separação de casal durante cerca de dois meses, motivando a decisão de se demitir, factos que, perante uma avaliação objetiva, configuram inequivocamente danos com gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito.
Assim sendo, considerando a culpa inerente à conduta de CC que se afigura elevada tendo em conta que não se limitou à indevida atribuição de tarefas incompatíveis com a categoria profissional do Autor mas também à prolação de injúrias e postura de ameaça física (encostando a cabeça à cara do Autor), considerando os danos comprovados, de gravidade considerável, pois que suficientes para perturbar o bem estar psicológico do Autor, afetando a sua vida profissional e levando-o mesmo a sair da empresa, e ainda que da situação económica da Ré nada se apurou e que da situação económica do Autor os autos nada mais permitem conhecer senão os seus rendimentos de trabalho ao serviço da Ré, discriminados nos factos provados, considera-se adequada a fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em €3.000,00.
[…]»
Alega a recorrente que o montante indemnizatório por danos não patrimoniais que se mostra concedido na sentença viola o disposto no artigo 496.º do CC, pois os alegados danos de natureza não patrimonial só são de indemnizar quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito tendo em atenção princípios de equidade, em face da natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta, que não se mostram integrados, sendo consequentemente, injustificados.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 29.º, n.º 4 e 28.º, do Código do Trabalho, a “prática de assédio” confere à vítima “direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito”.
É patente que se verificam in casu, quanto aos danos apurados, os pressupostos da obrigação de indemnizar em sede de responsabilidade civil por facto ilícito: a verificação de um facto ilícito e culposo, a verificação de danos e a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o resultado danoso (artigos 483.º e 563.º do Código Civil).
Além disso os danos apurados, atenta a sua descrição – o recorrido sofreu nervosismo, angústia, perturbações do sono, perda de apetite e irritava-se e exaltava-se com facilidade e discutia com a sua companheira, contribuindo para a separação de casal durante cerca de dois meses, em função do que resolveu demitir-se – constituíram um gravame assinalável para o recorrido, alterando de modo relevante o seu estado anímico e de espírito, modo de estar e descanso diário, contribuindo inclusivamente para uma ruptura familiar, ainda que temporária,  pelo que se revestem da gravidade pressuposta no artigo 496.º do Código Civil.
O recorrido tem, pois, direito a uma indemnização por danos não patrimoniais, estando agora em causa, apenas, a sua quantificação.
A determinação do quantitativo indemnizatório depende da avaliação dos danos produzidos, do grau culpabilidade do autor da lesão, da situação económica deste e do lesado e das demais circunstâncias do caso (artigo 494.º do Código Civil).
No caso desconhece-se a situação económica da R. – apenas se sabendo que explora a empresa de betão onde o A. trabalhava, com vários trabalhadores ao seu serviço, como se infere da própria acta da audiência de julgamento – e quanto ao A. é um dado adquirido  que o mesmo tem uma situação económica justificativa da concessão do benefício de apoio judiciário no âmbito dos presentes autos (vide fls. 247).
O grau de culpa do referido CC , cujo comportamento culposo responsabiliza a R. e se lhe comunica nos termos da parte final do n.º 1, do artigo 800.º do Código Civil, é relativamente elevado, como o revela o tipo de condutas graves e vexatórias que adoptou para com este seu inferior hierárquico.
Quanto às demais circunstâncias, entendemos ser relevante atentar em que o ambiente de uma central de betão não é geralmente dos mais polidos, como ditam as regras da experiência.
Cabe ainda ponderar que o quadro danoso apurado e relatado no facto 22) é de extensão e gravidade inferior ao alegado na petição inicial, pois que não se provou que, como nesta alegado, o Autor “sofreu tristeza, passou a ter necessidade de se isolar, ficou bastante abatido e em desespero” em consequência das referidas condutas de CC [8], bem como é de gravidade inferior ao ponderado na sentença, na medida em que nesta 2.ª instância se considerou não haver prova consistente da verificação dos alegados “stresse” e “ansiedade[9].
Constituindo os estados físicos e emocionais apurados evidentes danos, e de uma gravidade que se nos afigura justificar a tutela do direito nos termos previstos no artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, entendemos que, num juízo equitativo, tendo em consideração todas as circunstâncias expostas e que se desconhece por quanto tempo perduraram os danos, a compensação a arbitrar deve situar-se no valor de € 2.800,00.
Porque este montante se tem por actualizado, são devidos juros de mora vincendos a partir desta data – vide o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (in Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002), segundo o qual “[s]empre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Procede parcialmente, neste aspecto, a apelação.

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4.5. Porque a recorrente ficou parcialmente vencida no recurso interposto, cabe-lhe a responsabilidade pelas custas, bem como ao recorrido, na proporção da sucumbência que resulta do presente acórdão (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013), sem prejuízo, porém, do apoio judiciário de que goza o recorrido. Uma vez que a parte não dispensada pagou a taxa de justiça devida e no presente recurso não houve lugar a encargos, as custas devidas restringem-se às custas de parte que eventualmente haja.
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5. Decisão
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Em face do exposto:
5.1. rejeita-se a impugnação da decisão de facto no que concerne ao facto 20);
5.2. julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto quanto ao mais e alteram-se os factos 15), 17) e 22) nos termos sobreditos;
5.3. concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, decide-se alterar a sentença no que concerne às alíneas d) e e), assim ficando a recorrente condenada a pagar ao recorrido:
d) € 299,23 (duzentos e noventa e nove euros e vinte e três cêntimos) a título de retribuição por formação profissional não ministrada acrescidos de juros de mora à taxa legal vencidos desde 04 de Fevereiro de 2022 e vincendos até integral pagamento;
e) € 2.800,00 (dois mil e oitocentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, vincendos a partir desta data, e até integral pagamento;
5.4. mantém-se a condenação constante das alíneas a), b) e c) da sentença e absolve-se a recorrente do mais peticionado pelo recorrido na presente acção.
Condenam-se a recorrente e o recorrido nas custas de parte que eventualmente haja a contar, tendo em consideração a proporção da sucumbência que resulta do presente acórdão, sem prejuízo, porém, do apoio judiciário de que goza o recorrido.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil anexa-se o sumário do presente acórdão.

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Lisboa, 25 de Outubro de 2023


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(Maria José Costa Pinto)
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(Celina Nóbrega)
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(Alves Duarte)



[1]In Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 594.
[2]Neste sentido vide o recente Acórdão da Relação do Porto de 18 de Setembro de 2023, processo nº 17600/21.8T8PRT.P1, in www.dgsi.pt. Vide ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Fevereiro de 2014, Processo 417/13.0TTMTS.P1, no mesmo sítio, citado pela sentença e em linha com o aqui decidido, ainda que também com uma perspectiva distinta (que a sentença adoptou) quanto à data de vencimento do direito a férias no ano subsequente ao da contratação.          
[3]In Contrato de trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 238.
[4]Vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, pp. 425 e ss.
[5]Na redacção introduzida pela Lei n.º 73/2017, de 16 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Outubro de 2017, cujo n.º 2 coincide com o anterior n.º 1, pelo que a definição persistiu incólume.
[6]Que, diga-se, sendo pessoa colectiva sempre necessitaria de quem actuasse em seu nome.
[7]Em tese, o comportamento em causa seria até susceptível de acarretar a responsabilidade criminal do seu autor. Estariam em causa as hipóteses dos crimes de ameaças e injúria previstos nos artigos 153.º e 181.º do Código Penal.
[8]Ponto 6) dos factos “não provados”.
[9]Vide supra 3.1.2.3.