Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
49/14.6PEBRR-B.L1-9
Relator: ELEONORA VIEGAS (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DO RECURSO
DESPACHO DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO (405.º, CPP)
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Não cabe na decisão da reclamação de um despacho de não admissão de recurso, nos termos do art. 405.º do CPP, apreciar a alegada nulidade desse despacho;
II. Um despacho que se limite, sem mais, a dar cumprimento ao ordenado nos autos pelo Tribunal superior, é um mero despacho de execução, irrecorrível nos termos do art. 400.º, n.º1, al. a) do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:

I. Relatório
AA, arguido nos autos, veio reclamar, ao abrigo do art. 405.º do CPP, do despacho de 11.02.2025 que não admitiu o recurso que interpôs do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
Alega, em suma, que o despacho reclamado é nulo, por falta de fundamentação, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP; e que a decisão de revogação da suspensão da execução da pena proferida em 18/02/2021, constitui uma segunda decisão e autónoma do acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/01/2021, pelo que não se pode subsumir-se a qualquer situação de irrecorribilidade elencada no n.º 1 do artigo 400.º do C.P.P. ou a qualquer outra situação de irrecorribilidade, tratando-se de uma decisão recorrível segundo o princípio geral previsto no artigo 399.º do mesmo diploma legal, pelo que o despacho sob reclamação incorreu em erro de julgamento.
Termina invocando a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 399.º e 400.º ambos do C.P.P. vertida no despacho reclamado - seja por violação do princípio da igualdade material, a que alude o artigo 13.º, n.º 1 da C.R.P., seja por violação do direito ao recurso e das garantias constitucionais de defesa do Arguido, consagrados no artigo 32.º, n.º 1 da C.R.P., seja ainda por restrição inadmissível dos direitos de acesso ao direito e à justiça e do direito a um processo justo e equitativo e à tutela jurisdicional efectiva, previstos no artigo 20.º, n.º 1 e 4, da mesma Lei Fundamental.
*
II. Fundamentação
Da consulta dos autos resultam os seguintes factos com relevância para a decisão:
1. Em 9.07.2020 foi proferido nos autos o seguinte despacho:
“Compulsados os autos verifica-se que ao arguido AA foi aplicada uma pena de única de 4 anos e 3 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo mesmo período, sujeito a regime de prova, ficando o mesmo obrigado a no prazo de um mês indicar a sua morada no estrangeiro, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, três crimes de furto simples e seis crimes de roubo.
O acórdão condenatório foi proferido no dia 16/03/2015 e transitou em julgado em 13/07/2015.
Do boletim de registo criminal do arguido não constam condenações do mesmo por factos ocorridos durante o período de suspensão da pena - cfr. fls. 1215.
O arguido AA logrou realizar o plano de reinserção social, que foi devidamente homologado - fls. 820/825.
O arguido manteve contactos com a DGRSP até Julho de 2017 e posteriormente deslocou-se às instalações em Junho de 2018, mas não estava motivado para as suas obrigações. O arguido AA foi solenemente advertido sobre o seu incumprimento do regime de prova - fls. 986 - e advertido que teria 15 dias para retomar o regime de prova.
O arguido apenas se deslocou à DGRSP para entregar o comprovativo de que se tinha inscrito no Centro de Emprego, mas não voltou a comparecer na DGRSP - fls. 1002,1005 e 1078.
Não se logrou voltar a ouvir o condenado que não compareceu na diligencia designada.
Há comunicação que o arguido teve novos factos delituosos em …de 20l5, embora esta decisão ainda não tenha transitado em julgado, mas mesmo nessa actuação foi aplicada ao arguido uma pena de multa.
Atenta a data de prática dos factos, e a idade do arguido (23 anos neste momento), entendo que ainda que tenha havido um incumprimento por parte do mesmo da condição da suspensão da pena tal não é suficiente para concluir que tal incumprimento inviabilizou as finalidades da pena.
É certo que tendo praticado novos factos no período de suspensão da execução a pena de prisão e ao não cumprir completamente o regime de prova, o arguido desmereceu o juízo de prognose favorável que a seu respeito havia sido formulado. Contudo, atento o tempo decorrido e tendo presente que o arguido foi condenado em pena de multa, temos que a suspensão da execução da pena não é de revogar, pois neste momento o cumprimento de quatro anos e três meses de prisão pelo arguido teriam um efeito contrário ao pretendido, prejudicando-a na sua ressocialização.
Assim, entende o tribunal que, apesar da prática pelo arguido dos referidos ilícitos, as finalidades que estiveram subjacentes à suspensão da execução da pena oram minimamente alcançadas.
Nestes termos e atento o disposto no n.° 1 do artigo 57° do Código Penal e do artigo 475° do Código de Processo Penal, declaro a pena aplicada ao arguido AA extinta, pelo cumprimento.
(…).
2. Interposto recurso pelo Ministério Público, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.01.2021, foi concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogado o despacho recorrido, tendo elencado os seguintes “factos processuais e percurso do arguido:
Por acórdão de 16-03-2015 foi proferida decisão, no âmbito dos autos nº 49/14.6PEBRR, no que diz respeito ao arguido AA nos seguintes termos:
“- Condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria, de 3 (três) crimes de furto simples, previsto e punível pelo art.º 203.º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão para cada um;
- Condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria, de 4 (quatro) crimes de roubo, ilícito previsto e punível, pelo art.º 210.º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão por cada um;
- Condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria, de 2 (dois) crimes de roubo, na forma tentada, ilícito previsto e punível, pelo art.º 210.º, n.º 1, 22.º e 23.º, n.º 1, todos do C. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão por cada um;
- Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, ilícito previsto e punível pelo 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1 e 2, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al, l), todos do C. Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
- Condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;
- Suspender a execução da pena por 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, sujeita a regime de prova, ficando obrigado a no prazo e um mês comunicar à DGRSP a sua morada no estrangeiro (…)
- Condenar o arguido/demandado AA a pagar ao Estado Português, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 123,24 (cento e vinte e três euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da notificação e até integral pagamento.
- Condenar o arguido AA a pagar as custas cíveis correspondentes ao pedido indemnizatório em que foi condenado.”
O arguido faltou ao respectivo julgamento.
O acórdão em referência transitou em julgado em 13-07-2015.
O arguido nasceu em ...-...-1996, tendo ao tempo da prática dos factos pelos quais veio a ser condenado 17 anos, prestes a fazer 18.
Ainda menor, com 15 anos, já o arguido tinha estado um ano num centro educativo.
Em 01-02-2016, através de fax com a refª 8787742, a DGRSP, envia aos autos o Plano de Reinserção Social, no qual, entre outras coisas, declara o seguinte relativamente ao arguido, ao tempo com 19 anos e 5 meses:
“Não estuda, não trabalha, e não apresenta motivação para encetar um projecto que o obrigue a desenvolver hábitos responsáveis (horários e empenho). A sua rotina centrar-se-á em actividades que correspondem meramente a interesses lúdicos, em concreto, interacções com os pares em semelhantes circunstâncias da vida.
A imaturidade que revela, nomeadamente em termos de capacidade para reflectir sobre as consequências dos seus actos e para assumir compromissos adequados à faixa etária em que se encontra, leva-nos a admitir uma prognose desfavorável ao nível da sua adesão à intervenção da DGRSP e das outras actividades delineadas neste Plano de Reinserção Social.
Da avaliação efectuada identificam-se como principais factores de risco os associados a educação/emprego, com reduzida formação académica, ausência de formação profissional, falta de hábitos de trabalho e de motivação para projectos desta natureza e/ou formativos, actividades desestruturadas, as relações estabelecidas com conhecidos/amigos com práticas criminais e bem assim a sua postura de negação/minimização face ao comportamento criminal.
São considerados ainda como eventuais obstáculos em termos da sua adesão à intervenção aqui planeada, a resistência face intervenção de instituições estatais na percepção de que as mesmas condicionam os seus movimentos, e a existência de crenças mal adaptadas perante a intervenção da Justiça e das forças policiais.” – sublinhado nosso
Em 07-04-2016, através de despacho judicial com a refª 345989574, o Plano de Reinserção Social é homologado.
Em 18-06-2018 a DGRSP dá conta do incumprimento por parte do arguido AA no tocante ao Plano de Reinserção Social informando, entre outras coisas, que:
- o arguido não apresentou comprovativo de inscrição no Centro de Emprego;
- o mesmo verbaliza não estar interessado em fazer formação profissional;
- em entrevista em 03-07-2017 o arguido referiu que ainda não tinha colocação laboral formal subsistindo das oportunidades que iam surgindo no ramo da …;
- a DGRSP desconhece o meio de sobrevivência do arguido;
- o arguido regista uma presença muito irregular na DGRSP sem que apresente justificativos pelas suas ausências;
- a última vez que contactou com a DGRSP foi na entrevista de 03-07-2017;
- em 04-09-2018 a técnica da DGRSP deslocou-se à morada dos autos não tendo sido possível ser atendida pelo arguido ou por outra pessoa que eventualmente viva consigo;
- foram efectuadas várias convocatórias sem que o arguido comparecesse;
- a última convocatória seguiu em Maio de 2018 por correio registado para o arguido se apresentar no dia 04-06-2018 às 16:45, tendo o arguido chegado com um atraso de 20 minutos, sendo que a técnica acabou por atender outro utente;
- no final, verificou-se que o arguido havia abandonado as instalações não tendo até ao momento procurado junto dos respectivos serviços justificar-se e marcar novo atendimento.
A DGRSP, no incumprimento de que dá conta, concluiu da seguinte forma:
“Do que se observa, AA não interiorizou a importância deste acompanhamento pela DGRSP nem a gravidade da sua conduta absentista e de desrespeito para com o que foi determinado pela autoridade judicial, e que se nos afigura absolutamente culposa.
É no contexto deste comportamento e tendo em conta que a sensibilização do condenado para a sua responsabilidade nos autos por parte destes serviços não teve até ao momento qualquer efeito em termos da sua adesão que se sugere muito respeitosamente a Vª Exª que o condenado seja solenemente advertido para a obrigação de cumprir de forma criteriosa o Plano de Reinserção Social homologado.”
Em 01-10-2018 o arguido foi ouvido em declarações tendo-lhe sido feita uma solene advertência nos termos do artº 55º do Código Penal, cfr. acta com a refª 380022918.
Entretanto, vem a DGRSP informar em 30-10-2018 que o arguido ainda não tinha voltado a contactar a respectiva equipa, tendo vindo a fazê-lo em 20-11-2018 altura em que entrega comprovativo da sua inscrição no Centro de Emprego pedindo um atendimento em 27-11-2018 ao qual veio a faltar.
Em 29-07-2019 a DGRSP comunica que o arguido não mais voltou a contactar com a respectiva equipa.
Por sentença proferida em 18-02-2020, no âmbito do procº nº 1321/15.3PBBRR que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Criminal do Barreiro, da Comarca de Lisboa, o arguido foi condenado pela prática de dos crimes de furto na pena única de 130 dias de multa à taxa diária de €5,00 por factos ocorridos em ...-...-2015.
O Digno Magistrado do MºPº promove em 19-09-2019 – com a refª 389922926 – a revogação do regime de suspensão da execução da pena relativamente ao arguido nos termos do artº 56º do Código Penal.
Tentou-se ouvir o arguido acerca da requerida revogação sem sucesso tendo a sua ilustre defensora informado os autos em 25-09-2019 (refª 33502066) da sua impossibilidade em contactar o arguido desconhecendo o paradeiro do mesmo.
Por despacho de 16-10-2019, com a refª 390939241, foi agendada nova tomada de declarações ao arguido AA para 04-11-2019.
O arguido foi notificado na morada do TIR constando dos autos a prova de depósito, sendo que no dia 04-11-2019 não compareceu, nem justificou a sua falta, cfr. acta com a refª 391511389.
Promovida pelo MºPº, novamente, em 25-11-2019 (refª 392060650), a revogação da suspensão da execução da pena, veio o Tribunal a quo, por despacho de 27-12-2019 (refª 392239192) notificar novamente o arguido para se pronunciar.
O arguido foi notificado quer pessoalmente, que na pessoa da sua ilustre defensora, tendo esta informado os autos novamente, em 06-12-2019 (refª 34172711), a sua impossibilidade em contactar com o arguido.”
3. O acórdão supra referido termina determinando quanto ao despacho revogado que: “o qual deve ser substituído por despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA nos termos do artº 56º do Código Penal.”
4. Em 18.02.2021 foi proferido o seguinte despacho:
“Em cabal respeito pelo acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou o despacho de 09-07-2020, há que proferir novo despacho referente à pena de prisão aplicada ao arguido AA.
A tal arguido foi aplicada uma pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo mesmo período, sujeita a regime de prova, ficando o mesmo obrigado a no prazo de um mês indicar a sua morada no estrangeiro, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, três crimes de furto simples e seis crimes de roubo.
O acórdão condenatório foi proferido no dia 16/03/2015 e transitou em julgado em 13/07/2015.
Do boletim de registo criminal do arguido não constam condenações do mesmo por factos ocorridos durante o período de suspensão da pena.
O arguido AA logrou realizar o plano de reinserção social, que foi devidamente homologado - fls. 820/825.
O arguido manteve contactos com a DGRSP até Julho de 2017 e posteriormente deslocou-se às instalações em Junho de 2018, mas não estava motivado para as suas obrigações. O arguido AA foi solenemente advertido sobre o seu incumprimento do regime de prova - fls. 986 - e advertido que teria 15 dias para retomar o regime de prova.
O arguido apenas se deslocou à DGRSP para entregar o comprovativo de que se tinha inscrito no Centro de Emprego, mas não voltou a comparecer na DGRSP - fls. 1002, 1005 e 1078.
Como resulta do acórdão supra referido, “em 18-06-2018 a DGRSP dá conta do incumprimento por parte do arguido AA no tocante ao Plano de Reinserção Social informando, entre outras coisas, que:
- o arguido não apresentou comprovativo de inscrição no Centro de Emprego;
- o mesmo verbaliza não estar interessado em fazer formação profissional;
- em entrevista em 03-07-2017 o arguido referiu que ainda não tinha colocação laboral formal subsistindo das oportunidades que iam surgindo no ramo da construção civil;
- a DGRSP desconhece o meio de sobrevivência do arguido;
- o arguido regista uma presença muito irregular na DGRSP sem que apresente justificativos pelas suas ausências;
- a última vez que contactou com a DGRSP foi na entrevista de 03-07-2017;
- em 04-09-2018 a técnica da DGRSP deslocou-se à morada dos autos não tendo sido possível ser atendida pelo arguido ou por outra pessoa que eventualmente viva consigo;
- foram efectuadas várias convocatórias sem que o arguido comparecesse;
- a última convocatória seguiu em Maio de 2018 por correio registado para o arguido se apresentar no dia 04-06-2018 às 16:45, tendo o arguido chegado com um atraso de 20 minutos, sendo que a técnica acabou por atender outro utente;
- no final, verificou-se que o arguido havia abandonado as instalações não tendo até ao momento procurado junto dos respectivos serviços justificar-se e marcar novo atendimento.”
Não se logrou voltar a ouvir o condenado que não compareceu nas diligências designadas.
Há comunicação que o arguido teve novos factos delituosos em Agosto de 20l5, embora esta decisão ainda não tenha transitado em julgado, mas mesmo nessa actuação foi aplicada ao arguido uma pena de multa.
De harmonia com o disposto no artigo 56.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena apenas é revogada quando, no seu decurso o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostas ou ao plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Como já decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa “também não restam dúvidas de que essa revogação pode ser determinada porquanto, pese embora a jovem idade do arguido, actualmente com 23 anos, a verdade é que o mesmo já beneficiou do sistema tutelar educativo aos 15 anos, sem qualquer sucesso, e desde do primeiro momento em que a DRGSP contactou como arguido para elaborar o Plano de Reinserção Social que ficou claro que este não demonstrava interesse em aderir e “agarrar” esta oportunidade para melhorar o seu comportamento, estruturar-se, integrar-se na sociedade e aprender com os seus erros, efectuando uma verdadeira e genuína ressocialização.
Ou seja, o juízo de prognose favorável ínsita na suspensão da execução da pena de prisão não se mostra já presente.”
A suspensão da execução da pena tinha regras, sendo que o arguido AA impediu o cabal cumprimento das condições que lhe foram aplicadas.
O seu comportamento manifesta uma grosseira e permanente infracção do plano de reinserção social que lhe foi aplicado e as regras que aí foram definidas.
Há assim, uma reiteração do comportamento do arguido no respeito pela lei, sem que a condição de suspensão da execução da pena tenha logrado acautelar as necessidades de prevenção especial, pelo que entendo que a mera prorrogação do prazo de suspensão não se mostra suficiente para acautelar as necessidades de prevenção especial, nomeadamente a de alteração do comportamento delituoso do arguido.
Pelo supra exposto, entendo que as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena aplicada nestes autos, não foram alcançadas, não se logrando fazer uma prognose que a não execução desta pena consiga dissuadir o arguido deste tipo de comportamentos e reinseri-lo socialmente.
Assim, e de harmonia com o disposto no artigo 56.º do Código Penal, determino a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA.
(…)”
5. Por requerimento de 10.02.2025 o arguido interpôs recurso do despacho de 18.02.2021;
6. Sobre o que foi proferido, em 11.02.2025, o seguinte despacho (reclamado):
O arguido AA, notificado em 09/01/2025 do despacho de 18/02/2021, apresentou recurso da decisão que determinou a revogação da suspensão da pena de prisão que lhe tinha sido concedida.
Ora, tal como consta do despacho de que o arguido ora pretende recorrer, tal decisão foi proferida por respeito a uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/01/2021 que se pronunciou sobre a aludida revogação da suspensão da pena de prisão.
Assim, a decisão proferida ao abrigo de tal acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é irrecorrível porquanto sobre tal matéria se pronunciou já o mesmo superior.
Pelo supra exposto, não se admite o recurso apresentado.
Notifique.”
**
Da nulidade do despacho reclamado:
Nos termos do artigo 405.º do CPP, o recorrente pode reclamar do despacho que não admitir recurso para o Presidente do Tribunal a que o recurso se dirige, devendo expor no requerimento as razões que justificam a admissão do recurso e indicar os elementos com que pretende instruir a reclamação.
Assim, não cabe nesta reclamação apreciar a arguida nulidade do despacho reclamado, por falta de fundamentação, o que só em recurso poderia ser apreciado.
Pelo que não se conhecerá da alegada nulidade do despacho reclamado.
Quanto ao erro de julgamento, constitui afinal o fundamento da reclamação e será apreciado a seguir.
*
Vejamos.
Por acórdão de 13.01.2021, transitado em julgado, foi revogado o despacho de 9.07.2020 que havia declarado extinta, por cumprimento, a pena em que o arguido havia sido condenado. Tendo sido determinado nesse acórdão que o despacho revogado fosse substituído por outro que revogue a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos termos do artº 56º do Código Penal.
Ou seja, quanto à revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado por acórdão de 16.03.2015, formou-se caso julgado no processo com o trânsito em julgado do acórdão de 13.01.2021. Sendo de sublinhar que não obstante a data do despacho reclamado, que se pronuncia sobre a admissão do recurso interposto pelo arguido, o despacho recorrido foi proferido em 18.02.2021 – ou seja, é contemporâneo do acórdão que o ordenou.
É esse o fundamento invocado no despacho reclamado: sobre a revogação da suspensão da execução da pena o Tribunal da Relação já se pronunciou, tendo o despacho recorrido sido proferido, precisamente, em estrita execução do ordenado pelo Tribunal da Relação.
Do confronto dos factos processuais e percurso do arguido que constam do acórdão de 13.01.2021 e do despacho recorrido de 18.02.2021, resulta que os factos do acórdão foram reproduzidos no despacho. Terminando este, com a citação do art. 56.º do CPP e da conclusão extraída no acórdão, de que o juízo de prognose favorável ínsita na suspensão da execução da pena de prisão não se mostra já presente.
Em suma, o despacho de 18.02.2021 constitui o despacho que no acórdão se determinou que fosse proferido, limitando-se o Tribunal reclamado a executar o já decidido, formalizando em despacho a revogação da suspensão da execução da pena. “Em cabal respeito pelo acórdão”, escreveu-se.
O raciocínio implícito no despacho reclamado é de que o despacho recorrido é irrecorrível porquanto, tendo-se limitado a dar cumprimento ao ordenado no acórdão, limitou-se a prover ao andamento do processo, não interferindo no conflito de interesses, que já havia sido dirimido pelo Tribunal da Relação por decisão transitada em julgado.
Refira-se que no seu recurso do despacho o arguido refere:
“entendeu o Tribunal a quo que as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena aplicada ao Recorrente não foram alegadamente alcançadas, não se logrando, pretensamente, fazer uma prognose que a não execução da pena consiga dissuadir o Arguido de comportamentos criminosos e de ser reinserir socialmente.
Porém, salvo o devido respeito por opinião contrária, por tal entendimento improceder quer de facto, quer de Direito, não pode o mesmo merecer o acompanhamento e o aplauso do Recorrente em qualquer medida.” E termina pedindo que, seja “revogado o despacho recorrido, sendo substituído por outro que declare extinta a pena aplicada ao Arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 57.º, n.º 1, ambos do C.P., ou que aplique outro dever ou regra de conduta previsto no artigo 55.º daquele diploma legal, assim e como sempre se fazendo a necessária e costumada JUSTIÇA!”
Ora, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão não foi decidida pelo Tribunal reclamado e sim pelo Tribunal da Relação, que - considerando que o juízo de prognose favorável ínsita na suspensão da execução da pena de prisão não se mostra já presente, como citado no despacho recorrido - determinou a substituição do despacho revogado por outro que, por sua vez, revogasse a suspensão da execução da pena de prisão, sem deixar qualquer margem de decisão à primeira instância.
Ou seja, tratou-se de um despacho de mero expediente, nos termos previstos no art. 152º nº4 do CPC.
Rodrigues Bastos, em “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, pg. 272, inclui nestes os despachos que se limitam a ordenar a prática de actos prescritos por lei para a tramitação do processo. Referindo que, no caso de ser proferida uma ordem pelo Tribunal superior, relativa à tramitação do processo, o Tribunal recorrido deve obediência a essa ordem, não podendo não a cumprir, sendo, assim, o equivalente à ordem de um acto prescrito por lei.
Na verdade, um despacho que, estritamente, cumpra o ordenado numa decisão de recurso não faz qualquer efeito de caso julgado, o qual já está coberto pela decisão que se executa. Ou seja, um despacho que se limite, sem mais, a dar cumprimento ao ordenado pelo Tribunal superior, é um mero despacho de execução, irrecorrível nos termos do art. 400.º, n.º1, al. a) do CPP.
Não se vê qualquer desconformidade à Constituição da República Portuguesa no entendimento vertido no despacho reclamado, de que é irrecorrível um despacho que se limita, sem mais, a dar execução ao expressamente ordenado nos autos por acórdão do Tribunal da Relação transitado em julgado.
***
III. Decisão
Pelo exposto, julgo improcedente a reclamação apresentada por AA.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC ( art. 8º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Notifique.
***
Lisboa, 26.04.2025
Eleonora Viegas
(Vice-Presidente, com poderes delegados)