Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALDA TOMÉ CASIMIRO | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DE FACTOS NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/25/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | - Se o Tribunal recorrido se limitou a comunicar, no decurso da audiência de julgamento, que o crime de branqueamento pelo qual o arguido vinha pronunciado, seria aferido, com base na factualidade imputada, com referência ao crime de fraude fiscal, p. e p. no art. 103º do Regime Geral das Infracções Tributárias, não há alteração de factos (ou sequer imputação de crime diverso, posto que apenas foi clarificado, pelo meio de formal comunicação, qual o crime que se entendia preceder o imputado crime de branqueamento), não podendo concluir-se pela existência da nulidade invocada, nos termos do disposto no art. 379º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Penal. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, Relatório No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo e nº 9152/21.5T8LSB, que corre termos no Juiz 14 do Juízo Central Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi o arguido, AM , … condenado pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368º-A, nº 1 e 2 do Cód. Penal com referência ao crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103º do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 2 (dois) anos de prisão. * Sem se conformar com a condenação o arguido interpôs o presente recurso onde pede que a decisão recorrida seja substituída por outra que o absolva ou, a assim não se entender, que fixe a pena no seu limite mínimo e a suspenda a sua execução. Para tanto formula as conclusões que se transcrevem: 1.º Interpõe-se recurso da decisão que condenou o arguido na pena de prisão de 2 (dois) anos de prisão, efetiva na sua execução, pela prática do crime de branqueamento, previsto e punível pelo disposto no artigo 368-A, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, com referência ao crime de fraude fiscal, previsto e punível pelo disposto no artigo 103 do Regime Geral das Infrações Tributárias. Em primeiro lugar, 2.º A decisão recorrida começa por anunciar que em sede de julgamento o Tribunal comunicou que o crime de branqueamento seria aferido, com base na factualidade imputada, com referência ao crime de fraude fiscal, p. e p. no art. 103.º do Regime Geral das Infrações Tributárias. Efetivamente, o Tribunal a quo fez a referida comunicação ao arguido, no decurso da audiência de julgamento (concretamente, na terceira sessão, realizada no dia 23.06.2021), mediante o seguinte despacho: (vide acta) Ora, 3.º Elementar, na dogmática do crime de branqueamento previsto e punível pelo disposto no artigo 368º-A do Código Penal, é a sua dependência de um crime precedente (o predicate offense). Dito de outro modo: é punível pela prática do crime de branqueamento quem branqueara vantagem obtida através da prática, cronologicamente anterior, de um outro crime. 4.º Por esse crime anterior, o agente não tem que ter sido, nem tem que ser simultaneamente, condenado. Mas têm que ficar demonstrados (provados), no processo que tem como objeto os factos típicos do crime de branqueamento, os factos ilícitos típicos do crime de que proveio a vantagem branqueada. É o que, de resto, ressai com clareza do disposto no nº 1 do artigo 368º-A do Código Penal. 5.º O crime de fraude fiscal é um dos crimes cujos factos típicos, se verificados e geradores de uma vantagem, pode preceder o crime de branqueamento. É evidente, pois, que, 6.º Na acusação ou, havendo lugar à fase de instrução, no despacho de pronúncia - atos processuais onde se define e fixa o objeto do processo - que imputa a alguém a prática do crime de branqueamento, tem que estar identificado o crime precedente e têm que estar descritos e concretizados todos os respetivos factos típicos. 7.º O objeto do julgamento serão, pois, tanto os factos relativos à dissimulação (os atos de branqueamento) da origem ilícita da vantagem, como os factos relativos à própria origem ilícita (como seja a fraude fiscal) da vantagem, impondo-se que, todos eles, se encontrem devidamente descritos na acusação ou no despacho de pronúncia. Acontece que, 8.º In casu, tendo havido lugar a instrução, o despacho de pronúncia não continha a descrição dos factos ilícitos típicos do crime precedente (fraude fiscal, previstos no artigo 103 do RGIT. 9.º Com efeito, não se concretizou (i) se o arguido pretendia não liquidar, não entregar ou não pagar uma prestação pecuniária (e, já agora, qual prestação pecuniária?!) ou obter indevidamente um benefício fiscal, um reembolso ou outra vantagem patrimonial suscetível de causar diminuição das receitas tributárias (e, já agora, de que receitas estaríamos a falar e de que valor?!), nem se se concretizou (ii) se o arguido ocultou ou alterou factos ou valores que devessem constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalizasse, determinasse, avaliasse ou controlasse a matéria coletável, ou se ocultou factos ou valores não declarados e que devessem ser revelados à administração tributária, ou se celebrou negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. 10.º Com efeito, quando é que o recorrente auferiu, e de que fonte exata, rendimentos, ou património, quando é que tinha que os declarar, em que sede, de que modo, sujeito a que taxas, e quanto é que não pagou de imposto, são elementos que não constam do despacho de pronúncia. Ou seja, 11.º Do crime de fraude fiscal, a pronúncia bastou-se com a sugestão genérica de que o arguido o cometera. E mais não disse. Simplesmente, não se descreveram, na pronúncia, os factos típicos do crime de fraude fiscal. 12.º A pronúncia (assim como a decisão recorrida) partem do princípio, que se encontra adquirido "por cheiro" que o arguido omitiu a declaração do dinheiro que tinha na Suíça. No entanto, não há uma única referência à natureza ou melhor, proveniência, de tal dinheiro, a que respeitava, para que se possa, sequer, concluir pela obrigação de proceder à sua declaração junto da fazenda. Diz-se que o arguido omitiu a declaração de tal montante, mas não se diz, muito menos se demonstra, porque é que o arguido estava obrigado a declarar tal montante. Acontece que, ter dinheiro na Suíça que não foi declarado fiscalmente não é sinónimo de ter omitido qualquer obrigação declarativa. Para que tal ocorra míster é que tal dinheiro seja rendimento sujeito a declaração. 13.º Aliás, a omissão da pronúncia é tão flagrante que, querendo porventura o arguido beneficiar da atenuação especial da pena prevista nos nºs 9 e 10 do artigo 368º-A do Código Penal, através da reparação integral ou parcial do dano causado, disso se viu impedido, uma vez que no despacho de pronúncia não se quantificou o dano causado. Que é o mesmo que dizer que não se materializou o objeto do crime de branqueamento, nem ficou provado que o crime de fraude fiscal foi cometido antes do crime de branqueamento de modo a poder servir-lhe de crime precedente... 14.º Tal como se vedou ao arguido a possibilidade de beneficiar da atenuação especial da pena prevista nos nºs 9 e 10 do artigo 368º-A do Código Penal, através da reparação parcial ou integral do dano causado, o que constitui uma violação do direito de defesa que não pode deixar de, só por si, acarretar a nulidade da pronúncia. Constata-se, pois, que, 15.º A pronúncia era (é) nula. Mas, não tendo sido rejeitada aquando do saneamento do processo, a sua ineptidão apenas podia ter conduzido à decisão, do Tribunal a quo, de a julgar (manifestamente) improcedente. Não tendo sido esse o caminho (lógico) percorrido, 16.º O Tribunal a quo, ao condenar por factos, não descritos na pronúncia, respeitantes ao crime de fraude fiscal, proferiu uma decisão nula, nos termos e do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea b), nulidade que aqui se expressamente se argui, devendo da mesma serem retiradas todas as consequências legais. 17.º É nula a decisão que condene pela prática do crime de branqueamento sem que a pronúncia contenha os elementos constitutivos do crime precedente e a determinação concreta da vantagem desse crime que constitui o objeto do crime de branqueamento, desde logo por, dessa forma, resultarem violados os direitos de defesa do arguido, seja por cerceamento do exercício do contraditório respeitante aos factos do crime precedente seja por lhe vedar a possibilidade de reparação do dano e, assim, usufruir da atenuação da pena. 18.º Os artigos 368º-A, nºs 1, 3, 4, 9, 10, 11 e 12 do Código Penal e os artigos 283º, 308º e 379º do Código de Processo Penal são materialmente inconstitucionais quando interpretados no sentido de que o julgamento e a condenação pelo crime de branqueamento de capitais pode ocorrer sem que na acusação/pronúncia se descrevam e provem os factos relativos ao crime precedente e se identifique a vantagem do crime que serve de objeto do crime de branqueamento, nomeadamente, quando o crime precedente seja o crime de fraude fiscal, não se descrevam, entre outros, a origem dos montantes não declarados à Fazenda e, portanto, a natureza do imposto em falta, o momento em que os mesmos foram obtidos e, portanto, o montante do imposto devido e não pago, por violação do principio da legalidade e do direito de defesa, ínsitos nos artigos 2º, 18º, nº 2, 20º, 29º e 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, 19.º Da decisão recorrida resulta uma dimensão normativa clara: a de que pode ser julgado e condenado pela prática do crime de branqueamento de capitais a pessoa que detiver dinheiro (pelo menos no estrangeiro) que não declarou às autoridades fiscais, independentemente de se saber qual a fonte desse dinheiro e, portanto, a determinação da obrigação declarativa, ou o imposto omitido e, tão pouco, o momento da sua obtenção e o montante do imposto devido. Ora, não só a letra da lei não autoriza tal dimensão, como, a verificar-se tal hipótese, haveria uma ofensa inaceitável do direito de defesa do arguido. De resto, 20.º Ao comunicar ao arguido que consideraria, como crime precedente, o crime de fraude fiscal, p. e p. pelo disposto no artigo 103º do RGIT, o Tribunal a quo introduziu no objeto do processo os respetivos factos típicos, na medida em que, avaliando-se desde logo pelo resultado (a condenação), considerou provada a fraude fiscal. Acontece que, 21.º Para além de, como vimos de observar, a condenação assentar em factos diversos dos descritos na pronúncia, com a sua consequente nulidade, rigorosamente, e em termos práticos, essa introdução dos factos típicos do crime de fraude fiscal no objeto do processo foi virtual. Os factos típicos da fraude fiscal não foram verdadeiramente acrescentados aos factos da pronúncia. 22.º Ou seja, o Tribunal a quo condenou o arguido por factos, relativos à fraude fiscal, que não estavam na pronúncia (e por isso a decisão é nula) mas sem os introduzir no elenco dos factos dados como provados. Deu-os como provados, virtualmente, fazendo da sua fundamentação (ou seja, da sua convicção, absolutamente apartada de qualquer elemento de prova) da decisão da matéria de facto, verdadeiros factos e prova bastante. Com efeito, 23.º A decisão condenatória é omissa quanto aos factos típicos do crime de fraude fiscal, bastando-se com a indicação, conclusiva, de que o arguido cometera um ilícito de fraude fiscal porque omitira a declaração de montantes à administração fiscal e violara os deveres de verdade para com a administração fiscal, visando, sempre, o não pagamento de impostos devidos. Ora, repete-se: 24.º De acordo com o disposto no artigo 103º do RGIT, o crime de fraude (fiscal) concretiza-se quando, visando o agente a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária, ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, adotar uma das (3) condutas tipificadas nas alíneas a), b) e c) do nº 1. Sucede, porém, que, 25.º Não resultou provada (nem vinha imputada) uma qualquer das três condutas típicas do crime de fraude fiscal. 26.º Com efeito, quando é que o recorrente auferiu, onde, a que título e de que fonte exata, os montantes a que se refere a decisão e, com efeito, se tinha que os declarar, quando, em que sede, de que modo, sujeito a que taxas, quanto é que não pagou de imposto, e que concreto imposto não pagou, são elementos que não constam da matéria de facto provada. Pelo que, 27.º Não tendo ficado provados os factos típicos da fraude fiscal - que confeririam a natureza ilícita aos montantes (quais?!) objeto do crime de branqueamento -, não podia o arguido ser condenado pelo crime de branqueamento, dependente, que é, este crime, da verificação e prova da origem ilícita do seu objeto. 28.º A matéria de facto dada como provada era (é), por isso, insuficiente para a decisão condenatória, vício que, conforme vimos de constatar, decorre do próprio texto da decisão recorrida. 29.º A decisão deve, por isso, ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido. Acresce, ainda, um outro vício revelado pelo próprio texto da decisão: 30.º Foi dado como provado que o arguido sabia que esses valores, num montante equivalente a € 2.000.000,00 correspondiam a fundos objeto de fraude fiscal (Facto 114). Acontece que, 31.º Simultaneamente, foi dado como não provado - Facto descrito na alínea d) dos factos não provados - que os valores depositados na conta da VH , em montante equivalente a € 2.000.000,00, correspondiam a fundos originados em ilícitos de fraude fiscal. 32.º Ora, um só facto, ou está provado, ou não está provado, pelo que a decisão enferma do vício previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal: contradição insanável entre um facto provado - Facto 114 - e um facto não provado - Facto sob a alínea d) -, vício que aqui se argui para que do mesmo seja retirada a consequente revogação da decisão, por (não fossem todas as patologias já apontadas) não poder sustentar-se uma condenação pela prática de um crime de branqueamento perante uma tão grave indecisão quanto ao seu objeto: o montante de € 2.000.000,00, que o Tribunal a quo tanto diz que corresponde a fundos originados em fraude fiscal, como lhe nega essa origem ilícita. Acresce que, 33.º Em nenhum momento foi colocado perante o Tribunal a quo a apreciação da circulação do montante equivalente a € 2.000.000,00. O arguido foi pronunciado pela prática do crime de branqueamento por referência, apenas e só, aos montantes recebidos na conta da C. , sediada em Portugal, num total de € 535.000,00 - leia-se o despacho de pronúncia que, de forma antecipadamente esclarecedora, foi produzido sob o título "Quanto [ao] crime de branqueamento de capitais referente à transferência de 535.000,00 €" Neste sentido, 34.º O montante ilícito cujo branqueamento estava sob julgamento nestes autos, era o correspondente ao valor de imposto devido, necessariamente inferior (qualquer que fosse o imposto devido, não há imposto que supere a base de incidência) à sua totalidade. 35.º Essa parcela, correspondente ao imposto não pago (ou seja, correspondente à vantagem ilicitamente obtida) é que era a parcela ilícita suscetível de constituir o objeto do crime de branqueamento. 36.º Dito de outro modo: haveria que ver se era possível identificar o montante de € 535.000,00, transferido para a conta bancária da C. , como correspondendo ao montante do imposto devido, porquanto o montante que o arguido possuía nas contas na Suíça não era, na sua totalidade, ilícito (tanto mais que foi considerada legítima a sua obtenção), pelo que era insuscetível de constituir, na sua totalidade, o objeto do crime de branqueamento. Assim, 37.º Haveria que determinar o imposto devido sobre os €2.600.000 depositados (ou apenas sobre os €1.600.000,00 se excluirmos os €1.000.000,00, como fez a decisão recorrida), para, de seguida, aferirmos se é possível afirmar que o arguido ao "movimentar" os €535.000,00 em causa na pronúncia, "movimentou" a vantagem do crime, branqueando-a. 38.º Ora, não obstante a pronúncia não nos dar esse dado, é possível dizer que mesmo na situação mais gravosa para o arguido - a de que o montante depositado corresponder a rendimentos sujeitos a IRS correspondente aos anos em que as diversas parcelas foram depositadas (raciocínio do Senhor Inspetor PS) - e tendo em conta as taxas aplicáveis, chegamos facilmente à constatação que o imposto omitido nunca seria superior a 50% da quantia considerada. Pelo que, correspondendo a quantia não sujeita a imposto (ou depois de pago o imposto) na posse do arguido, em qualquer caso, a montante superior a €535.000,00, nunca se poderia que este montante (que constitui o objeto do branqueamento nos presentes autos) é proveniente do, alegado, ilícito fiscal; que é, total ou parcialmente, vantagem do crime fiscal precedente. A tanto obriga a aplicação do princípio in dúbio pro reo. 39.º Ao contrário do que resulta da decisão, isto não é questão que quadre na apreciação do elemento subjetivo, mas de preenchimento do elemento objetivo, o crime só existe se o que é "lavado" for vantagem do crime. Se não é possível determinar que o que foi objeto das ações típicas de "lavagem" era uma vantagem de um crime, não se preenche o elemento objetivo do tipo. Acontece que, 40.º Como se referiu não ficou determinado (nem vinha determinado na pronúncia) o concreto valor da vantagem ilícita por referência a qualquer valor "total". 41.º E, como vimos, é absolutamente errada a tese, preconizada pelo Tribunal a quo, de que todo o dinheiro (vamos chamar-lhe rendimento, por facilidade) não declarado à administração fiscal é dinheiro "sujo" e, por isso, objeto dos atos de "lavagem". 42.º Quando o crime precedente é o crime de fraude fiscal, o objeto do crime de branqueamento é a parcela do imposto que não se pagou ao Estado. 43.º A conduta punível pelo artigo 368º-A do Código Penal é o branqueamento de uma vantagem ilícita, não é a ocultação de dinheiro legitimamente obtido, que, contrariamente ao que o Tribunal pretendeu fazer crer, não é um ato criminalizado. 44.º Com efeito, considerando-se €2.000,000,00, €2.600.000,00 ou apenas €1.600.000,00, é evidente que a vantagem ilícita apenas poderia corresponder a uma parcela do total, equivalente ao montante do imposto não pago. Todo o remanescente era (é) dinheiro legitimamente obtido e lícito, sendo criminalmente inócuo tudo o que se faça e pretenda fazer com ele. 45.º Assim, se a parte lícita é superior ao montante que está em causa nos autos como correspondendo ao montante "branqueado", não se pode afirmar que este montante tem origem ilícita ou seja, que provém da fraude fiscal. Em homenagem aos princípios da legalidade e in dubio pro reo. 46.º Não estava/está determinada/quantificada a vantagem obtida através da prática do crime de fraude fiscal - aliás, nem se sabe se atingia o limiar mínimo da punibilidade (€ 15.000,00, de acordo com o disposto no artigo 103º, nº 3, do RGIT), pelo que também não estava/está determinado/ quantificado o objeto do crime de branqueamento, condições sem as quais não era possível condenar-se o arguido pelo crime de branqueamento por referência ao crime de fraude fiscal. Não é concebível, assim, 47.º Que uma decisão de condenação pela prática do crime de branqueamento com referência ao crime de fraude fiscal seja omissa em relação ao valor da vantagem, pois, como é óbvio, disso dependia a própria relevância criminal do facto. 48.º Os factos dados como provados não são, pois, suficientes, para preencher o tipo legal de branqueamento ancorado no crime de fraude fiscal, desde logo por falta de menção das vantagens fiscais, 49.º Pelo que, não se verificando o preenchimento dos elementos típicos do crime de branqueamento, nem os do crime precedente (fraude fiscal), previstos, respetivamente, nos artigos 368º-A, nºs 1 e 2 do Código Penal e 103º do RGIT, terá que ser revogada e substituída por decisão de absolvição do recorrente. Aliás, sempre se dirá que: 50.º A interpretação que o tribunal faz do artigo 368º-A do Código Penal, segundo a qual quando o crime precedente é o de fraude fiscal, todo o montante não declarado à administração fiscal é suscetível de ser objeto do crime de branqueamento, e não apenas aquele que corresponde ao imposto não pago, ou seja, que o dinheiro "sujo" contamina o dinheiro "limpo", verdadeira dimensão normativa que o tribunal retira do preceito em causa, acarreta a sua inconstitucionalidade material, por violação clara dos princípios da legalidade, da presunção de inocência e da necessidade, ínsitos nos artigos 2º, 18º, nº 2 e 2º, nº 1 e 32º, nºs 1 e 2 da CRP. 51.º Com efeito, não só a letra do preceito não autoriza tal alcance (o qual aparece como uma criação legislativa do julgador), como a dita "contaminação" implica uma presunção desfavorável ao arguido e a criminalização da utilização de dinheiro obtido e detido lícita e legitimamente, o que não reveste, nem pode revestir qualquer necessidade, uma vez que não protege qualquer bem jurídico. Acresce que, 52.º Segundo o acordo firmado com o Estado Suíço (constante do Apenso Temático BX, Vol. ll, pág. 704 - pág. 13 do pdf) as provas obtidas no âmbito das rogatórias, nomeadamente todos os extratos bancários e outras informações obtidas dos bancos suíços com quebra do sigilo bancário não poderiam ser usadas pelo Estado português sempre que o processo penal visar, de acordo com as conceções do direito suíço, atos de natureza tributária. Um ato de natureza tributária é aquele que visa diminuir as receitas fiscais. 53.º E, além disso, para perseguir e julgar factos que à luz da lei portuguesa sejam crime e que segundo a lei Suíça não o sejam. 54.º Pronunciando-se sobre esta matéria, o Tribunal a quo fez constar da decisão recorrida que não estava em causa o crime de fraude, mas o crime de branqueamento, acrescentando que o crime de fraude só era considerado como crime precedente, mas não se encontrava a ser julgado. 55.º Raras vezes se viu uma tão grande, e grave, falácia: se as provas não podem ser usadas para a fraude fiscal, crime precedente sem o qual não existe branqueamento, não se pode provar o crime precedente e, por isso, nem sequer se pode falar em branqueamento!!! 56.º O tribunal reconhece que a prova obtida através das rogatórias não podia ser usada para provar a fraude fiscal, que é precisamente o crime de que resulta a vantagem que pode ser objeto do branqueamento, mas entende que pode ser utilizada para provar o branqueamento, crime que não existe (ou que não se pode provar) sem o crime que não pode ser provado pela referida prova!!!! 57.º O tribunal continua a fazer tábua rasa do mais elementar princípio: no julgamento do crime de branqueamento, o crime precedente pode não ser objeto de julgamento, mas a ocorrência dos seus elementos típicos tem que ser provada!!! Assim, 58.º Não podendo servir de prova da fraude fiscal o material probatório obtido nas rogatórias, ele só poderia, em tese, servir para prova dos atos de branqueamento, se a fraude fiscal pudesse ser provada por outros meios. 59.º Acontece que sem os elementos probatórios obtidos nas rogatórias nem sequer haveria prova de que o arguido tinha o dinheiro referido nos autos. 60.º E não serve a prova testemunhal produzida, quer o depoimento de MC , que obviamente está inquinado, em primeiro lugar por só existir em virtude dos elementos obtidos nas rogatórias e, depois, por ter incidido sobre esses elementos, quer o do Inspetor Tributário PS que mais não foi do que uma interpretação dos documentos obtidos nas rogatórias. Acresce que, 61.º Também se verifica o segundo segmento da proibição de utilização de prova imposto pelo Estado Suíço. Com efeito, sendo verdade que o Estado Suíço conhece o crime de branqueamento, não o concebe com o crime precedente de fraude fiscal. Com efeito, na Suíça a mera evasão fiscal não constitui crime. Pelo que, na Suíça não existe vantagem de crime de evasão fiscal suscetível de ser branqueada. Quer isto dizer que, 62.º Na Suíça os factos imputados ao arguido nos presentes autos - branqueamento da vantagem obtida com o não pagamento de impostos ou, até, branqueamento da vantagem obtida com a não declaração de dinheiro, rendimentos ou outra coisa qualquer - não constituem crime. Assim, é inequívoco que, 63.º Na Suíça os documentos e informação obtidos através da carta rogatória não poderiam ser usados como provas. 64.º Na Suíça não poderia, sequer, ter ocorrido quebra do sigilo bancário para perseguir os factos imputados ao arguido nos presentes autos. Relembre-se que o motivo pelo qual foi derrogado o sigilo bancário inerente às rogatórias, pelo menos no que respeita ao aqui arguido, se prendia com a investigação do crime de branqueamento tendo como crime precedente o crime de corrupção. Por isso o Estado Suíço fez a ressalva que fez! Assim, 65.º Com um mínimo de honestidade intelectual, impõe-se reconhecer que todo o material probatório obtido nas rogatórias não pode ser utilizado no julgamento dos presentes autos. 66.º As provas provenientes das cartas rogatórias para a Suíça não podem ser usadas neste processo. São provas proibidas que "retomam" a sua natureza de dados confidenciais, sigilo bancário que foi derrogado em virtude de uma determinada factualidade que não é a que está a ser julgada nos presentes autos. 67.º Trata-se, portanto de prova proibida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 126º, nº 3, do Código de Processo Penal. 68.º Assim, e como o Tribunal reconhece que toda a factualidade relativa ao dinheiro existente nas contas do arguido e filha, até a própria existência das mesmas, bem como a relativa ao circuito do dinheiro, assenta na documentação das rogatórias, tais factos têm que ser dados como não provados. Ademais, 69.º Também não podem ser valorados os depoimentos das testemunhas MC e PS, porque baseados sempre na interpretação e explicação daquela documentação. Pelo que, 70.º Por não ser válida a prova (documental e testemunhal) em que assentaram, têm que ser dados como não provados todos os factos respeitantes ao "circuito do dinheiro", designadamente os constantes dos pontos 1 a 12, 16 a 21, 27 a 72, 74 a 76, 93 e 94, 102, 108, 112 e 118. Aliás, 71.º A interpretação conjugada dos artigos 125º e 126º do Código de Processo Penal, no sentido de considerar válida e admissível a prova obtida através de carta rogatória ao arrepio das regras acordadas com o Estado rogado, nomeadamente com a derrogação do sigilo bancário e profissional fora das condições convencionadas com o Estado Rogado, acarretaria a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 8º da CRP. Consequentemente, 72.º Se é certo que a condenação já não podia subsistir sem a prova do crime precedente, é evidente que muito menos poderia persistir sem os factos a que o Tribunal a quo fez corresponder, de forma genérica, atos, objetivos, de branqueamento - sendo certo que em momento algum cuidou do elemento subjetivo (a intenção de... qualquer que fosse a conduta objetiva típica concretamente imputada), que não se mostra senão demonstrado pela convicção do Tribunal, como se também os elementos da culpa não tivessem que se suportar em elementos de prova. 73.º A decisão só pode, também por estas razões, ser revogada e substituída por outra que absolva o recorrente. Por último: 74.º O recorrente foi condenado pela prática do crime de branqueamento sem que tenha resultado provado o tipo objetivo, como vimos de constatar, mas, também, sem ter resultado provado o tipo subjetivo (a culpa dolosa). Lê-se na decisão recorrida que o juízo de culpa releva, necessariamente, da intuição do julgador. Ora, 75.º Tendo faltado a descrição de factos que concretizassem o tipo subjetivo, e a sua prova, efetivamente, só a intuição do julgador poderia colmatar tal falta. Mas as coisas não acontecem assim num Estado de Direito democrático. A culpa afere-se a partir de factos concretos, e a falta de concretização do tipo subjetivo, na acusação ou na pronúncia, não era colmatável, sequer, através do mecanismo da alteração não substancial dos factos, pelo que mal se compreenderia que bastasse a intuição do julgador para se achar confirmada a culpa do recorrente. 76.º Não se verifica, assim, o tipo subjetivo do crime de branqueamento previsto no artigo 368º-A do Código Penal - a intenção de ocultar ou dissimular a origem ilícita da vantagem branqueada não resultou senão da (inadmissível) intuição do julgador -, pelo que se impõe, naturalmente, a revogação da decisão recorrida, que deve ser substituída por decisão absolutória. De todo o modo, diga-se ainda, o seguinte: 77.º Perante uma moldura penal abstrata de 1 mês a 3 anos e, tendo presente o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão igual ou inferior a 5 anos, o Tribunal a quo decidiu aplicar ao recorrente a pena de prisão de dois anos, efetiva na sua execução. 78.º É absolutamente desnecessária, desproporcional, inadequada, e, de todo o modo, injustificada e desprovida de fundamentação, a pena fixada em dois anos de prisão, determinada com base em formulações que não revelam qualquer ponderação séria e por referência a exigências de prevenção geral e especial. Por outro lado: 79.º Apontar-se ao arguido, como se fez na decisão recorrida, um desvalor assacado do seu silêncio, e com isso concluir as exigências de prevenção especial se mostram incompatíveis com a suspensão do cumprimento da pena, para além de deixar clara uma completa subversão do direito ao silêncio, garantido no nº 1 do artigo 32º da CRP e concretizado na alínea d) do artigo 61º do Código de Processo Penal (sabe-se que o silêncio não pode beneficiar o arguido, mas incontornável é que não o pode desfavorecer ou prejudicar, nisso se exteriorizando e materializando, aliás, o seu exercício) deixa patente a total despreocupação do Tribunal a quo com o cumprimento do poder-dever de justificação da não suspensão da pena imposto pela norma constante do nº 1 do artigo 50º do CP, que é clara e inequívoca ao fazer impender sobre o tribunal a "injunção" de suspender a execução da pena. 80.º Como acima ficou dito, nos presentes autos, de acordo com as regras próprias do direito de um Estado Democrático não existe qualquer prova dos factos que são imputados ao arguido. Pelo que, usando as regras do seu país, como qualquer outro cidadão, sem mais, mas também sem menos, direitos, o arguido submeteu-se à produção da prova que contra si o Estado teria que fazer. 81.º Sem ter que se autoincriminar, autoflagelar, nem ser hipócrita. Relembre-se, aqui, que, no entanto, o arguido, perante o Senhor juiz de instrução admitiu que teria um problema fiscal que tinha a noção que tinha que resolver. Significa isto, de forma clara e equilibrada, e sem recurso à humilhação, que o arguido mostrou ter consciência dos seus atos e ter noção do que é permitido e não é e de quais são as suas obrigações legais. 82.º Posto que presente o pressuposto formal (que é o da condenação a pena de prisão inferior a 5 anos), a lei adianta um pressuposto material, consistente num prognóstico favorável feito pelo tribunal à personalidade do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, pelo que interessarão, nessa análise, todos os factos apurados quanto ao percurso de vida e à situação pessoal do arguido - os quais, in casu, aparecem inscritos nos pontos 119 a 152 da matéria de facto dada como provada -, deles se fazendo uma análise crítica para que possa, depois, concluir-se se é ou não favorável juízo de prognose em relação ao arguido e, assim, decidir-se pela suspensão ou não da pena. 83.º Todos os factos atinentes às suas condições pessoais do recorrente demonstram que sempre se encontrou e se encontra integrado socialmente, revelando hábitos de trabalho e a ocupação de cargos públicos de destaque, que não se vê como é que podem, estas, sopesar negativamente na determinação da pena - recorde-se que os factos aqui em apreço em nada contendem com os cargos públicos exercidos e, também no que respeita à pena de prisão que se encontra a cumprir, se alguma coisa daí ressai, é, precisamente, que o arguido a está a cumprir, tendo-se nota nos autos da ausência de qualquer problema na execução de mais de dois anos de pena de prisão efetiva. 84.º O arguido goza de um percurso de vida e de uma inserção socioeconómica e familiar que deixam expostas necessidades de prevenção especial e geral, pelo que a fixação da pena de prisão no seu limiar mínimo e suspensa na sua execução, é seguro que satisfaz as necessidades de prevenção prosseguidas pela imposição da pena. Aliás, 85.º Não pode o tribunal deixar de ter em conta que os factos em causa nos presentes se situam temporalmente próximos dos factos que originaram a condenação do aqui arguido a uma pena de prisão, que em qualquer dos casos não estiveram em causa factos atinentes ao exercício de funções políticas, que o arguido nunca se furtou ao exercício da justiça e que cumpriu já 3 anos de prisão efetiva. Por isso, 86.º É destituído de sentido afirmar-se que o arguido não é digno de um juízo de prognose favorável. 87.º Deverá, assim, a não se absolver o arguido, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se a pena aplicada por pena de prisão fixada no seu limite mínimo e suspensa na sua execução. * O Digno Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido e apresentando as seguintes conclusões: 1. Na pronúncia, tal como na decisão condenatória, vem claramente identificado o ilícito típico precedente (fraude fiscal) e, bem assim, suficientemente (ainda que não exaustivamente) narrados e dados como provados os respectivos factos integradores (data dos recebimentos dos rendimentos em causa e omissão da sua declaração para efeitos fiscais - elementos que permitem concluir, por mera operação aritmética, em aplicação da lei, quais os montantes do IRS devidos e relativos a cada um dos anos de 2005 a 2008 - bem como o dolo do arguido relativamente a esse ilícito precedente – v. pontos 2 a 13, 16 a 26 e 111 a 118 dos factos dados como provados na decisão recorrida); 2. Por outro lado, os montantes do IRS apurados e não pagos pelo arguido nos anos de 2005 a 2008 por força dos crimes de fraude fiscal em causa foram concretamente referidos e especificados no depoimento em audiência da testemunha PS, como também se fez constar de fls. 41 e 42 do acórdão recorrido, na respectiva fundamentação, pelo que nenhuma dúvida ficou sobre tais montantes, sempre superiores a 15 mil euros e, nos anos de 2006 a 2008, ascendendo mesmo a valores de centenas de milhares de euros; 3. Quanto à alegada omissão na pronúncia da especificação do “dano causado” pelo facto ilícito típico de cuja prática provêm as vantagens, com a consequente impossibilidade para o arguido de “beneficiar da atenuação especial da pena prevista nos nºs 9 e 10 do artigo 368º-A do Código Penal, através da reparação integral ou parcial do dano causado” e de exercer o seu direito de defesa, dir-se-á apenas o seguinte: - A especificação desse dano na pronúncia pelo crime de branqueamento não é legalmente exigida nem a sua omissão gera qualquer nulidade desta; - O arguido não ficou, em momento algum, impossibilitado de reparar integral ou parcialmente esse dano, pois que o mesmo vinha quantificado nos artigos 4092 a 4128 da acusação que lhe foi oportunamente notificada e os montantes aí especificados foram confirmados no depoimento prestado em audiência de julgamento pela testemunha PS, do que o arguido ficou ciente; - O arguido também não requereu ao tribunal, em momento algum, a indicação ou concretização desse dano nem, sequer, manifestou ao tribunal, em momento algum, a intenção de proceder à sua reparação, pelo que só o não fez porque não quis fazê-lo; 4. Assim, temos por claro que a decisão recorrida não incorreu na nulidade a que alude o artigo 379º, nº 1, alínea b), do C.P.Penal, pois que não condenou o arguido por factos diversos dos descritos na pronúncia (nem acrescentou a esta quaisquer factos!), mesmo quanto aos respeitantes ao “crime” (precedente) de fraude fiscal, nem violou quaisquer direitos de defesa do arguido; 5. E temos também por seguro não se mostrar violado o princípio da legalidade nem o direito de defesa do arguido, falecendo, por isso, a alegada (como não podia deixar de ser, em casos deste tipo!) inconstitucionalidade dos artigos 368º-A, nºs 1, 3, 4, 9, 10, 11 e 12 do Código Penal e 283º, 308º e 379º do Código de Processo Penal, vertida nas conclusões 18.ª e 19.ª da motivação de recurso do arguido; 6. Na decisão condenatória vem claramente identificado o ilícito típico precedente (fraude fiscal) e, bem assim, suficientemente narrados e dados como provados os respectivos factos integradores (data dos recebimentos dos rendimentos em causa e omissão da sua declaração para efeitos fiscais - elementos que permitem concluir, por mera operação aritmética, em aplicação da lei, quais os montantes do IRS devidos e relativos a cada um dos anos de 2005 a 2008 - bem como o dolo do arguido relativamente a esse ilícito precedente – v. pontos 2 a 13, 16 a 26 e 111 a 118 dos factos dados como provados na decisão recorrida), pelo que não podemos ter por verificado o apontado vício da insuficiência para a decisão (condenatória) da matéria de facto provada; 7. Ao contrário do que sustenta o recorrente, nenhuma contradição existe na decisão recorrida entre factos provados (ponto 114) e não provados (al. d)), não se verificando o vício da contradição insanável de fundamentação, pois que, como decorre da leitura da pronúncia no seu todo, e do próprio art. 113.º dos factos provados, o montante de 2 milhões de euros (melhor dizendo, um montante até um pouco superior a esse) correspondia a quantias recebidas e não declaradas fiscalmente pelo arguido (e não ao montante do imposto devido e não pago), não podendo afirmar-se que constituíam “fundos originados em ilícitos de fraude fiscal”, mas, tão-só, “fundos objecto de fraude fiscal”, razão por que na decisão recorrida se deu aquela afirmação por não provada e esta por provada (com referência à matéria de facto vertida no art. 98.º da pronúncia); 8. O entendimento maioritário na doutrina, designadamente na doutrina espanhola, diversamente do do autor citado pelo recorrente – é o de que o crime de branqueamento não se reporta apenas ao montante do imposto devido, mas à matéria/base tributária que devia ter sido declarada e não o foi, antes tendo sido ocultada; 9. No caso dos autos, não se ocultou apenas o montante correspondente à fraude fiscal: transferiu-se para contas offshore sediadas no estrangeiro a totalidade das quantias não declaradas fiscalmente, o que significa que, sendo a totalidade da base tributária (não declarada) transferida para a Suíça de €1.613.301,00, é manifesto que toda ela está contaminada e pode ser objecto do crime de branqueamento, nela se contendo, por isso, o objeto material da infração de branqueamento dos €535.000,00 a que se reporta a condenação proferida; 10. A partir do momento em que o dinheiro não é declarado, que aquele rendimento não é declarado, deixa de interessar a alegada origem legítima do mesmo: enquanto não for declarado, todo o dinheiro tem que se manter ocultado, resguardado do olhar inquisitivo da Autoridade Tributária porque, uma vez detectada qualquer fracção desse total, sobre a mesma recairia a obrigação de liquidação e pagamento do respectivo imposto; 11. E esta interpretação não acarreta inconstitucionalidade da norma do art. 368º-A do C.Penal, pois que não se vê como viole os princípios da legalidade, da presunção de inocência e da necessidade, ínsitos nos artigos 2º, 18º, nº 2 e 29º, nº 1 e 32º, nºs 1 e 2 da CRP, como pretende o arguido, sem o fundamentar – conclusões 50.ª e 51.ª da motivação do seu recurso; 12. A Suíça concedeu a assistência pedida pelas autoridades judiciárias portuguesas para crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais, sendo que para todos estes crimes podem ser utilizados os resultados da assistência, embora, quanto ao crime de “fraude fiscale”, este necessite possuir as características do art.º 186 do LIFD ou ser uma “escroquerie fiscale” julgada nos termos suíços; 13. Entende-se por escroquerie, segundo a lei suíça, todo o comportamento astucioso pelo qual o autor guarda para si uma contribuição (ou uma parte desta) – qualquer que seja a sua natureza – devida ao Estado, assim como todo o comportamento astucioso pelo qual o autor provoca um dano no património fiscal do Estado, não sendo necessário que a fraude tenha sido cometida com uso de documentos falsos, sendo suficiente que se esteja na presença de uma maquinação astuciosa, de manobras fraudulentas, de um tecido de mentiras, de silêncios faltosos; 14. Ora, o arguido AM pretendeu, através da organização de circuitos financeiros, obstar ao manifesto fiscal dos fundos em Portugal, ao mesmo tempo prevenindo a detecção, por parte da administração tributária, da omissão de manifesto fiscal de tais fundos; 15. Acresce que o recebimento desses fundos pelo arguido não está suportado em quaisquer documentos: não existem contratos de suporte nem o arguido emitiu facturação relativa ao seu recebimento, pelo que não estamos perante uma simples omissão declarativa; 16. Por outro lado, de acordo com os factos provados, o arguido praticou o crime de fraude fiscal nomeadamente através do crime de branqueamento de capitais, executado, durante alguns anos (de 2005 a 2008), de forma sistemática e intensiva, segundo uma actuação planeada desde o início, com a abertura de contas bancárias no estrangeiro, designadamente off-shores, em nome de sociedades criadas para o efeito; 16. No nosso caso, fácil é constatar que a omissão declarativa dos rendimentos suplantou a simples acumulação de mentiras, apresentando-se como um conjunto de meios utilizados de maneira sistemática, intensiva e planificada, de forma que a Administração Fiscal não podia, através de uma qualquer verificação que lhe pudesse ser razoavelmente exigida, descobrir o esquema montado pelo arguido – no nosso caso, não o poderia fazer, não só por força da inexistência de documentos de suporte do recebimento dos fundos em causa mas, também, por força da abertura de contas bancárias no estrangeiro, designadamente off-shores, em nome de sociedades criadas para o efeito, onde os fundos em causa foram colocados; 15. Pelo que, integrando os factos imputados ao arguido uma “escroquerie fiscale” nos termos do direito suíço, e mesmo uma “fraude fiscale” (do art.º 186 do LIFD), os documentos obtidos através das cartas rogatórias enviadas à Suíça podiam ser utilizados; 18. Acrescendo que a assistência foi concedida também para o crime de branqueamento de capitais, sendo que os actos deste crime serviram para a prática do crime de fraude fiscal, ou seja, a prova do crime de branqueamento de capitais também se fez através dos documentos bancários suíços, motivo subjacente à concessão da assistência judiciária para os crimes de fraude fiscale e branqueamento de capitais, inexistindo in casu qualquer erro das autoridades suíças provocado pelas autoridades de investigação portuguesas; 19. Refira-se, finalmente, que o arguido confessou livremente a prática da infracção fiscal em causa aquando do seu interrogatório perante o JIC em fase de instrução, tendo a possibilidade e intenção da sua valoração sido comunicada aos sujeitos processuais e ficado consignada em acta de audiência de julgamento. Ora, como é sabido, a confissão livre e autónoma do arguido dissipa a mácula da prova eventualmente obtida de forma proibida, constituindo uma exceção ao efeito-à-distância, pelo que, também por aqui, nenhum obstáculo haveria à valoração das provas obtidas por carta rogatória; 20. Atento o exposto, e diversamente do que sustenta o recorrente, temos por certo que os documentos e informações obtidos através da carta rogatória o foram legitimamente e podiam ser usados como prova, não constituindo prova proibida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 126º, nº 3, do Código de Processo Penal; 21. Por essa razão também, falece a invocada inconstitucionalidade dos artºs 125º e 126º do CPP alegada pelo recorrente na conclusão 71.ª da sua motivação de recurso, pois que não foi recolhida qualquer prova com violação do disposto no art. 126º, nº 3 do CPP, tanto mais que a eventualidade de aquisição de elementos de natureza bancária está claramente prevista na lei, não estando dependente a sua validade do consentimento do visado; 22. Na decisão recorrida explica-se, pormenorizada e racionalmente, designadamente invocando regras da lógica e da experiência, como chegou o tribunal à conclusão de que foi dolosa a actuação do arguido – v. págs. 38-40; 23. E o recorrente parece esquecer que, no que concerne à intenção com que o arguido actuou, e porque o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa inferir, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção - e foi esse o percurso efectuado pelo tribunal na decisão recorrida; 24. Pelo que não tem razão o arguido-recorrente ao sustentar que não foi feita prova do elemento subjectivo do crime de branqueamento e que a intenção de ocultar ou dissimular a origem ilícita da vantagem branqueada não resultou senão da (inadmissível) intuição do julgador, o que o leva a pugnar pela revogação da decisão recorrida – conclusões 74.ª a 76.ª; 25. O tribunal ponderou adequadamente os critérios de determinação da medida das pena enunciados no art. 71º do C.Penal e fundamentou a medida da pena que fixou em dois anos de prisão, salientando-se, designadamente, a intensidade do dolo do arguido, a sua persistência criminosa, o especial dever que tinha de não cometer o crime, dadas as altas funções públicas e políticas que exerceu, a sua elevada condição económica, insuficiente para desincentivar a sua actuação criminosa - fls. 47-48 do acórdão condenatório, que para o efeito se dão aqui por reproduzidas; 26. Essas circunstâncias, além da ausência de arrependimento e da existência de antecedentes criminais, acentuam a existência de fortes exigências de prevenção especial; 27. A própria natureza do crime em causa, com as fortes exigências de prevenção geral que determina, não permite que a simples ameaça da prisão assegure, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, designadamente as exigentes finalidades de prevenção geral; 28. Assim, haverá que concluir-se não poder decretar-se a pretendida suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, razão por que o recurso não merece provimento também nesta parte. * Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso. O recorrente respondeu, reiterando argumentos já expendidos em sede recursória. Efectuado o exame preliminar, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. * Fundamentação No acórdão recorrido deram-se como provados os seguintes factos: 1. A entidade VH , com registo no Panamá, registo n.º 504768, foi disponibilizada, através do Banco UBS, pela entidade T. LLC, visando figurar como titular da conta bancária que o arguido AM e BV pretendiam abrir junto do mesmo Banco, por intermédio do gestor de conta MC . 2. Era o arguido AM quem obtinha e fazia chegar para depósito, através do gestor de conta MC , os valores que vieram a ser creditados na conta aberta na Suíça em nome da VH a partir de Dezembro de 2005. 3. O arguido AM desencadeou a abertura da referida conta, em nome da VH , entre Outubro e Novembro de 2005. 4. A conta foi formalmente aberta na data de 11 de Novembro de 2005, com uma componente em euros (conta n.º 206-360172.60K) e outra em francos suíços (conta n.º 206-360172.01G), vindo a realizar o primeiro movimento a crédito na data de 16 de Dezembro de 2005. 5. A partir de 2005, arguido AM visava utilizar, e assim utilizou, a conta aberta em nome da VH junto do UBS para ali fazer depositar quantias correspondentes a entregas de numerário que recebia. 6. O Arguido entregava essas quantias, em Portugal, ao gestor da conta, MC . 7. MC utilizava as referidas quantias em numerário, recebidas do arguido AM , para realizar entregas de fundos solicitadas por outros clientes em Portugal e com contas junto da UBS na Suiça. 8. Em contrapartida, compensava tal utilização do numerário com a realização de transferências de outros clientes para a conta da VH . 9. Noutros casos, tais quantias, que eram entregues em numerário, em Portugal, pelo arguido AM ao seu gestor de conta, eram por este encaminhadas, ainda em Portugal, para FC 10. Este, que detinha na Suíça uma conta titulada por si e pelo seu sobrinho FC , determinava então uma transferência de idêntico montante, menos 1% de comissão, para a conta em nome da VH . 11. Assim, a conta em nome da VH , junto da UBS, na Suíça, na sua componente em euros (conta n.º 206-360172.60K), recebeu as seguintes operações de transferência a crédito, correspondentes a quantias entregues em numerário, em Portugal, pelo arguido: - em 16-12-2005, de FC , € 49.896,00; - em 27-03-2006, de FC , € 144.045,00; - em 03-04-2006, de JAN WEBER, € 200.000,00; - em 06-06-2006, de FC , € 118.760,00; - em 03-10-2006, de FC , € 98.960,00; - em 26-04-2007, de J. SA, € 100.000,00; - em 26-04-2007, de II, € 150.000,00; - em 30-04-2007, de Conta junto do Deutsche Bank , € 100.000,00; - em 17-09-2007, de AR SA, € 40.000,00; - em 26-09-2007, de JO, € 20.000.00; - em 26-09-2007, de LU SA, € 20.000.00; - em 26-09-2007 IH SA, € 20.000.00; - em 19-12-2007 WS LTD, € 30.000,00; - em 19-12-2007, de Conta n.º 206-719784.60, € 35.000,00; - em 19-12-2007, de WO LTD, € 60.000,00; - em 17-03-2008, de LU SA, € 60.000,00; - em 19-03-2008, de RC , € 95.000,00; - em 28-05-2008, de WO LTD, € 35.000,00; - em 28-05-2008, de II, € 64.000,00; - em 24-11-2008, de Conta n.º 240-555002.70, € 173.000,00. 12. Assim, o arguido AM fez creditar a conta aberta em nome da VH , em euros, o montante total de €1.613.661,00, entre Dezembro de 2005 e Novembro de 2008. 13. Os fundos feitos, dessa forma, depositar na referida conta da VH , com origem última em entregas de numerário feitas pelo arguido AM , não foram pelo mesmo declaradas à Autoridade Tributária em Portugal. 14. Pretendia AM evitar a evidência de ser ele o beneficiário dos fundos, razão pela qual pediu a colaboração da sua filha, BV . 15. Sabia o Arguido que a mesma não era, então, considerada residente em Portugal para efeitos fiscais. 16. Após a realização de uma transferência ordenada por JD na data de 4 de Abril de 2008, no montante de € 692.500,00, a conta aberta em nome de JB junto da UBS, com o n.º 206-804280, passou a registar um saldo à ordem de €693.446,59. 17. A este saldo acresciam, na mesma data, aplicações realizadas em gestão fiduciária da conta (Fiduciary Encrase Call): uma no montante de €242.563,55, constituída, na data de 02-04-2008, a partir de anterior transferência determinada por JD ; e ainda do remanescente de cerca de €67.000,00 da primeira transferência do mesmo JD , somando um total de €1.003.000,00. 18. O arguido AM sabia poder dispor da quantia de €1.000.000,00 depositada nesta conta. 19. Acedendo ao seu pedido, JB subscreveu, com data de 16 de Junho de 2008, a ordem de transferência da quantia de 1 (um) milhão de euros da sua conta junto da UBS para a conta n.º 206-360172.60K, titulada pela sociedade off-shore VH, também junto da UBS. 20. Na data de 16-06-2008, a conta da VH , na sua componente em euros, foi creditada com a referida quantia de um milhão de euros, o que permitiu, em antecipação desse movimento, a realização de uma aplicação fiduciária no montante de €1.515.000,00 (Aba 60, fls. 81). 21. Consequentemente, o arguido AM fez creditar na conta, em euros, aberta em nome da VH , conta UBS n.º 206-360172.60K, a quantia total de €2.613.301,00, entre Dezembro de 2005 e Novembro de 2008. 22. Nesse mesmo período, o arguido AM declarou, em sede fiscal, ter recebido em Portugal os vencimentos pagos pela CGD e depois pelo BCP, recebidos nas contas CGD n.º 0001.024375.130 e BCP n.º 45350619812, respectivamente. 23. O arguido AM apresentou declarações em sede de IRS, onde fez constar os seguintes montantes de rendimentos auferidos: - Ano de 2005 - rendimento global de € 208.306,03, do qual o montante de €194.739,17 foi declarado pela CGD como tendo sido pago a título de vencimentos (Aba 104, fls. 81); - Ano de 2006 - rendimento global de €266.671,60, do qual o montante de €267.771,93, foi declarado pela CGD como tendo sido pago a título de vencimentos (Aba 104, fls. 81); - Ano de 2007 - rendimento global de €417.395,88, do qual o montante de €239.541,74, pago pela CGD e mais €42.658,00 pago pela Portugal Telecom, num total de rendimentos de trabalho dependente de €282.395,88, a que acresce o montante de €135.000,00 de mais-valia pela venda de um imóvel (Aba 69-A, fls. 18); - Ano de 2008 - rendimento global de €698.033,27, do qual o montante de €167.426,47 pago pela CGD e mais €496.317,10 pago pelo BCP, incluindo neste o montante líquido de €327.434,94 pago a título de vencimentos (Aba 104-C, fls. 356). 24. O arguido AM apresentou assim, declarações para efeitos fiscais, em sede de IRS, nos anos de 2005 a 2008, onde manifesta o recebimento de um montante total de €1.590.406,78. 25. Relativamente aos rendimentos recebidos a título de vencimento, pagos pela CGD e pelo BCP, nos referidos anos de 2005 a 2008, o arguido AM recebeu efectivamente, após descontos, por pagamentos que foram recebidos nas suas contas em Portugal, junto da CGD, conta n.º 0001.024375.130, e junto do BCP, conta n.º 45230619812, as seguintes quantias: - Ano de 2005 - € 97.604,51, pago pela CGD; - Ano de 2006 - € 139.211,87, pago pela CGD; - Ano de 2007 - € 133.741,32, pago pela CGD; - Ano de 2008 - € 327.434,94, pago pelo BCP; - Ano de 2008 - € 111.544,85, pago pela CGD; 26. O arguido AM , entre 2005 e 2008, a título de vencimento líquido, pago pela CGD e pelo BCP, a quantia líquida total de €809.537,49, que utilizou para o pagamento de despesas no seu interesse, a partir das contas acima identificadas, não tendo determinado, a partir das mesmas, a realização de transferências para a conta da VH nem tendo realizado sobre os mesmos levantamentos de quantias em numerário, tendo em vista a sua entrega para crédito na mesma conta na Suíça. 27. O arguido AM desencadeou vários procedimentos no sentido de fazer circular os referidos fundos, recebidos na conta aberta na Suíça em nome da VH , promovendo para tal a abertura de novas contas, em nome de nova entidade instrumental, bem como recorrendo a serviços prestados por terceiros que lhe permitiam a utilização de contas de passagem, não conexas com a sua pessoa, ainda de forma a esconder ser ele o verdadeiro titular dos fundos. 29. Assim, o arguido AM veio a obter a disponibilidade da entidade WH LTD, com registo nas ilhas Seychelles, em nome da qual abriu, na data de 28 de Novembro de 2008, ainda junto da UBS, na Suíça, a conta n.º 230 - 514434, com uma componente em euros (n.º 230-514434.60X) e outra em francos suíços (n.º 230-514434.01V). 30. Para a realização do primeiro movimento, de abertura dessa nova conta, o arguido AM determinou, na data de 19-12-2008, uma transferência no montante de 16.950,00 CHF da conta em francos suíços titulada pela VH para a referida conta UBS n.º 230-514434.0IV, em francos suíços, titulada em nome da WH. 31. Uma vez obtida essa conta aberta em nome da entidade WH , o arguido AM , entre 22 Dezembro de 2008 e 5 de Janeiro de 2009, fez transferir a totalidade dos fundos depositados na conta aberta em nome da VH , num total de €2.171.291,07, para a conta titulada em nome da WH LTD, em euros, acima referida, conta nº 230-514434.60X, através das seguintes operações: - Na data de 22-12-2008, a quantia de €1.131.082,92; - Na data de 22-12-2008, a quantia de €1.035.970,31; - Na data de 31-12-2008, a quantia de €4.000,00; - Na data de 05-01-2009, a quantia de €237,84, que saldou a conta aberta em nome da VH . 32. Após a transferência da totalidade dos fundos, o arguido AM fez encerrar definitivamente a conta aberta junto da UBS em nome da VH . 33. Assim, o arguido AM fez transferir, entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, a partir da conta em nome da VAH, um total de €2.171.291,07, que ficou na sua disponibilidade na conta em euros aberta em nome da WH . 34. Desde, pelo menos, final do ano de 2007 que o arguido AM , com a acumulação de fundos na Suíça, visava implementar uma estratégia que lhe permitisse utilizar os mesmos fundos em Portugal, mas sem revelar a existência das contas abertas na Suíça. 35. Isto implicava que, a partir das referidas contas abertas na Suíça, não pudesse haver transferências directas de fundos para Portugal. 36. Por outro lado, ao longo dos anos de 2008 e 2009, correndo outras investigações criminais contra si, o arguido AM procurou fazer movimentar para contas em diferentes países parte dos fundos detidos nas referidas contas na Suíça. 37. Visava, assim, gerar uma dispersão de fundos e utilizar diversos esquemas de circulação dos mesmos, de forma a que fosse mais difícil às autoridades judiciárias identificar as contas bancárias usadas para o depósito do dinheiro e conexionar tais contas a sua pessoa. 38. Para o efeito, o arguido AM recorreu aos serviços de uma entidade de consultoria Suíça, designada AC , com sede em Genebra, que tinha como sócios os cidadãos suíços GM e MN . 39. O arguido AM solicitou então à referida AC que lhe fosse montada uma estrutura societária internacional, e possibilitada a utilização de contas bancarias noutro país, em particular junto de bancos no Reino Unido, disponibilizando-se a pagar para que lhe fossem disponibilizadas contas, em nome de terceiras entidades, também em offshore, para as quais faria inicialmente transferir os fundos, mas para logo de seguida os voltar a transferir para outra conta, antes de fazer chegar tais fundos a uma conta que não fosse identificada nem com a qual fosse estabelecida conexão com a sua pessoa. 40. Para o efeito, a AC concebeu e desenvolveu a montagem de uma estrutura societária que passava pela disponibilização de uma sociedade registada na irlanda, a DH, bem como a disponibilização de uma entidade em offshore, a ZH, com registo no Chipre, que iria figurar como sócia da primeira. 41. A ZHera uma sociedade detida pelos sócios da AC , que disponibilizavam a mesma para assumir a posição de accionista fiduciária da DH , actuando nessa posição por conta e no interesse do arguido AM , mas sem que o nome deste figurasse como beneficiário da DH . 42. Ainda segundo o esquema montado pela AC , a referida DH , sendo uma sociedade com registo num país da União Europeia, no caso a Irlanda, seria depois utilizada para constituir em Portugal uma outra sociedade, ficando assim, criada uma cadeia de sociedades que poderiam criar justificativos para a transferência de fundos entre si, incluindo para a transferência de quantias para uma conta bancária aberta em Portugal. 43. Segundo o esquema montado pela AC , a pedido e com o acordo do arguido AM , este último faria transferir os fundos que entendesse para uma conta indicada pela AC , que após faria chegar os fundos a uma conta aberta em nome da DH , justificando tais transferências como sendo aportes de capital realizados pelo sócio desta última, que formalmente era a ZH . 44. O arguido AM pretendia utilizar tal estrutura societária e circuito de fundos, como efectivamente fez, para transferir para Portugal parte dos fundos que se encontravam nas contas abertas em nome da VH e da WH . 45. A sociedade DH LIMITED havia sido constituída ao abrigo da lei Irlandesa, através dos serviços da entidade PT , contratados pela AC , tendo a sua sede em Dublin e sido registada junto do registo comercial de Dublin com o n.º…, na data de 1 de Outubro de 2007, figurando como primeira accionista fiduciária a entidade PN LIMITED. 46. A AC , de forma a poder usar a DH no interesse do seu cliente AM , fez transferir a titularidade das acções da mesma para a sociedade ZH , que era controlada pela AC e que passou assim a ser utilizada para figurar como sócia fiduciária da DH , por conta e de forma a esconder a intervenção do arguido AM . 47. Em nome da DH , correspondendo aos serviços contratados pelo arguido AM , a AC fez abrir uma conta bancária junto do Barclays Bank, em Londres, a que corresponde o IBAN GB38BARC20473579335111, a qual era controlada pelos sócios da AC , entre os quais o cidadão suíço GM , seguindo as instruções do arguido AM (Aba 137, fls. 106 e 107). 48. Ainda no âmbito dos mesmos serviços prestados ao arguido AM , a AC solicitou depois ao escritório de advogados da Dra. AB , que viesse a constituir uma sociedade em Portugal, figurando como sócia da mesma a referida DH , o que veio a acontecer com a constituição, na data de 14 de Março de 2008, da sociedade C. UNIPESSOAL LDA, a que veio a ser atribuído o NIF .... 49. A DH , para figurar como sócia de uma sociedade em Portugal, veio a receber o NIF 980389402, como sendo uma sociedade não residente e sem estabelecimento estável em Portugal. 50. A estrutura societária assim montada permitia, através de uma cadeia de participações sociais, da ZH e DH e desta na C. Unipessoal, justificar as transferências de fundos para uma conta em Portugal como sendo aportes de capital ou suprimentos a sociedade registada em Portugal. 51. Para melhor proteger a identificação da origem dos fundos que deveriam ser feitos transferir para a conta da DH , foi acordado entre o arguido AM e a referida AC que lhe seria facultada a utilização sucessiva de duas contas bancárias, ambas em nome de entidades offshore e sem qualquer ligação à 52. pessoa do arguido, de forma a que os fundos transferidos das contas em nome da VA e da W. tivessem uma passagem, por um curto período de tempo, em depósito nessas contas instrumentais, antes de serem transferidos para a conta da DH . 53. Na execução desse acordo de prestação de serviços solicitados a AC , esta sociedade começou por disponibilizar ao arguido AM uma conta aberta em nome da entidade em offshore OC, junto do Banco Barclays, em Londres, conta a que correspondia o IBAN GB83BARC20473585278655, onde poderiam ser recebidos fundos com origem nas contas abertas na Suíça, que seriam após reencaminhados conforme o serviço acordado. 54. Uma vez obtida a disponibilidade da conta aberta em nome da OC. , o arguido AM ordenou a realização das seguintes operações com destino a referida conta da OC. junto do Barclays: - Em 11 de Dezembro de 2007, transferiu €125.000,00 com origem na conta da VH na UBS, Suíça, acima identificada (Aba 92, fls. 9); - Em 26 de Março de 2008, transferiu €50.000,00 com origem na conta da VH na UBS, Suíça, acima identificada (Apenso AU, parte VII, fls. 63066); - Em 11 de Dezembro de 2008, transferiu €250.000,00 com origem na conta da VH , UBS, na Suíça, acima identificada (Apenso AU parte VII fls. 63069); - Em 25 de Setembro de 2009, transferiu €150.000,00 com origem na conta da WH na Suíça, já acima identificada (Aba 92, fls. 29). 55. Tal como havia sido acordado entre o arguido AM e a AC , esta entidade, que controlava a conta aberta em nome da OC. , determinava ainda, após o recebimento dos fundos na conta da OC., uma nova transferência dos mesmos fundos para uma segunda conta bancária, também apenas destinada a servir para uma passagem temporária dos mesmos fundos. 56. Para servir como essa segunda conta de passagem dos fundos, a AC utilizou uma conta em nome da entidade ZH, também aberta junto do Barclays, em Londres, a correspondia o n.º 63000911, sendo esta a mesma entidade que figurava como sócia da DH , como fiduciária e no interesse do arguido AM . 57. Assim, após, na data de 11 de Dezembro de 2007, a conta da OC. ter recebido a quantia de €125.000,00 com origem na VAH, logo no dia 17 de Dezembro de 2007, em execução do esquema de encobrimento acordado, foi transferida igual quantia para a conta aberta em nome da entidade ZH (Aba 92-A, fls. 6). 58. Da mesma forma, após, na data de 26 de Marco de 2008, a conta da OC. ter recebido a quantia de €50.000,00 com origem na VAH, logo no dia 27 de Março de 2008, com o mesmo fim de encobrimento da origem dos fundos, foi transferida a quantia de €49.900,00 para a conta aberta em nome da entidade ZH (Aba 92-A fls. 7). 59. Ainda obedecendo ao mesmo esquema, após, na data de 12 de Dezembro de 2008, a conta da OC. ter recebido a quantia de €250.000,00 com origem na VAH, logo no dia 16 de Dezembro de 2008, com a mesma finalidade de encobrimento da origem dos fundos, foi transferido o mesmo montante para a outra conta aberta em nome da entidade ZH (Aba 92-A, fls. 8). 60. Por fim, ainda em execução do mesmo esquema, após, na data de 25 de Setembro de 2009, a conta da OC. ter recebido a quantia de €150.000,00 com origem na WH , logo no dia seguinte, 26 de Setembro de 2008, foi determinada a realização de nova transferência de igual montante, para a conta aberta em nome da entidade ZH - Aba 92-A, fls. 10. 61. A conta titulada pela entidade ZH era controlada pela entidade AC , que assim, foi recebendo naquela conta, como fiduciária, os fundos mandados transferir pelo Arguido AM , com origem nas contas abertas na Suíça, que atingiram a quantia total de €575.000,00 (quinhentos e setenta e cinco mil euros). 62. No entanto, conforme o acordado entre o arguido AM e a AC , tais fundos, uma vez chegados a conta aberta em nome da ZH , eram, de imediato transferidos para a conta aberta no Reino Unido em nome da DH , já acima referida, tendo em vista a sua transferência para Portugal, conforme a conveniência do arguido. 63. Com efeito, o arguido AM concebeu, tendo em vista a utilização dos referidos fundos em Portugal, um esquema que passava pela utilização da sociedade C. para a realização de negócios imobiliários em Portugal, legitimando as entradas de fundos nesta sociedade como sendo aportes de capital ou empréstimos realizados pela sócia, que era a sociedade DH . 64. O arguido AM , através da AC e fazendo esconder a sua intervenção, obteve a disponibilidade da sociedade C. UNIPESSOAL LDA, com o NIF ..., a qual tinha como única sócia a referida DH LIMITED, que, para o efeito, recebeu a atribuição do NIF …, tendo aquela primeira sociedade, como sede social, a morada sita na Rua … em Lisboa, correspondente ao escritório de advogados da sociedade “AB e Associados”. 65. A sociedade C. UNIPESSOAL tinha como objecto social declarado a realização de negócios com imóveis, incluindo a compra e venda, administração e arrendamento, além da consultoria e gestão e realização de estudos e projectos urbanísticos, bem como a prestação de serviços de gestão, fiscalização, assessoria técnica e administrativa a todo o tipo de entidades. 66. Em nome da mesma C. UNIPESSOAL, o arguido AM obteve também, ainda no âmbito dos serviços acordados com a AC , na data de 2 de Abril de 2008, a abertura de uma conta bancária, junto do BPI, conta n.º 7-4087554, na qual começou por aceitar figurar como autorizada a Dra. AB (Aba 137, fls. 2,3). 67. O arguido AM passou assim, a dispor, através dos serviços de estruturação societária solicitados a AC , dos instrumentos necessários para fazer transitar parte dos fundos que havia acumulado nas contas abertas em nome da VH e da WH , de forma a fazer parquear os mesmos na conta aberta em nome da DH , sem envolver o seu nome nessas operações, mas ficando com os fundos disponíveis para os fazer transferir, de forma justificada, para a conta aberta em nome da C. , já em Portugal. 68. Assim, à medida que os fundos, inicialmente originários das contas em nome da V. e da W. , foram feitos transferir para a conta da ZH , última das contas de passagem utilizadas para encobrir a origem do dinheiro, o arguido AM , ainda através da referida AC , fazia com que os mesmos fossem transferidos para a conta aberta em nome da D. L HOLDINGS, ainda junto do Banco Barclays, em Londres. 69. Na execução desse esquema de colocação dos fundos na conta da D. L ocorreram então as seguintes operações: - Na data de 17 de Dezembro de 2007 foi recebida na conta da ZH a quantia de €125.000,00 e logo no dia seguinte, 18 de Dezembro, o mesmo montante foi feito transferir para conta em nome da D. L HOLDINGS (Aba 92-A, fls. 6); - Na data de 27 de Março de 2008 foi recebida na conta da ZH a quantia de €49.900,00 e no mesmo dia foi transferido o montante de €49.750,00 para conta em nome da D. L HOLDINGS (Aba 92-A, fls. 7); - Na data de 16 de Dezembro de 2008 foi recebida na conta da ZHa quantia de €250.000,00 e logo no dia 18 de Dezembro seguinte, o mesmo montante foi feito transferir para conta em nome da D. L HOLDINGS (Aba 92-A, fls. 8); 70. O arguido AM conseguiu assim colocar, sem aparente ligação com as contas da V. e da W. , um montante total de €574.750,00 na conta titulada pela DH , acima referida, visando após criar justificativos e oportunidades para a transferência de tais fundos para a conta aberta em Portugal em nome da C. . 71. Com o justificativo de constituir o capital social da C. , o arguido AM determinou, através da AC , a transferência do montante de €25.000,00 da conta da DH para a conta da C. junto do BPI, acima referida, onde foi creditada com data de 4 de Abril de 2008 – (Aba 137, fls. 25 e 26). 72. Tendo em vista gerar novos justificativos para a transferência dos fundos que remanesciam na conta da DH , o arguido AM contactou com o Dr. JS , advogado e pessoa da sua amizade e confiança, a fim de serem identificadas oportunidades de negócio na área do imobiliário. 73. O referido JS aceitou, já em Dezembro de 2008, passar a figurar como gerente da C. , tendo passado também a deter poderes de movimentação sobre a conta aberta em nome da mesma sociedade junto do BPI, tendo ainda, por acordo com o arguido AM , alterado a sede da sociedade para a morada do seu escritório, sito no Porto. 74. JS aceitou gerir e aplicar os fundos que viessem a ser transferidos para a conta da C. no interesse e segundo as instruções que viesse a receber do arguido AM , directamente ou por via da AC , tendo o arguido posto em contacto JS com GM . 75. Assim, já ao longo do ano de 2009, o arguido AM fez transferir para a conta da C. , através da AC , os fundos que se encontravam depositados na conta aberta em nome da DH , junto do Barclays de Londres, o que concretizou através de operações realizadas nas seguintes datas e montantes: - A 23-02-2009 - €250.000,00 (Aba 137, fls. 27-28); - A 13-08-2009 - €110.000,00 (Aba 137, fls. 29-30); - A 09-10-2009 - €150.000,00 (Aba 137, fls. 31-32). 76. Tais montantes recebidos na conta da C. , num total de €535.000,00, foram registados na contabilidade da C. como correspondendo a realização do capital social, no montante de €25.000,00, e como sendo, no restante, suprimentos feitos pela sociedade DH a sua participada C. . 77. De forma a evitar que tais montantes permanecessem na conta da C. sem justificação e sem aplicação em face do objecto social da sociedade, o arguido AM concebeu um esquema que lhe permitiria aplicar uma parte do referido montante, criando uma aparência de actividade para a sociedade. 78. Com efeito, em meados do ano de 2009, BV andava a procura de um imóvel para adquirir para sua habitação, em Lisboa, pretendendo dar em permuta um outro imóvel, sua propriedade, sito na Avenida do Brasil, …, em Lisboa, descrito então na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, da freguesia do Campo Grande. 79. O arguido AM e BV combinaram então que, de forma a ser aceite, pelo vendedor do novo imóvel, quer a permuta, quer o valor pretendido atribuir ao supra-referido andar sito na Avenida Brasil, a sociedade C. iria intervir como adquirente deste último imóvel. 80. Segundo o planeado, a aquisição pela C. visava garantir a empresa que alienava o novo imóvel que iria receber o preço que viesse a ser atribuído ao imóvel que iria aceitar em permuta. 81. Com efeito, o arguido AM e BV iniciaram, por volta de Agosto de 2009, negociações com a sociedade P. - INVESTIMENTOS E CONSTRUÇÕES SA para a aquisição, para a segunda, do imóvel sito na Avenida …, em Lisboa, correspondente a descrição predial n.º … da 4.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia da Lapa, e a descrição predial n.º …, da 3.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia de Santos o Velho, fracção designada pelas letras “CR”. 82. A P. pedia pelo referido imóvel o preço de €610.000,00, pretendendo o arguido AM e BV que a mesma aceitasse em permuta, pelo valor de €390.000,00, o imóvel detido por BV , sito na Avenida Brasil, acima referido. 83. De forma a que a P. aceitasse o referido valor de €390.000,00, em sede de permuta, para o imóvel sito na Avenida Brasil, o arguido AM comprometeu-se então com os administradores da primeira a que o imóvel permutado seria adquirido, pelo referido preço de €390.000,00, através da sociedade C. . 84. Tal compromisso veio a ser vertido, em contrato-promessa celebrado entre a P. e a C. 85. O Arguido AM determinou que a C. assumisse, perante a P. , a obrigação de adquirir o referido imóvel, sito na Avenida do Brasil, pelo preço de €390.000,00, caso a P. o viesse a receber por efeito da permuta a celebrar com BV . 86. O arguido AM fez chegar a JS os termos em que pretendia que fosse celebrado o referido contrato-promessa, tendo aquele último subscrito o mesmo contrato, como representante da C. , na qualidade de promitente compradora, na data de 10 de Setembro de 2009 (cf. Abu 164, doc. 4). 87. Na data da celebração do contrato-promessa, o arguido AM determinou que a C. procedesse ao pagamento a P. , por conta do preço da aquisição do imóvel sito na Avenida do Brasil, em Lisboa, da quantia de €290.000,00, dando para tal instruções a JS , que emitiu e fez chegar à P. o cheque n.º 1459950859, sacado sobre a conta da C. no BPI, preenchido no referido montante de €290.000,00, que foi debitado na conta sacada com data de 14 de Setembro de 2009. 88. No dia 11 de Setembro de 2009, foi celebrada a escritura de permuta entre BV e a P. , entregando esta à primeira o imóvel sito na Avenida Infante Santo, com a morada acima referida, fracção autónoma CR, correspondente ao artigo matricial …, da freguesia da Lapa, com o valor atribuído para efeito de permuta de €621.000,00. 89. Por seu lado, nos termos da mesma escritura, BV entregou à P. o imóvel sito na Av. do Brasil, em Lisboa, acima referido, fracção autónoma E, correspondente ao artigo matricial …, da freguesia do Campo Grande, com o valor atribuído para efeito de permuta de €390.000,00. 90. Em consumação da vontade do arguido AM , a C. veio a formalizar a aquisição a P. do imóvel sito na Avenida do Brasil, em Lisboa, acima identificado, pelo montante de €390.000,00, por escritura celebrada na data de 10 de Novembro de 2009, com intervenção de JS na qualidade de gerente da C. . 91. Tendo em vista suportar o pagamento do remanescente do preço, faltando então pagar o montante de €100.000,00, o arguido AM determinou, através da AC , a realização de nova transferência a partir da conta em Londres da DH para a conta BPI da C. , no montante de €150.000,00, lançada a crédito desta conta na data de 9 de Outubro de 2009, conforme já acima referido. 92. Assim, na data da escritura, o arguido AM determinou que a C. procedesse ao pagamento do remanescente do preço, tendo, para o efeito, o gerente JS emitido o cheque n.º 8459950862, no montante de €100.000,00, sacado sobre a conta BPI da referida C. , na qual veio a ser lançado a débito com data de 13 de Novembro de 2009 (Aba 137, fls. 34). 93. O arguido AM fez assim, aplicar os fundos que tinha introduzido na conta da VH , depois de os ter circulado por contas bancárias abertas em nome das entidades WH , OC. CORP., ZHe DH , consumando tal aplicação através de uma entidade, a C. , relativamente à qual fez ocultar ser o beneficiário final, ocultando a sua pessoa com a utilização da DH para figurar como sócia. 94. O arguido AM transformou uma parte dos fundos entrados na sua esfera de controlo através da conta da VH , na aquisição e detenção do imóvel acima identificado, sito na Avenida Brasil, em Lisboa, ao mesmo tempo que o sobrevalorizava para efeito de permuta realizada no interesse de BV . 95. Tendo passado a deter o referido imóvel, através da C. , a partir de 10 de Novembro de 2009, o arguido AM começou por fazer chegar indicações a JS no sentido de prosseguir com a actividade de arrendamento de quartos na referida fracção, gerando o recebimento de três rendas mensais, sendo duas de €300,00 e outra de €350,00, recebimentos registados na conta da C. junto do BPI. 96. O arguido AM permitiu a JS que, após o pagamento da aquisição do supra-referido imóvel, viesse a sacar fundos da conta da C. , quer a título de empréstimo da sociedade ao seu gerente quer como remuneração do mesmo. 97. No âmbito dessa permissão, JS fez sacar da conta da C. junto do BPI, no seu próprio interesse, a quantia total de €143.550,00, através dos seguintes débitos sobre a mesma conta: - Na data de 26-11-2009 - €40.000,00; - Na data de 29-12-2009 - €30.000,00; - Na data de 29-04-2010 - €7.500,00; - Na data de 11-06-2010 - €23.000,00; - Na data de 28-06-2010 - €5.000,00; - Na data de 29-07-2010 - €6.000,00; - Na data de 01-09-2010 - € 6.000,00; - Na data de 10-09-2010 - €3.500,00; - Na data de 13-05-2011 - €5.000,00; - Na data de 14-07-2011 - €4.750,00; - Na data de 14-10-2011 - €1.800,00; - Na data de 30-10-2012 - €2.000,00; - Na data de 04-04-2013 - €4.000,00; - Na data de 06-05-2013 - €1.000,00; - Na data de 16-05-2013 - €1.000,00; - Na data de 03-09-2013 - €1.000,00; - Na data de 11-03-2014 - €2.000,00. 98. JS veio a devolver à referida conta, até final do ano de 2016, por via de reposição dos empréstimos recebidos, a quantia total de €15.000,00. 99. Através da factura n.º 2016.00097, dirigida a C. e com referência aos serviços prestados à mesma, emitida pela sociedade JS E ASSOCIADOS, no montante de €47.970,00, com IVA, com data de 19-4-2016, JS compensou o montante total de €47.970,00. 100. Tal valor é correspondente, em parte, ao pagamento de €30.000,00, realizado a 29-12-2009, já acima referido, e que tinha sido creditado, com data de 31-12-2009, na conta da mesma sociedade de advogados junto do Banco Santander - conta n.º … (Aba 137-B e fls. 38425). 101. JS era, assim, devedor à sociedade C. , e consequentemente ao arguido AM , no final de 2016, da quantia de €80.580,00, a qual veio a repor, na mesma conta bancária, acrescida de juros, já após a apreensão daquela conta à ordem dos presentes autos, através da transferência para a conta da C. do montante total de €91.743,49, realizada na data de 13 de Julho de 2017. 102. Uma vez que, após Outubro de 2009, o arguido AM não determinou a realização de novas operações para creditar a conta da DH , tendo esta ficado sem saldo que permitisse pagar as despesas dos serviços contratados pelo mesmo arguido à AC , que se fazia pagar por débito na conta da DH , foram ainda realizadas transferências de fundos da conta da C. para a conta da DH , junto do banco Barclays, no Reino Unido, nas seguintes datas e montantes: - Na data de 29-11-2010 - €5.000,00 (Aba 137, fls. 33); - Na data de 12-11-2015 - €15.659,66 (correspondente a 15.800,00 CHF - Aba137, fls. 22); - Na data de 08-11-2016 - €16.532,01 (correspondente a 17.700,00 CHF - Aba137, fls. 23). 103. O arguido AM manteve o referido imóvel, sito na Av. Brasil, em Lisboa, sob titularidade da C. até 2015, tendo então decidido proceder à sua venda. 104. Para o efeito, seguindo as indicações recebidas, JS contratou, na data de 19 de Fevereiro de 2015, a sociedade U. , LDA. no sentido de encontrar um comprador para o imóvel, sito na Av. Brasil, em Lisboa, único activo da C. (Abu 164, doc. 4). 105. Tendo então cessado a actividade de arrendamento de quartos no imóvel, a conta da C. deixou de registar novos créditos tendo, no final de Julho de 2015, um saldo residual de € 358,21. 106. Em 16 de Outubro de 2015, o arguido AM fez com que a C. , representada pelo seu gerente, JS , viesse a formalizar escritura de venda do referido imóvel sito na Avenida do Brasil, em Lisboa, pelo preço de €350.000,00, sendo comprador AC . 107. Em pagamento do referido preço de venda, JS recebeu os cheques bancários n.º 7076172284, emitido pela CGD, no montante de €140.000,00, e n.º 8603508737, emitido pelo Barclays, no montante de €210.000,00, que depositou, na data de 20 de Outubro de 2015, na conta da C. junto do BPI, que então passou a registar um saldo credor de €350.001,90 (Aba 137, fls. 44-48). 108. De seguida, como gerente da C. , conforme as indicações recebidas do arguido AM , JS utilizou os fundos depositados para realizar o pagamento da quantia devida a sociedade U. , no montante de €21.525,00, e fez aplicar o montante remanescente, no total de €300.000,00, que resgatou parcialmente, em Novembro de 2016, para a realização da devolução de fundos à DH e subsequentes pagamentos devidos a AC . 109. A C. , na data de 24 de Março de 2017, detinha, para alem dos créditos sobre JS , os montantes depositados na conta n.º 7-4087554, junto do BPI, sendo o montante de €5.503,67 à ordem e €285.000,00 em aplicação financeira. 110. O arguido AM , sendo o beneficiário efectivo da conta da C. , determinou, exclusivamente no seu interesse e de BV , os negócios feitos pela mesma sociedade, bem como os débitos registados na conta BPI da mesma C. , não existindo uma real autonomia de interesses da sociedade. 111. O arguido AM sabia que os fundos feitos circular até à conta da C. e que remanescem na mesma, tinham origem não declarada fiscalmente, a qual pretendia esconder. 112. Sabia o Arguido que se tratavam de fundos com origem última na conta aberta na Suíça em nome da VH . 113. O arguido sabia que a totalidade dos fundos feitos transferir para a conta aberta em nome da referida VH correspondiam a montantes não declarados por si, em sede fiscal, em Portugal. 114. Como tal, sabia que esses valores, num montante equivalente a €2.000.000,00, correspondiam a fundos objecto de fraude fiscal. 115. Sabia o Arguido AM que, ao actuar nos termos descritos, encobria a verdadeira origem dos fundos, bem como a circunstância de constituírem produto do crime de fraude fiscal. 116. Sabia ainda que criava barreiras à sua detecção, as quais permitiam ocultar a prática do ilícito fiscal que estava na sua origem e a reintrodução dos fundos na economia legítima. 117. Mesmo assim, o arguido AM decidiu actuar nos termos descritos, tendo concretizado tais intentos. 118. O arguido AM agiu conhecendo todos os factos descritos e querendo praticá-los, bem sabendo que violava os deveres de verdade a que estava obrigado perante a administração fiscal, visando o não pagamento de impostos devidos, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. Das condições pessoais do Arguido 119. AM nasceu num meio de características rurais, no concelho de Vinhais, distrito de Bragança, sendo o segundo de três filhos de um casal de baixos recursos económicos. O pai era carpinteiro e a mãe doméstica. 120. A infância, entre os 3 e os 7 anos, foi passada no Porto, depois ingressou na escola primária em Vinhais, sendo um aluno assíduo e empenhado. Com cerca de 14/15 anos ingressou no liceu em Bragança, onde passou a viver num quarto arrendado, longe da família. 121. Na época, começou a trabalhar em contabilidade para pequenas firmas de automóveis, terminando a formação liceal já em adulto. 122. Interrompeu a frequência do 7.º ano do liceu devido à actividade politica que iniciou em 1974; aos 18 anos elaborou um projecto de educação de adultos, através da Fundação José Fontana. 123. Através desta Fundação, AM obteve formação na Suécia, ficando com o estatuto de coordenador daquele projecto, no interior norte do País, tinha então cerca de 21 anos. 124. Aos 24 anos passou a trabalhar na Caixa Geral de Depósitos de Mogadouro, mantendo em paralelo o exercício da actividade politica. 125. Registando uma ascensão progressiva no interior do PS, em representação do círculo eleitoral do distrito de Bragança, foi por ele eleito deputado à Assembleia de República, aos 28 anos. 126. O arguido, enquanto deputado, concluiu em 2005 a sua formação académica em Relações Internacionais, na Universidade Independente. Entretanto tinha frequentado os cursos de Filosofia e Direito, que não concluiu, por não corresponderem às suas motivações. 127. Exerceu mandatos de deputado em quatro legislaturas, integrou o Governo por duas vezes, como Secretário de Estado da Administração Interna, como Secretário Adjunto do Ministro da Administração Interna e ainda como Ministro-adjunto do Primeiro-ministro de 1999 a 2000. 128. A saída do Governo em 2000, na sequência de notícias sobre irregularidades na Fundação para a Prevenção da Segurança Rodoviária que ajudou a fundar, sujeitou-o a críticas na comunicação social, com prejuízo da sua imagem pública. 129. Regressou em 2001 à Caixa Geral de Depósitos, onde passou a exercer funções como director-adjunto na Direcção de Património, Obras e Segurança. Volvido um ano foi nomeado director. 130. Em 2005, passou a Director Coordenador do Gabinete de promoção, e segurança. 131. Após, foi nomeado para cargo na Administração da CGD. Posteriormente, em 2008, assumiu no BCP a vice-presidência do banco. 132. Em 2009 pediu a demissão do cargo que exercia no BCP. Esta demissão foi-lhe então recusada, tendo ficado suspenso com salário durante cerca de um ano. 133. Posteriormente, constituiu uma empresa de consultadoria “RD , SA”, na qual desempenhava funções de “Chairman”, cargo essencialmente de relações públicas que sempre sentiu como gratificante. 134. Através da RD , SA. prestou serviços para a empresa “CC” na área da construção e negócios, sediada em Maputo, Moçambique. A esta actividade que exigia deslocações e contactos em diversos países, para além de Moçambique, Brasil e outros países africanos. 135. A nível relacional contraiu um primeiro matrimónio, que perdurou 20 anos e do qual tem dois filhos. Na época a família viva em Bragança e o afastamento geográfico que se evidenciou com a ascensão política e partidária do Arguido contribuiu para o fim do casamento. 136. Após o divórcio mantiveram-se os laços de proximidade com os filhos. 137. O arguido estabeleceu um segundo matrimónio, do qual tem um filho, actualmente de maior idade. 138. Também esta união chegou a seu termo após 14 anos de vida em comum, com o divórcio em 2004. 139. Para além destes três filhos, AM tem uma filha, menor idade (17 anos), nascida de uma relação pouco consistente, que vive com a progenitora. 140. Entre 15 de Julho e 16 de Outubro de 2015 foi-lhe aplicada uma medida de obrigação de permanência na habitação, com recurso a vigilância electrónica, no âmbito do processo 122/13.8TELSB. Cumpriu a medida sem incidentes e beneficiando do apoio da família. 141. Em 2017, reatou a relação com MH , (segunda cônjuge) continuando o casal e filho a viver na mesma morada, em Lisboa. 142. Em 16 de Janeiro de 2019, AM apresentou-se voluntariamente no Estabelecimento Prisional de Évora, para cumprimento da pena de prisão de cinco anos aplicada no âmbito do processo 362/08.1JAAVR. 143. No estabelecimento prisional tem cumprido as normas institucionais revelando uma conduta adequada e empenho em continuar a cumprir com as obrigações inerentes à pena que lhe foi aplicada. 144. Mantém um relacionamento cordato com funcionários e restante população prisional, evidenciando boas capacidades comunicacionais que lhe permitem adequar-se ao interlocutor e ao contexto em que se enquadra. 145. Ao longo do cumprimento da pena de prisão tem procurado manter-se ocupado privilegiando a leitura e a actividade física (ginásio e passeios no pátio do EP). Desde Outubro de 2019 que exerce actividade como faxina na biblioteca de reclusos, função que desempenha de forma adequada. 146. Beneficiou de medidas de flexibilização, sendo bem-recebido pelos familiares, amigos e meio vicinal. Beneficia de regime aberto no interior – RAI, desde Março de 2021. 147. O Arguido AM dispõe de sólido apoio dos familiares, nomeadamente companheira e filhos. O agregado reconstituído vive em habitação própria dispondo de boas condições de habitabilidade. 148. A nível económico o arguido aufere uma subvenção mensal vitalícia, decorrente dos anos em que foi Deputado na Assembleia da República e em que exerceu funções governativas, no valor mensal de €4590.45; a este montante acresce a pensão de velhice, desde Fevereiro de 2020, num montante mensal de €3961.03. 149. A companheira exerce funções na Policia Judiciária, como especialista superior, auferindo vencimento na ordem dos €1507.44 mensais. 150. O Arguido AM denota sentido de responsabilidade relativamente à família, às relações próximas e ao seu desempenho profissional. 151. Não obstante, a sua reclusão continua a manter o apoio de amigos, mesmo que manifesto com discrição. 152. No seu círculo de relações pessoais, é tido como pessoa, de confiança, trabalhadora e competente. 153. Do seu Certificado de Registo Criminal consta uma condenação em 05.09.2014, pela prática em 2009, de três crimes de tráfico de influência, na pena única de 5 anos de prisão; a decisão transitou em julgado a 06.12.2008. E considerou-se serem factos não provados: a) O arguido AM fez encerrar definitivamente a conta aberta junto da UBS em nome da VH , de forma a que não fosse mais referida a conta onde havia recebido os fundos que sabia serem provenientes dos factos praticados enquanto administrador da CGD. b) Foi por exigência dos representantes da P. que o compromisso do Arguido de compra pela C. do imóvel permutado veio a ser vertido em contrato-promessa. c) O arguido AM decidiu proceder à venda do imóvel, sito na Av. Brasil, em Lisboa, na sequência das suspeitas contra si suscitadas nos presentes autos. d) Os valores depositados na conta da VH , em montante equivalente a €2.000.000,00, correspondiam a fundos originados em ilícitos de fraude fiscal. e) O Arguido AM tinha conhecimento de que, ao concretizar tais transferências por intermédio de tais contas e ao criar justificativos sem correspondência com a realidade para tais operações financeiras, criava a aparência de que tais montantes pecuniários tinham origem em prestações contratuais licitas, o que sabia não corresponder a verdade. O acórdão recorrido motivou como segue a decisão sobre a matéria de facto: A convicção sobre a matéria de facto dada como provada resultou da prova produzida em audiência a qual foi livremente apreciada de acordo com os critérios estabelecidos pelo art. 127º do Código de Processo Penal. Nomeadamente, foram tidos em conta os depoimentos das testemunhas ouvidas, em número inferior ao indicado na pronúncia, pois várias usaram do direito a não depor. Ainda assim, as ouvidas mostraram-se bastantes para consolidar a prova pré-constituída, já constante da documentação junta aos autos. O depoimento de JS permitiu compreender a sua actuação em representação da sociedade C. , e qual o papel do Arguido nessa intervenção. A forma como lhe foi dado a entender que seria GM o dono da sociedade e o interessado nos negócios da mesma e o momento e as circunstâncias em que percebeu que, afinal, era o Arguido o verdadeiro interessado em todos esses negócios e, consequentemente, seria sua a sociedade e o dinheiro por ela movimentada, foram relatados de forma clara e coerente, merecendo o crédito do Tribunal. Por seu turno, MC relatou como o Arguido se tornou um dos seus clientes no Banco UBS, assumindo-se como gestor quer das contas do mesmo quer das da sua filha BV . E, assim, confirmou a intervenção na movimentação das contas da VAH, explicando o porquê da necessidade de ter sociedades desta natureza como titulares das contas, e a forma como estas eram propostas pelo Banco e tratadas por intermédio dos seus gestores de conta. A testemunha relatou igualmente como entrava o dinheiro nas contas da VAH, declarando expressamente que lhe era entregue, em contado, pelo Arguido para, depois, ser reencaminhado para FC Este, por seu turno, fazia chegar o dinheiro à conta da VAH com outra proveniência indicada, ocultando a real origem do dinheiro. As notas constantes da documentação bancária – anexo ao Apenso TEMÁTICO DS, 031 – VAH e 033 – WH , também com documentos da sociedade - [das quais, no Apenso temático BX, (vol. 3), fls. 713732 (22 a 41 pdf), consta a respectiva tradução] registam a actividade dos titulares da conta e delas é manifesto o envolvimento e a actuação do Arguido. No que toca à sociedade WH , negou que tivesse tido participação activa na sua criação ou gestão de conta, pelo que em nada contribuiu para o esclarecimento dos factos que decorrem da análise documental. Ora, o circuito do dinheiro é resultado desses mesmos documentos, dos quais cumpre apontar os apensos BANCÁRIO 43-E, UBS – JR , com a constituição, identificação e movimentos; BANCÁRIO 60, UBS – VH , e BANCÁRIO 61, UBS – WH com a constituição e movimentos em euros (€) e francos suíços (CHF) e com a autorização das assinaturas: o Arguido AM e BV , e ainda, a fls. 759 dos autos principais, certificação do Apenso AU – quanto às contas de AM e as transferências de FC . Resulta ainda tal circuito do cruzamento da informação tratada nos apensos: BANCÁRIO 81-B, UBS – RC , com mails, constituição e extractos; BANCÁRIO 92, BARCLAYS – OC. com os respectivos movimentos (vd. fls. 496 dos autos); BANCÁRIO 92-A, da ZH, registando os seus movimentos (vd. fls. 499 dos autos); BANCÁRIO 95, referente ao KANTONALBANK – JD , com a constituição, correspondência (sobre vale de lobo), movimentos e comprovativos; BANCÁRIO 95-A, da UBS – JD , com a constituição e extractos; BANCÁRIO 105 da conta UBS – FC , sua constituição, movimentos, correspondência e extractos; BANCÁRIO 137, da conta BPI – C. UNIPESSOAL, LDA. e recolhidos na busca documentada no apenso de BUSCA 164 (docs. da contabilidade C. e reposições de JS ), bem como no apenso TEMÁTICO BY, informação publica sobre sociedades off-shore, no caso, VAH Inc. Nos autos principais, a fls. 507, certifica-se informação do Apenso Bancário 137-B SANTANDER TOTTA relativa a JS & ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS RL. Esta informação proveio dos apensos relativos ao cumprimento das cartas rogatórias pelas autoridades judiciárias suíças e britânicas. Suscitou a defesa, nas suas alegações, não o tendo oportunamente feito em sede de contestação, a inadmissibilidade da utilização da informação recolhida na carta rogatória às autoridades suíças, por força da limitação de uso estipulado por tais autoridades. Consta da tradução da carta rogatória (Apenso Temático BX, Vol. III, pág. 704 - pág. 13 do .pdf) que será «Utilização admitida Os meios de prova e as informações que sejam obtidos por via do auxílio judiciário mútuo podem, no Estado Requerente, ser utilizados para fins de investigação e como meios de prova em processo penal no âmbito do qual foi solicitado o pedido, bem como em qualquer outro processo penal, sob reserva dos pontos seguintes: (...) É igualmente excluído o auxílio judiciário mútuo sempre que o processo penal visar, de acordo com as concepções do direito suíço, atos de natureza tributária. Um ato de natureza tributária é aquele que visa diminuir as receitas fiscais.» No caso que nos ocupa, o crime em causa é o de branqueamento. Não está em causa a infracção fiscal, excepto enquanto crime precedente para efeitos de preenchimento do tipo de branqueamento. Como tal, não está em discussão a criminalização da diminuição de receitas fiscais. Assim sendo, conclui-se que não se verifica a impossibilidade de utilização da prova recolhida nesta carta rogatória, pelo que a mesma foi ponderada pelo Tribunal para alcançar a decisão de facto. Nomeadamente nos Apensos TEMÁTICO AP, acompanhamento da carta rogatória UK; TEMÁTICO AP-1, documentos da carta rogatória UK; TEMÁTICO AP-2, cumprimento da carta rogatória UK; TEMÁTICO AS (vol. 1-5), cumprimento da carta rogatória suíça RC ; TEMÁTICO AU, acompanhamento da carta rogatória suíça; TEMÁTICO AU – I, cumprimento – contas JD ; TEMÁTICO AU – III, cumprimento – contas JR ; TEMÁTICO AU – VII, cumprimento – AM , com a conta de origem de FC ; e o TEMÁTICO AU – IX (Vol. 1-2), cumprimento – contas RC . Esta documentação permite, para além do mais, constatar o circuito do dinheiro, a comparação de valores movimentados e datas desses movimentos, relacionando-os entre si e demonstrando o percurso determinado para fazer chegar o dinheiro de A a B. Ainda sobre a titularidade das sociedades com contas no banco UBS, relevaram os Anexos ao Apenso Temático DS, 032 – VAH, com escritura, registo, e indicação de directores; 034 – UBS CONTA NUMERADA de BV com notas; 035 – UBS CONTA NUMERADA de HC com notas; e 036 – UBS CONTA NUMERADA de HC , com notas. Os rendimentos declarados do Arguido resultam dos Apensos BANCÁRIO 69-D; CGD – ordens de serviço e remunerações a AM , com a nota das remunerações a fls. 90; BV, que contém as declarações de AM no Tribunal Constitucional; e X, com as declarações fiscais 2005 a 2009 de AM e BV . Contribuiu ainda o exame do Apenso BANCÁRIO 104-C referente a conta MILLENIUM do Arguido. Da certidão que compõe os autos principais, há que apontar a fls.: 139 a certidão permanente da C. , UNIPESSOAL, LDA.; 149, o pedido de registo da C. , UNIPESSOAL, LDA.; 153, o título constitutivo da C. , UNIPESSOAL, LDA.; 523 a 750, reportados ao Apenso de Busca 164 - C. , UNIPESSOAL, LDA. e JS & ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS RL., com a documentação desta sociedade entregue àquele advogado, nomeadamente 525, livro de actas da C. , 565, correspondência DH LIMITED / C. , UNIPESSOAL, LDA. e balanços e relatórios de contas e de exercício; 661, 667 e 701, mails JS / AMN /IMPA (economistas-consultores); 724, correspondência AMN / JS - sobre a C. ; 674, documentos da C. ; 692, mails JS sobre questões financeiras; 708, com os documentos da D. ; e 727 com os documentos da C. sobre imóvel Av. Brasil. Relativamente a esta venda, e a todas as transacções dos imóveis descritas na pronúncia, importaram ainda fls. 158 (permuta BV /P. em 11.09.2009); fls. 178 (venda do apartamento Av. Brasil pela C. a AC em 16.10.2015); e a fls. 190, o contrato-promessa C/V – P. /C. de 10.09.2009. Demonstrada, objectivamente, a criação de um circuito financeiro que foi seguido, em diversas operações, por movimentos sucessivos que fizeram passar o dinheiro desde a sua introdução, em numerário, até à sua saída, no caso, na compra de uma propriedade, a questão que se colocou ao Tribunal foi a de saber se estava sustentado o que consta da pronúncia quanto às motivações de tal acção. Neste campo, a única prova directa resultaria da confissão do Arguido, pois estamos no domínio das suas motivações. Porém, à luz da informação recolhida, e com aplicação das regras da experiência comum, por muito incomum que seja esta situação para a maioria dos cidadãos, não é difícil alcançar a motivação do Arguido. Ora vejamos. Temos montado um circuito financeiro no qual o dinheiro, introduzido em numerário, passa pela mão de terceiros sem relação directa com o Arguido, para entrar numa conta titulada por uma sociedade off-shore. Falamos das entradas de dinheiro na conta da VH , sociedade off-shore que tem como beneficiária a filha do Arguido, e que pode ser movimentada por esta e pelo próprio, por via de transferências de FF, FC e JR , ou ainda, outros clientes da UBS, geridos por MC , também ele gestor de Cliente do Banco UBS dedicado ao Arguido e sua filha, enquanto clientes da instituição. Da conta desta sociedade houve verbas que circularam para a conta da WH , outra sociedade off-shore que também tem como beneficiária a filha do Arguido e pode ser movimentada tanto por esta como pelo próprio. Ambas as sociedades off-shore referidas foram manifestamente constituídas para titular contas bancárias Suíças, evitando assim os constrangimentos da identificação decorrente da titularidade, pelos próprios, de contas dessa natureza. Para o mesmo efeito, recorreu o Arguido aos recursos da prestadora de serviços AC , a qual movimentou o dinheiro a jusante dessas sociedades. Assim, destas duas contas, o dinheiro passou pela conta de uma outra sociedade, a OC. que é gerida pela referida AMN, apenas para logo ser entregue nas contas da ZH , nova sociedade cujos sócios são os da mesma AMN. E que, posteriormente, fizeram passar as mesmas verbas para a conta da DH , sociedade esta que tem como accionista fiduciário a dita Z. . Resulta ainda manifesto, da documentação de suporte, que a D. constituiu uma sociedade subsidiária, de direito português, a C. Unipessoal que tinha, conforme se apurou, gerentes nomeados distintos do Arguido, mas que a este respondiam, agindo no seu interesse. Ou seja, o dinheiro muito circulou mas acabou por alcançar o seu destino final para ser utilizado pelo Arguido, a mesma pessoa responsável pela sua introdução, a montante, na V. . À pergunta, “qual o interesse neste percurso?” encontramos a resposta óbvia: ocultar a origem do dinheiro, dificultando a pesquisa do seu percurso, obstando ao exame conhecido como o “follow the money”, tarefa essencial na investigação criminal e fiscal. Ademais, todas estas operações envolvem custos, que não são de desprezar, como resulta das percentagens cobradas (veja-se a explicação da testemunha PS sobre as razões de não serem as transferências para a V. de valores “redondos”, na medida em que, à cabeça, era logo cobrada uma percentagem pela actividade de receber dinheiro em Portugal e transferi-lo para uma conta na Suíça), ou ainda dos valores devidos pela criação e manutenção das sociedades off-shore e a “consultadoria” da AMN que acabou por drenar a conta da D. . Ou seja, quem opta por suportar tais custos e justificar estes trabalhos, pretende esconder o dinheiro e a sua origem. Como tal, aqui sim, de acordo com as regras da experiência comum, algo terá que estar errado nesse dinheiro. Limitados pelos termos da pronúncia, procuramos o erro no evidente campo das obrigações fiscais. Nada permite concluir que aquelas verbas, na sua origem, estão feridas de ilegalidade. Caso assim o fosse, seria discutível, aliás, se seriam passíveis de declaração fiscal. Tem este Tribunal entendido que, sendo o produto de um crime, como, a título de exemplo, o tráfico de droga, a corrupção ou a burla, tais dinheiros não são sujeitos a tributação, mas sim à perda integral a favor do Estado nos termos da perda de vantagens desenhada no Código Penal. Mas sendo rendimentos legítimos, e tendo o Arguido residência fiscal em Portugal, já a obrigação fiscal é uma certeza da qual todo o cidadão tem conhecimento. Ora, para justificar toda a actividade e custos acima enunciados, apenas se encontra uma explicação: pretendia o Arguido assegurar que o dinheiro não era detectado pela Autoridade Tributária, que não era obrigado a pagar os respectivos impostos sobre o rendimento. Assim, logrou o Tribunal alcançar a prova dos factos que se reportam ao conhecimento do não cumprimento da obrigação declarativa e à intenção de ocultar a origem do dinheiro usado em Portugal. Nas suas alegações finais a defesa apelou a uma teoria assente na fungibilidade do dinheiro, criando a possibilidade de um cenário no qual o Arguido desconheceria a existência de qualquer ilegalidade nas operações realizadas em Portugal através da C. . Para tanto, sustenta que o Arguido teria usado dinheiro “limpo”, ganho legitimamente, não sendo proveniente da parte destinada ao pagamento dos impostos que, a ter havido declaração, seriam devidos. Realiza a defesa o seguinte raciocínio: o total depositado nas contas da V. provém de fonte lícita. Porém, por não ter sido declarado fiscalmente, apenas parte correspondente ao montante dos impostos devidos se converteria em dinheiro manchado pela ilegalidade da evasão fiscal. Assim, sendo o montante transferido para a C. parte da tranche do capital, e não dos impostos devidos, seria dinheiro legítimo e, como tal, não teria o Arguido noção de que, ao fazer tais operações, estaria a fintar a lei e a usar dinheiro proveniente da prática de um crime. Não cremos ser sustentável este entendimento sobre a intenção, conhecimento e determinação do Arguido. Conforme já referido supra, quando alguém se predispõe a circular o seu dinheiro por contas, num banco suíço, tituladas por entidades off-shore, passando por contas de prestadores de serviços ou terceiros com os quais não tem qualquer relação substantiva, para depois, a final, fazer chegar o dinheiro a Portugal onde é aplicado sob a capa de sociedades geridas por manifestos testas-de-ferro, sem autonomia decisória, não o faz sem ter o intuito de ocultar o capital e o seu curso. Aliás, note-se mais uma vez, este circuito tem custos que não são de menosprezar, o que revela uma acção deliberada, consciente e ponderada. A questão da fungibilidade, porém, funciona nos dois sentidos. Ora, o que podemos ter por certo é que, a partir do momento em que o dinheiro não é declarado, que aquele rendimento não é declarado, deixa de interessar a alegada origem legítima do mesmo. Com efeito, enquanto não for declarado, todo o dinheiro – repete-se – todo o dinheiro, tem que se manter ocultado, resguardado do olhar inquisitivo da Autoridade Tributária porque, uma vez detectada qualquer fracção desse total, sobre a mesma recairia a obrigação de liquidação e pagamento do respectivo imposto. Ora, tendo sido conhecido um valor total de rendimentos não declarados, e o imposto devido passível de ser liquidado, conforme as contas registadas do Inspector Tributário ouvido, nenhuma parte desse montante pode ser movimentado argumentando-se não ser dinheiro devido, porque não integraria a parcela dos impostos devidos. Nessa medida, a argumentação claudica, mantendo-se a convicção do Tribunal de que o Arguido sabia que estava a movimentar dinheiro ocultado da AT, pretendendo dissipar as vantagens obtidas com tal conduta. Finalmente, uma palavra para as declarações do Arguido, prestadas em sede de instrução, perante o Juiz competente, e cuja utilização está ao alcance deste Tribunal. Não obstante o seu teor, entendeu o Tribunal não sustentar a decisão em tais declarações, por não as ter entendido como determinantes para o esclarecimento dos factos. Os contornos já explanados da formação da convicção do Tribunal não sofreram alteração, nem no sentido da certeza, nem no sentido da dúvida, com as declarações do Arguido que, assim, não foram relevantes. Havendo prova bastante para alcançar a decisão agora provada, e não tendo o Arguido falado em julgamento, abrindo a porta para melhor compreender o alcance das suas afirmações pretéritas, preferiu o Tribunal seguir pelo caminho da desconsideração de tais declarações. Foram ainda tidos em conta, quanto às condições pessoais do Arguido, o Certificado de Registo Criminal e o relatório social juntos aos autos. As testemunhas de defesa demonstraram que o Arguido, no seu círculo de relações pessoais, é tido como pessoa, de confiança, trabalhadora e competente. Apreciando De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso. Assim, o recorrente afirma que: - o acórdão recorrido é nulo por violação do disposto no art. 379º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Penal; - o acórdão recorrido padece dos vícios de insuficiência da matéria de facto para a decisão e de contradição insanável; - não estão preenchidos os pressupostos da prática do crime de branqueamento; - foi usada prova proibida; - é errada a medida da pena e a opção pela sua efectividade. * Da violação do disposto no art. 379º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Penal… Alega o recorrente que o acórdão recorrido é nulo nos termos do disposto no art. 379º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Penal porque o condenou por factos não descritos na pronúncia, respeitantes ao crime de fraude fiscal, sendo que apenas no decurso da audiência de julgamento o Tribunal comunicou que o crime de branqueamento seria aferido, com base na factualidade imputada, com referência ao crime de fraude fiscal, p. e p. no art. 103º do Regime Geral das Infracções Tributárias. Nos termos do art. 379º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Penal, é nula a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação (ou na pronúncia se a houver) fora dos casos e das condições previstos nos arts. 358º e 359º. Dispõe o nº 1 do art. 358º do Cód. Proc. Penal que “se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”; acrescenta o nº 2 que “ressalva-se do disposto no número anterior o caso da alteração ter derivado de factos alegados pela defesa”; e estabelece o nº 3 que “o disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”. O art. 359º do Cód. Proc. Penal preceitua que uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, excepto se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal. Ora a alteração substancial dos factos está definida como sendo “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” (art. 1º, alínea f) do Cód. Proc. Penal), pelo que alteração não substancial, para efeitos do citado art. 358º será toda aquela alteração dos factos descritos (na acusação ou na pronúncia), que não implique a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, e que tenha relevo para a decisão da causa. No caso em análise não ocorreu qualquer alteração de factos. Efectivamente, o Tribunal recorrido limitou-se a comunicar, no decurso da audiência de julgamento, que o crime de branqueamento pelo qual o arguido vinha pronunciado, seria aferido, com base na factualidade imputada, com referência ao crime de fraude fiscal, p. e p. no art. 103º do Regime Geral das Infracções Tributárias. Ora não havendo alteração de factos (ou sequer imputação de crime diverso, posto que apenas foi clarificado, pelo meio de formal comunicação, qual o crime que se entendia preceder o imputado crime de branqueamento) não pode concluir-se pela existência da nulidade invocada. Do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão… Alega o recorrente – e bem – que o crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368º-A do Cód. Penal está na dependência de um crime precedente (o predicate offense), só podendo ser punível a tal título quem branqueou vantagem obtida através da prática, cronologicamente anterior, de um outro crime, ainda que o agente não tenha sido por ele condenado (anteriormente ou em simultâneo). E diz que sendo o crime precedente o de fraude fiscal, p. e p. no art. 103º do RGIT, no despacho de pronúncia tem que estar identificado o crime precedente e têm que estar descritos e concretizados todos os respectivos factos típicos, o que não aconteceu pois que “não se concretizou (i) se o arguido pretendia não liquidar, não entregar ou não pagar uma prestação pecuniária (e, já agora, qual prestação pecuniária?!) ou obter indevidamente um benefício fiscal, um reembolso ou outra vantagem patrimonial suscetível de causar diminuição das receitas tributárias (e, já agora, de que receitas estaríamos a falar e de que valor?!), nem se se concretizou (ii) se o arguido ocultou ou alterou factos ou valores que devessem constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalizasse, determinasse, avaliasse ou controlasse a matéria coletável, ou se ocultou factos ou valores não declarados e que devessem ser revelados à administração tributária, ou se celebrou negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas”. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal, ocorre quando, da factualidade elencada na decisão recorrida, resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Trata-se de um vício que consiste em ser insuficiente a matéria de facto para a decisão de direito. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, III vol., p. 339) “é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada”. Ou seja, é necessário que se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito. Diga-se, antes de mais, que mesmo que se entenda que no despacho de pronúncia (ou de acusação, se não houver lugar a instrução) tem que estar expressamente identificado, por remissão a norma, o crime precedente, uma vez que no decurso da audiência de julgamento essa identificação foi feita e notificada, qualquer vício que se pensasse como eventualmente existente se encontra agora sanado. Quanto à concretização dos factos típicos que integram a prática do crime precedente encontra-se a mesma suficientemente definida. Como se refere no acórdão recorrido, “(…) estando demonstrado que a circulação do dinheiro pelas contas da VH , até chegar à DH e a sua dependente, C. Unipessoal visava a sua ocultação das entidades fiscais, para evitar a cobrança dos devidos impostos sobre o rendimento, está demonstrada a prática do imputado crime de branqueamento, com referência à fraude fiscal, enquanto crime precedente. Com efeito, «Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias» - art.º 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias. A fraude fiscal poderá ocorrer, nomeadamente, pela ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária, que no caso ocorreu com a conduta do Arguido de, ao invés de declarar os seus rendimentos, os ocultou com depósitos em contas da VH e depois os fez dissimular com a circulação pelas demais entidades criadas para o efeito. Os valores não declarados, enquanto rendimento tributável, gerariam um imposto sempre superior ao previsto na condição de punibilidade fixada na lei tributária, tanto mais que a liquidação do seu IRS, ao longo dos anos em apreço, importou sempre a aplicação da taxa máxima.” Não tendo sido apurado que os rendimentos em causa (aqueles dados como provados que o arguido ocultou da autoridade fiscal) fossem ilícitos – e a ilicitude não se pode presumir – é sabido que, mesmo que lícitos, todos os rendimentos obtidos têm que ser declarados à autoridade fiscal, como o arguido bem sabia. Ao não os declarar, ocultando-os em contas sediadas no estrangeiro, o arguido subtraiu-se ao pagamento do imposto devido a título de IRS. Ora a data dos recebimentos dos rendimentos em causa e omissão da sua declaração para efeitos fiscais relativos a cada um dos anos de 2005 a 2008, bem como o dolo do arguido relativamente a esse ilícito estão concretizados nos pontos 2 a 13, 16 a 26 e 111 a 118 dos factos dados como provados na decisão recorrida. O apuramento do imposto devido resulta de mera operação aritmética por aplicação da correspondente taxa de IRS. Pelo que se entende estarem devidamente concretizados os factos integradores do ilícito precedente, não existindo o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão. Mais teve, o recorrente, perfeita possibilidade de exercer o seu direito ao contraditório relativamente àqueles factos. E, em face dos mesmos factos (que, repita-se, já constavam da pronúncia posto que nenhum facto foi alterado ou aditado), é patente que se o arguido quisesse beneficiar da atenuação especial da pena prevista nos nºs 9 e 10 do art. 368º-A do Cód. Penal, através da reparação integral ou parcial do dano causado, o poderia ter feito. Aliás, ser-lhe-ia muito fácil dirigir-se à administração fiscal inquirindo qual o imposto devido por tais rendimentos procedendo, depois, à respectiva liquidação. Pelo que não se pode concluir pela violação do direito de defesa do arguido e pela nulidade da pronúncia que vinha alegada. Desta forma, não foram por qualquer forma desrespeitados os princípios da legalidade e do direito de defesa, ínsitos nos artigos 2º, 18º, nº 2, 20º, 29º e 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa. Do vício de contradição insanável… Alega o recorrente que o acórdão recorrido incorre no vício de contradição insanável quando dá como provado no facto 114 que o arguido sabia que esses valores, num montante equivalente a € 2.000.000,00 correspondiam a fundos objecto de fraude fiscal; e simultaneamente dá como não provado na alínea d) que os valores depositados na conta da VH , em montante equivalente a € 2.000.000,00, correspondiam a fundos originados em ilícitos de fraude fiscal. O vício de contradição insanável a que alude a alínea b) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal, pode ocorrer em várias situações, sendo uma delas quando há contradição entre factos provados e não provados que conduzem à indeterminação quanto à verdade judicial que pretendia ser narrada por esses factos. Analisando os factos em causa, há que realçar que: dizer que determinados valores correspondem a fundos objecto de fraude fiscal, é diferente de dizer que esses valores correspondem a fundos originados em ilícitos de fraude fiscal. Com efeito, o que aparentemente é uma contradição é afinal uma precisão, no sentido de que o montante de cerca de 2 milhões de euros corresponde a quantias recebidas não declaradas fiscalmente e não ao valor do imposto devido não pago. Pelo que não existe a invocada contradição. Do preenchimento dos pressupostos da prática do crime de branqueamento… Alega o recorrente que não se verifica o preenchimento dos elementos típicos do crime de branqueamento, nem os do crime precedente (fraude fiscal), previstos, respectivamente, nos arts. 368º-A, nºs 1 e 2 do Cód. Penal e 103º do RGIT, pelo que tem que ser absolvido. Já supra nos pronunciámos sobre o preenchimento dos elementos típicos do crime de fraude fiscal, o que aqui damos de novo por reproduzido. Quanto ao preenchimento dos elementos típicos do crime de branqueamento, alega o recorrente que foi pronunciado pela prática do crime de branqueamento por referência, apenas e só, aos montantes recebidos na conta da C. , sediada em Portugal, num total de € 535.000,00 e não pela circulação do montante equivalente a € 2.000.000,00, atendendo a que no despacho de pronúncia esta questão foi enunciada sob o título "Quanto [ao] crime de branqueamento de capitais referente à transferência de 535.000,00 €". Convém desde já esclarecer que se é certo que é o despacho de pronúncia que delimita o objecto de processo, esta delimitação não se opera através de quaisquer títulos que o JIC confira às suas asserções. O despacho de pronúncia delimita o objecto do processo através dos factos que considera suficientemente indiciados. São os factos que fixam o objecto do processo, limitando e condicionando os poderes de cognição do Tribunal de julgamento. Ora analisados os factos submetidos à cognição do Tribunal, não vislumbramos qualquer baliza relativa ao crime de branqueamento com referência àqueles € 535.000,00. Repare-se nos seguintes factos provados (constantes da pronúncia): 111. O arguido AM sabia que os fundos feitos circular até à conta da C. e que remanescem na mesma, tinham origem não declarada fiscalmente, a qual pretendia esconder. 112. Sabia o Arguido que se tratavam de fundos com origem última na conta aberta na Suíça em nome da VH . 113. O arguido sabia que a totalidade dos fundos feitos transferir para a conta aberta em nome da referida VH correspondiam a montantes não declarados por si, em sede fiscal, em Portugal. 114. Como tal, sabia que esses valores, num montante equivalente a €2.000.000,00, correspondiam a fundos objecto de fraude fiscal. 115. Sabia o Arguido AM que, ao actuar nos termos descritos, encobria a verdadeira origem dos fundos, bem como a circunstância de constituírem produto do crime de fraude fiscal. Fica, assim, claro, que o recorrente não foi pronunciado pela prática do crime de branqueamento por referência, apenas e só, aos montantes recebidos na conta da C. . Todavia, a verdade é que pagas as comissões e outras despesas que o arguido foi suportando, o que sobrou dos montantes circulados foi a quantia de € 535.000,00, pelo que se pode entender que é aqui que está o produto do branqueamento. Todavia, alega o recorrente que sendo o objecto do crime de branqueamento o correspondente ao valor de imposto devido, era necessário apurar se o montante de € 535.000,00, transferido para a conta bancária da C. correspondia ao imposto devido sobre os €2.600.000 depositados (ou apenas sobre os €1.600.000,00 se excluirmos os €1.000.000,00, como fez a decisão recorrida), pois se o montante que o arguido possuía nas contas na Suíça não foi considerado como ilícito era insusceptível de constituir, na sua totalidade, o objecto do crime de branqueamento. Já supra dissemos que o valor do imposto devido resulta de mera operação aritmética, por aplicação da taxa legal de IRS aos rendimentos do arguido sobre o montante ocultado, não sendo necessário que conste dos factos provados a quantia exacta em questão. E mesmo aplicando a taxa mais baixa de IRS, é óbvio que sempre estaria atingido o limiar mínimo da punibilidade (€ 15.000,00, de acordo com o disposto no art. 103º, nº 3, do RGIT). Mas acrescenta o recorrente que ainda que se considere que o imposto devido era de € 535.000,00, sendo essa a vantagem do crime, em homenagem aos princípios da legalidade e in dubio pro reo sempre se teria que considerar aquele montante como dinheiro lícito, atendendo a que a parte lícita é superior ao montante que está em causa nos autos como correspondendo ao montante "branqueado". Comete o crime de branqueamento de capitais “quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal”. O bem jurídico protegido pela incriminação é “a realização da justiça, na sua particular vertente da perseguição e do confisco pelos tribunais dos proventos da actividade criminosa”, sendo este um crime de perigo abstracto (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Cód. Penal, em anotação ao art. 368º-A). São pressupostos objectivos da prática do crime de branqueamento as seguintes acções: a) a conversão de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente; b) a transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente; c) o auxílio ou facilitação de alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente; d) a ocultação ou dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação, titularidade das vantagens ou direitos a ela relativos. No caso em análise é evidente a ocultação da vantagem correspondente à fraude fiscal, mediante a ocultação através da transferência para contas offshore sediadas no estrangeiro de todas as quantias não declaradas fiscalmente. E, sendo a totalidade da base tributária não declarada transferida para a Suíça de € 1.613.661,00, é evidente que nessa quantia está englobado o objecto do crime de branqueamento (a vantagem ilícita), incluindo nos € 535.000,00. Pretender que o dinheiro que o recorrente foi dissipando é que constituía a vantagem ilícita e que o que sobrou já não era objecto de branqueamento é subverter o próprio tipo do crime. Este entendimento não acarreta nenhuma inconstitucionalidade material, nomeadamente por violação dos princípios da legalidade, da presunção de inocência e da necessidade, ínsitos nos arts. 2º, 18º, nº 2 e 2º, nº 1 e 32º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa. Alega ainda o recorrente que não resultou provado o tipo subjectivo do crime – a intenção de ocultar ou dissimular a origem ilícita da vantagem branqueada – que o Tribunal recorrido afirmou ter intuído. O Tribunal recorrido deu como provado que: 111. O arguido AM sabia que os fundos feitos circular até à conta da C. e que remanescem na mesma, tinham origem não declarada fiscalmente, a qual pretendia esconder. 112. Sabia o Arguido que se tratavam de fundos com origem última na conta aberta na Suíça em nome da VH . 113. O arguido sabia que a totalidade dos fundos feitos transferir para a conta aberta em nome da referida VH correspondiam a montantes não declarados por si, em sede fiscal, em Portugal. 114. Como tal, sabia que esses valores, num montante equivalente a €2.000.000,00, correspondiam a fundos objecto de fraude fiscal. 115. Sabia o Arguido AM que, ao actuar nos termos descritos, encobria a verdadeira origem dos fundos, bem como a circunstância de constituírem produto do crime de fraude fiscal. 116. Sabia ainda que criava barreiras à sua detecção, as quais permitiam ocultar a prática do ilícito fiscal que estava na sua origem e a reintrodução dos fundos na economia legítima. 117. Mesmo assim, o arguido AM decidiu actuar nos termos descritos, tendo concretizado tais intentos. 118. O arguido AM agiu conhecendo todos os factos descritos e querendo praticá-los, bem sabendo que violava os deveres de verdade a que estava obrigado perante a administração fiscal, visando o não pagamento de impostos devidos, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. É certo que os factos respeitantes aos elementos volitivos e intelectuais (como os factos atinentes ao dolo) são inferências que se retiram dos restantes factos provados, sabido que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum [ensina Cavaleiro Ferreira – in “Curso de Processo Penal”, Vol. II, 1981, pág. 292 – que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta, como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa; também Malatesta – in “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, págs. 172 e 173 – defende que, exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas (“percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência”)]. Ora em face dos restantes factos provados, analisados de acordo com as regras da experiência comum, não podemos deixar de concluir como o Tribunal recorrido quando explicou que «não é difícil alcançar a motivação do Arguido. Ora vejamos. Temos montado um circuito financeiro no qual o dinheiro, introduzido em numerário, passa pela mão de terceiros sem relação directa com o Arguido, para entrar numa conta titulada por uma sociedade off-shore. Falamos das entradas de dinheiro na conta da VH , sociedade off-shore que tem como beneficiária a filha do Arguido, e que pode ser movimentada por esta e pelo próprio, por via de transferências de FF, FC e JR , ou ainda, outros clientes da UBS, geridos por MC , também ele gestor de Cliente do Banco UBS dedicado ao Arguido e sua filha, enquanto clientes da instituição. Da conta desta sociedade houve verbas que circularam para a conta da WH , outra sociedade off-shore que também tem como beneficiária a filha do Arguido e pode ser movimentada tanto por esta como pelo próprio. Ambas as sociedades off-shore referidas foram manifestamente constituídas para titular contas bancárias Suíças, evitando assim os constrangimentos da identificação decorrente da titularidade, pelos próprios, de contas dessa natureza. Para o mesmo efeito, recorreu o Arguido aos recursos da prestadora de serviços AC , a qual movimentou o dinheiro a jusante dessas sociedades. Assim, destas duas contas, o dinheiro passou pela conta de uma outra sociedade, a OC. que é gerida pela referida AMN, apenas para logo ser entregue nas contas da ZH , nova sociedade cujos sócios são os da mesma AMN. E que, posteriormente, fizeram passar as mesmas verbas para a conta da DH , sociedade esta que tem como accionista fiduciário a dita Z. . Resulta ainda manifesto, da documentação de suporte, que a D. constituiu uma sociedade subsidiária, de direito português, a C. Unipessoal que tinha, conforme se apurou, gerentes nomeados distintos do Arguido, mas que a este respondiam, agindo no seu interesse. Ou seja, o dinheiro muito circulou mas acabou por alcançar o seu destino final para ser utilizado pelo Arguido, a mesma pessoa responsável pela sua introdução, a montante, na V. . À pergunta, “qual o interesse neste percurso?” encontramos a resposta óbvia: ocultar a origem do dinheiro, dificultando a pesquisa do seu percurso, obstando ao exame conhecido como o “follow the money”, tarefa essencial na investigação criminal e fiscal. Ademais, todas estas operações envolvem custos, que não são de desprezar, como resulta das percentagens cobradas (veja-se a explicação da testemunha PS sobre as razões de não serem as transferências para a V. de valores “redondos”, na medida em que, à cabeça, era logo cobrada uma percentagem pela actividade de receber dinheiro em Portugal e transferi-lo para uma conta na Suíça), ou ainda dos valores devidos pela criação e manutenção das sociedades off-shore e a “consultadoria” da AMN que acabou por drenar a conta da D. . Ou seja, quem opta por suportar tais custos e justificar estes trabalhos, pretende esconder o dinheiro e a sua origem. Como tal, aqui sim, de acordo com as regras da experiência comum, algo terá que estar errado nesse dinheiro. Limitados pelos termos da pronúncia, procuramos o erro no evidente campo das obrigações fiscais. Nada permite concluir que aquelas verbas, na sua origem, estão feridas de ilegalidade. Caso assim o fosse, seria discutível, aliás, se seriam passíveis de declaração fiscal. Tem este Tribunal entendido que, sendo o produto de um crime, como, a título de exemplo, o tráfico de droga, a corrupção ou a burla, tais dinheiros não são sujeitos a tributação, mas sim à perda integral a favor do Estado nos termos da perda de vantagens desenhada no Código Penal. Mas sendo rendimentos legítimos, e tendo o Arguido residência fiscal em Portugal, já a obrigação fiscal é uma certeza da qual todo o cidadão tem conhecimento. Ora, para justificar toda a actividade e custos acima enunciados, apenas se encontra uma explicação: pretendia o Arguido assegurar que o dinheiro não era detectado pela Autoridade Tributária, que não era obrigado a pagar os respectivos impostos sobre o rendimento. Assim, logrou o Tribunal alcançar a prova dos factos que se reportam ao conhecimento do não cumprimento da obrigação declarativa e à intenção de ocultar a origem do dinheiro usado em Portugal.» Pelo que se mostram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime pelo qual o recorrente foi condenado. Da prova proibida… Alega o recorrente que o Tribunal recorrido usou na sua convicção prova proibida ao apreciar as provas obtidas no âmbito das rogatórias. Refere que segundo o acordo firmado com o Estado Suíço, as provas obtidas no âmbito das rogatórias, nomeadamente todos os extractos bancários e outras informações obtidas dos bancos suíços com quebra do sigilo bancário, não poderiam ser usadas pelo Estado português sempre que o processo penal visasse, de acordo com as concepções do direito suíço, actos de natureza tributária ou para perseguir e julgar factos que à luz da lei portuguesa sejam crime e que segundo a lei Suíça não o sejam. E alega que apesar de o Tribunal recorrido ter considerado que não estava em causa o crime de fraude fiscal, mas o crime de branqueamento (sendo o crime de fraude apenas o precedente e não em julgamento), tal não pode ser admitido uma vez que se as provas não podem ser usadas para a fraude fiscal, crime precedente sem o qual não existe branqueamento, não se pode provar o crime precedente e, por isso, nem sequer se pode falar em branqueamento. Lembra que mesmo a prova testemunhal produzida só existe em virtude dos elementos obtidos nas rogatórias e por isso está também inquinada. Mais refere que também se verifica o segundo segmento da proibição de utilização de prova imposto pelo Estado Suíço, uma vez que o crime de branqueamento previsto na Lei suíça não existe se o crime precedente for de fraude fiscal. Conclui que, por estarmos perante prova proibida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 126º, nº 3, do Cód. Proc. Penal, não sendo válida a prova (documental e testemunhal) em que assentaram, têm que ser dados como não provados todos os factos respeitantes ao "circuito do dinheiro", designadamente os constantes dos pontos 1 a 12, 16 a 21, 27 a 72, 74 a 76, 93 e 94, 102, 108, 112 e 118. Define o art. 124º 1 do Cód. Proc. Penal, o que vale em julgamento como prova, ali se determinando que “constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”. A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes (só não são permitidas as provas proibidas por lei ou as obtidas por métodos proibidos – arts. 125º e 126º do mesmo Cód.) ou em outras disposições legais, é afloramento do princípio da demanda da descoberta da verdade material que continua a dominar o processo penal português (Maia Gonçalves, Cód. Proc. Penal, 12ª ed., p. 331). Nos termos do nº 3 do art. 126º do Cód. Proc. Penal “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”. O Ministério Público junto da 1ª instância, nas suas contra-alegações, lembra que a questão foi apreciada e decidida em sentido contrário ao aqui propugnado pelo recorrente na decisão instrutória do processo 122/13.8TELSB (de onde foi extraída a certidão que deu origem a estes autos), em requerimento formulado pelo arguido HG – v. fls. 4874 a 4885 da decisão instrutória em causa. Diz o recorrente que a Lei suíça não autoriza que as provas obtidas no âmbito de rogatórias (nomeadamente extractos bancários e outras informações obtidas dos bancos suíços com quebra do sigilo bancário), possam ser usadas pelo Estado português sempre que o processo penal vise, de acordo com as concepções do direito suíço, actos de natureza tributária ou para perseguir e julgar factos que à luz da lei portuguesa sejam crime e que segundo a lei Suíça não o sejam. No caso, a Suíça concedeu a assistência a ser usada unicamente para habilitar e julgar as infracções em razão das quais a assistência foi fornecida, ou seja, corrupção, “fraude fiscale” e branqueamento de capitais. A Lei Federal Suíça de 20.03.1981, que rege os procedimentos relativos à cooperação internacional em matéria penal, estipula no art. 3º que “o pedido não é recebido se o processo visa um acto que parece tender a diminuir as receitas fiscais ou infringe medidas de política monetária, comercial ou económica. Todavia, pode ser dado seguimento: a) a um pedido de assistência nos termos da 3ª parte da presente lei se o procedimento visa uma escroquerie em matéria fiscal; b) a um pedido de assistência nos termos de todas as partes da presente lei se o procedimento visa uma escroquerie fiscal qualificada nos termos do art.º 14.º, n.º 4 da lei federal de 22.03.1974 sobre o direito penal administrativo.” Acrescenta o art. 63º que “a assistência nos termos da 3ª parte da presente lei compreende a comunicação de elementos, bem como os actos de procedimento e os outros actos oficiais admitidos no direito suíço, desde que eles pareçam necessários ao procedimento levado a cabo no estrangeiro e ligado a uma causa penal, ou para recuperar o produto da infracção”; e estabelece o art. 67º (sob a epígrafe “Regra da especialidade” que “os elementos e os documentos obtidos por via da assistência não podem, no Estado requerente, nem ser utilizados para fins de investigação, nem ser produzidos como meios de prova num procedimento penal visando uma infracção para a qual a assistência é excluída”. Ou seja, o Estado Suíço exclui a cooperação internacional em matéria penal, se o pedido visa um acto que parece tender a diminuir as receitas fiscais ou infringe medidas de política monetária, comercial ou económica, excepto se o procedimento visar uma escroquerie em matéria fiscal; e os elementos e documentos obtidos por via da assistência não podem, no Estado requerente, nem ser utilizados para fins de investigação, nem ser produzidos como meios de prova num procedimento penal visando uma infracção para a qual a assistência é excluída. Importa assim, antes de mais, saber o que é uma escroquerie em matéria fiscal. Como refere o Digno Magistrado do MP na 1ª instância, explica Xavier Oberson (in “Coordination entre l’UE et la Suisse de l’imposition des revenus de l’épargne”, Place financière suisse, évasion fiscale et intégration européenne, Berne, 2002, pp. 166-167) que “Existe escroquerie fiscale sempre que o autor, pelo seu comportamento astucioso, tem como objectivo ocultar aos poderes públicos um montante importante representativo de uma contribuição, um subsídio ou outras prestações. A escroquerie fiscale é fundamentalmente uma evasão fiscal qualificada, quer dizer realizada através de um engano astucioso da autoridade fiscal, tipicamente, pelo emprego de maquinações, manobras, o que se designa como um edifício de ocultações (Lügengebäude) do contribuinte”, considerando este Autor que o conceito integra o caso em que o contribuinte “faz falsas declarações cuja verificação não é possível sem um esforço considerável ou que não pode ser razoavelmente exigível”. No caso em análise, o arguido não declarou rendimentos ao Estado português, ocultando-os numa conta na Suíça em nome de uma entidade denominada VH , com registo no Panamá, onde eram creditadas quantias em numerário que o arguido entregava, em Portugal, ao gestor da conta (MC ), que também ali fazia transferências de outros clientes por troca de numerário. O arguido ainda desencadeou vários procedimentos no sentido de fazer circular os referidos fundos, recebidos na conta aberta na Suíça em nome da VH , promovendo para tal a abertura de nova conta, em nome de outra entidade instrumental: a WH LTD, com registo nas ilhas Seychelles, para onde transferiu a totalidade dos fundos até então da VH . Posteriormente, recorrendo aos serviços de uma entidade de consultoria Suíça, designada AC , com sede em Genebra, o arguido conseguiu que fosse montada uma estrutura societária internacional que lhe possibilitada a utilização de contas bancárias noutro país, em particular junto de bancos no Reino Unido, pagando para que lhe fossem disponibilizadas contas, em nome de terceiras entidades, também em offshore, para as quais fez inicialmente transferir os fundos, mas para logo de seguida os voltar a transferir para outra conta, antes de fazer chegar tais fundos a uma conta que não fosse identificada nem com a qual fosse estabelecida conexão com a sua pessoa. É assim que com os contributos de uma sociedade registada na Irlanda, a DH , bem como de uma entidade em offshore, a ZH , com registo no Chipre, ficou criada uma cadeia de sociedades que poderiam justificar a transferência de fundos entre si, para, a final, possibilitar a transferência de quantias para uma conta bancária aberta em Portugal: a sociedade C. UNIPESSOAL LDA. A descrita conduta tem de, sem qualquer dúvida, ser tida como um comportamento astucioso através do qual o agente logrou ficar com uma contribuição (imposto) devida ao Estado, assim causando prejuízo ao património fiscal do mesmo Estado. Não houve, no caso, uma mera ocultação de rendimentos, um silêncio quanto aos rendimentos recebidos, mas uma ocultação conseguida de forma ardilosa, planificada ao pormenor (com a abertura de contas bancárias no estrangeiro, designadamente offshore, em nome de sociedades criadas para o efeito por onde circulava o dinheiro) e, por isso, subsumível ao descrito conceito de “escroquerie” fiscal. Por outro lado, não se pode dizer que estas condutas não são puníveis na Suíça. O crime de branqueamento previsto pelo art. 305 do Cód. Penal suíço estipula que “1. Celui qui aura commis un acte propre à entraver l’identification de l’origine, la découverte ou la confiscation de valeurs patrimoniales dont il savait ou devait présumer qu’elles provenaient d’un crime ou d’un délit fiscal qualifiet, sera puni (…) 1 bis. Sont considérées comme un délit fiscal qualifié, les infractions mentionnées à l’art.186 de la loi fédérale du 14 décembre 1990 sur l’impôt fédérale direct”. E o art. 186 em causa estabelece que “1. Celui qui, dans le but de commetre une soustraction d’impôt au sens des art. 175 à 177, fait usage de titres faux, falsifiés ou inexacts quant à leur contenu, tells que des livres comptables, des bilans, des comptes de résultat ou des certificats de salaire et autres attestations de tiers dans le dessein de tromper l’autorité fiscale est puni (…)”. O arguido, através do gestor de conta (MC ) movimentava as contas da VH , onde o dinheiro entrava após lhe ser entregue, em contado, pelo Arguido para, depois, ser reencaminhado para FC que, por seu turno, fazia chegar o dinheiro à conta da VH com outra proveniência indicada, ocultando a real origem do dinheiro. Conseguiu, assim, através de uma teia de falsidades, não declarar rendimentos, com o fim de não pagar os devidos impostos e enganar a autoridade fiscal. Pelo que o Tribunal recorrido não fez uso de prova proibida. E, por isso, também não se mostra violado o disposto no art. 8º da Constituição da República Portuguesa, posto que a prova obtida através de carta rogatória não foi validada ao arrepio das regras acordadas com o Estado rogado. Da pena… Alega o recorrente que a pena de 2 anos de prisão que lhe foi aplicada é desnecessária, desproporcional, inadequada, injustificada e desprovida de fundamentação. Diz que foi prejudicado pelo silêncio em violação do direito garantido no nº 1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa e concretizado na alínea d) do art. 61º do Cód. Proc. Penal e que todos os factos apurados quanto ao percurso de vida e à sua situação pessoal demonstram que sempre se encontrou e se encontra integrado socialmente, revelando hábitos de trabalho não podendo a ocupação de cargos públicos de destaque sopesar negativamente na determinação da pena, até porque os factos em apreço em nada contendem com os cargos públicos exercidos. Mais diz que os factos em causa se situam temporalmente próximos dos factos que originaram a sua condenação e que cumpriu já 3 anos de prisão efectiva, sendo destituído de sentido afirmar-se que não é digno de um juízo de prognose favorável. Sobre a questão disse o Tribunal recorrido: «Na lei actual, ao crime em apreço é aplicável uma moldura penal abstracta de prisão até 12 anos. Porém, face ao disposto no n.º 12 do art.º 368.º-A do Código Penal, «A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens». Ou seja, estando demonstrado que o crime precedente é a fraude fiscal, o limite máximo da pena queda-se pelos três anos. Este limite já existia desde a versão original do crime. Porém, até à alteração da Lei 58/2020, de 31.08, o limite mínimo da pena era de 2 anos, estando agora reduzido para o mínimo legal. Como tal, apurada a equivalência do tipo ao longo das várias versões da lei na sua aplicação a este caso concreto, temos que concluir que, dada a maior amplitude, para menos, da moldura penal, a versão actual é aquela que se mostra concretamente mais favorável ao Arguido, pelo que, sem necessidade de maiores considerações, será a aplicada neste processo. Na determinação da medida da pena há que atender ao critério estabelecido no art.º 71.º do Código Penal. Assim, e em primeiro lugar, há que atender à culpa. Sendo o juízo de culpa uma ponderação valorativa do processo de formação da vontade do arguido, tendo como critério aquilo que uma pessoa (enquanto homem médio com características pessoais similares à condição do agente) colocada na posição daquele faria perante a mesma situação, não poderemos deixar de a considerar muito elevada no caso que nos ocupa. No fundo, o juízo de culpa releva, necessariamente, da intuição do julgador, sendo este assessorado pelas regras da experiência que lhe permitem proceder à valoração nos termos descritos. E no caso vertente, não podemos deixar de ponderar a pessoa o dever moral acrescido que sobre a mesma impende. O Arguido AM exerceu das mais altas funções públicas e políticas. Teve responsabilidades governativas, contribuiu para a condução dos destinos do país. Esteve na linha da frente de duas relevantes instituições bancárias, com funções de administrador e de vice-presidente. Tinha rendimentos declarados acima da média, ganhando num ano apenas quantias que o comum dos cidadãos só alcançaria trabalhando mais de uma década. Era seu dever moral agir de forma diferente daquela como o fez, sendo elevado o juízo de censura que sobre o mesmo recai. O arguido deliberadamente violou normas que punem actos de conhecida gravidade, socialmente perniciosos pelo prejuízo que acarretam para o bem comum da sociedade, animado por um sentimento de egoísmo merecedor de particular censura. Será ainda de ponderar: - o grau de ilicitude dos factos, muito elevado, traduzido que é pelo complicado esquema montado para alcançar o seu propósito; - as repercussões, aferidas pelos valores em apreço; - a intensidade do dolo, directo; - as condições pessoais do arguido, suas habilitações literárias e situação económica; - a sua conduta anterior e posterior ao facto, com relevo para a condenação já sofrida e a impossibilidade de beneficiar de alguma demonstração de arrependimento, que não aconteceu. Face ao exposto, julga o Tribunal adequada a pena de 2 anos de prisão. De acordo com o art.º 50.º do Código Penal, o Tribunal deverá suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Para tanto deverá ponderar a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, daí retirando a necessidade da execução do encarceramento ou julgar que a ameaça de um período concreto de prisão bastará para alcançar a satisfação das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial. O período de suspensão terá duração a fixar entre 1 e 5 anos. Para assegurar que se alcança tal desiderato, poderá a suspensão ser subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta, ou ainda acompanhada de regime de prova. Tais deveres impostos ao condenado deverão ser vocacionados à reparação do mal do crime, nomeadamente, “pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado” - (art.º 51.º /1 al. a) do Código Penal). Já quanto ao regime de prova, o mesmo deverá ser determinado se o mesmo se afigurar conveniente e adequado para promover a reintegração do condenado na sociedade, assentando num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social. Também nos casos em que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade o regime de prova é ordenado (art.º 53.º do Código Penal). Ora, no caso concreto são elevadas as necessidades de prevenção especial e geral. Especial porquanto se exige que o Arguido interiorize a censura da sua conduta, algo que ainda não demonstrou perante o Tribunal. Geral porque a comunidade tem que compreender a severidade da reacção penal e que a mesma atinge todos e não há regimes de excepção. Entende o Tribunal que, quer o Arguido quer a comunidade precisam de um claro sinal de força para interiorizarem a necessidade de respeito pela lei, nomeadamente em crimes de natureza financeira. Tendo estas linhas condutoras em consideração, entende-se que este é um dos casos em que se exige o cumprimento efectivo da pena e não é de aplicar o regime da suspensão da execução da pena de prisão.» O crime cometido pelo recorrente é punível com pena de prisão de 1 mês a 3 anos. De acordo com os nºs 1 e 2 do art. 40º do Cód. Penal, “a aplicação de penas… visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Figueiredo Dias (Temas Básicos da Doutrina Penal, p. 65 a 111), diz que o legislador de 1995 assumiu no art. 40º do Cód. Penal, os princípios ínsitos no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. Américo Taipa de Carvalho (Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, p. 322), interpreta o actual art. 40º do Cód. Penal concluindo que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção. Assim, está subjacente ao art. 40º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa. A medida concreta da pena é determinada, nos termos definidos pelo art. 71º do Cód. Penal, “dentro dos limites definidos na lei… em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo-se “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.” No caso em análise, a ilicitude mostra-se elevada – considerando o desvalor da acção e do resultado – não se podendo olvidar o intrincado plano urdido para ocultar o dinheiro não declarado e o respectivo (elevado) montante, sendo certo que o arguido já auferia rendimentos declarados superiores aos cidadãos em geral (o que torna mais difícil de compreender a actuação). O dolo é directo e intenso, pois que o recorrente previu e quis as consequências da conduta. Há ainda que considerar as elevadas necessidades de prevenção geral. É sabido que o dever de pagar impostos é uma obrigação que concorre para o bem de todos e que fugir ao seu pagamento é uma afronta a todos os portugueses que os pagam. Por outro lado, não desconhecemos que esta é uma dura realidade em Portugal, que urge combater de modo a reforçar a consciência geral da necessidade de pagar impostos. Acresce que o arguido não é um cidadão anónimo: exerceu funções públicas durante vários anos e cargos governativos. Ainda que integrado social e familiarmente, com situação financeira estável e confortável, e não registasse antecedentes criminais à data da prática dos factos, tal como refere o acórdão recorrido “O Arguido AM exerceu das mais altas funções públicas e políticas. Teve responsabilidades governativas, contribuiu para a condução dos destinos do país. Esteve na linha da frente de duas relevantes instituições bancárias, com funções de administrador e de vice-presidente. Tinha rendimentos declarados acima da média, ganhando num ano apenas quantias que o comum dos cidadãos só alcançaria trabalhando mais de uma década. Era seu dever moral agir de forma diferente daquela como o fez, sendo elevado o juízo de censura que sobre o mesmo recai. O arguido deliberadamente violou normas que punem actos de conhecida gravidade, socialmente perniciosos pelo prejuízo que acarretam para o bem comum da sociedade, animado por um sentimento de egoísmo merecedor de particular censura”. E o arguido não manifestou qualquer arrependimento. Não se quer dizer que o arguido possa ser prejudicado pelo seu silêncio. Não pode. Mas daí também não pode retirar qualquer benefício – sem que tal viole o direito garantido no nº 1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa e concretizado na alínea d) do art. 61º do Cód. Proc. Penal. Facto é que o arguido não confessou nem repôs a verdade da sua situação fiscal, sendo que qualquer deles poderia ser visto como sinal de arrependimento. Analisando as circunstâncias apuradas na sua globalidade, justifica-se plenamente a pena aplicada, ajustada à culpa e às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração), isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à norma violada. Vejamos agora da possibilidade de suspensão da execução da pena… Como refere o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, p. 331), sendo a suspensão da execução da pena “a mais importante das penas de substituição” – não apenas pela frequência com que é aplicada, mas também pelo âmbito lato de aplicação que comporta – a lei, nos termos do art. 50º do Cód. Penal, exige não só a verificação de um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) como também requisitos subjectivos, determinados por finalidades de política criminal, que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente. Por isso, o Tribunal só pode suspender a pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 50º do Cód. Penal). Em causa já não está a medida da culpa do agente, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção, sendo necessário determinar se existe esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada. Contudo, cumpre não esquecer que, como refere o Prof. Figueiredo Dias (ob. cit., p. 344), pode haver casos em que “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, pois estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise”. Pressuposto básico da aplicação da suspensão da execução da pena, é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente, em termos de que o tribunal se convença de que a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais para o futuro. Mas tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem para uma forte probabilidade de inflexão em termos de vida. A circunstância de ser possível subordinar a suspensão da execução da pena a regras de conduta ou a regime de prova – sempre com vista a uma efectiva integração do agente na sociedade – não pode prescindir desse juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente. No caso, a integração familiar e social do arguido, bem como a sua confortável situação económica não o impediu de cometer o crime agora em causa, o que não abona a favor da sua personalidade e não dá garantias ao nível da prevenção especial. A circunstância de ter sofrido uma condenação em pena efectiva de prisão por crimes situados temporalmente próximos do agora em julgamento não tem qualquer virtualidade de o beneficiar (eventualmente será oportunamente proferida decisão cumulatória). Mas de especial relevo é a natureza do crime em causa: o branqueamento de capitais. Durante décadas os chamados “crimes de colarinho branco” geraram uma sensação de impunidade: os culpados ou não eram pura e simplesmente punidos (dada a dificuldade da prova) ou eram punidos em pena com execução suspensa. Nestes casos importa sublinhar que as necessidades de reprovação e prevenção do crime, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, assumem importante destaque, de modo a que qualquer benevolência levará ao descrédito das expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas, com efeitos na não prossecução dos objectivos da prevenção geral. Ou seja, neste tipo de crimes só especiais circunstâncias podem permitir que se conclua pela suspensão da execução da pena de prisão e essas circunstâncias não se verificam no caso. Por todo o exposto, a pena aplicada não pode deixar de ser efectiva. * Decisão Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmam o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cincos (5) UCs. Lisboa, 25.01.2022 (processado e revisto pela relatora) Alda Tomé Casimiro Anabela Simões Cardoso |