Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4477/14.9TDLSB.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: HONRA
INJURIAS
INTERVENÇÃO DO DIREITO PENAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE
Sumário: A acção típica de um crime contra a honra consistirá numa manifestação (verbal ou escrita, por acção ou omissão) de menosprezo que seja idónea a afetar tal honra.

Para aferir se uma expressão ou um acto são objetivamente idóneos para afetar a honra de uma determinada pessoa, é indispensável inseri-los no contexto e na situação em que foram proferidos ou praticados.

Sabem os tribunais que não se deve considerar ofensivo da honra e consideração de outrem, tudo aquilo que o ofendido entende que o atinge, de certos pontos de vista, mas sim apenas aquilo que razoavelmente, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores, tendo por base o contexto e ambiência em que se passaram os factos.

O legislador português não instituiu qualquer limite ou regra para definir a linha entre o que e ofensa à honra e o que já não é.

Essa definição foi deixada à jurisprudência. E a Jurisprudência faz uso as sensibilidade e bom senso para ativar o Direito e procura nos princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da proporcionalidade do direito penal, a insignificância e a adequação social das palavras pronunciada.

O crime de injúrias é um crime cultural, as palavras têm a força que os movimentos culturais e sociais assim como os contextos em que são proferidas, lhes dão. Hans Welzel chama a esse factor de influência e modificação, interação social.

O Direito está intimamente associado à realidade de modo que factualidade e norma se correlacionam.

Na verdade o Direito é algo de vivo e tem de se adaptar às alterações, evoluções e mesmo involuções do dia a dia das vivências e condições humanas. Não queremos com isto dizer que a Honra vale menos hoje do que valia em 1959. Queremos dizer que se o conceito de honra se redimensionou ganhando peso em certas situações , noutras situações a noção de que não foi atingida, é clara.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão proferido na 3ª Secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:



Nos presentes autos veio G____, Assistente nos autos à margem referenciados, não se conformando com a sentença proferida nos presentes autos que absolveu o arguido, dela interpor recurso apresentando para tanto as seguintes
conclusões:

O arguido enviou um correio eletrónico à direção escolar onde a assistente prestava serviço como coordenadora.
A. O arguido confirmou a autoria do mail.
B. O arguido já tinha sido presidente da Associação de Pais, a dado passo entrou em divergência com membros da Associação e com a assistente, devido ao facto de pretender que a assistente o beneficiasse ilegalmente no processo eleitoral.
C. O arguido tinha sido banido da Associação por gestão irregular.
D. Todavia,
E. O Tribunal ad quo desvalorizou o comportamento do arguido, porquanto argumentou que a assistente referiu ter anterior conhecimento dos assuntos inseridos no email em crise.
F. Tribunal ad quo referiu existir mau estar instalado no seio da Associação de Pais cuja competência e modo de funcionamento a assistente era alheia.
G. O arguido questionou a imparcialidade da assistente no processo, pelo que o email se tratou de uma compilação de situações
H. O Tribunal Ad Quo entendeu que se tratou de um texto que se situa no domínio da critica e do direito de opinião.

I.  Não é esse o entendimento da assistente

J. A defesa da dignidade da pessoa humana ocupa um lugar de destaque, os direitos do cidadão à sua integridade moral, que é inviolável cfr. disposto no n.° 1 do art.° 25, bem como ao seu bom nome e reputação (artigo n.º 26, n.º 1), todos da CRP.
K. Estão no mesmo plano hierárquico (direito à honra, de uma parte, e a liberdade de expressão, de outra parte)
L. Podem surgir - e têm surgido - conflitos cuja solução se impõe, prevenindo ou reprimindo, através dos mecanismos adequados, a respetiva manifestação.
M. O direito de informação e de crítica não é ilimitado.
N. No presente causo tratou-se de um meio para atingir outros fins.
O. O arguido apesar de conhecer a obrigação de evitar expressões gratuitamente ofensivas ou desproporcionadas suscetíveis de pela sua conotação social e pela significação que assumem para o comum das pessoas se tornarem lesivas da dignidade, não se coibiu de as fazer.
P. O arguido bem sabia que as suas afirmações eram suscetíveis de ofender a honra e consideração da pessoa da assistente, resultado esse que previu e quis atingir, e não ignorando que tinha o dever de expressar a sua opinião de forma a não violar tais valores, até porque tinha capacidade para o fazer e que a assistente era professora e coordenadora e que as considerações por si tecidas se reportavam a conduta pela mesmo levada a cabo no âmbito das respetivas funções e não se coibiu de o fazer.
Q. Aliás fê-lo, imbuído de um sentimento de vingança, porquanto entendeu que "... o comportamento da assistente sempre se pautou por uma total parcialidade e falta de democracia e isenção durante todo o processo de eleições", afirmação essa que se encontra inserta no ponto 2 dos factos provados.
ALIÁS
R. Resultou provado à exaustão que o arguido só "encontrou" defeitos na coordenação da assistente depois de aquela não se ter deixado instrumentalizar pelo arguido.
S. O Tribunal ad quo, com a prova efetivamente produzida em sede de julgamento, só poderia ter inferido com o mínimo de certeza jurídica que se impõe que o arguido praticou o crime de injúria agravado.
T. O arguido bem conhecia o facto de a assistente ser funcionária pública.
U. Bem sabia que a assistente nunca deixou de praticar as suas obrigações. O arguido foi claramente exposto na gestão danoso, conforme consta dos autos, documentalmente, pela direção da associação de pais.
V. Pretendeu usar e instrumentalizar a assistente no sentido de estar ser um veículo para limpar o seu nome, e permitir-lhe concorrer novamente à direção da associação de pais mesmo sem ter cumprido as normas legais exigidas tal como todas as testemunhas da assistente o confirmaram.
W. Efetivamente só depois da assistente não lhe ter permitido tais veleidades é que "se preocupou" com a alegada incompetência da assistente.
X. Sucede que são elementos objetivos do crime previsto no art.g 181º do CP
a.- A ação de imputar factos a outrem, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigir- lhe palavras;
b.- Que tais factos ou palavras sejam ofensivos da honra ou consideração daquele a quem são imputados ou dirigidas.
c.- Assim sendo, resta analisar se a conduta da arguida preenche os elementos objetivos do crime.
d.- Um mero relance pelo teor da factualidade provada afasta qualquer dúvida de que no caso não esteja verificado qualquer um desses elementos relativamente ao arguido.
Y. Entende-se que estão provados os elementos objetivos e subjetivos do crime de injuria agravada, pp. 181.g n.g 1 e 184.g do CP, por referência ao art.g 132.g n.g 2 alínea l do mesmo diploma, pelo que deveria ter sido o arguido condenado pela prática dos factos dos quais vinha acusado .
Z. O Tribunal Ad Quo nos "Factos não Provados" afirma que não se provou que;
a.- O arguido não ignorava que as palavras que constam no escrito transcrito nos factos provados constituem juízos depreciativos da honra da ofendida;
b.- Não ignorava igualmente que com as suas palavras imputava à ofendida, sob a forma de suspeita, factos que objetivamente eram atentórios da sua honra e consideração;
AA. Nesses termos, a contrario tal prova permite concluir que o arguido sabia que estava a injuriar e a difamar a assistente, atingindo-a na sua honra e consideração.
BB. Pelo que, tendo consciência desses factos estão preenchidos os elementos volitivos do tipo.
Pelo exposto, entende-se que face aos factos provados estão preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de injuria agravada, pp. 181.° n.° 1 e 184.° do CP, por referência ao art.° 132.° n.° 2 alínea l do mesmo diploma, pelo que deveria ter sido o arguido condenado pela prática dos factos dos quais vinha acusado.
Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, com todas as devidas e legais consequências, nomeadamente, deverá ser a arguido condenado pela prática do crime de INJÚRIA AGRAVADA, assim se fazendo a costumada Justiça.
****

Em 1ª Instância pronunciou-se o MP:    
(...) da prova decorre que apenas houve distribuição de uma informação dos motivos da convocação de eleições antecipadas para Associação de Pais e que a assistente refere que o arguido pretendia distribuir documentação que para assistente era campanha e teria ser fora da escola única intervenção que a mesma refere ter tido (impedir a campanha na escola).
As demais criticas decorrente do email objecto dos autos foram confirmadas pelo arguido serem situações já relatadas à direcção do agrupamento mas sem resolução e que o mesmo teve conhecimento como presidente da Associação de Pais.
Tratam-se de criticas à actuação da assistente como coordenadora dirigidas pelo arguido que nessa relação não se assume como uma pessoa estranha na medida em que as recebeu como presidente da Associação de Pais e que embora à data não exercesse tal função ainda era pai de uma aluna da escola.
Isto porque no enquadramento jurídico dos factos não se admite toda e qualquer crítica quando a mesma se faça de forma torpe e oca.
(...) as palavra constantes do mail não assumem carga mínima relevante para falarmos de uma imputação com dignidade penal e embora possamos assumir como desagradável o uso de algumas expressões como...” que de coordenadora apenas ostenta a designação” teremos sempre se assumir como deselegantes mas proferidas num contexto situacional propicio às mesmas e as que as situações relatadas se tratavam de factos já denunciados já conhecidos pela direcção do agrupamento mas estava a ser dado conhecimento a outro organismo para que fosse tomada posição conforme termina.
A verdade é que as reclamações iam sendo arquivadas após ouvida a assistente como sendo reclamações "normais” no contexto em que a escola se situava mas que não se deviam a qualquer conduta de mau exercício funcional da assistente como a situação relatada nos autos mas que a mesma teve impacto porque foi o resultado de um conjunto de criticas que não decorreram unicamente do arguido, havia um desgaste decorrente de outras actuações de terceiros aqui confirmado pela assistente, marido, M_____ e Director de agrupamento de recebeu várias reclamações.
Termos em que negando provimento ao recurso interposto.
***

Neste Tribunal Pronunciou-se o Exmo Procurador Geral Adjunto pronunciou-se  no sentido de que o recurso não merece provimento.
***

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar artºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 410º nº 2 CPP.

Cumpre decidir.

Da decisão recorrida resulta
1.– Em 27 de Março de 2014, o arguido remeteu uma mensagem de correio electrónico à Inspecção Geral de Educação e Ciência, a qual rezava o seguinte:
2.– "Ex. mos Srs:
Por esta forma pretendo dar-vos conhecimento da situação que presentemente se vive na EBl P____ (Lisboa, Agrupamento P_____), muito por culpa da actual coordenadora, que de coordenadora apenas ostenta a designação.
De facto o mal-estar já vem de há algum tempo e muitos são os pais que à porta da escola apresentam as suas reclamações e descontentamentos, havendo mesmo quem sugira fazer-se um abaixo-assinado a fim de exigir a substituição da coordenadora. Receio que a situação se descontrole em breve. Também aparecem nas paredes dizeres que assim o indicam.
A fim de não querer ser exaustivo deixo apenas alguns exemplos:
Sendo certo que a escola é antiga e está em obras, nada justifica que as instalações não sejam devidamente limpas ou mantidas. O espaço onde as crianças comem é um autêntico nojo, tendo já sido reencaminhadas várias reclamações para as entidades competentes (CML e ASAE, POR EX.). Diarreias e problemas gastrointestinais nas crianças são, por esta razão frequentes e permanentes. Como é possível logo de manhã e esta estar imunda e com um cheiro nauseabundo. Papel higiénico e sabonete são problemas que só aparecem nas casas de banho quando os pais reclamam. Tudo isto só pode acontecer devido à existência de uma coordenadora que nada coordena nem se preocupa minimamente com a escola e muito menos com as crianças.
Os pais, preocupados com todas as situações, ao tentar falar com a dita coordenadora, não são recebidos, esta, ainda há dias, gritava no pátio ''que tinha mais do que fazer do que estar a receber pais".

Durante, o processo de eleições para a associação de pais, resolveu a sra coordenadora tomar partido de uma das listas, distribuindo toda a documentação (alguma ilegal) pelos alunos, enquanto se recusou a distribuir esclarecimentos e demais informação de outra lista. Desta forma foram os pais e encarregados de educação impedidos de participar de uma forma livre e informada numa eleição de um importante órgão que melhor deveria representar os seus direitos e os das crianças. A coordenadora da escola pautou sempre por uma total parcialidade bem como falta de democracia e isenção durante todo esse processo de eleições. Este facto foi devidamente apresentado em livro de reclamações existente na sede de agrupamento.
Em importantes e graves momentos da existência da escola, como por exemplo um forte temporal que num sábado destruiu parte da escola ou na cerimónia de início das obras de beneficiação da escola (prometidas há mais de 20 anos!) a ausência da sra coordenadora foi bastante notada.
Recentemente (12 de Fevereiro) os pais e encarregados de educação foram surpreendidos por um telefonema informando que daí a minutos iria iniciar- se uma greve e, como tal, os pais deveriam de imediato ir buscar as crianças à escola. Como se poderá imaginar esta situação acarretou grandes problemas e transtornos para os pais, crianças e professoras. De acordo com a professora, que lamentou a situação, tal aconteceu porque ninguém na escola teria sido atempadamente informado pela coordenadora da greve. Uma mãe, ao questionar a coordenadora sobre esta situação, terá ouvido: "os pais estão todos desempregados, não tenho nada que os andar a avisar". Foi apresentada reclamação à sede do agrupamento, aguarda-se resposta.
E, também notória a falta de sensibilidade e de tacto na forma de a coordenadora se dirigir aos pais e encarregados de educação. Há tempos durante a substituição de uma professora que se encontrava doente, a coordenadora terá dito a uma mãe, de uma forma imediata e arrogante: "se o seu filho estiver a desestabilizar a aula chamo uma auxiliar para ir dar um passeio com ele” e, melhor ainda, "o seu filho é um anormal". Desta situação também foi dado conhecimento à direcção do agrupamento.
Infelizmente muito mais haveria a apresentar, mas termino referindo que também há casos comprovados de agressões da coordenadora a crianças. Se muitos pais preferem não reclamar por terem medo de represálias sobre os seus filhos, há pelo menos, um caso cuja reclamação foi apresentada à direcção (Outubro de 2013). A coordenadora, confirmando a agressão terá dito a um dos pais: "dei-lhe uma palmada porque agi no impulso" e "agi assim para que as crianças percebam que quem manda sou eu".
É de lamentar que uma coordenadora, que deveria ter formação académica adequada, com as responsabilidades inerentes ao cargo, tenha atitudes e reacções como as descritas. Todos os anos assistimos ao pedido de transferência para outras escolas do bairro, de professores que dizem não conseguir mais suportar ter uma coordenação desta forma. Grande parte do pessoal está desmotivado e pretende a saída ou transferência para outra escola o mais rapidamente possível.
Por fim, resta-me referir que a dita coordenadora lerá sido reconduzida, por mais quatro anos, no ano passado, altura que a anterior directora terá cessado funções por motivo de aposentação. O actual director do agrupamento (Dr. N____), pessoa de excelente trado e sempre disponível para receber os pais, encontra-se em regime de substituição, estando previstas eleições para breve. Por esta razão, estou convicto, a actual direcção do agrupamento, que está conhecedora de todas as situações mencionadas, ponderará só dar seguimento às reclamações após a tomada de posse. E do sentimento dos pais e encarregados de educação que a direcção do agrupamento nada fez perante as reclamações apresentadas".
3.– A visada com as palavras transcritas é G____ que exerce a profissão de coordenadora de estabelecimento de ensino Escola EB1 P____, realidade que era do conhecimento do arguido.
Mais se provou que: 
4.– Os filhos do arguido frequentaram a escola P____ aquando dos factos, tendo o arguido exercido, tal cargo, em momento pretérito às eleições para eleger o novo representante da Associação de Pais.
5.– Cargo do qual veio a ser destituído por via de uma renúncia em bloco dos demais membros da Associação de Pais, realidade que ocorreu em Assembleia Extraordinária de associados no dia 11 de Junho de 2013.
6.– A Associação de Pais ficou sem membros e a testemunha M____ assumiu a posição de fiel depositaria dos bens da associação.
7.– A então fiel depositária dos bens da associação, designou o dia 4 de Outubro de 2013 para a realização de eleições com vista à eleição de novos corpos dirigentes.
8.– A fiel depositária apresentou-se à eleição como integrante da lista A e o arguido da lista B
9.– Por vicissitudes de natureza jurídica, então invocadas pela fiel depositária e candidata pela lista A, a lista encabeçada pelo arguido não foi admitida a votos.
10.– Motivos pelos quais a lista A foi a votos como lista única.
11.– O arguido expediu mail em 21 de Outubro de 2013 à Directora do Agrupamento de Escolas das P____ alertando para aquilo que considerava ter como conduta parcial da aqui assistente por impedir a distribuição de esclarecimentos e informação sobre os candidatos da lista B, onde se integrava.
12.– Por mail de 4 de Outubro de 2013 relativamente ao processo eleitoral a FERLAP informa o arguido, a fiel depositária e a aqui assistente que, além do mais, não tinha cabimento a não-aceitação da lista B atendendo a que a APEE estando demissionária apenas poderia aceitar novas inscrições de pais como sócios e nessa medida com capacidade eletiva na Assembleia Eleitoral.
13.– A qual não foi agendada para o dia das eleições como preconizado pela FERLAP.
14.– O arguido é engenheiro técnico da área de mecânica.
15.– Vive maritalmente com a sua companheira e dois filhos com as idades de 10 e 14 anos. 
16.– A sua companheira também exerce actividade profissional remunerada.
17.– O arguido vive em casa própria e aufere um ordenado bruto de cerca de €680,00 mensais.
18.– Do seu certificado de registo criminal não se mostram averbadas quaisquer condenações.

2.2) Factos não Provados
Não se provou que:
1.- O arguido não ignorava que as palavras que constam no escrito transcrito nos factos provados constituem juízos depreciativos da honra da ofendida.
2.- Não ignorava igualmente que com as suas palavras imputava à ofendida, sob a forma de suspeita, factos que objectivamente eram atentatórios da sua honra e consideração.
3.- O texto descrito nos factos provados colocou em causa a dignidade pessoal e institucional da ofendida, quer enquanto pessoa, quer enquanto funcionaria pública e coordenadora de estabelecimento de ensino.
4. Com as suas palavras o arguido quis denegrir a reputação e a dignidade da ofendida, bem sabendo os seus actos legalmente puníveis.
5.- Em toda a sua conduta o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.
*

Vejamos:

Pretende a assistente que foi atingida na sua honra e consideração como funcionária pública e coordenadora , pela missiva dirigida pelo arguido ora absolvido.
Defende assim a condenação do mesmo por injúria agravada.
Entendeu o tribunal na decisão recorrida que não se verificava o preenchimento do ilícito  cometido por quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração.

Este tipo de ilícito concretiza-se assim, num ataque directo, sem a intromissão de terceiros, à pessoa do ofendido, através da imputação de factos ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra e consideração.
A honra é entendida no ordenamento jurídico-penal português, como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.
Como refere Faria Costa, in "Comentário Conimbricense do Código Penal", Tomo I, para aferir se as palavras proferidas são ou não ofensivas da honra e consideração de uma pessoa, há que atender ao contexto situacional, pese embora, existam palavras cujo sentido primeiro e último seja tido, por toda a comunidade falante, como ofensivo da honra e consideração e que exprimem e carregam consigo um indesmentível desvalor, objectivamente ofensivo.

O legislador optou por agravar a moldura penal abstracta aplicada ao crime de injúria p. e p. pelo art.° 181.°, do Código Penal, se a vítima for uma das pessoas referidas na al. j) do n.° 2 do art.° 132.°, no exercício das suas funções ou por causa delas, onde se incluem precisamente os agentes da PSP (art.° 184.°, do Código Penal).

Segundo Faria Costa in "Comentário Conimbricense ao Código Penal", Tomo I: "o legislador, a partir de uma lógica que assenta na ideia de que o estatuto funcional (...) dos cargos de determinadas pessoas acrescenta uma mais-valia à própria honra, passou a considerar que os actos desonrosos que atacassem essa honra acrescida ou densificada mereceriam uma maior punição. (...) o que tudo dá ideia de que há uma "honra funcional".
Ora do escrito enviado não resulta nada que possa considerar-se ofensivo da honra e consideração da assistente assim como também não resulta da actuação do arguido uma vontade de injuriar ou difamar mas antes, uma vontade de comunicar  um conjunto de factos ou comportamentos sobre os quais,  na sua qualidade  de pai pertencente à associação de pais tem vindo a receber nota/comunicação e de que tem vindo a ter conhecimento.
É certo que os factos descritos não são abonatórios da imagem da coordenadora mas é certo que  fazem parte de um normal funcionamento que não tem vindo a agradar a um conjunto de pais e de que o arguido deu nota ao Conselho Diretivo e não só.
  
Na verdade, e como bem diz a decisão absolutória,

A acção típica de um crime contra a honra consistirá numa manifestação (verbal ou escrita, por acção ou omissão) de menosprezo que seja idónea a afectar tal honra.
Para aferir se uma expressão ou um acto são objectivamente idóneos para afectar a honra de uma determinada pessoa, é indispensável inseri-los no contexto e na situação em que foram proferidos ou praticados.
Tanto a doutrina como a jurisprudência são, desde há muito e de forma unânime, restritivas na avaliação do desvalor da ofensa considerando "que nem tudo aquilo que alguém considera ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (cfr. prof. Beleza dos Santos," Algumas Considerações Sobre Crimes de Difamação e de Injúria", RLJ, Ano 92, p, 167) ou ainda "que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos artºs 180° e 181°, tudo dependendo da intensidade ou perigo da ofensa" (cfr. Oliveira Mendes, "O Direito à Honra e a Sua Tutela Penal”, p. 37- reportando-se as normas citadas ao C. Penal Revisto).

E como também diz a decisão recorrida, as realidades descritas , narradas, não eram novas,  e o facto de se dizer que alguém, coordenadora  numa escola, não é imparcial, e não coordena como se espera que o fizesse, não é ofensivo da honra e consideração embora se compreenda que é incomodo e  desconfortável. Acresce que tais narrativas nascem no seio de uma associação de pais e nunca o arguido disse que a assistente não era séria nem era honesta.
Acresce que a narrativa que merecia um despacho por parte da Direção da Escola, teve-o e o despacho foi de arquivamento.
O Direito Penal  serve para reconstituir factos integradores de crimes, apurar as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidos, a identidade dos respetivos autores e responsabilizá-los com a imposição de uma pena ou medida de segurança, em ordem à proteção dos bens jurídicos visados com as normas do direito penal mas apenas, quando estes tenham sido violados.
Será necessária no caso em concreto a intervenção do Direito Penal? Não estamos apenas perante uma divergência de critérios levada ao conhecimento da Direção da escola? Um acentuar de  conteúdos que se afiguram ao narrador dos factos como necessários para acentuar a urgência do que expõe?
Sabem os tribunais que não se deve considerar ofensivo da honra e consideração de outrem, tudo aquilo que o ofendido entende que o atinge, de certos pontos de vista, mas sim apenas aquilo que razoavelmente, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores, tendo por base o contexto e ambiência em que se passaram os factos.
Na verdade o princípio da intervenção mínima do Direito Penal a isso apela.

Como indica Figueiredo Dias, «a realidade do crime [...] não resulta apenas do seu conceito, ainda que material, mas depende também da construção social daquela realidade; ele é em parte produto da sua definição social, operada em último termo pelas instâncias formais e mesmo informais de controlo social.
A realidade do crime não deriva exclusivamente da qualidade “ontológica” ou “ôntica” de certos comportamentos, mas da combinação de determinadas qualidades materiais do comportamento com o processo de reação social àquele, conducente à estigmatização dos agentes respetivos como criminosos ou delinquentes.

Como encontrar esse limiar, essa linha divisória abaixa da qual a censura penal perde sentido?
O legislador português não instituiu qualquer limite. Essa definição foi deixada à jurisprudência. E a Jurisprudência faz uso as sensibilidade e bom senso para ativar o Direito Penal e portanto, com ele a punição  dos factos que  merecem censura.
No entanto a Jurisprudência não se serve apenas da sensibilidade e bom senso, procura nos princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da proporcionalidade do direito penal, a insignificância e a adequação social das palavras pronunciada.
Há sem dúvida hostilidade nas afirmações escritas, a carta não é uma carta de recomendação, muito pelo contrário. Mas é um escrito de um pai que pertence à associação de pais e que queria expor à Direção da escola, a quem deu conhecimento dos factos que narrou,  para que se tomassem medidas.
O estudo de Beleza dos Santos citado pelo tribunal a quo (“Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 92.º) é uma reflexão importante sobre os crimes contra a honra, tem resistido à erosão do tempo mas data de 1959 .
Mas o estudo data de 1959 e o crime em causa , tendo em conta uma série de factores perdeu alguma carga em certos pontos ganhando-a noutros. Ou seja, o crime de injúrias é um crime cultural, as palavras têm a força que os movimentos culturais e sociais assim como os contextos em que são proferidas, lhes dão.

Hans Welzel chama a esse factor de influência e modificação, interação social. E sofreu o desgaste imposto pela compatibilização do bem jurídico que tutela com outras liberdades que, entretanto, se foram afirmando e sedimentando (como seja a liberdade de expressão). Hans Welzel desenvolveu uma teoria limitadora do Direito, estabelecendo obstáculos à utilização arbitrária do sistema penal através de elementos retirado do mundo fático. Na lógica deste jurista e filósofo, que se deparou com as atrocidades de um Estado punitivo e dominador ao extremo cometendo mesmo atrocidades, o Direito está intimamente associado à realidade de modo que factualidade e norma   se correlacionam.
Na verdade o Direito é algo de vivo e tem de se adaptar ás alterações, evoluções e mesmo involuções do dia a dia das vivências e condições humanas. Não queremos com isto dizer que a Honra vale menos hoje do que valia em  1959. Queremos dizer que se o conceito de honra se redimensionou ganhando peso  em situações , noutras situações a noção de que não foi atingida é clara.
E no caso, não será bem uma liberdade de expressão, mas uma liberdade de expressar o sentir para explicar o acontecido. Não há na conduta e no querer do arguido uma vontade de injuriar mas sim uma vontade e narrar e enfatizar condutas da coordenadora ora assistente.
Bem andou o tribunal a quo ao entender que a conduta do arguido não contraria o sentido social de valor contido no tipo incriminador e, por isso, não preenche materialmente o crime de difamação do artigo 180.º, n.º 1, do CP.

Assim sendo

Julga-se manifestamente improcedente o recurso confirmando-se a decisão recorrida

Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 3  Ucs. DN.


(Acórdão elaborado e revisto pela signatária - art° 94°, n° 2 do C.P.Penal)



Lisboa 24, de Outubro de 2018

     
                                                                       
Adelina Barradas de Oliveira
Graça Santos Silva



[1]Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48;
SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 “Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387

DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363.