Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1239/07.3TVLSB.L1-2
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
DEVEDOR
TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. Incorre em incumprimento contratual culposo aquele que, obrigando-se perante o devedor a pagar certo crédito a terceiro, não oferece reiteradamente a prestação e origina a resolução do respectivo contrato.
II. A isso não obsta o incumprimento anterior do primitivo devedor, numa quantia insignificante (€ 12,39), quando confrontada com o valor do contrato de alguns milhares de euros.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

Maria instaurou, na 3.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra Manuel, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhe, designadamente, a quantia de € 24 200,00, acrescida dos juros, à taxa legal, desde a citação.
Para tanto, alegou, em síntese, que, em 7 de Janeiro de 2005, o então seu marido, com a sua anuência, acordou com o Réu a venda do veículo, da marca Mercedes, modelo classe A, matrícula YY, adquirido na constância do casamento, com a celebração de um contrato de crédito com a Caixa ..., S.A., mediante o pagamento imediato da quantia de € 1 500,00, e assumindo o R., a partir da data referida, o pagamento das prestações mensais daquele contrato de crédito; apesar da entrega do veículo ao R., este não pagou as respectivas prestações, obrigando a A., depois de promessas incumpridas do R., a celebrar um acordo com a sociedade financeira, para pagamento da dívida de € 7 228,11, da qual já pagou € 4 200,00; o comportamento do R., para além dos danos patrimoniais, causou-lhe também danos não patrimoniais.
Contestou o Réu, negando o contrato, pois se limitara a intermediar o negócio entre o marido da A. e a F..., Lda., que pagaria € 1 000,00 e passaria a pagar ao banco credor as prestações a partir de Janeiro de 2005, vindo o negócio a ficar prejudicado pela existência de prestações em atraso, designadamente a de Dezembro de 2004, e cujas propostas de solução foram recusadas pela A. Concluiu pela improcedência da acção e, em reconvenção, pediu que a A. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 15 000,00, a título de indemnização, por danos não patrimoniais resultantes do comportamento da A.
Replicou a A., contestando a reconvenção e requerendo a intervenção provocada de F..., Lda.
Admitida a intervir, a Interveniente contestou, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação, foi proferida, em 23 de Outubro de 2009, sentença que condenou apenas o Réu no pagamento à A. da quantia de € 9 700,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, a contar da citação até integral pagamento.

Não se conformando com a sentença condenatória, recorreu o Réu, que, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) O Tribunal a quo devia ter dado como provado que o veículo automóvel foi vendido à sociedade F... e não ao R.
b) O Tribunal a quo devia ter dado como não provado que tivesse ficado acordado que o R. pagaria a prestação de Dezembro por contrapartida com o pagamento pela A. do seguro.
c) O Tribunal a quo devia ter dado como não provado que a A. sempre cumpriu atempadamente as suas obrigações.
d) O Tribunal a quo devia ter dado como não provado os quesitos 13.º, 20.º, 21.º e 22.º da base instrutória.
e) O Tribunal a quo devia ter dado como provado os quesitos 33.º, 34.º, 38.º, 39.º, 40.º, 57.º, 68.º e 69.º da base instrutória.
f) A decisão final é injusta por estar viciada por erro grave e grosseiro de valoração da prova.
g) Foram violados os arts. 264.º, 266.º, 266.º-A, 490.º, n.º 3, e 505.º, todos do CPC, e 879.º, 882.º, n.º 2, 428.º, n.º 1, e 431.º, todos do CC.
Pretende, com o seu provimento, a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição do pedido.

A Autora não contra-alegou.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em causa essencialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Pela 1.ª instância, foram dados como provados os seguintes factos:
1. A A. casou com José no dia 5 de Outubro de 1997, sem convenção antenupcial, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio, por decisão da Conservatória de Registo Civil de Almada de 19 de Agosto de 2005 e transitada no mesmo dia.
2. Em 19 de Dezembro de 2002, a A. e o seu marido adquiriram o veículo, da marca Mercedes, modelo classe A, matricula YY, tendo para tal celebrado com a Caixa, S.A. o “contrato de crédito n.º ...”, no valor de € 6 773,20, valor este que a A. e o seu marido se obrigaram a pagar em 72 prestações iguais mensais e sucessivas.
3. A aquisição desse veículo automóvel mostra-se registada a favor do então marido da A. e com reserva de propriedade a favor da Caixa, S.A., com data de 27 de Maio de 2003.
4. O R. está inscrito na Ordem dos Advogados, com a cédula profissional n.º ..., e exerce a profissão de advogado.
5. O R. tinha uma relação de amizade com o ex-marido da A. e também lhe prestou serviços enquanto advogado.
6. No início do mês de Janeiro de 2005, o R. sugeriu ao então marido da A. para lhe vender o referido veículo, tendo este resolvido vendê-lo ao R. (resposta ao quesito 1.º da base instrutória).
7. Logo ali foram acertadas todas as condições de venda entre o R. e o então marido da A., que eram as seguintes: O R. pagaria naquele momento o montante de € 1 500,00, a título de sinal, e assumiria a partir daquela data todo o pagamento das prestações mensais para com a Caixa, S.A., relativas ao contrato de crédito celebrado com a A. e seu ex-marido (2.º).
8. O R. comprometeu-se a diligenciar junto da Caixa., S.A., para extinção do contrato de crédito celebrado com a A. e seu ex-marido e tratar de toda a documentação necessária para transferir o veículo para seu nome (3.º).
9. As condições foram aceites pelo R. e pelo ex-marido da A. (4.º).
10. Aquando da concretização do negócio do veículo, ficou acordado com o R. que a prestação de Dezembro seria por este assumida e, como iria ser debitada na conta da A. o valor do seguro referente ao veículo, esta assumiria o pagamento do seguro, como o fez, e o R. pagaria a prestação vencida em Dezembro e as que futuramente se vencessem (5.º).
11. Após a aceitação do negócio entre os contraentes, o ex-marido da A. telefona a esta, para que esta se encontrasse com este para que fossem assinados os documentos necessários relacionados com a venda do veículo ao R., o que veio a acontecer (6.º).
12. Quando a A. chegou ao escritório do ex-marido, deu anuência ao negócio, e foi-lhe apresentado um documento para assinar – declaração de venda elaborada pelo R. – o que fez, pois como era advogado do seu ex-marido confiou que tudo o relacionado com a transacção estivesse em ordem (7.º).
13. Com a assinatura do documento foi, nessa data, entregue o veículo ao R. com os respectivos documentos originais, que desde então até ao presente tem feito uso exclusivo dele (8.º).
14. A partir daquele momento, a A. não mais se preocupou com o pagamento das prestações mensais relativas ao contrato de crédito para com a Caixa, pois estava convencida que o R. estaria a cumprir, pontualmente, o pagamento daquelas prestações, como tinha sido assumido aquando da conclusão do negócio (9.º).
15. Em Janeiro de 2005, a A. recebeu o pagamento de € 1 500,00, por cheque do BPI, com o número ..., entregue pelo R., mas emitido pela F..., Lda., a favor do Dr. José, com data de 29 de Dezembro de 2004, no mesmo dia em que também foi assinado pela A., e pelo Dr. José, o impresso “declaração de venda de automóveis”, tendo aquele cheque sido depositado em conta aberta em nome do Dr. José, em 6 de Janeiro de 2005 (35.º e 59.º).
16. No mesmo dia de Janeiro de 2005, a viatura e os respectivos documentos (livrete e título de registo de propriedade) foram entregues pela A. ao R. (36.º).
17. Foi o R. quem se deslocou a casa do Dr. José e da A. para ir buscar a viatura que se encontrava parqueada na garagem (37.º).
18. A A. reconhece que em Janeiro de 2005 havia uma prestação em atraso à Caixa, correspondente à renda vencida em Dezembro de 2004.
19. Durante vários meses, a A. manteve por pagar a prestação relativa ao mês de Dezembro de 2004, mas estava convencida que o R. a iria pagar, tal como tinha com este acordado (38.º e 40.º).
20. É com surpresa que a A. recebe em casa um telegrama onde lhe é solicitado o pagamento da totalidade da divida referente ao contrato, e caso o não fizesse de imediato seria intentada a respectiva acção executiva (10.º).
21. Então a A., que sempre cumpriu atempadamente as suas obrigações, preocupada, contacta de imediato a Caixa para saber qual a razão daquele telegrama, tendo-lhe sido respondido que tinham deixado de ser pagas as prestações mensais (11.º).
22. De seguida entra em contacto com o ex-marido e ambos contactam o R. a fim de indagar por que é que não tinha feito o pagamento das prestações mensais e por que é que não tinha, ainda, transferido o crédito para seu nome, como tinha ficado acordado aquando da realização da transacção da venda do automóvel (12.º).
23. O R. respondeu à A. e ao ex-marido que não tinha tido tempo de tratar do assunto e que em relação às prestações em atraso que não se preocupasse que iria fazer o seu pagamento de imediato e regularizar a situação, passando ainda a pagar as prestações daí por diante (13.º).
24. Uma vez mais a A. acreditou, pois como o R. era amigo do ex-marido e seu advogado, e confiou que iria cumprir o prometido (14.º).
25. Passado algum tempo, a A. foi de novo contactada pela Caixa, no sentido de fazer o pagamento da divida e caso não o fizesse intentariam, sem outro aviso, a competente acção executiva (15.º).
26. Foi então que, já farta das promessas que o R. lhe vinha fazendo no sentido da resolução do assunto, e para evitar que fosse demandada em juízo, e o seu bom nome fosse posto em causa, a A. dirige-se à Caixa, em 28 de Julho de 2005, onde lhe é apresentado um acordo de pagamento de dívida, que previa o pagamento da dívida em prestações mensais de € 200,00 (16.º).
27. A A. aceitou essa proposta e, em 29 de Julho de 2005, foi assinado o acordo de pagamento entre a Caixa e a A. (17.º).
28. Nesse acordo, a A., na cláusula 1.ª, reconhece que o valor da divida é de € 7 228,11, e na cláusula 2.ª, acorda o pagamento da dívida em 41 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 200,00, cada, pagamento a iniciar no dia 5 de Setembro de 2005 (18.º).
29. Desde aquela data e até ao presente, a A. tem vindo a fazer o pagamento mensal das prestações no valor de € 200,00, tendo entretanto já pago à Caixa as 41 prestações mensais no valor de € 200,00 (19.º).
30. Após a assinatura do acordo, a A. contactou o R., informa-o do conteúdo do acordo celebrado entre a A. e a Caixa e do pagamento que assumiu mensalmente em fazer, e solicitou-lhe que assumisse o pagamento de tais prestações (20.º).
31. O R. referiu que iria regularizar a situação e que passaria a pagar mensalmente tais prestações, e assim evitar causar mais prejuízos à A., o que não cumpriu (21.º).
32. A A., face à conduta do R., e farta de tantas promessas, resolve contactar um advogado para tentar solucionar o diferendo, tendo o R. sido contactado pela advogada da A., primeiramente, via telefónica, e mais tarde por vários faxes e múltiplas cartas registadas com aviso de recepção, no sentido de se encontrar uma solução para este litígio, tendo o R. prometido que iria resolver todo este diferendo, o que não se fez (22.º).
33. O R. recebeu a carta proveniente da Dr.ª C... junta a fls. 33 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
34. A A. não aceitou a entrega de cheque para pagamento da dívida à Caixa na estrita medida em que só aceitaria se o R. lhe pagasse a si as prestações que já tinha pago directamente à Caixa (48.º).
35. A A. está privada do uso do automóvel (23.º).
36. A A. vive única e exclusivamente do seu vencimento e é com ele que tem de fazer face às despesas com o empréstimo da casa, água luz, transporte alimentação, tendo dificuldades para suportar o pagamento da prestação à Caixa (24.º).
37. Após esta situação relativa ao financiamento bancário para a aquisição do veículo dos autos, a A. viu o seu nome e a sua ficha junta das instituições de crédito ficarem manchadas, em particular na Caixa (25.º).
38. Essa situação provou preocupação à A. (26.º).
39. O R. conduziu o veículo algumas vezes.
40. A A. sentiu revolta ao ver o R. a circular com o veículo, quando era ela quem continuava a pagar as respectivas prestações ao banco, tendo sentido por isso também irritação, ansiedade, dificuldades em dormir, tendo passado por um período em que mal se alimentava, sendo que parte desses sentimentos também se referiam ao processo de divórcio do seu ex-marido e a problemas doutras dívidas do casal que estavam pendentes de resolução (27.º).
41. Toda esta situação relativa ao R., em conjunto com os problemas vividos na sequência do processo de divórcio e das dívidas do casal, transtornaram psicológica e moralmente a A. (29.º).
42. O teor da petição inicial desta acção foi pelo menos lida por um colega do escritório onde o R. trabalha (56.º).
***
2.2. Descritos os factos provados, importa então conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente foi já posta em destaque.
A decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1.ª instância pode ser alterada nos casos previstos no n.º 1 art. 712.º do Código de Processo Civil (CPC), designadamente, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690.º-A do CPC, a decisão com base neles proferida – alínea a).
O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto tem o ónus obrigatório de especificar os pontos concretos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, sob pena de rejeição do respectivo recurso – art. 690.º-A, n.º 1, do CPC.
Por regra, a especificação dos pontos concretos de facto é feita mediante a indicação dos respectivos quesitos integrantes da base instrutória.
O Apelante, embora tivesse identificado uma série de quesitos da base instrutória, cumprindo eficazmente o respectivo ónus de alegação, quanto a outra parte, correspondente a três questões, fê-lo apenas com a menção da sua matéria. Sem prejuízo, neste caso, de se considerar como não inteiramente cumprido aquele ónus, não deixa de se conhecer da respectiva impugnação, por se poder aceitar, com certa segurança, que mesmo assim se encontra concretizada.
Assim, depois de ouvida a gravação dos depoimentos, e começando pela questão da venda do veículo ao Apelante, apenas releva o depoimento da testemunha José, no qual se fundamentou a resposta dada (fls. 278). Esta testemunha, ex-marido da Apelada, foi quem negociou as condições da compra e venda do veículo, tendo declarado sempre que o comprador foi o Apelante, que afirmara ao depoente ter tido um “problema” com o seu carro. A testemunha declarou ainda que não achara como situação especial o facto do cheque, no valor de € 1 500,00 (facto n.º 15), não ter sido emitido pelo Apelante, assim como não lhe repugnou ter sido passado com uma data anterior (29 de Dezembro de 2004). Mesmo que isso pudesse derivar de um interesse fiscal, não é possível, sem mais prova, concluir que fora a emitente do cheque a comprar o veículo.
Relativamente à questão do acordo do pagamento da prestação de Dezembro de 2004, respeitante ao contrato de crédito (quesito 5.º, com resposta positiva), não resulta do referido depoimento que, quando da negociação das condições da compra e venda, tivesse sido acordado que essa prestação fosse assumida pelo Apelante, como contrapartida do pagamento do seguro. Com efeito, a testemunha referiu que a questão do atraso da prestação surgiu “depois da venda”, admitindo por efeito do pagamento do seguro um futuro acerto de contas, pelo que não podia ter havido acordo na altura da negociação do contrato. Aliás, seria até contraditório com a resposta dada ao quesito 2.º, quando se refere que o comprador assumira o pagamento das prestações a partir do início o mês de Janeiro de 2005. Tendo a resposta positiva ao quesito 5.º sido baseada apenas em tal depoimento, não pode manter-se a mesma, e cuja relevância estava somente na realização do referido acordo “aquando da concretização do negócio do veículo”. Por isso, a resposta ao quesito 5.º devia ter sido negativa.
No tocante à questão de se ter dado como provado que a Apelada “sempre cumpriu atempadamente as suas obrigações” (resposta ao quesito 11.º), deve afirmar-se que tal constitui um mero juízo de valor e, como tal, considerar-se a expressão como não escrita, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 646.º do CPC.
Quanto aos quesitos 13.º e 20.º, que obtiveram respostas positivas, não podem estas manter-se, porquanto a referida testemunha, cujo depoimento baseou aquelas respostas, não se referiu especificamente à matéria dos quesitos, pelo que as respostas deviam ter sido negativas.
Relativamente ao quesito 21.º, aquilo que se depreende do depoimento da mesma testemunha é um pouco diferente da resposta dada. A testemunha referiu o seu contacto pessoal com o Apelante, em Agosto de 2005, e que este, depois de ser confrontado com a devolução do carro ou o pagamento das prestações, afirmara-lhe preferir ficar com o carro, e prometendo-lhe que no dia seguinte o assunto ficaria resolvido. Deste modo, a resposta deve ser alterada, de modo a ficar a constar que: “O R., em Agosto de 2005, prometeu a José regularizar de imediato a situação”.
No concernente ao quesito 22.º, apenas resulta do depoimento da testemunha em referência que a Apelada, face à conduta do Apelante, resolve contactar um advogado para tentar solucionar o diferendo, tendo a testemunha declarado ainda que, para o efeito, chegara a fornecer alguns elementos. Assim sendo, a resposta ao quesito deve limitar-se: “A A., face à conduta do R., resolve contactar um advogado, para tentar solucionar o diferendo”.
No tocante aos quesitos 33.º, 34.º e 57.º, que obtiveram resposta negativa, esta deve manter-se, pois, tratando-se de matéria contrária à que primeiramente se começou a apreciar, valem as razões que então se desenvolveram, reafirmando-se que o depoimento da testemunha José foi, claramente, no sentido de que o comprador do veículo foi o Apelante.
Quanto aos quesitos 38.º e 40.º, com uma resposta conjunta positiva (facto n.º 19), uma alteração importa proceder na parte final (“mas estava convencida que o R. a iria pagar como tinha com este acordado”), na medida em que, face ao depoimento contrário da testemunha referida, descrito a propósito da resposta ao quesito 5.º, a mesma não se encontra provada, não valendo o depoimento de parte, aí sujeito à livre apreciação do Tribunal.
Relativamente ao quesito 39.º, que teve uma resposta negativa, não há motivo para a sua modificação, dado que não foi indicada qualquer meio de prova que justificasse resposta diversa.
Finalmente, no que toca aos quesitos 68.º e 69.º, também com uma resposta negativa, não há razão para qualquer alteração, porquanto não se produziu prova nesse sentido, para além de estar prejudicada por respostas anteriores, nomeadamente quanto à identidade do comprador do veículo.
Por efeito da alteração da resposta ao quesito 13.º fica, ainda, prejudicada a resposta positiva ao quesito 14.º.

Nesta conformidade, eliminam-se da matéria de facto aqueles factos que estão descritos sob os n.º 10, 23, 24 e 30 (destacados a sublinhado) e alteram-se os descritos sob os n.º s 19, 21, 31 e 32 (destacados a itálico) nos seguintes termos:

19. Durante vários meses, a A. manteve por pagar a prestação relativa ao mês de Dezembro de 2004 (38.º e 40.º).
21. Então a A., preocupada, contacta de imediato a Caixa para saber qual a razão daquele telegrama, tendo-lhe sido respondido que tinham deixado de ser pagas as prestações mensais (11.º).
31. O R., em Agosto de 2005, prometeu a José regularizar de imediato a situação (21.º).
32. A A., face à conduta do R., resolve contactar um advogado, para tentar solucionar o diferendo (22.º).

2.3. A delimitação da matéria de facto provada, com as modificações introduzidas, não é, todavia, suficiente para se revogar ou alterar o sentido da sentença recorrida.
Com efeito, e sendo breve face aos termos da alegação do recurso, em resultado do contrato de compra e venda, efectivamente celebrado pelo Apelante, este obrigou-se, como parte integrante do respectivo preço, a pagar as prestações mensais do contrato de crédito celebrado pelos possuidores do veículo, a partir do início de Janeiro de 2005, assim como se obrigou a diligenciar pela extinção desse mesmo contrato.
Embora tivesse ficado provado a falta de pagamento da prestação de Dezembro de 2004 do referido contrato (em rigor, estava apenas em dívida a quantia de € 12,39, como emerge do documento de fls. 219 e 220), e cujo pagamento competia à Apelada e ao seu ex-marido, tal não é suficiente para excluir a culpa exclusiva pelo incumprimento contratual imputado ao Apelante.
Na realidade, perante os termos do mencionado contrato de crédito (fls. 13) e também o acordado no contrato de compra e venda, o Apelante estava vinculado a pagar ao respectivo credor a quantia de € 6 936,96, correspondente a 48 prestações mensais, cada uma no valor de € 144,52. Como, entretanto, não foram pagas as restantes prestações vencidas, a que o Apelante se obrigara, o contrato de crédito terá sido resolvido em Maio de 2005, quando o respectivo débito ascendia a € 6 949,35 (fls. 220), ou seja, mais € 12,39 do que o valor pelo qual o Apelante se obrigara contratualmente.
Neste contexto, só o incumprimento reiterado do pagamento das prestações é que podia ter estado na origem da resolução do contrato de crédito. Na verdade, ponderando os valores pecuniários do contrato, são se afigura como razoável que, sendo oferecidas no tempo próprio, o credor não se dispusesse a receber as prestações entretanto vencidas, só porque estava em dívida a quantia insignificante de € 12,39, respeitante à prestação vencida no mês de Dezembro de 2004. Aliás, neste âmbito, interessa referir que não se logrou provar que o credor só aceitava o pagamento das prestações posteriores após o recebimento da quantia em dívida (resposta negativa ao quesito 39.º). Mas mesmo que ainda assim fosse, sempre caberia ao Apelante, em consonância com as regras da boa fé, a que os contraentes estão vinculados na execução do contrato (art. 762.º, n.º 2, do Código Civil), dar disso conhecimento à outra parte, pois, por qualquer circunstância, podia o facto ser ignorado (o pagamento era feito por transferência bancária) e, dessa forma, sem saber, estar a obstar à realização da prestação do outro contraente. Ora, nada disso, porém, foi alegado e provado, nem tão-pouco que, e com mais relevância, as prestações mensais tivessem sido oferecidas ao credor.
Deste modo, continua a entender-se que o Apelante, não tendo pago as prestações mensais do contrato de crédito e não tendo diligenciado pela sua extinção, incumpriu, com culpa, o contrato de compra e venda celebrado, sendo-lhe imputável, por isso, a respectiva responsabilidade civil, a qual, quanto à sua determinação concreta, não vem sequer impugnada.
Por outro lado, no contrato de compra e venda, a parte vendedora, tendo entregue o veículo automóvel e os respectivos documentos, cumpriu integralmente a sua prestação, não fazendo sentido invocar-se a excepção de não cumprimento do contrato (art. 428.º do Código Civil).
Além disso, na acção, o Apelante não alegou tal matéria e, por isso, nunca lhe podia valer em sede de impugnação da sentença.
Assim, e em parte por motivação diversa, improcede totalmente a apelação.
2.4. Em face do que antecede, pode extrair-se de mais relevante:
I- Incorre em incumprimento contratual culposo aquele que, obrigando-se perante o devedor a pagar certo crédito a terceiro, não oferece reiteradamente a prestação e origina a resolução do respectivo contrato.
II- A isso não obsta o incumprimento anterior do primitivo devedor, numa quantia insignificante (€ 12,39), quando confrontada com o valor do contrato de alguns milhares de euros.
2.5. O Apelante, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
2) Condenar o Apelante (Réu) no pagamento das custas.
Lisboa, 1 de Julho de 2010
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)