Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10284/2006-5
Relator: ANA SEBASTIÃO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
DETIDO
ISENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: O arguido não goza da isenção do pagamento da taxa de justiça, exigida pela abertura de instrução, pela circunstância de estar preso e, igualmente por esse mesmo facto, não está isento desse pagamento por beneficiar de presunção de insuficiência económica.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-1- No Processo Comum 732/05.7JDLSB-F do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais o Arguido B. recorre do despacho, proferido a 10-12-2006, que considerou sem efeito o Requerimento de Abertura de Instrução por não ter sido paga a taxa de justiça devida e do despacho que fixou extemporaneamente o efeito e o regime de subida ao presente recurso.

Apresentou motivação, da qual, extraiu as seguintes conclusões:
(…)
2- O recurso foi admitido com subida imediata, porque a retenção o tornaria absolutamente inútil, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo respondido o Ministério público em 1.ª Instância concluindo:
(…)

3- A Ex.ma Procuradora Geral-Adjunta, louvando-se na resposta do Ministério Público em 1.ªInstância, emitiu parecer no sentido de não merecer provimento o recurso.
4- Foi cumprido o disposto no artigo 417.°, n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo respondido o Recorrente.
5- Foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.

6- Tendo o recurso como âmbito as questões suscitadas pelo Recorrente, nas conclusões da motivação ( art.º 412.º, n.º 1, do CPP.), cumpre apreciar e decidir: se o Recorrente pelo facto de se encontrar preso está, só por essa circunstância, isento do pagamento da taxa de justiça devida pela Abertura de Instrução; se errou o despacho ao pronunciar-se oficiosamente acerca do efeito e o regime de subida do eventual recurso e qual a consequência jurídica.

II- O despacho recorrido é do seguinte teor:

“Fls. 1319 e segs. O arguido veio requerer abertura de instrução.
Nos termos do art. 83.º do C.C.J., é devida taxa de justiça pela abertura de instrução correspondente a 2 UC, que deve ser auto-liquidada no prazo previsto na Lei.
Não tendo o arguido procedido a tal pagamento, foi o mesmo notificado nos termos do art. 80.º, n.º 2 do C.C.J. (fls. 1462/1463).
Em resposta, veio o arguido invocar encontrar-se isento de tal pagamento pelo facto de se encontrar privado da liberdade (fls. 1465).
Conforme despacho de fls. 1466, entendemos não haver lugar a tal interpretação, por tal não resultar da letra da Lei. O art. 522.º do C.C.J. só prevê a isenção dos arguidos presos do pagamento de taxa de justiça na interposição de recurso na primeira instância e nos incidentes. A instrução não corresponde a qualquer incidente, mas a uma fase processual, pelo que, não estando tal isenção prevista na Lei, não pode haver lugar a qualquer interpretação nesse sentido, sendo certo que, conforme já expresso no referido despacho, nada impedida que o arguido tivesse recorrido antecipadamente à Segurança Social no sentido de requerer apoio judiciário, bastando juntar aos autos o comprovativo de ter requerido tal benefício.
Porém, não o fez previamente, vindo informar, depois de notificado nos termos do art. 80.º, n.º 2 do C.C.J. (fls. 1469), que se encontrava a diligenciar no sentido de lhe concedido apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária,, juntando agora (fls. 1482) o comprovativo de haver requerido protecção jurídica em 6 de Outubro de 2006.
Conforme se consignou já no despacho de fls. 1470, o pedido agora formulado junto às instâncias próprias, só vale para o futuro, não abrangendo, por conseguinte, o requerimento de abertura de instrução apresentado em 27 de Julho.
Assim sendo, tendo já decorridos os prazos de pagamento previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 80.º do C.C.J. sem que tenha sido liquidada a taxa de justiça devida, considero sem efeito o requerimento de abertura de instrução do arguido B., ao abrigo do disposto no art. 80.º, n.º 3 do C.C.J.
Para além das consequências acabadas de expor, importa, ainda, acrescentar algumas considerações ao requerimento de abertura de instrução aqui em apreço.
Através deste requerimento vem o arguido expressar a sua não concordância com a acusação que contra si foi deduzida, por entender que a mesma labora num erro de direito, ao imputar-lhe a autoria material de vários crimes agravados de roubo, quando entende, por um lado, que não se verificam as agravantes do art. 210.º do C. Penal e, por outro, que a factualidade descrita deveria ter sido considerada como preenchendo um único juízo de censura, ou seja, deveria ter sido qualificada como integradora de um único crime de roubo na forma continuada.
Mais entende o arguido que ao ser acusado da autoria de crimes de roubo consumados, tal qualificação consome o preenchimento do tipo legal (menos grave) dos crimes de furto que lhe são também imputados.
Entende, ainda, o arguido, que os crimes de roubo descritos na acusação consomem igualmente os crimes de sequestro que lhe são também imputados e, por fim, quanto ao crime de violação na forma tentada, defende o arguido que os actos descritos na acusação não podem ser considerados como integrantes de actos de execução desse mesmo crime.
Como actos de instrução requer o arguido a sua submissão a perícia psiquiátrica para avaliar a sua personalidade e a sua perigosidade, entendendo relevar tal perícia na decisão sobre a eventual revogação da medida de prisão preventiva; requer, ainda, o interrogatório dos co-arguidos e a sujeição do ofendido nestes autos a prova pericial.

Apreciado o concreto teor do requerimento do arguido, constata-se que o seu objecto fulcral consiste na discordância com a subsunção dos factos ao direito, pretendendo ver operada uma diferente qualificação jurídico-penal daquela que foi adoptada pelo MºPº e com a perícia à sua personalidade, pretende o arguido ver reexaminada a medida de coacção a que se encontra sujeito.
Nos termos do art. 286.º do CPP, “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Conforme tem sido nosso entendimento, a instrução não pode ser admitida quando o que se pretende através dela é a alteração da qualificação jurídica (que pode ser sempre alcançada, com vantagens, na fase do julgamento), por não se integrar tal pretensão nas finalidades da instrução.
Neste sentido, pronunciou-se a Relação do Porto, em Acórdão proferido no processo n.º 9.240.039 de 6 de Maio de 1992 onde se lê:
“O requerimento de instrução formulado pelo assistente deve ser indeferido, se através dele visa o requerente tão só a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação” (cfr. anotação ao art. 287.º, in CPP M. Simas Santos e Leal-Henriques, “Rei dos Livros”, 2000, vol. II, pág. 169).
Acresce que, no presente caso, a alteração da qualificação pretendida pelo arguido não teria, sequer, a virtualidade de alterar a competência do tribunal de julgamento, que continuaria sempre a ser da competência do tribunal colectivo.
Quanto à perícia requerida, como bem salienta o arguido, pode a mesma ser relevante, para além do mais, para efeitos de reapreciação da medida de coacção, que não constitui, também, objectivo da fase processual pretendida, mas sim dos reexames trimestrais operados por força da Lei.
Pelo exposto, conclui-se que o requerimento do arguido não se enquadra nas finalidades e âmbito da instrução configuradas no art. 286.º do CPP, mostrando-se, por isso, legalmente inadmissível, pelo que, ainda que não tivesse sido considerado sem efeito pelas razões supra expostas, sempre seria recusada a sua admissão, ao abrigo do disposto no art. 287.º, n.º 3 do CPP.
Notifique e, após, remeta à distribuição para julgamento.”

III- Apreciando.

O Recorrente defende que se encontra isento do pagamento da taxa de justiça devida pela Abertura de Instrução com base no art.º 522.º do CPP que, ao presumir a insuficiência de meios económicos do arguido em fase de recurso interposto em primeira instância, isenta o mesmo, e por maioria de razão, do pagamento da referida taxa aquando da instrução, uma vez que esta fase processual é cronologicamente anterior à fase do recurso.
As normas que podem ter relevância para a decisão são as seguintes:

Art.º 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal:
È devida taxa de justiça pelo arguido quando for condenado em1.ª instância, decair, total ou parcialmente, em qualquer recurso ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição.

Art.º 522.º, n.º 2 do Código de Processo Penal:
Os arguidos presos gozam de isenção de taxa de justiça pela interposição de recurso em 1.ª instância; gozam ainda de isenção nos incidentes que requerem ou a que fizerem oposição.

Art.º 524.º do Código de Processo Penal:
É subsidiariamente aplicável o disposto no Código das Custas Judiciais.

Art.º 75.º do Código das Custas Judiciais:
( Isenções subjectivas)
Sem prejuízo do disposto na lei de processo ou em lei especial, são isentos de custas:
a) Os menores ou os seus representantes legais nos recursos de decisões relativas à aplicação, alteração ou cessação de medidas aplicadas em processos da jurisdição de menores;
b) Os arguido não recorrentes que responderam no sentido da confirmação da decisão recorrida;
c) Os requeridos no incidente de apoio judiciário, excepto quando tenham deduzido oposição manifestamente infundada.

Art.º 76.º do Código das Custas Judiciais:
( Isenções objectivas)
Não há lugar a custas:
a) Nas reclamações para a conferência julgadas procedentes sem oposição;
b) Nas audiências para determinação da pena única no caso de conhecimento superveniente do concurso;
c) Nos levantamentos de cauções;
d) Nos pedidos de modificação de execução da pena de condenados portadores de doença grave e irreversível em fase terminal.

Art.º 83.º do Código das Custas Judiciais:
( Taxa de justiça devida pela instrução e pela constituição de assistente)
1. Pela abertura da instrução e pela constituição de assistente é devida taxa de justiça correspondente a duas UC.
2. ...
Art.º 84.º do Código das Custas Judiciais:
( Taxa de justiça nos incidentes)
Nos incidentes de recusa, de anulação do processado, de apoio judiciário, de habeas corpus e de reclamação para a conferência, bem como noutras questões legalmente configuradas como incidentes e nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal do processo que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação, é devida taxa de justiça entre 1 UC e 5 UC.

Art.º 80.º do Código das Custas Judiciais:
( Pagamento inicial da taxa de justiça e sanção pela sua omissão)
1. A taxa de justiça, que seja condição de abertura da instrução, de constituição de assistente ou de seguimento de recurso, deve ser autoliquidada e o documento comprovativo do seu pagamento junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de dez dias a contar da sua formulação no processo.
2.
3. A omissão do pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para abertura da instrução para a constituição de assistente ou o recurso sejam considerados sem efeito.
4.
5.

Começando pelo artigo 84.º do Código das Custas Judiciais verifica-se que a descrição legal deixou de mencionar, e bem, a instrução entre os incidentes da instância, ao contrário do que sucedia no artigo 185.º da versão anterior do mesmo diploma.
E quando se diz “e bem naturalmente” reportamo-nos ao facto da instrução ser uma fase processual que, embora facultativa, se integra na tramitação normal do processo e não algo que lhe é lateral ou alheio. “ A instrução, em rigor, não constitui incidente do processo penal, e é susceptível de ser requerida, nos termos do artigo 287.º do Código de Processo Penal, pelo arguido ou pelo assistente “ cfr. Salvador da Costa in Código das Custas Judiciais Anotado e comentado 7.ª Edição, pág. 398.
O artigo 83.º Código das Custas Judiciais que prevê o pagamento da taxa de justiça como condição de abertura de instrução não exclui do seu pagamento os arguidos privados de liberdade e os artigos 75.º e 76.º ou mesmo o 2.º do mesmo diploma não prevêem qualquer isenção, objectiva ou subjectiva pela abertura de instrução a requerimento de arguidos presos
Igualmente, o legislador não consagrou, nos artigos 513.º, 522.º e 524.º do Código de Processo Penal, isenção do pagamento da taxa de justiça pela abertura da instrução, aos arguidos privados de liberdade, como acontece relativamente à interposição de recurso em 1.ª instância e aos incidentes que requerem ou a que fizerem oposição.
Como refere o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, na sua bem fundamentada resposta ao recurso, a isenção constante do art.º 522.º, n.º 2 do Código de Processo Penal foi consagrada para que os meios de defesa do arguido sejam totalmente assegurados, pois não faria sentido que um recurso interposto por um recluso não fosse admitido por falta de pagamento de uma taxa, quando está em causa é a sua liberdade.
Quanto à alegada inconstitucionalidade, na interpretação dada pelo tribunal “ a quo “, ao art.º 522.º do CPP., por violação do art.º 20.º da CRP., dir-se-á que o Tribunal Constitucional se pronunciou, no Ac. 214/2000 de 05-04-2000 publicado no DR., II Série, a 12-10-2000, sobre questão paralela do pagamento de taxa de justiça pelo assistente, decidindo que tal taxa é uma prestação pecuniária que os particulares pagam ao Estado como contrapartida pelo serviço que lhes presta através da administração da justiça, posto que a Constituição da República não impõe a gratuitidade de tais serviços.
O que a Constituição exige, no seu art.º 20.º é que a contrapartida pelos serviços prestados não impeça ou restrinja de modo intolerável o direito de acesso aos tribunais. Para tanto existe e lei do Apoio Judiciário com o fim de facilitar o acesso ao direito e aos tribunais, permitindo aos arguidos, carecidos de meios económicos, a obtenção não só do patrocínio judiciário mas também a dispensa total ou parcial do pagamento de custas, taxa de justiça, e honorários devidos pelo patrocínio.

Quanto à presunção de insuficiência económica, e relativamente ao apoio judiciário, no caso de arguido detido subscrevemos a doutrina do douto Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 5/2005, de 13 de Abril, publicado no DR., Série I de 7 de Julho, mencionado pelo Ministério Público na resposta ao recurso, que fixou:
Para efeitos de concessão de apoio judiciário, a condição de recluso não integra a base de presunção de insuficiência económica a que se refere o art. 20º, n.º 1, al. c), da Lei 30-E/2000, de 29 de Dezembro”.

Sendo certo que a própria Lei 34/2004, de 29 de Julho estabeleceu, no seu art.º 8.º, um critério universal ao fazer desaparecer as presunções de insuficiência económica dantes estabelecidas no art. 20º da Lei 30-E/2000 de 29 de Dezembro.

No caso em análise, como refere o Ex.mo Magistrado do Ministério Público na sua resposta, o arguido foi expressamente notificado para deduzir o pedido de apoio judiciário e, conforme confessa nas motivações de recurso, só em 6 de Outubro de 2006 e já depois de esgotado, desde Agosto de 2006, o prazo para pedir instrução o fez. Não havendo qualquer razão uma suspensão do processo para se aguardar a decisão do seu pedido de apoio judiciário, quando tal prazo, de há muito, se mostra esgotado. É o próprio art. 24º da Lei 34/2004 citada que o impede.
A decisão que vier a ser proferida quanto a tal pedido de concessão do apoio judiciário só produzirá efeitos a final.

Quanto ao facto do Ex.mo Juiz a quo, por despacho datado de 16/10/2006, ter determinado que caso viesse a ser interposto recurso o mesmo deveria subir imediatamente mas sem efeito suspensivo, resulta óbvio que tal despacho visou apenas definir o carácter urgente do processo, como consta de fls. 41 verso destes autos.
Porém, quando o mesmo foi efectivamente interposto e após o cumprimento das normas legais atinentes foi, despacho datado de 26-10-2006, legalmente admitido.
Na verdade, não estando o presente recurso elencado no art. 408º do CPP como tendo efeito suspensivo, o seu efeito é meramente devolutivo, embora subindo imediatamente porque a sua retenção torná-lo-ia absolutamente inútil.
Em face do que improcede, neste âmbito, a argumentação aduzida, ainda que não cabalmente explicitada, pelo Recorrente.

Em suma : O Recorrente não goza da isenção do pagamento da taxa de justiça, exigida pela abertura de instrução, pela circunstância de estar preso e igualmente não está isento desse pagamento por beneficiar de presunção de insuficiência económica por esse mesmo facto, pelo que bem decidiu o Tribunal “ a quo “ ao considerar sem efeito o requerimento para abertura de instrução por omissão do pagamento da taxa devida, bem como carece de razão o Recorrente no que concerne à admissão e regime de subida do recurso.

DECISÃO.
Por todo o exposto acorda-se em negar provimento ao recurso e em manter nos seus precisos termos a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente fixando-se em 2 UC de taxa de justiça.
Lisboa, 27-02-2007