Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
253/14.7YUSTR.L1-9
Relator: MARIA DA LUZ BATISTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
CONCORRÊNCIA
REGULAÇÃO E SUPERVISÃO
MEIOS DE PROVA
GRAVAÇÃO LÍCITA
CONTRATO DE ADESÃO
CONTINUAÇÃO CRIMINOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - No processo contra-ordenacional vigora o princípio da verdade material que decorre do princípio da subsidiariedade do processo penal em relação ao processo contra-ordenacional

II - Vigora, igualmente, o princípio da investigação pelo qual a autoridade administrativa ou o juiz têm o poder/dever de ordenar oficiosamente a produção de todos os meios de prova que entendam necessários para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa – nos termos dos artigos 54.º n.º 1 e 72.º n.º 2 do RGCO. 

III - Nunca o tribunal poderá ser considerado “um terceiro”.

IV - Numa perspetiva da proteção de dados pessoais e à luz da LPDP, a comunicação dos dados pessoais constantes das gravações das chamadas ao Tribunal, para efeitos de prova da existência e teor das instruções transmitidas pelo cliente ao banco durante essas conversas, está abrangida na finalidade do tratamento de dados pessoais autorizado pela CNPD e consentido pela cliente e pelos trabalhadores do XXX, pelo que não é necessário qualquer consentimento adicional do cliente ou dos trabalhadores do XXX para a sua junção aos autos em conformidade com a LPDP.

V - As reproduções fonográficas em causa constituem documentos das relações comerciais entre o banco e clientes que não colidem com a reserva da intimidade da cliente.

VI - Os contratos de crédito devem ser exarados em papel ou noutro suporte duradouro, em condições de inteira legibilidade; correcto é, por isso, o entendimento do Tribunal a quo exige que o contrato de crédito ao consumo seja celebrado por escrito e assinado; se as meras gravações áudio constituíssem suporte admissível, verificar-se-ia a impossibilidade de poderem ser lidas como é exigido pela norma, por estarem destinadas ao sentido da audição.

VII - A autonomia da figura da contra-ordenação continuada tem como suporte o princípio da culpa consagrado em diversas normas do RGCO, como o art. 1º, 8º e ss, 17º e ss.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:                         Acordam na 9.ª Secção Criminal de Lisboa:

                        I.

                       No processo nuipc.º 253/14.7 YUSTR do 1º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão em que é arguida “XXX” (Sucursal em Portugal e doravante XXX), titular do NIPC n.ºxxxxxxxx, com sede (…) Lisboa, por proferida sentença, em 19-12-2014 que decidiu nos seguintes termos:

                        - “ …

I)        Julgo improcedentes todas as nulidades e questões prévias invocadas pela arguida;

d)       Condeno a arguida pela prática, a título negligente, de cinco contraordenações, previstas e punidas pelos arts. 12º/1 e 30º/1 e 3, ambos do DL nº 133/2009, de 02.06, e 210º/al j), do RGICSF, na redação vigente à data dos factos, em cinco coimas no montante de três mil euros (€ 3.000,00) cada uma e, em cúmulo jurídico, na coima única no montante de seis mil euros (€ 6.000,00);

II)       Absolvo a arguida da prática de cinco contraordenações previstas e punidas traduzidas na violação do disposto no n.º 1 da Instrução n.º 8/2009, previstas pela primeira parte do n.º 1 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, e punidas nos termos da atual alínea m) (correspondente à alínea j) do mesmo artigo, na redação em vigor à data da prática dos factos) do artigo 210.º do RGICSF, por força do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 30.º daquele diploma legal.” (transcrição)

Inconformada com a decisão, veio a arguida XXX interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida, da qual extrai as seguintes conclusões:

                        - “ …

1.         O presente recurso vem interposto da Sentença proferida em 19 de dezembro de 2014 pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, pela qual o XXX foi condenado pela alegada prática de 5 ilícitos contraordenacionais, correspondentes à violação do artigo 12.º n.º 1 do DL 133/2009, previstos no artigo 30.º n.ºs 1 e 3 do mesmo diploma e no artigo 210.º alínea j) do RGICSF, na redação vigente à data dos factos, por não ter reduzido a documento escrito e assinado os cinco créditos em linha disponibilizados à Cliente.

2.         Resulta dos factos provados que existe um documento escrito e assinado pela Cliente que corresponde ao Acordo de Utilização do cartão de crédito YYY, ora ZZZ, no qual está prevista a possibilidade de utilização da linha de crédito concedida à Cliente e associada ao cartão através de crédito em linha, i.e. mediante a solicitação, por telefone, de transferências de montantes disponíveis dessa linha de crédito para a conta à ordem da Cliente.

3.        Resulta igualmente dos factos provados que os contactos havidos entre o XXX e a Cliente em momento prévio à concretização dessas transferências não foram exarados em documento escrito e assinado pela Cliente, mas resultam de uma chamada telefónica gravada e acessível, cuja cópia se encontra junta aos autos, constando ainda de sms e de cartas enviadas à Cliente.

4.         A Sentença do Tribunal a quo incorre em dois erros de Direito distintos, nos termos seguintes:

(i)        o Tribunal a quo considera que cada um dos 5 créditos em linha constitui um negócio jurídico, preenchendo o conceito jurídico de contrato de crédito ao consumo, sendo independente e distinto do Acordo de Utilização e, como tal, tendo de cumprir os requisitos e formalidades previstas no DL 133/2009; e

(ii)      o Tribunal a quo considera que o artigo 12.º n.º 1 do DL 133/2009 encerra, implicitamente, uma regra quanto à forma do contrato de crédito ao consumo, o qual, na perspetiva do Tribunal, teria de ser celebrado por escrito e assinado.

5.        O primeiro erro de Direito da Sentença corresponde ao entendimento das operações de crédito em linha como preenchendo o conceito de negócio jurídico autónomo e distinto do Acordo de Utilização e, como tal, constituindo um novo crédito ao consumo (para além do contrato de crédito ao consumo constante do Acordo de Utilização), igualmente sujeito à disciplina do DL 133/2009.

6.        Tal qualificação jurídica dos factos como um novo contrato de crédito ao consumo é errónea, porquanto o contrato de crédito ao consumo existente corresponde ao Acordo de Utilização (pelo qual foi concedida uma linha de crédito para a utilização da Cliente nos termos no mesmo previstos) que, no que respeita ao crédito em linha, tem a natureza de abertura de crédito, tratando-se os contactos entre a Cliente e o XXX e as transferências realizadas para a conta à ordem da Cliente a execução das cláusulas sobre o crédito em linha constantes do Acordo de Utilização.

Com efeito:

(i)        o momento relevante para a manifestação da vontade das partes é o Acordo de Utilização, no qual se prevê o montante que pode ser utilizado pela Cliente (linha de crédito), o prazo de pagamento, as taxas de juro aplicáveis, e as condições em que a Cliente poderá utilizar essa linha de crédito);

(ii)       é verdade que não consta do Acordo de Utilização quanto é que é transferido para a conta à ordem nem qual o montante das prestações fixas mensais, mas também não consta desse Acordo a indicação de tais montantes relativamente às restantes formas de utilização da linha de crédito pela Cliente;

(iii)      as cláusulas contratuais incluídas no Acordo de Utilização sobre o crédito em linha constituem uma abertura de crédito, porquanto, nesse momento, o XXX manifesta a sua vontade de ser credor e os clientes a sua vontade de serem devedores por conta de um crédito cujos montantes não são de imediato transferidos, i.e., apenas há disponibilização do crédito que fica sujeita à manifestação de vontade do cliente, mas não transferência efetiva do mesmo;

(iv)     as operações subsequentes ao Acordo de Utilização – i.e. as solicitações das transferências pela Cliente e as concretas transferências –, ao contrário do entendimento pelo Tribunal, não têm conteúdo negocial inovador e autónomo, constituindo o exercício do direito potestativo pela Cliente e o cumprimento da obrigação do XXX de se tornar credor, consubstanciando atos materiais de execução dos termos previstos no Acordo de Utilização;

(v)      o poder potestativo do Cliente – decorrente das cláusulas que preveem a possibilidade de a Cliente solicitar um crédito em linha – de obter as transferências de montantes da sua linha de crédito para a conta à ordem da Cliente fica sujeito a uma condição, nos termos do artigo 270.º do Código Civil: a verificação das condições de elegibilidade no momento da solicitação, que, nos termos indicados na Sentença, dependem da verificação de um modelo de probabilidade de incumprimento, da inexistência de incumprimentos reportados ao Banco de Portugal e da inexistência de incumprimentos há mais de seis meses ou de mora superior a 30 dias junto do XXX (sendo nesse sentido que fica sujeito à aprovação do XXX);

(vi)      não existe renovação da vontade negocial nem nova declaração negocial do XXX quando considera que a Cliente é elegível e ordena a realização da transferência, mediante a solicitação da Cliente, mas apenas a execução e cumprimento da sua obrigação de transferência dos montantes referentes ao crédito já concedido e então legitimamente solicitado pela Cliente.

7.         É erróneo o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que o Acordo de Utilização constitui um contrato-quadro, porquanto os atos subsequentes ao Acordo de Utilização não têm verdadeiro conteúdo inovador e negocial, não encerram qualquer vontade negocial de contração / atribuição de um novo crédito.

8.        Ainda que se entendesse que os contactos havidos posteriormente entre o XXX e a Cliente têm um conteúdo autónomo e inovador, os mesmos deveriam ser enquadrados no disposto no artigo 221.º n.º 2 do Código Civil, impondo-se verificar se as “razões de forma” do contrato inicial se lhes aplicavam, o que constitui uma análise irrelevante, porquanto as chamadas telefónicas gravadas em que tais supostas estipulações negociais foram acordadas encontra-se exarada em suporte duradouro, nos termos e para os efeitos do artigo 12.º n.º 1 do DL 133/2009.

9.         Em face do exposto, deverá o entendimento erróneo do Tribunal a quo ser corrigido por V. Exas., qualificando-se os contactos entre o XXX e a Cliente que dão origem às transferências de montantes da linha de crédito disponível para a conta à ordem da Cliente como execução do Acordo de Utilização, o qual, sendo o contrato de crédito ao consumo (no tipo de contrato de abertura de crédito) relevante e que suporta tais transferências, cumpre as exigências previstas no artigo 12.º n.º 1 do DL 133/2009, devendo o XXX ser absolvido das infrações que lhe são imputadas.

10.       Subsidiária e cautelarmente, no caso de V. Exas. considerarem que os créditos em linha concedidos pelo XXX corporizam contratos de crédito autónomos, no que não se concede, sempre se dirá que os mesmos cumprem todas as exigências e formalidades previstas no artigo 12.º n.º 1 do DL 133/2009, tendo o Tribunal a quo interpretado incorretamente o mencionado preceito.

11.       O entendimento do Tribunal a quo é erróneo, porquanto exige que o contrato de crédito ao consumo seja celebrado por escrito e assinado, o que não se encontra previsto no artigo 12.º n.º 1 do DL 133/2009, desconsiderando tal interpretação os elementos literal, histórico e sistemático de interpretação da lei, conforme impõe o artigo 9.º do Código Civil.

12.       Com efeito, deveria o Tribunal a quo ter considerado na análise do elemento literal de interpretação da lei que:

(i)        não resulta atualmente da letra da lei que os contratos de crédito ao consumo têm de ser escritos e assinados pelo cliente nem existe na letra da lei sequer um mínimo de correspondência com esta interpretação do Tribunal a quo;

(ii)       a exigência de inteira legibilidade constante da parte final do artigo 12.º n.º 1 do DL 133/2009 tanto se refere à legibilidade de letras e números escritos como à legibilidade dos suportes (e do seu conteúdo) em que os contratos têm de estar exarados (exemplo: CD e DVD); e

(iii)     a referência à assinatura do cliente no artigo 12.º n.º 2 não se reporta à entrega de um exemplar assinado, como conclui erroneamente o Tribunal a quo, mas à entrega de um exemplar no momento da assinatura, no contrato entre presentes (dado que nos casos de contratos à distância tal assinatura não é nem possível, nem necessária).

13.      Por outro lado, deveria o Tribunal a quo ter considerado na análise do elemento histórico de interpretação da lei que:

(i)        a exigência de forma especial para a celebração de contratos de crédito ao consumo já constou da lei (cfr. DL 359/91, que transpôs para a ordem jurídica interna a Primeira Diretiva de Crédito ao Consumo), mas foi revogada pelo DL 133/2009, que transpôs a Segunda Diretiva de Crédito ao Consumo, logo terá de considerar-se, nos termos do artigo 9.º n.º 3 do Código Civil, que o Legislador se expressou corretamente quando não incluiu tal exigência na nova lei;

(ii)      tal sucessão de leis e alteração do regime justificou-se pela evolução do mercado do crédito ao consumo, com o aparecimento de novas formas de crédito e com a necessidade de flexibilização do regime para abarcar as novidades do mercado;

(iii)      tal sucessão de leis e alteração do regime enquadrou-se também na evolução ao nível da exigência e informação dos consumidores, não se justificando a imposição de regras quanto à forma de celebração do contrato.

14.       Por último, deveria o Tribunal a quo ter considerado na análise do elemento sistemático de interpretação da lei que:

(i)       na vigência da Primeira Diretiva de Crédito ao Consumo foi aprovada a Diretiva sobre Contratos à Distância, que foi transposta para a ordem jurídica interna através do DL 95/2006, a qual admitia a celebração de contratos sobre serviços financeiros com consumidores (incluindo contratos de crédito) através de qualquer meio à distância, entre os quais a telefonia vocal, desde que os contratos e toda a informação ficasse exarada em papel ou noutro suporte duradouro (cfr. artigos 2.º alíneas a) e e), 3.º n.º 3 e 5.º da Diretiva sobre Contratos à Distância e artigos 2.º alíneas a) e c), 11.º n.º 1 e 18.º do DL 95/2006);

(ii)      para harmonização do regime previsto na Diretiva sobre Contratos à Distância com o regime do crédito ao consumo era necessário flexibilizar a forma de celebração dos contratos, permitindo que os mesmos fossem celebrados pelos meios à distância previstos no DL 95/2006, pelo que a Segunda Diretiva de Crédito ao Consumo e, consequentemente, o DL 133/2009 deixaram de exigir a forma escrita, adotando a terminologia da Diretiva sobre Contratos à Distância e do DL 95/2006 para a forma (já não de celebração) mas de armazenamento dos contratos: em papel ou noutro suporte duradouro;

(iii)     o próprio DL 133/2009 prevê no n.ºs 6 e 7 do artigo6.º (em transposição do artigo 5.º n.ºs 2 e 3 da Segunda Diretiva de Crédito ao Consumo) a possibilidade de, por o contrato ter sido celebrado através de meio de comunicação à distância, o credor facultar as informações que devem ser inseridas na FIN em momento posterior à celebração do contrato, admitindo, assim, a possibilidade de contrato de crédito ao consumo ser celebrado através de um meio à distância que é instantâneo e que não implica a transmissão de correspondência entre o prestador e o consumidor.

15.       Pelo exposto, terá de concluir-se que não se encontra prevista forma especial para o contrato de crédito ao consumo no artigo 12.º n.º 1 do DL 133/2009, estando o mesmo sujeito à regra de liberdade de forma do artigo 219.º do Código Civil, impondo-se apenas, quanto à forma de armazenamento, que o mesmo seja exarado em papel ou noutro suporte duradouro, devendo ser corrigida a interpretação do Tribunal a quo deste preceito, que, salvo o devido respeito, é contra legem.

16.      A gravação das chamadas telefónicas e armazenamento das mesmas pelo XXX cumpre a exigência de exaração dos contratos de crédito em suporte duradouro, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 12.º n.º 1 do DL 133/2009.

17.      Com efeito, a gravação das chamadas telefónicas em CD ou disco duro do computador cumpre as exigências subjacentes ao conceito de suporte duradouro de:

(i)       permanência, dado que os dados gravados no CD não são eliminados periodicamente nem permanecem gravados apenas temporariamente;

(ii)      acessibilidade, dado que bastava que a Cliente solicitasse a gravação para que a mesma lhe fosse disponibilizada; e

(iii)     inalterabilidade, porque não é possível alterar o teor da conversação gravada.

18.      Por tudo o exposto, o comportamento do XXX não constitui qualquer violação do artigo 12.º n.º 1 do DL 133/2009, tendo, mesmo segundo o entendimento de que os créditos em linha constituíam contratos autónomos, tais contratos sido exarados em papel ou noutro suporte duradouro, pelo que deve o XXX ser absolvido.

19.       Caso assim não se entenda, deverá considerar-se que apenas um ilícito pode ser imputado ao XXX, inexistindo verdadeiro concurso de infrações.

20.       Com efeito:

(i)        em face do facto provado n.º 26, o comportamento imputável ao XXX, enquanto pessoa coletiva, respeita a um comportamento global, consubstanciado num procedimento, não tendo autonomia nem sendo imputáveis à pessoa coletiva como factos autónomos desta, todos os contratos celebrados seguindo o procedimento instituído;

(ii)       não existe em momento prévio a todas as chamadas telefónicas havidas entre operadores de call center do XXX e os seus clientes uma decisão (ou omissão) de verificação se o procedimento instituído e conhecido – que corresponde ao modelo de negócio adotado já há muitos anos e que já vinha do YYY – cumpre as normas legais em matéria de crédito ao consumo; e

(iii)      o entendimento de que o XXX tinha capacidade para cumprir o dever omitido antes de cada chamada telefónica não se compagina com o facto de o Tribunal a quo ter considerado provado que o XXX teria agido com negligência inconsciente, não chegando sequer a representar a possibilidade de realização do facto.

21.       A considerar-se a conduta do XXX ilícita e culposa, o que não se admite, sempre corresponderia a um comportamento global, consubstanciado na decisão de implementação do modelo de negócio do crédito em linha nos termos dos factos provados nos presentes autos, encerrando, assim, um único sentido de ilicitude, pelo que não poderia imputar-se ao XXX mais do que um único ilícito contraordenacional.

22.      Ainda que assim não se entendesse, o Tribunal a quo sempre teria incorrido em erro ao não aplicar o disposto no artigo 30.º n.º 2 do Código Penal, ex vi artigo 32.º n.º 2 do RGCO, uma vez que os factos tal como considerados provados demonstram que a conduta do XXX, no máximo, deveria ser punida como um ilícito continuado, na medida em que estão preenchidos os correspondentes requisitos de identidade do tipo legal e do bem jurídico violado, execução homogénea dos factos e existência de circunstância externa facilitadora do ilícito que diminua consideravelmente a culpa do agente, consubstanciada na circunstância de existir um procedimento (que já vinha do YYY) sem que nenhuma questão se tivesse levantado quanto à legalidade desse modelo de negócio.

Termos em que deverá o XXX ser absolvido dos 5 (cinco) ilícitos contraordenacionais pelos quais foi condenado, assim fazendo V. Exas. a costumada Justiça!” (transcrição)

            Também inconformado com a decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzidas, da qual extrai as seguintes conclusões:

                        - “ …

1ª A apresentação pela arguida do CD-Rom no dia 04/12/2014, contendo a gravação de conversas telefónicas da arguida, demandava uma expressa autorização da cliente e dos próprios colaboradores do XXX para ser aceite pelo tribunal como meio de prova que este pudesse utilizar e valorar (art. 42º, nº 2 do RGCO), procedimento que o tribunal não realizou (cfr. supra I).

2ª A falta de autorização da cliente para utilização como meio de prova pelo tribunal do suporte contendo o registo de conversações telefónicas torna nula a prova assim obtida – art. 126º, nº 3, do CPP, o que impedia o tribunal, enquanto “terceiro” da aceção da norma do art. 4º, f) da Lei 67/98, de 26/10, de a valorar, por se tratar de prova obtida mediante intromissão na vida privada.

3ª Na verdade, ao contrário do processo penal, tal consentimento é insuscetível de ser suprido em processo contra-ordenacional, por este último ramo do direito sancionatório respeitar a infrações que não têm por referência uma ordem de liberdade, identificada com bens e valores jurídicos fundamentais plasmados na Constituição.

4ª As provas nulas nos termos do disposto no art. 126º, nº 3, do CPP provocam a nulidade da sentença se esta se fundamentar nas mesmas, uma vez que tomou conhecimento de questões de que não podia - art. 379º, c) do CPP. A esta mesma conclusão se chega por via da norma geral constante do art. 122º, nº 1, do CPP.

5ª Constata-se que depois de aceder a prova proibida sem fundamento, por via dos dois despachos exarados na ata de 04/12/2014, documentada a fls 738 e ss (cfr. supra I), o tribunal foi ainda mais além. Serviu-se dessa prova e valorou-a para fundamentar a sua convicção na sentença - vide os pontos 11), 14) a 16) dos factos provados e último período do 1º § da p. 39 do texto da decisão recorrida.

6ª Daqui resulta a nulidade desta, sendo este o objeto do presente recurso.

7ª Este tem assim por fundamento o disposto no art. 410º, nº 3, do CPP, por força das normas conjugadas dos artigos 75º, nº 1 e 41º, nº 1, ambas do RGCO.

Face ao exposto o recurso interposto deverá proceder, com a consequente declaração de nulidade da sentença recorrida, após o que este TCRS deverá obter o consentimento de quem de direito para aceder e valorar de forma legítima as conversações telefónicas disponibilizadas em suporte CD-Rom pela arguida, ou, em alternativa, expurgar as menções feitas na sentença das quais resulte a valoração do teor de tais conversações (pontos 14 a 16 da matéria de facto e último período do 1º § da p. 39 da sentença), assim se fazendo Justiça-

                       Aos recursos responderam, respectivamente, a arguida XXX, o Ministério Público e o Banco de Portugal.

                       Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer.

                        II.

                        Cumpre decidir.

             Cabe lembrar que, de acordo com o art. 75.º, n.º 1 do RGCO, a 2ª instância apenas conhece, em regra, da matéria de direito e que, por conseguinte, a matéria de facto dada como provada não é sindicável a não ser quando se verifique qualquer dos vícios mencionados no artigo 410.º, n.º 2 C.P.Penal que hão-de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, o que no caso presente se não verifica nos termos em que consabidamente a jurisprudência o exige.

                       E ainda que, como tem sido repetidamente dito pelo Supremo Tribunal de Justiça, os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são especificamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.

                       E o recurso não tem por finalidade nem pode ser confundido com um “novo julgamento” da matéria de facto. Destina-se apenas à reapreciação da decisão proferida em primeira instância em pontos concretos e determinados. Tem como finalidade a reapreciação de questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida – cfr. designadamente o art. 410.º, n.º1 do CPP.

                       (Daí que o legislador tenha estabelecido um específico dever de motivação e formulação de conclusões do recurso nesta matéria – cfr. art. 412º, n.º 1, 3 e 4 do CPP.)

                        São as seguintes as questões a decidir:

                       - Nulidade da sentença por acessão, utilização e valoração de prova proibida.

                       - Da autonomia dos «créditos em linha» em relação ao contrato de utilização do «ZZZ».

                        - Da unidade/pluralidade de contra-ordenações.

                        - Da verificação dos requisitos do crime continuado.

                       Analisados os autos a passamos ao objecto dos recursos tal como vêm apresentados, quanto à decisão recorrida.

                        Da sentença recorrida, consta, na parte pertinente:

                        - “ …

                        Factos provados:

1)        O XXX é uma instituição de crédito com sede na União Europeia, cuja atividade em Portugal, exercida através de sucursal, está sujeita aos poderes de supervisão do Banco de Portugal.

2)         Em 23.08.2007, MRD (doravante cliente) celebrou, por escrito, com o YYY, um acordo, designado por “Acordo de Utilização dos cartões de crédito YYY” (doravante acordo de utilização), acordo que se encontra junto aos autos a fls. 52 e 53, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3)         O documento em causa encontra-se assinado pela cliente.

4)         No âmbito desse acordo, foi inicialmente concedido à cliente um cartão de crédito com o plafond máximo de € 5.500,00, linha de crédito que foi alargada.

5)         Constava nesse acordo de utilização, entre o mais, o seguinte:

a.        1. O CARTÃO DE CRÉDITO (…) É um cartão por meio do qual o … “YYY” … concede a um consumidor (“Titular”) uma linha de crédito, que pode ser utilizada na aquisição de bens e serviços em qualquer estabelecimento aderente à rede VISA, em ambientes abertos (internet, WAP, Televisão Interativa, etc.) e em levantamentos de dinheiro a crédito (cash-advance) em estabelecimentos bancários em Portugal ou no estrangeiro acreditados na rede VISA e nas redes de Caixas Automáticas (“ATM”);

b.         4. CRÉDITO ESPECIAL – 4.1. O que é o Crédito Especial? O Crédito Especial consiste (i) numa transferência para a conta à ordem de um montante que acresce à linha de crédito (“Crédito Adicional”) ou (ii) na transferência para a conta à ordem de uma parcela da linha de crédito disponível (“Crédito em Linha”) ou (iii) na conversão de uma compra previamente realizada com o cartão (“Compra Repartida”), sendo o seu pagamento efetuado em prestações fixas mensais por um determinado período de Tempo acordado;

c.         4.2. Quem pode solicitar um Crédito Especial? Será concedido a um Titular que o solicite e seja considerado elegível, casuisticamente com base em critérios definidos pelo XXX, reservando-se este no direito de não conceder o Crédito Especial;

d.        4.3. Como solicitar um Crédito Especial? O Titular deverá solicitar a respetiva concessão dentro dos limites autorizados pelo XXX. Caso o Titular concorde com os termos e condições específicas apresentadas, nomeadamente o montante, a taxa de juro, o prazo de reembolso e valor da prestação fixa mensal, e seja aprovado pelo XXX, proceder-se-á à transferência do montante para a conta à ordem indicada pelo Titular, nos casos das modalidades de Crédito Adicional ou Crédito em Linha; 

e.        4.4. Como é que é efetuado o pagamento da prestação mensal do Crédito Especial? O valor da prestação fixa mensal deverá ser reembolsado em conjunto com as restantes utilizações da linha de crédito do Cartão, até à data limita de pagamento, fazendo parte integrante do Valor Mínimo a pagar nos termos do ponto 8.1. (…);

f.        4.5. Pode o cliente solicitar a resolução do Crédito Especial? O cliente poderá resolver o contrato no prazo de 14 (catorze) dias de calendário a contar da data de receção das condições particulares aplicáveis ao Crédito Especial ou, se posterior, da data da receção de outras informações para o efeito exigidas nos termos da lei, sem necessidade de indicação de motivo e sem que possa haver qualquer indemnização ou penalização”;

g.        8. O PAGAMENTO DO CARTÃO – Qual o valor Mínimo a pagar mensalmente? O Titular terá de pagar 3% (três por cento) do saldo em dívida, acrescido do juro referente ao período em questão às taxas constantes na tabela de encargos do ponto 9.1. com o montante mínimo de € 9 (nove euros) (“Valor Mínimo”). No caso da linha de crédito concedida pelo XXX ter sido excedida ou caso ocorra atraso de pagamento, o Titular fica obrigado ao pagamento adicional do valor em excesso e/ou do valor em atraso, bem como ao pagamento dos respetivos encargos definidos na tabela de encargos do ponto 9.1. Caso o Titular tenha um Crédito Especial, o valor da prestação mensal acresce, na sua totalidade, às parcelas mencionadas anteriormente, sendo igualmente considerada para efeitos de cálculo do valor do saldo em dívida;

h.        8.8. Como é calculado o juro do Crédito Especial? Os juros sobre o Crédito Especial serão calculados sobre o capital em dívida, a contar da data da transferência do montante do crédito concedido e incluídos na prestação mensal do Crédito Especial, nos termos e condições acordados com o Titular no momento da sua solicitação.

6)         O negócio de cartões de crédito, bem como todos os produtos e funcionalidades com os mesmos conexos, foram adquiridos pelo XXX ao YYY International PLC, com produção de efeitos anterior a, pelo menos, 21.05.2010.

7)        Nesse contexto, todos os contratos celebrados no âmbito do cartão de crédito YYY foram cedidos ao XXX, que passou a desenvolver esta atividade, tendo por base as condições já contratadas e acordadas com os clientes.

8)        A taxa de juro aplicável ao “crédito em linha” encontrava-se prevista no acordo de utilização, podendo ser concedida pelo XXX uma taxa de juro mais baixa (mas nunca superior).

9)         À data dos factos, a cliente era titular do cartão de crédito ZZZ com o n.º 4228650974363004.

10)       Na vigência do acordo celebrado à data com o YYY e em vigor relativamente ao XXX, a cliente recebeu cinco “créditos em linha”.

11)      Tais transferências foram precedidas de chamadas telefónicas havidas entre a cliente o XXX, chamadas telefónicas essas que foram gravadas pelo XXX, estando este autorizado para o efeito, conforme Autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados (“CNPD”), junta a fls. 275 a 279.

12)       Nos termos da mencionada Autorização, o tratamento de dados em causa – gravação de chamadas: comunicações entre o cliente e o XXX que digam respeito à utilização do cartão de crédito ZZZ – tinha a finalidade de servir de prova das transações comerciais e das instruções dadas pelo cliente no âmbito do contrato celebrado.

13)       Nos termos da mencionada Autorização da CNPD, bastava uma solicitação dos clientes, mediante carta, telefone ou fax, para que o arguido fornecesse uma cópia da gravação.

14)      Nessas chamadas, a cliente indicou ao XXX a parcela do crédito que pretendia utilizar, mediante um crédito em linha.

15)      Nessas chamadas, o XXX e a cliente definiram o montante da prestação fixa mensal e o número de prestações associadas ao crédito em linha em causa.

16)       Nestas chamadas, o XXX confirmou à cliente a taxa de juro em vigor para o crédito em linha em causa, que não ultrapassava a taxa de juro indicada e previamente acordada no acordo de utilização supra referido.

17)       Após as referidas chamadas telefónicas, o XXX enviou à cliente uma SMS com a informação sobre a disponibilização dos referidos créditos em linha.

18)       De seguida e em momento anterior à disponibilização na conta da cliente do montante acordado, o XXX enviou à cliente os seguintes documentos:

a.         Relativamente à primeira transferência para a conta à ordem:

i.          Uma carta datada de 21.05.2010, com as “condições acordadas telefonicamente” (montante, número de prestações e montante da prestação mensal) relativas ao pedido de adesão ao “Crédito em Linha” no montante de € 2.000,00, informando a mesma de que tais condições se encontravam sujeitas à aprovação final pelo XXX, após a qual aquele montante seria transferido para a sua conta à ordem;

ii.         Em anexo à carta referida no ponto precedente, o XXX remeteu a “Ficha de Informação Normalizada em matéria de crédito aos consumidores, em caso de contrato à distância – Geral”, em cujo campo relativo à “Data da FIN” constava a data de “1 de Dezembro de 2009”.

b.        Relativamente à segunda transferência para a conta à ordem da cliente:

i.         Por carta datada de 04.08.2010, o XXX remeteu à cliente as “condições acordadas telefonicamente” (montante, número de prestações e montante da prestação mensal) relativas ao pedido de adesão ao “Crédito em Linha” no montante de € 500,00 e informou a mesma de que tais condições se encontravam sujeitas à aprovação final pelo XXX, após a qual aquele montante seria transferido para a sua conta à ordem;

ii.         Em anexo à carta referida no ponto precedente, o XXX remeteu a “Ficha de Informação Normalizada em matéria de crédito aos consumidores, em caso de contrato à distância – Geral”, em cujo campo relativo à “Data da FIN” constava a data de “1 de Julho de 2010”;

c.         Relativamente à terceira transferência para a conta à ordem da cliente:

i.         Por carta datada de 24.11.2010, o XXX remeteu à cliente as “condições acordadas telefonicamente” (montante, número de prestações e montante da prestação mensal) relativas ao pedido de adesão ao “Crédito em Linha” no montante de € 2.000,00 e informou a mesma de que tais condições se encontravam sujeitas à aprovação final pelo XXX, após a qual aquele montante seria transferido para a sua conta à ordem;

ii.         Em anexo à carta referida no ponto precedente, o XXX remeteu a “Ficha de Informação Normalizada em matéria de crédito aos consumidores, em caso de contrato à distância – Geral”, em cujo campo relativo à “Data da FIN” constava a data de “1 de Julho de 2010”.

d.        Relativamente à quarta transferência para a conta à ordem da cliente:

i.         Por carta datada de 01.04.2011, o XXX remeteu à cliente as “condições acordadas telefonicamente” (montante, número de prestações e montante da prestação mensal) relativas ao pedido de adesão ao “Crédito em Linha” no montante de € 3.000,00 e informou a mesma de que tais condições se encontravam sujeitas à aprovação final pelo XXX, após a qual aquele montante seria transferido para a sua conta à ordem;

ii.         Em anexo à carta referida no ponto precedente, o XXX remeteu a “Ficha de Informação Normalizada em matéria de crédito aos consumidores, em caso de contrato à distância – Geral”, em cujo campo relativo à “Data da FIN” constava a data de “1 de Julho de 2010”.

e.        Relativamente à quinta transferência para a conta à ordem da cliente:

i.         Por carta datada de 26.07.2011, o XXX remeteu à cliente as “condições acordadas telefonicamente” (montante, número de prestações e montante da prestação mensal) relativas ao pedido de adesão ao “Crédito em Linha” no montante de € 1.000,00 e informou a mesma de que tais condições se encontravam sujeitas à aprovação final pelo XXX, após a qual aquele montante seria transferido para a sua conta à ordem;

ii.         Em anexo à carta referida no ponto precedente, o XXX remeteu a “Ficha de Informação Normalizada em matéria de crédito aos consumidores, em caso de contrato à distância – Geral”, em cujo campo relativo à “Data da FIN” constava a data de “1 de Julho de 2010”.

19)       Após a transferência do montante relativo ao primeiro “crédito em linha”, por carta datada de 24.05.2010, o XXX informou a cliente de que “[n]a sequência do seu pedido de adesão ao Crédito em Linha ZZZ (…) [tinha sido] transferido para a sua conta à ordem (…) o montante de 2.000,00 Eur”.

20)       Após a transferência do montante relativo ao segundo “crédito em linha”, por carta datada de 27.07.2011, o XXX informou a cliente de que “[n]a sequência do seu pedido de adesão ao Crédito em Linha ZZZ (…) [tinha sido] transferido para a sua conta à ordem (…) o montante de 1.000,00 Eur”.

21)      Após a transferência do montante relativo ao terceiro “crédito em linha”, por carta datada de 05.08.2010, o XXX informou a cliente de que “[n]a sequência do seu pedido de adesão ao Crédito em Linha ZZZ (…) [tinha sido] transferido para a sua conta à ordem (…) o montante de 500,00 Eur”.

22)       Após a transferência do montante relativo ao quarto “crédito em linha”, por carta datada de 25.11.2010, o XXX informou a cliente de que “[n]a sequência do seu pedido de adesão ao Crédito em Linha ZZZ (…) [tinha sido] transferido para a sua conta à ordem (…) o montante de 2.000,00 Eur”.

23)       Após a transferência do montante relativo ao quinto “crédito em linha”, por carta datada de 04.04.2011, o XXX informou a cliente de que “[n]a sequência do seu pedido de adesão ao Crédito em Linha ZZZ (…) [tinha sido] transferido para a sua conta à ordem (…) o montante de 3.000,00 Eur”.

24)       Nas FIN supra referidas o XXX preencheu o campo relativo à “Data da FIN” com as datas da elaboração da minuta da FIN daquele produto e não com as datas de elaboração de cada uma das FIN.

25)      O XXX conhecia o quadro legal vigente em matéria de contratação de crédito ao consumo, especificamente no que diz respeito à obrigação que impende sobre as instituições de crédito de disponibilizar a FIN em matéria de crédito aos consumidores, nos moldes regulamentarmente definidos, e de exarar os contratos de crédito em papel ou noutro suporte duradouro.

26)      O XXX adotou o procedimento supra descrito (gravação das chamadas telefónicas, envio de sms, envio de uma carta com as condições acordadas telefonicamente antes da transferência, envio da FIN e envio de uma carta a confirmar a transferência) para todas as situações de crédito em linha.

27)       O XXX considerou que o crédito em linha não corresponde a um novo contrato de crédito e que, por isso, não estava sujeito ao regime legal previsto no DL nº 133/2009, de 02.06.

28)       O XXX não exarou em documento escrito assinado pela cliente cada um dos cinco “créditos em linha” concedidos, porquanto não fez uma análise do regime legal aplicável e do conteúdo do acordo de utilização do cartão de crédito, cuidado esse de que era capaz.

29)      Em cada uma das cartas referidas no ponto 18) constava o seguinte: “Informamos ainda que dispõe do direito de revogação pelo período de 14 dias a contar da data de receção das condições mencionadas na presente carta para proceder à resolução do Crédito em Linha”.

30)       A reclamação que deu origem ao presente processo resultou de uma insistência na obtenção de informação perante o XXX por pessoa (filho da cliente) que não tinha autorização para obter a informação em causa.

31)       O XXX enviou à cliente uma carta e um documento com todas as informações sobre as características dos créditos em linha que lhe tinham sido disponibilizados.

32)      O XXX atua em, pelo menos, quatro áreas de negócio em Portugal.

33)       O arguido já sofreu as seguintes condenações:

a.        Processo n.º 12/09/CO, condenado em coima de € 1.750,00 e publicitação da decisão de condenação num jornal de expansão local, pela prática de 1 (uma) contraordenação prevista e punida pela alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, por inexistência de livro de reclamações, em violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo diploma legal;

b.        Processo n.º 33/10/CO, condenado em coima de € 2.250,00, pela prática de 1 (uma) contraordenação prevista pelo n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 51/2007, de 7 de março, e punida nos termos da alínea j) (atual alínea m)) do artigo 210.º do RGICSF, emergente do incumprimento do prazo legal de 10 dias úteis para facultar à nova instituição de crédito mutuante informação necessária à realização da operação de transferência do crédito à habitação, em violação do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 51/2007, de 7 de março;

c.        Processo n.º 30/11/CO, condenado em coima de € 2.500,00, pela prática de 1 (uma) contraordenação prevista e punida nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, pela violação do n.º 4 do artigo 5.º do mesmo diploma legal, consubstanciada na não entrega ao reclamante do duplicado da folha de reclamação;

d.         Processo n.º 09/12/CO, condenado em coima única no valor de € 6.000,00, pela prática de 2 (duas) contraordenações previstas e punidas pela alínea j) (atual alínea m)) do artigo 210.º do RGICSF), uma delas pela inexistência da secção “Informação Complementar – Data-Valor” no “Folheto de Comissões e Despesas” disponibilizado no balcão da agência, em violação do preceituado no n.º 1 e na alínea e) do n.º 4 do artigo 3.º, bem como nos n.os 2 e 3 do artigo 8.º, todos do Aviso n.º 8/2009, e a outra emergente da não atualização do “Folheto de Comissões e Despesas” divulgado ao balcão da agência, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Aviso n.º 8/2009;

e.         Processo n.º 20/13/CO, condenado em coima única no montante de € 7.500,00, pela prática de 2 (duas) contraordenações previstas e punidas pelo n.º 1 do artigo 36.º do Decreto-Lei  n.º 227/2012, de 25 de outubro, correspondentes à omissão da avaliação da capacidade financeira de cliente já integrada no Procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), em preterição do disposto no artigo 15.º do mesmo diploma legal, e à resolução do contrato com fundamento em incumprimento, em violação do artigo 18.º daquele Decreto-Lei.

34)       O XXX tem mais de 20 anos de atividade em Portugal.

35)      A instituição apresentou um ativo no valor de 1.515.163.000£ (que, à data de 31.12.2012, correspondia a € 1.863.650.490,00), um passivo do valor de 1.467.458.000£ (equivalente, à data de 31.12.2012, a € 1.804.973.340,00), e capitais próprios no valor de 47.705.000£ (que, à data de 31.12.2012, equivalia a € 58.677.150,00).

36)       O arguido apresentou, no ano de 2014, um resultado líquido do período no montante de € 311.998.676,45 negativos.

                        Factos não provados:

a)         Ao não preencher o campo “Data da FIN” das FIN entregues à cliente com as datas de elaboração de cada uma das FIN relativas a cada um dos contratos celebrados, o XXX não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz.

b)        Desde, pelo menos, 2008 ou em qualquer outra data ou ano anterior à prática dos factos, todas as condições do “crédito em linha” e o procedimento adotado pelo XXX em relação ao mesmo eram integralmente conhecidas do BdP, foram escrutinadas e/ou admitidas por esta entidade.

c)         O XXX estava convencido que mesmo que os créditos em linha fossem contratos autónomos, o disposto no art. 12º/2, do DL nº 133/2009, se teria por cumprido, com a gravação da chamada telefónica, o envio de duas cartas, de uma FIN e de um SMS ao cliente.

d)        A área dos cartões de crédito não é a principal área de negócio do XXX em Portugal.

e)        Os clientes do XXX têm aceitado bem e mostrado satisfação com a utilização da funcionalidade do “crédito em linha” que encontram no ZZZ.

f)        Os clientes do XXX estão satisfeitos relativamente aos procedimentos adotados pelo XXX em relação ao crédito em linha.

                        (…)

                        Motivação:

                        (…)

                       Ponto 1): o facto vertido neste ponto está documentado na cópia do registo especial de instituições, que consta a fls. 145.

Pontos 2) a 5) e 8): os factos expostos nestes pontos foram extraídos da cópia do acordo de utilização dos cartões de crédito YYY, cuja cópia se mostra junta a fls. 52 e 53. Foi igualmente relevante a cópia das condições gerais de um acordo deste tipo relativo ao ZZZ, junta a fls. 540 a 543, por ser mais legível quanto às condições gerais, e que, conforme se inferiu dos depoimentos das testemunhas arroladas pela arguida ((Im...), responsável pela área comercial, e (Io...), responsável pela gestão de produtos e clientes), era o acordo em vigor à data dos factos. Foi ainda tido em consideração o depoimento de (I…) relativamente ao facto da linha de crédito concedida à cliente ter sido ampliada. Os depoimentos das testemunhas referidas mereceram credibilidade nesta parte, porquanto apresentaram razões para terem conhecimento dos factos, encontram apoio na demais prova produzida e não são incompatíveis com as regras da experiência comum e critérios de normalidade e razoabilidade.

Importa salientar que os depoimentos de (E…), responsável pelo risco, e (B…), que trabalha no departamento do risco de crédito, incidiram fundamentalmente sobre os critérios de elegibilidade do crédito em linha. No essencial, esclareceram que as condições de elegibilidade dos clientes são atualizadas mensalmente após a concessão do cartão de crédito e incluem um modelo de probabilidade de incumprimento, a existência de incumprimentos reportados ao BdP e a existência de incumprimentos há mais de seis meses ou mora superior a trinta dias junto do arguido. Consequentemente, quando é efetuada a chamada telefónica (por iniciativa do XXX ou por iniciativa do cliente) em que é acordado o crédito em linha, o operador já dispõe dessa informação, sendo que a transferência da parcela da linha de crédito para a conta à ordem fica apenas dependente da verificação, pelo próprio sistema (e à semelhança do que sucede quando são efetuados pagamentos ou levantamentos com o cartão de crédito) da eventual existência, entretanto, de algum incumprimento ou do montante da linha de crédito disponível, considerando que o cliente pode ter efetuado algum movimento. Sem duvidar da credibilidade dos depoimentos das testemunhas, uma vez que apresentaram razões de ciência suficientes para terem conhecimento destes factos, os mesmos são suportados pela demais prova disponível (designadamente o acordo de utilização do cartão de crédito) e são compatíveis com as regras da experiência comum e critérios de normalidade e razoabilidade, a verdade é que tais esclarecimentos nada acrescentam de relevante para a decisão relativamente àquilo que consta no teor do acordo de utilização – cfr. cláusula 4.2..

Pontos 6) e 7): os factos em apreço foram confirmados, com mais ou menos pormenores, pelas testemunhas arroladas pela arguida, já referidas, que também mereceram credibilidade nesta parte, porquanto apresentaram razões para terem conhecimento destes factos, encontram apoio na demais prova produzida e não são incompatíveis com as regras da experiência comum e critérios de normalidade e razoabilidade.

Ponto 9): a factualidade vertida neste ponto resulta de diversa documentação junta aos autos, em conjugação com os factos expostos nos pontos 6) e 7). Assim, fazem referência à titularidade e ao número do cartão de crédito da cliente os seguintes documentos: cópia da reclamação apresentada pelo filho da cliente, junta a fls. 16 e 17; esclarecimento prestado pelo XXX ao BdP, constante de fls. 23 a 25; cópia da carta remetida pelo XXX à cliente, junta a fls. 27 e 28; e da cópia dos extratos bancários juntos a fls. 29 a 32.

Pontos 10) a 16): a factualidade exarada nestes pontos foi retirada da documentação de fls. 92 a 131, que comprova a concessão dos créditos em linha. Foram igualmente relevantes os depoimentos de (Im…) e (Io….), que confirmaram a gravação das chamadas e o seu conteúdo. Neste âmbito, também foi tida em consideração a cópia do manual com instruções aos operadores do XXX, que descreve as informações, argumentos e conteúdo das chamadas telefónicas, junta a fls. 724 a 735. Todos estes elementos mereceram credibilidade, porquanto são convergentes entre si, não foram contrariados pela demais prova produzida e não são incompatíveis com as regras da experiência comum e critérios de normalidade e razoabilidade. Conjugados entre si, estes elementos demonstram os factos em apreço. Adicionalmente e se dúvidas houvesse quanto à gravação das chamadas, o conteúdo do CD junto pela arguida (cfr. fls. 664), confirma a gravação das chamadas e o seu conteúdo, não havendo razões para duvidar, à luz de parâmetros de normalidade e razoabilidade, que tenha sido MRD a intervir nas mesmas.

Ponto 17): os factos expostos neste ponto foram confirmados por (Im…) e por (Io…), que mereceram credibilidade nesta parte, porquanto apresentaram razões para terem conhecimento destes factos, encontram em apoio na demais prova produzida (designadamente na súmula da reunião tida com o BdP em 06.02.2008, junta a fls. 717-verso) e não são incompatíveis com as regras da experiência comum e critérios de normalidade e razoabilidade.

Pontos 18) e 29): os factos em apreço estão documentados nas cópias das cartas e FIN’s indicadas nestes pontos, juntas a fls. 92 a 131.

Pontos 19) a 23): os factos em análise estão documentados nas cópias das cartas referidas nestes pontos, juntas a fls. 41 a 50.

Ponto 24): os factos vertidos nestes pontos resultaram das cópias das FIN, juntas a fls. 93 a 99, 101 a 107, 109 a 115, 117 a 123 e 125 a 131 e do depoimento de (Im…).

Ponto 25): o DL nº 133/2009, de 02.06, e a Instrução do BdP nº 8/2009 são textos normativos e regulamentares básicos para o exercício da atividade desenvolvida pelo arguido, pelo que não é credível que não tivesse conhecimento dos mesmos.

Pontos 26) a 28) e alíneas b) e c): resulta da prova produzida, em particular da troca de correspondência entre o YYY e o Banco de Portugal, que consta a fls. 720 (e-mail datado de 06.05.2005, dirigido a (Ac...)) e a fls. 718-v (resposta do Banco de Portugal, subscrita, entre o mais, por (Ac...)), e das conclusões extraídas da reunião do YYY com o BdP de 01.10.2008 (fls. 721), que o “crédito em linha” já era uma modalidade utilizada pelo YYY e que esta instituição entendia que a mesma não requeria a assinatura de nenhum novo contrato ou contrato adicional. Veja-se, em particular, o conteúdo do e-mail de fls. 720, que data de 06.05.2005.

É certo que, entretanto, ocorreu a referida troca de correspondência com o BdP, na qual o YYY descreveu a forma de funcionamento do “crédito em linha” apresentado como uma “nova modalidade do cliente poder liquidar a dívida do seu cartão” (cfr. fls. 720). Dir-se-á que, por via desta comunicação, o Departamento de Supervisão Bancária do BdP tomou pleno e total conhecimento de todos os elementos desta nova modalidade com relevância para a decisão do caso. Tal não corresponde à verdade, porquanto o e-mail nada esclarece quanto ao teor do acordo inicial de utilização do cartão de crédito. Para além disso, o pedido de esclarecimento aí exarado não incidia sobre a questão relativa à forma do “crédito em linha”, mas sobre uma questão diferente, que pressupunha uma abordagem, pela entidade de supervisão, distinta.

Mais tarde, designadamente em novembro de 2007, em 06.02.2008 e em 01.10.2008, alguns elementos do YYY tiveram reuniões com representantes do BdP. (Im...) fez referência a estas reuniões, às quais não assistiu, conforme a própria esclareceu.

Analisado o teor de tais documentos e sem questionar a sua veracidade, constata-se que não é possível inferir dos mesmos que o BdP tivesse um conhecimento pleno e total e/ou tenha escrutinado todos os elementos relacionados com o “crédito em linha” e que tenha admitido o procedimento adotado, à data, pelo YYY. Efetivamente, a única referência que consta nesses documentos com relevo para o caso reconduz-se às preocupações manifestadas por (Ll...) (responsável, à data, pelo Departamento de Supervisão do BdP) quanto à informação pré-contratual nos contratos à distância sobretudo por telefone e o que aí se exara é demonstrativo inclusive de que não era possível retirar dessas reuniões uma concordância definitiva e firme do BdP quanto ao procedimento utilizado. Veja-se, a propósito, o primeiro parágrafo do ponto B), de fls. 717-v, no qual se exarou que o principal foco no entendimento do BdP era uma alegada falha em providenciar informação pré-contratual. (Ll…) referiu que enviar uma carta após a chamada de venda não era suficiente para cumprir este requisito. Ela sugeriu ainda que enviar uma SMS com as condições contratuais especiais pudesse ser suficiente. De tais palavras resulta que, nessas reuniões e sem duvidar da seriedade dos intervenientes, não foram assumidas, pelo BdP, posições acabadas sobre a plena regularidade do procedimento utilizado no crédito em linha.

Entretanto, o XXX adquire ao YYY o negócio dos cartões de crédito. Desconhece-se a data exata da produção de efeitos deste negócio, uma vez que tal não resultou da prova produzida. Contudo, seguramente ocorreu em 2009, uma vez que as testemunhas inquiridas já eram colaboradoras do YYY e foi nesse ano que passaram a exercer funções no XXX.

Após a celebração do negócio, a única referência que resultou da prova produzida acerca de novas interações com o BdP ocorreu em 2012, numa inspeção, cujo relatório ainda não foi entregue ao XXX e no âmbito da qual não foi efetuada, pelos técnicos intervenientes, qualquer apreciação positiva ou negativa sobre o procedimento, conforme esclareceu (Im...).

Não resultou da prova produzida qualquer outro elemento adicional relativo a interações com o BdP acerca do crédito em linha, sendo certo que a testemunha (Im...) teve o cuidado de contactar o YYY sobre esta matéria, como a própria referiu e resulta da troca de correspondência entre as duas instituições, que consta a de fls. 716 e verso.

Também resulta da prova produzida que o arguido não empreendeu qualquer análise autónoma da questão, para além de ter seguido os procedimentos que já eram adotados pelo YYY, sendo certo que, caso a mesma tivesse sido efetuada, certamente que teria sido referida por (Im...).

A prova produzida é, assim, inequivocamente demonstrativa, em primeiro lugar, de que não existiram outras interações com o BdP sobre esta matéria, pois caso tivessem existido teriam sido comunicadas a (Im...) e relatadas por esta. Em segundo lugar, as interações ocorridas com o BdP, especificamente aquelas que ocorreram antes da data da prática dos factos e únicas que poderiam ter relevância, não sustentam os factos alegados pelo arguido e exarados na alínea b). Em terceiro lugar, o XXX simplesmente continuou a adotar os mesmos procedimentos que eram utilizados pelo YYY, não tendo sido reequacionada, revisitada ou analisada a questão da regularidade formal dos créditos em linha.

Admite-se como possível que o facto de já ser um procedimento utilizado pelo YYY tenha criado no arguido a convicção, sustentada por (Im...) e por (Io...), de que o crédito em linha não correspondia a um novo contrato de crédito e que, por isso, não estava sujeito ao regime legal previsto no DL nº 133/2009, de 02.06.

Contudo, a verdade é que também se retira da prova produzida e supra analisada que essa convicção não teve subjacente uma análise do regime legal aplicável e do conteúdo do acordo de utilização dos cartões de crédito. E não se duvida de que o arguido tinha condições e era capaz de ter empreendido essa análise, considerando os recursos que necessariamente dispõe enquanto instituição de crédito com atividade em curso.

Importa, por último, salientar, no que respeita à alínea c), que não resultou da prova produzida nenhuma referência específica e segura no sentido de que a convicção do arguido, quanto à regularidade do seu procedimento, se tenha fundado também nos factos aí exarados.

Ponto 30): o facto em apreço está documentado na reclamação de fls. 12 e 13.

Ponto 31): o facto em causa está documentado na cópia da carta remetida pelo XXX à cliente, junta a fls. 27 e 28.

Ponto 32): os factos em apreço resultaram do depoimento de (Im...), que se considerou bastante e credível, uma vez que tem razões suficientes para os conhecer e são de fácil escrutínio, nomeadamente pelo BdP, não sendo, por isso, verosímil que estivesse a faltar à verdade.

Pontos 33): os factos em apreço estão documentados no registo de antecedentes contraordenacionais, cujas cópias constam a fls. 331 a 335, salientando-se que o BdP está autorizado pela CNPD a manter esse registo ao abrigo da Autorização nº 22/95, recentemente substituída pela Autorização nº 9178/2014.

Ponto 34): o facto vertido neste ponto foi extraído da informação de fls. 145.

Ponto 35): a factualidade exarada neste ponto foi retirada do balanço consolidado de fls. 329.

Ponto 36): os factos em análise estão documentados da declaração de IRC, junta a fls. 665 a 675.

Alínea a): o facto em apreço ficou por demonstrar porquanto se considera que as condutas da arguida não preenchem os elementos objetivos da infração imputada.

Alínea d): não foi produzida prova consistente sobre este facto, porquanto o único meio probatório que incidiu sobre este ponto foi o depoimento de (Im...), que não prestou esclarecimentos exatos e seguros sobre o mesmo.

Alíneas e) e f): estes factos foram afirmados por (Im...) e por (Io...). Os seus depoimentos não se consideraram suficientes, porquanto, pese embora as testemunhas tenha efetuado referência a estudos de opinião, a verdade é que se desconhece os termos em que foram efetuados e a sua fiabilidade.”.

                        A - Recurso do Ministério Público

                        Aquando da apresentação do recurso de impugnação da decisão condenatória proferida pelo Banco de Portugal, o XXX impugnou os factos dados como provados na decisão do Banco de Portugal, sustentando, para o efeito, que deveria ter constado dos factos provados que o XXX procedeu à gravação das chamadas telefónicas havidas com a cliente em causa, nas quais foram disponibilizados os 5 créditos em linha em crise no presente processo.

                       Para tanto, o XXX protestou juntar aos autos CD-Rom (o que fez mediante requerimento apresentado em 24 de Novembro de 2014), contendo as gravações das chamadas telefónicas, alegadamente autorizadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (“CNPD”), nos termos da Autorização n.º 1158/2008, junta aos autos com a defesa escrita do XXX.

                        Segundo a Arguida, a junção da gravação das chamadas telefónicas pelo XXX visou demonstrar o facto de as mesmas terem sido gravadas e de estarem acessíveis para o cliente, facto essencial à defesa da tese e da posição de arguido do XXX no presente processo.

                       No exercício do direito de contraditório sobre o documento junto pelo XXX, o Ministério Público opôs-se à correspondente junção, porquanto a utilização pelo Tribunal de tal prova, contendo dados pessoais e colidindo com a reserva da vida privada, dependeria do consentimento da cliente e dos colaboradores do XXX, consentimento esse que, no âmbito do processo de contraordenação, não poderia ser suprido pelo Tribunal, nos termos do artigo 3.º alínea b) da LPDP.

                        Contudo, o Tribunal a quo admitiu a junção do CD-Rom contendo as gravações das chamadas havidas com a cliente, tendo fundamentado a admissibilidade da junção quer na Autorização da CNPD para aquele tratamento de dados pessoais, quer numa carta junta pela cliente (alegada titular dos dados pessoais em causa) na qual a mesma requeria que tais chamadas lhe fossem disponibilizadas, aceitando como válidas as gravações efetuadas.

                       No processo contra-ordenacional vigora o princípio da verdade material que decorre do princípio da subsidiariedade do processo penal em relação ao processo contra-ordenacional - nos termos do artigo 41.º n.º 1 do RGCO, “sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”.

                        Vigora, igualmente, o princípio da investigação pelo qual a autoridade administrativa ou o juiz têm o poder/dever de ordenar oficiosamente a produção de todos os meios de prova que entendam necessários para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa – nos termos dos artigos 54.º n.º 1 e 72.º n.º 2 do RGCO.  Nunca o tribunal poderá ser considerado “um terceiro”.

                       É certo que não é admissível a intromissão na correspondência e nos meios de telecomunicações para prova de uma contra-ordenação. Porém, esta proibição não alcança os meios de comunicação cuja utilização seja consentida pelo destinatário/receptor (Oliveira Mendes e Santos Cabral – Anotação ao artigo 42.º do RGCO – 2009:126).

                       Igualmente é proibida a prova mediante intromissão ou colisão com a reserva da vida privada - art. 42º, nº 2 do RGCO. Mas, mesmo estes podem ser produzidos e valorados desde que com o consentimento prévio do titular do direito à privacidade, que pode, inclusivamente, não ser o arguido ou o suspeito (Lopes Rocha, 1994::58 e Leonel Dantas, 1995:116).

                       Como bem refere a arguida, numa perspetiva da proteção de dados pessoais e à luz da LPDP, a comunicação dos dados pessoais constantes das gravações das chamadas ao Tribunal, para efeitos de prova da existência e teor das instruções transmitidas pelo cliente ao XXX durante essas conversas, está abrangida na finalidade do tratamento de dados pessoais autorizado pela CNPD e consentido pela cliente e pelos trabalhadores do XXX, pelo que não é necessário qualquer consentimento adicional do cliente ou dos trabalhadores do XXX para a sua junção aos autos em conformidade com a LPDP.

                       O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.09.2011, proferido no Processo n.º 22/09.6YGLSB.S222/09.6YGLSB.S2 expressa que:

                     “ …O artigo 167.º do CPP faz depender a validade da prova produzida por reproduções mecânicas da sua não ilicitude face ao disposto na lei penal. Significa o exposto que a admissibilidade da prova depende da sua configuração como um acto ilícito em função da integração de tipos legais de crime que visam a tutela de direitos da personalidade como é o caso do direito á intimidade. Questão distinta é a ponderação sobre a eventual concessão de autorização pela Comissão Nacional de Protecção de Dados pois que esta poderá relevar para uma valoração do respeito pela legislação de protecção de dados, designadamente a Lei 67/98 (aplicável à videovigilância nos termos do seu art. 4.º/4) mas não define a licitude, ou ilicitude, da recolha ou utilização das imagens. (o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os artigos 27.º e 28.º, constituem o crime da previsão do art. 43.º dessa lei, pois tratando-se de uma conduta negligente haverá apenas a contra-ordenação cominada no antecedente artigo 37.º).Como A verificação da existência, ou não, de licença concedida pela CNPD para a colocação da(s) câmara(s) de videovigilância no prédio do assistente poderá eventualmente, integrar desrespeito pela legislação de protecção de dados, designadamente a Lei 67/98, aplicável à videovigilância nos termos do seu art. 4.º/4.

                       Consequente e concomitantemente, as reproduções fonográficas em causa constituem documentos das relações comerciais entre o banco e clientes que não colidem com a reserva da intimidade da cliente. Ademais, a sua utilização foi expressamente autorizada pela cliente da entidade bancária arguida.

                       Finalmente, a convicção do Tribunal recorrido quanto à prova dos factos pertinentes não se fundou nem exclusiva nem primordialmente nas gravações das chamadas juntas pelo Arguido; para prova de tais factos considerou os documentos de fls. 92 a 131, os depoimentos das testemunhas (Im...) e (Io...) e a cópia do manual de instruções aos operadores do XXX.

                        B - Recurso da Arguida

                       I – Da autonomia dos «créditos em linha» em relação ao contrato de utilização do «ZZZ»

.                       O “Acordo de Utilização dos Cartões de Crédito ZZZ”, em vigor à data da concessão à Cliente, pela Recorrente, dos cinco “Créditos em Linha”, prevê a figura do “Crédito em Linha”, definindo-o no seu ponto 4.1., e reproduzido na al. 5) da enumeração dos factos provados.

                       Decorre expressamente desse ponto do Acordo que a concessão do “Crédito em Linha” não é uma simples forma de utilização do cartão de crédito ZZZ; é, sim, um produto associado ao cartão de crédito ZZZ, que funciona nos seguintes termos:

                        - Prévia solicitação por parte do cliente;

                       - Apreciação casuística do pedido por parte do Recorrente, com base em critérios pelo mesmo definidos;

                        - Decisão do Recorrente, que poderá recusar ou aceitar a sua concessão;

                        - No caso de o Recorrente aceitar o pedido de cliente e uma vez obtido o necessário acordo de vontades tem lugar a transferência para a conta à ordem de uma parte da linha de crédito disponível.

                        Assim, as concretas condições daquela operação não se encontram definidas no Acordo, sendo as mesmas apresentadas ao cliente após a solicitação daquele crédito.

                       Como bem refere o Banco de Portugal, não é possível sustentar a preexistência de qualquer acordo, dado que todas as condições do negócio se encontram por definir e por acordar entre as partes - as condições contratuais, o montante mutuado, a taxa de juro aplicável, o prazo de reembolso e o valor da prestação – pelo que os “Créditos em Linha” constituem contratos de crédito autónomos em relação ao contrato de utilização do cartão de crédito ZZZ, e não uma mera forma de utilização do cartão de crédito.

                       O art. 4º, c), do DL 133/2009, de 02/06, define «“Contrato de crédito” o contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante».

                       Assim, ao conceder à Cliente os cinco “Créditos em Linha”, o Banco recorrente celebrou, efetivamente, cinco contratos de crédito, até porque cada celebração dos 5 contratos de concessão de crédito ao consumo teve por base uma resolução autónoma, tomada em momentos temporais diversos.

                        II – Da unidade/pluralidade de contra-ordenações

                        Não estão em causa os contratos de crédito, que, por si só, não integram qualquer ilícito criminal ou contra-ordenacional.

                       Está em causa e constitui ilícito contra-ordenacional a falta de observância dos requisitos a que se refere o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, na celebração dos mesmos contratos de crédito ao consumo a que se referem os autos e que, como se concluiu, são cinco, pelo estamos perante uma contra-ordenação autónoma por cada contrato celebrado ilegalmente.

                        Como bem refere o Ministério Público , “a arguida está a ser sancionada por ter adotado uma prática que peca por ser pouco transparente, por via da qual vincula os clientes, no caso, uma senhora de idade avançada, mediante contratos não reduzidos a escrito e não assinados, carecidos da informação necessária a uma vinculação conscienciosa por parte do consumidor que o salvaguarde contra as práticas desleais ou enganosas e lhe permita reagir aos efeitos contratuais, nomeadamente através dos mecanismos de resolução e de retratação previstos na lei. Foram este propósitos que estiveram na base da previsão da norma do art. 12º do DL 133/2009, de 02/06 e a cuja desobediência é chamada a recorrente a responder”.

                       E a norma especial do art. 12º do DL 133/2009, de 02/06 derroga as normas gerais dos artigos 219º e ss do Código Civil, em particular o art, 221º, nº 2 ao dispor que:

                        - “  …

1 - Os contratos de crédito devem ser exarados em papel ou noutro suporte duradouro, em condições de inteira legibilidade.

2 - A todos os contraentes, incluindo os garantes, deve ser entregue, no momento da respectiva assinatura, um exemplar devidamente assinado do contrato de crédito.

3 - Além das menções constantes das alíneas a) a g), primeiro período, e h) do n.º 3 do artigo 6.º, o contrato de crédito deve especificar, de forma clara e concisa, os seguintes elementos: (…)”.

                       Correcto é, por isso, o entendimento do Tribunal a quo exige que o contrato de crédito ao consumo seja celebrado por escrito e assinado. Subscrevendo a resposta do Ministério Público junto do tribunal recorrido, “ … é o legislador que diz que os contratos são exarados. Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa “Exarar” significa mencionar, notar, consignar, escrever, assinalar. Além de deverem ser exarados, os contratos deverão apresentar condições de legibilidade. Ora, se as meras gravações áudio constituíssem suporte admissível, verificar-se-ia a impossibilidade de poderem ser lidas como é exigido pela norma, por estarem destinadas ao sentido da audição.

E se isto não bastasse para ilustrar a falta de razão da arguida, o nº 2 é esclarecedor quanto ao que deve acompanhar o contrato de crédito: um exemplar que é assinado. Além disso, o nº 3 indica as especificações que de “forma clara e concisa” devem constar: o tipo de crédito; identificação, endereço (…) o montante e as condições de utilização; a duração do contrato; taxas, etc - v. a alíneas a) a h) do art. 6º, nº 3 do mesmo Diploma).”.

                       Também a arguida não remeteu à cliente “informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas”, nem sequer o suporte áudio de tais gravações.

                        Em adjuvância terminal, sempre se dirá que aquando das chamadas telefónicas cuja gravação a recorrente alega constituírem suporte duradouro, os sucessivos contratos especiais (de crédito em linha) ainda não tinham sido celebrados; nas datas de 21/05/2010, 04/08/2010, 24/11/2010, 01/04/2011 e 26/07/2011 as condições dos mesmos ainda estavam sujeitas a aprovação final pela arguida, pelo que nestes períodos de tempo esta ainda não tinha comunicado à cliente a sua aprovação.

                   III – Da verificação dos requisitos do crime continuado.

                       O pressuposto fundamental da contra-ordenação continuada será a existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilite a repetição da actividade, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.

                       Além de ser juridicamente discutível a existência dessa figura no direito contra-ordenacional (cfr. José Faria e Costa, Crimes e Contra-ordenações, Questões Laborais, Ano VIII, 2001, pág. 11 e Ac do TRL de 25-06-2003, in www.dgsi.pt), a aceitar-se a sua existência, só podia falar-se em contra-ordenação continuada se estivesse demonstrado que a arguida cometeu plúrimas violações da mesma norma ou de normas com estreita afinidade, arrastada por um circunstancialismo externo que tivesse diminuído fortemente a sua culpa e se verificasse uma certa proximidade temporal entre essas violações (cfr. arts. 30º, n.º 2 do CP aplicável por força do art. 32º do RGCO) – Ac. Do TRL de 31-01-2011, im www.dgsi.pt.

                        O tribunal recorrido (bem como este tribunal ad quem), não teve dúvidas em considerar que “(…)  pese embora na origem das cinco condutas verificadas tenha estado um procedimento que o XXX decidiu adotar para todos os “créditos em linha” e pese embora os cinco contratos tenham sido celebrados com a mesma pessoa, não existe um único sentido autónomo de ilicitude. Efetivamente, os contratos foram celebrados em momentos temporalmente distintos, pelo que, antes de cada uma das condutas, o XXX estava em condições de evitar as infrações subsequentes, cumprindo o dever de cuidado omitido. Não o tendo feito e considerando ainda que cada um dos créditos em linha assumiu especificidades, conclui-se que cada uma das condutas do XXX consubstanciou uma ofensa autónoma e plena do interesse tutelado. No que respeita à forma continuada, pese embora o interesse tutelado seja o mesmo e a execução dos factos seja, no essencial, homogénea, não há circunstâncias externas facilitadoras do ilícito. Efetivamente, as infrações repetiram-se apenas e tão só devido a factos imputáveis ao XXX.”.

                       Como a própria Arguida confessa, a sua conduta resulta da implementação do seu modelo de negócio.

                       E como bem refere o Ministério Público junto do tribunal a quo, a autonomia da figura da contra-ordenação continuada tem como suporte o princípio da culpa consagrado em diversas normas do RGCO, como o art. 1º, 8º e ss, 17º e ss – neste sentido, cfr. Maria João Antunes, in RPCC 3, 1991, p. 467. E, no caso dos autos, encontramo-nos no domínio da negligência que é incompatível com tal figura.

          Qualquer outa matéria que se queira ver produzida neste acórdão  é acessória, desnecessária ou  supérflua ao “thema decidendum”.

Assim, subscreve este tribunal ad quem na íntegra a sentença recorrida.

                        III.

                       1.º O processo não enferma de qualquer vício e a sentença recorrida fez rigorosa apreciação e valoração da prova produzida, aplicando coimas ajustadas, pelo que não justificava a crítica que com a sua impugnação os recorrentes lhe dirigem.

                       2.º Pelo exposto nega-se provimento aos recursos, confirmando-se a sentença recorrida.

                        3.º Custas a cargo da recorrente dela não isenta, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s com 1/3 de procuradoria e legal acréscimo. 

Lisboa, 17-12-2015

Elaborado e computador e revisto pela 1ª signatária.

Maria da Luz Batista

Cláudio de Jesus Ximenes