Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DA LUZ TELES MENESES DE SEABRA | ||
Descritores: | REJEIÇÃO DO RECURSO FALTA DE CONCLUSÕES CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO INADMISSIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/24/2022 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Verifica-se a total omissão de conclusões quando o Recorrente não faz qualquer síntese ou condensação das razões e fundamentos por si aduzidos no corpo das alegações, tendo-se limitado a expor as suas razões de discordância da sentença recorrida, a aludir aos preceitos legais violados e a pedir a revogação da sentença recorrida. II. A cominação legal para a falta de conclusões é a do indeferimento do recurso, não sendo passível de aperfeiçoamento. III. O incumprimento do ónus de formulação de conclusões cai no âmbito do princípio da autorresponsabilização das partes, uma vez que, querendo recorrer, as partes devem fazê-lo nos prazos e pela forma consagrada na lei, não devendo ser subvertido o sistema dos referidos ónus mediante a aplicação inadequada dos princípios de agilização ou adequação processual. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO 1. Nos presentes autos foi proferida sentença a 12.10.2021 com o seguinte teor: “Pelo exposto, e ao abrigo das citadas disposições legais, julgo o presente recurso improcedente, e consequentemente: - Mantenho o despacho recorrido que deferiu o pedido de registo da marca nacional nº 649860 Custas pela recorrente, uma vez que decaiu na sua pretensão, cfr. artigo 527º, 1 e 2, do Código do Processo Civil. Valor da causa: €30.000.01 (trinta mil Euros e um cêntimo). Registe e notifique. Após trânsito da sentença, cumpra-se o estabelecido no n.º 3 do artigo 34.º do NCPI (cfr. artigo 46.º do mesmo código).” 2. Dessa decisão, interpôs o Recorrente Instituto Tecnológico do Gás, recurso de apelação, por requerimento de 17.11.2021 com Refª Citius 93926, no final do qual pediu que fosse revogada a sentença recorrida, bem como revogado o despacho que concedeu proteção à marca nacional nº 649860 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 3. Recebidos os autos nesta Relação, por despacho da ora Juíza Relatora, proferido em 3.01.2022 com Refª Citius 17761774, antevendo-se a possibilidade de rejeição do aludido recurso por falta de conclusões, foi cumprido o legal contraditório (artigos 3º, n.º 3 e 655º, n.º 1 do CPC). 4. No seguimento desse despacho, veio o Recorrente apresentar o requerimento de 17.01.2022, sob Refª Citius 558315, no qual pede, a final, que seja admitido o recurso por si interposto e que sejam admitidas as conclusões aperfeiçoadas juntas em anexo (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 5. Foi proferida decisão singular, subscrita pela ora Juíza Relatora – despacho sob o qual incide a presente reclamação – que não conheceu do recurso interposto pelo Recorrente Instituto Tecnológico do Gás, em conformidade com o disposto nos artigos 641º, n.º 2, al. b) e 652º, n.º 1 al. b), ambos do CPC. 6.Inconformado com esta decisão, veio o Recorrente apresentar reclamação para a Conferência, requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria, apresentando as seguintes Conclusões A) O objecto da presente Reclamação é a douta decisão singular proferida nos presentes autos que rejeitou o recurso interposto pela ora Reclamante por falta de conclusões. B) Considerou o Venerando Juiz Desembargador Relator, que o recurso de apelação deduzido pela ora Reclamante “é totalmente destituído de conclusões para os efeitos previstos no artigo 639.º, n.º 1 do CPC e, como tal, não é passível de ser objecto de convite ao aperfeiçoamento”, pelo que “não pode ser conhecido, ficando prejudicado qualquer conhecimento de mérito”. C) Entende a ora Reclamante que, ao invés de ter rejeitado o recurso, deveria o Venerando Juiz Desembargador Relator ter antes convidado a recorrente a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões (de acordo com as normas aplicáveis (639.º n.º 3, 652º n.º 1 alínea a) e 547.º, todos do CPC). A ora Reclamante efetivamente, apresentou conclusões no recurso de apelação por si interposto, tendo indicado “o fundamento específico da recorribilidade” (conforme o disposto no n.º 2 do artigo 637.º do CPC), bem como indicou “As normas jurídicas violadas” (conforme disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC). D) Tendo ainda a Reclamante concluído “de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, em claro cumprimento do n.º 1 do artigo 639.º do CPC, indicando as normas violadas, na parte final do recurso de apelação interposto. E) Assim a Reclamante não deixou de indicar os pontos sobre o que o Tribunal é chamado a resolver e as razões por que pretende o provimento do recurso, contendo este, sem ser de forma estruturada, mas contendo, as referidas conclusões. F) É certo que a Reclamante não referiu, o termo “Conclusões”, nem “o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas”, conforme disposto no n.º 2 do artigo 639.º do CPC, contudo, tal indicação tem apenas um efeito indicativo, uma vez que é o Tribunal que formula, segundo juízo próprio, qual o sentido da sua interpretação. G) Ora, a indicação dos preceitos violados no âmbito do processo sub judice é feito, pela ora Reclamante, imediatamente após a alegação, e imediatamente antes da formulação do pedido. H) Pelo que só se poderá concluir que tal referência corresponde às conclusões, apresentadas pela ora Reclamante, não se estando perante um caso de “omissão absoluta” ou “falta de conclusões”, estando, sim, cumprida a exigência da sintetização (ainda que deficitária, mas ainda assim, corrigível) a que alude o n.º 1 do artigo 639.º do CPC. I) Assim, e ao contrário do decidido na decisão reclamada, sempre tal decisão deveria ter sido o convite ao aperfeiçoamento das conclusões. J) A sanção ora aplicada à Reclamante pela Decisão reclamada, cortando-lhe liminarmente o seu direito à reapreciação por um Tribunal Superior das questões jurídicas submetidas ao crivo da instância, afigura-se manifestamente desproporcional face à forma eventualmente deficitária com que apresentou as conclusões. K) Reconhecendo-se que as conclusões apresentadas enfermavam de deficiência, deveria o Venerando Relator ter convidado a Recorrente a aperfeiçoá-las – “completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las”, - tal como previsto o no já referido n.º 3 do artigo 639.º do CPC. L) Só assim será respeitado o princípio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma, e em conjugação com o reforço do princípio do inquisitório (art.º 652º n.º 1 alínea a) e art.º 7.,º ambos do CPC), e dos poderes de agilização, adequação formal (art.º 547.º do CPC) e gestão processual do julgador (art.º 6.º n.º 2 do CPC). M) Por tudo o que fica supra exposto, deve o recurso interposto pela Reclamante ser admitido, revogando-se assim o Despacho Reclamado. Conclui, pedindo que seja admitida a presente Reclamação, e, em consequência, nos termos e para os efeitos dos n.os 3 e 4 do art.º 652.º do CPC, ser proferido Acórdão sobre a decisão singular, que a substitua por outra que admita o Recurso de Apelação interposto pela Recorrente, seguindo-se os demais termos até final, assim fazendo V. Exas. A costumada JUSTIÇA! * Foram cumpridos os vistos. * II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos relevantes para a presente decisão são os que resultam do relatório que antecede. * III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA Analisado o texto do recurso interposto por requerimento Ref. Citius 93926 de 17/11/2021, verifica-se que o Recorrente, ao longo dessa peça recursiva, expôs as razões pelas quais pede a revogação da sentença recorrida, aludindo a que “a mesma não atendeu devidamente a todos os factos dados como provados, fazendo com que a sua interpretação não resultasse conforme aos normativos legais aplicáveis ao caso, bem como à Jurisprudência e Doutrina relevantes”, discorrendo sobre a questão da semelhança entre as marcas em confronto, fazendo alusão ao regime da “marca enganosa” no capítulo II, à imitação no capítulo III e, à concorrência desleal, transcrevendo enxertos de Doutrina e Jurisprudência. Termina essa peça, alegando que “no caso em análise, estão preenchidos, de facto e de direito, os pressupostos legais que fundamentam a recusa da marca apelada, pelo que, por todos os fundamentos se requer a revogação da sentença ora recorrida, determinando-se a recusa de protecção da marca “IPG INSTITUTO PORTUGUÊS DO GÁS”, o que se requer por via do presente recurso. Preceitos violados: art.ºs 209º nº 1 al. c), 232º 3al. d), 232º, nº 1, alíneas b), d) e h), 238º, nºs 1 e 3, 317º a) e c) todos do Código da Propriedade Industrial.” Como resulta do disposto no art. 639º, n.º 1 do CPC, quando o recorrente interpõe recurso de uma decisão judicial passível de apelação fica automaticamente vinculado à observância de dois ónus, se pretender prosseguir com a impugnação de forma válida e regular: 1º- ónus de alegar: o apelante deve fazer uma análise crítica da sentença recorrida, identificando os erros, de facto e/ou de direito, de que enferma essa decisão, expondo os seus argumentos e razões que poderão conduzir à revogação ou alteração da sentença recorrida, recorrendo, porventura, a invocação de Jurisprudência ou Doutrina em abono da sua posição. 2º- ónus de formular conclusões: o apelante deve finalizar as alegações recursivas com a formulação sintética de conclusões, em que resuma os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal Superior anule, modifique ou revogue a decisão recorrida. Segundo Amâncio Ferreira, “Expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão.[1] Enquanto as alegações propriamente ditas (motivação stricto sensu) se destinam à apresentação dos argumentos de facto e de direito pelos quais o apelante discorda da decisão proferida, já as conclusões constituem a síntese dos fundamentos contidos nas próprias alegações. Com efeito, quanto à exigência de conclusões, dispõe, em termos claros, o já citado artigo 639º do CPC: «1. O Recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão. (…) 3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude n.º 2 do artigo 639º, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso, na parte afetada.» Por seu turno, segundo o n.º 2 al. b) do artigo 641º do mesmo Código, a falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso. Com a reforma do regime de recursos introduzida pelo DL n.º 303/2007 de 27.08, a falta de conclusões passou, a par com a ausência de alegações, a constituir motivo de rejeição de recurso (art. 685º-C, n.º 2 al. b) do CPC, na redação anterior). Assim, onde anteriormente se admitia o convite ao recorrente para suprimento daquela falta de conclusões, agora tal convite só ocorre quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações previstas no n.º 2 do art. 639º (indicação das normas jurídicas violadas; o sentido em que as normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas; ou, invocando o recorrente erro na determinação da norma aplicada, a norma jurídica alternativa que deveria ter sido aplicada ao caso). Quanto à omissão absoluta de conclusões, afirma Abrantes Geraldes: «Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações destituídas em absoluto de conclusões são “ ineptas “, determinando a rejeição do recurso (art. 641º, n.º 2 al. b), sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.» [2] Também como ensina Alberto dos Reis, “a palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.” Todavia, como salienta ainda, o mesmo Ilustre Professor, “para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação. “ [3] No mesmo sentido Aveiro Pereira salienta que as conclusões das alegações são as “ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida. “[4] Incide sobre o recorrente um específico ónus de especificar nas conclusões da sua alegação quais as questões a decidir, nomeadamente os pontos de facto ou de direito que pretende que sejam reapreciados pelo tribunal ad quem. E é precisamente essa a função primacial das conclusões, enunciando sinteticamente o recorrente quais são as questões que integram o objecto do recurso, qual é o preciso âmbito da impugnação deduzida – isto é, se o recurso visa uma impugnação da matéria de facto (devendo então especificar quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) ou também uma impugnação da solução jurídica da causa, cabendo-lhe então naturalmente, atentos os princípios da colaboração e da boa-fé e por forma a permitir também o cabal contraditório da parte contrária, especificar quais as normas ou interpretações normativas que tem por violadas, delimitando, assim, o objecto da actividade jurisdicional do tribunal hierarquicamente superior, ou seja o “ thema decidendum. “[5] As conclusões são o resumo ou condensação final das razões ou argumentos contidos nas alegações, e delimitam o conhecimento do tribunal ad quem. Neste sentido, por ser verdadeiramente elucidativo, transcreve-se parte do Ac RP de 8.03.2018: “Como destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015, a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos da revogação, modificação ou anulação da decisão. Rigorosamente, as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinária apresentados no sector da motivação. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. O papel relevante das conclusões foi indiscutivelmente reconhecido pelo legislador que no artigo 637.º, n.º 2 do Código de Processo Civil determina que o “requerimento do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade [...] ”, equiparando, em termos de efeitos jurídicos, a falta de alegação do recorrente e a ausência de conclusões nessa alegação, sancionando com o indeferimento do recurso qualquer uma dessas situações – artigo 641.º, n.º 2, b) do referido diploma legal. (…)Com a reforma introduzida em 2007 ao Código de Processo Civil, findou a possibilidade da falta de conclusões poder ser suprida mediante convite dirigido ao recorrente para proceder à sua formulação. O convite ao aperfeiçoamento só é consentido para as hipóteses hoje expressamente previstas no artigo 639.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, exigindo-se que, pelo menos, exista arremedo de conclusões, por muito incipiente que haja sido a sua formulação. Em situação em que era aplicável a pretérita lei processual civil, mas cujos fundamentos não se mostram invalidados pela entrada em vigor da lei actual, defendia o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 21-01-2014: “..., no regime processual aplicável, são passíveis de aperfeiçoamento as conclusões deficientes, obscuras, complexas ou incompletas; mas não é suprível a sua omissão pura e simples (cfr. art. 685.º-A, n.º 3, CPC) ”. Como dá conta o citado acórdão do STJ de 21.01.2014, “... é evidente que os [...] princípios da cooperação e do acesso ao Direito não podem ser invocados para - sem mais - neutralizar normas processuais de natureza especial e imperativa, nem outros princípios também estruturantes do (sub)sistema jurídico-processual, nomeadamente, os princípios da preclusão e da auto-responsabilidade das partes. Como (no tocante ao primeiro deste princípios e ainda ao da boa fé processual) já decidiu este Supremo Tribunal, “[o]s princípios da cooperação e da boa fé processual não se podem sobrepor […] ao princípio da auto responsabilização das partes, o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inactividade, e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas. “ Com efeito: Todo o direito consubstancia um sistema de normas de conduta suscetíveis de serem feitas respeitar. Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de atos jurídicos que é ordenado em função de determinados fins, inere ao direito processual a definição das consequências resultantes da prática de atos não admitidos pela lei, ou da omissão de atos e formalidades que a lei prescreva, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, cominações e preclusões. O acesso ao direito e à tutela judicial efetiva processa-se num quadro de regras processuais, regras sem as quais, aliás, não seria possível corresponder aos imperativos de celeridade, igualdade das partes e equidade que – entre outros valores - enformam a disciplina jus-constitucional desta matéria (art. 20.º, CRP).[6]“ Em reforço desta posição praticamente unânime da Jurisprudência cita-se o sumário do recente Ac STJ de 19/2/2021: «I. Nos termos do nº 1 do art. 639º do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. II. As conclusões delimitam o objecto do recurso, isolando as questões a que as alegações tenham, antes, dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir ao tribunal de recurso que identifique, com nitidez, as matérias a tratar. III. Quando o recorrente, depois de uma introdução/relatório, inicia a crítica à sentença impugnada, não é a designação de Conclusões que confere a esse exercício o carácter que o termo sugere, se o que aí se desenvolve são os argumentos (não antes apresentados) tendentes à revogação da sentença, sem que se possa estabelecer, a partir de certa altura, uma fronteira que marque a elaboração de verdadeiras conclusões, ou seja, a síntese dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão recorrida. IV. A falta de conclusões, que é o que, in casu, se verifica, gera a rejeição do recurso, não havendo lugar a aperfeiçoamento.»[7] No caso em apreço, como resulta evidente da peça recursiva por si apresentada, nela o Recorrente não efectuou qualquer síntese ou condensação das razões e fundamentos por si aduzidos no corpo das alegações, tendo-se limitado a expor as suas razões de discordância da sentença recorrida (motivação), a aludir aos preceitos legais violados e a pedir a revogação da sentença recorrida. A cominação legal para a falta de conclusões é a do indeferimento do recurso, sendo que o incumprimento do ónus de formulação de conclusões cai no âmbito do princípio da autorresponsabilização das partes, uma vez que, querendo recorrer, as partes devem fazê-lo nos prazos e pela forma consagrada na lei, não devendo ser subvertido o sistema dos referidos ónus mediante a aplicação inadequada dos princípios de agilização ou adequação processual. Aliás, como tem sido, de resto, sobejamente evidenciado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais às partes e em que a lei prevê uma determinada cominação ou consequência processual para o incumprimento de tal ónus, as exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, não afastam a liberdade de conformação do legislador, liberdade esta que é, pois, compatível com a imposição de ónus processuais às partes, desde que os mesmos não se mostrem arbitrários ou desproporcionados quando confrontada a dificuldade da conduta imposta à parte com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão. [8] O ónus imposto ao Recorrente de apresentação de conclusões não é de todo arbitrário, destina-se a delimitar o objecto do recurso e, sendo de fácil concretização, é, pois, proporcionada a consequência determinada pela lei para a sua completa omissão. “No direito atual a fase da interposição do recurso guia-se pelos princípios dispositivo e da concentração dos atos processuais. (…)O requerimento de recurso deve conter a respectiva fundamentação e pedido. Para tanto, o recorrente deverá cumprir os ónus estruturais de alegação e de formulação de conclusões- i.e, o ónus de enunciar os fundamentos específicos do pedido de recurso- conforme exigido pelos artigos 637º nº 2 e 639º. Dentro das alegações, há uma função lógica que apenas cabe ás conclusões: individualizar o objecto do recurso, ao indicar o(s) fundamento(s) específico(s) da recorribilidade (cf. O artigo 637º nº 2) e, sendo o caso, o segmento decisório concretamente impugnado (cf. artigo 635º nº 4). Daí ser pacífico o entendimento da jurisprudência que é pelas conclusões que o recorrente delimita, efectivamente, o objecto do recurso. Simetricamente, a presença das conclusões permite a “viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações”(STJ 26-5-2015/Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1(HÉLDER ROQUE). Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial. Deste modo, o objecto do recurso é composto pelo pedido, individualizado pelas conclusões, com que se fecham as alegações. A falta de alegações ou de conclusões não admite aperfeiçoamento e determina a rejeição liminar do recurso (cf. Artigo 641º nº 2 al.b)) ou o seu não conhecimento pelo tribunal ad quem ( cf. Artigo 652º nº 1 al. b)). (…) Uma falta absoluta de alegações consiste na ausência efetiva de afirmações com uma funcionalidade demonstrativa; enquanto que uma falta de conclusões consiste na ausência de afirmações consequentes daquelas mesmas. Em suma: por qualquer destas razões o requerimento de recurso não contém fundamentos, á semelhança de uma petição inepta por falta de causa de pedir.”[9] É, ainda, de salientar que a circunstância de o recurso ter sido admitido pelo Tribunal de 1ª instância, não vincula este Tribunal da Relação, como emerge do preceituado no artigo 641º, n.º 5 do CPC. Na senda da Jurisprudência e Doutrina praticamente unânime nesta matéria, acima exaustivamente transcrita, a omissão absoluta de conclusões conduz, inelutavelmente, ao não conhecimento do recurso pelo Tribunal Superior, o qual não deve formular qualquer convite ao aperfeiçoamento das conclusões porque não pode ser aperfeiçoado o que não existe.[10] Assim sendo, com a apresentação do requerimento de interposição de recurso em 17.11.2021 ( Refª Citius 93926) contendo apenas alegações e, com omissão absoluta de conclusões, ficou precludido o direito do Recorrente apresentar conclusões em requerimento posterior, como o pretendeu fazer no requerimento de 17.01.2022 ( Refª Citius 558315), consubstanciando essa junção intempestiva a prática de um acto que nem a lei lhe permite, nem por despacho judicial lhe foi permitido, razão pela qual as aditadas conclusões não poderão ser tomadas em consideração para nenhum efeito. Pelo exposto, afigurando-se-nos que o recurso em apreço é totalmente destituído de conclusões para os efeitos previstos no artigo 639º, n.º 1 do CPC e, como tal, não é passível de ser objecto de convite ao aperfeiçoamento, o presente recurso não pode ser conhecido, ficando prejudicado qualquer julgamento de mérito. * IV. DECISÃO Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a reclamação, confirmando a decisão singular oportunamente proferida, que se mantém, de não conhecimento do recurso interposto pelo Recorrente Instituto Tecnológico do Gás, em conformidade com o disposto nos artigos 641º, n.º 2, al. b) e 652º, n.º 1 al. b), ambos do CPC. Custas pelo Recorrente, pois que nele ficou vencido – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Notifique. Lisboa, 24-2-2022 Maria da Luz Teles Meneses de Seabra Eurico José Marques dos Reis (voto vencido conforme declaração que se segue) Carlos M G de Melo Marinho * DECLARAÇÃO DE VOTO (DE VENCIDO) PROC. Nº 185/21.2YHLSB.L1 VISTO N.º 05/2022 (1) * 1. Pelas razões a seguir indicadas, divirjo da posição que fez vencimento no acórdão de que esta declaração de voto de vencido faz parte integrante. 2. Para justificar esse voto, é indispensável começar por recordar que, antes da entrada em vigor do DL n.º 303/2007, de 24 de agosto, que introduziu o art.º 685º-A no CPC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28/12/1961, o regime que vigorava, no que tange à regulação da forma a que deviam obedecer os requerimentos de interposição de recursos, estava estabelecido no art.º 687º desse diploma (CPC 1961), em cujo n.º 3 se estabelecia que “Junto o requerimento ao processo, será indeferido quando se entenda que a decisão não admite recurso, ou que este foi interposto fora de tempo, ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer. Mas não pode ser indeferido com o fundamento de ter havido erro na espécie de recurso: tendo-se interposto recurso diferente do que competia, mandar-se-ão seguir os termos do recurso que se julgue apropriado.”. 3. Essa regulação estava em linha com o estatuído no art.º 690º do CPC aprovado pelo Decreto n.º 29637, de 28 de maio de 1939, no qual se previa que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá pela indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho. Na falta de alegação, o tribunal superior não conhecerá do recurso; se a alegação não tiver conclusões, deve o juiz ou o relator convidar o advogado a indicar os fundamentos do recurso, sob pena de se não tomar conhecimento deste.” (sendo que no Código de Processo Civil aprovado pela Carta de Lei de 8 de novembro de 1876 não existia uma norma disciplinadora dessa matéria). 4. Acontece que, a certa altura - e o DL n.º 303/2007, de 24 de agosto, constitui uma perfeita corporização desse desígnio -, começou a ser importante “procurar dar resposta à notória tendência de crescimento de recursos cíveis”, em suma, ais não seja aparentemente, tornou-se imperioso, ou talvez mesmo vital, reduzir as “pendências” dos processos em Tribunal, tendo, para alcançar esse objectivo, sido incrementadas uma série de medidas de carácter administrativo que tiveram como resultado uma muito significativa diminuição dessas “pendências” e, não surpreendentemente, também do número de processos entrados em Tribunal. 4. Que esse desiderato tenha sido alcançado à custa da imposição de limitações ao acesso ao sistema judiciário e judicial das entidades que interagem no comércio jurídico, desde o agravamento das custas processuais até à introdução no Ordenamento Jurídico nacional de normas como o então art.º 685º-A no CPC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28/12/1961 e que corresponde ao art.º 639º do CPC em vigor (aprovado pelo DL n.º 41/2013, de 26 de junho), foi algo que não causou qualquer sobressalto na comunidade jurídica e no resto da Sociedade nacional, antes tendo essas medidas legislativas sido acolhidas favoravelmente quer pela Doutrina quer pela Jurisprudência, a qual é, efectivamente, esmagadoramente maioritária - sendo a interpretação daquele art.º 639º, e em especial do n.º 3 desse normativo, que fez vencimento no acórdão de que este voto de vencido faz parte integrante, uma emanação dessa Jurisprudência, da qual resultaram inegáveis ganhos no que respeita à certeza da aplicação do Direito, conceito que em Portugal surge associado à designada segurança jurídica. 5. Curiosamente, na língua inglesa, a expressão usada é apenas legal certainty, e, em boa verdade, certeza jurídica e a segurança jurídica não são, em termos lógicos e ontológicos (isto é, conceptualmente), a mesma coisa, já que pode existir certeza e uniformidade na interpretação e aplicação do direito sem que os destinatários dessa interpretação e aplicação se sintam com ela seguros, tranquilos e em paz (ou que exista tranquilidade pública e paz social - conceitos que, de igual modo, são bem distintos daqueles outros, e, em termos de garantia da consistência do tecido social comunitário, não menos importantes que eles). 6. Em todo o caso, é indubitável que, apesar de, em face de algumas perspectivas éticas, sociais e até morais, essa solução legislativa poder ser questionável, a mesma, em si própria, não é inconstitucional, nem viola as disposições insertas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa (também chamado “Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”). 7. Facto que, efectivamente, não é irrelevante, especialmente porque a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas (art.º 6º do Código Civil). 8. E, que fique claro, sou um firme defensor da aplicação, em todas as circunstâncias (e não apenas no âmbito da tramitação dos processos judiciais), da ética da responsabilidade que deveria ser apanágio de todos os que interagem no comércio jurídico - e que a todos eles tem de ser exigida porque a mesma lhes é exigível à luz dos Valores e Princípios estruturantes das Comunidades que se organizam segundo o modelo social do Estado de Direito - e também entendo que litigar em Juízo constitui uma actividade portadora de uma significativa valoração ética e de uma enorme responsabilidade social, razão pela qual a mesma não pode ser desenvolvida de ânimo leve e de forma descuidada. 9. Mas, nestes tempos de um quase absoluto (se não mesmo total) predomínio do post-modernista “pensiero debole” (v. Gianteresio - Gianni - Vattimo e Pier Aldo Rovatti in “Il pensiero debole”, Feltrinelli, Milão - 1983), e das despudoradas e desenvergonhadas “realidades alternativas” e “fake news”, que tanto fazem recordar o “duplipensar” que foi apresentado à Humanidade no distópico “1984” de George Orwell (pseudónimo literário de Eric Arthur Blair), torna-se, isso sim, vital e indispensável reafirmar e (re)vivificar, com grande intensidade, os princípios éticos que estão na base e dão estrutura e consistência às Comunidades Sociais que, como Portugal, integram a unidade cultural e política que é identificada pela denominação “Cultura Ocidental” e da qual emergem conceitos (que têm mesmo de corresponder a práticas sociais efectivas) tão importantes como são “Estado de Direito” e “Democracia”. 10. A invocação, que só aparentemente é grandiloquente - no mau sentido do termo (se é que há um “bom” sentido do mesmo - e excessivamente despropositada, destes valores surge a propósito do estatuído no n.º 5 do art.º 639º do CPC em vigor (aprovado pelo DL n.º 41/2013, de 26 de junho), que já o era no art.º 685º-A, introduzido no CPC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28/12/1961, pelo DL n.º 303/2007, de 24 de agosto, no qual se estabelece que o disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei. 11. E por que motivo ou ao abrigo de que Princípio Ético ou tão só Valor Social merece o Ministério Público usufruir deste privilégio (ainda que reduzido aos casos em que recorra por imposição da lei)? 12. Muito sinceramente, não consigo vislumbrar um que seja - bem pelo contrário. 13. Na realidade, a República Portuguesa é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art.º 1 da Constituição da República) e um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa (idem, art.º 2º), o que significa que os cidadãos do país são isso mesmo, cidadãos e não súbditos do Estado. 14. E porque assim é, o Estado e todos os seus organismos têm de ser ontologicamente concebidos como meros instrumentos/utensílios que existem apenas e unicamente como um meio de que a Comunidade - e os cidadãos e cidadãs individuais que a compõem - se serve(m) para alcançar as finalidades que foram escolhidas, democraticamente e por maioria, como objectivos a prosseguir por essa mesma formação social comunitária, sendo, no mínimo, ilógico - e, na verdade, ética e socialmente inaceitável, atribuir ao Estado e a algum dos seus organismos privilégios (de natureza processual ou de outra) de que os cidadãos e cidadãs não podem usufruir. 15. Isto muito especialmente quando é certo e sabido que o funcionamento dos Tribunais é financiado pelas quantias pagas a título de custas pelos intervenientes processuais (mas não pelo Ministério Público que está isento do pagamento das mesmas - art.º 4º n.º 1 a) do RCP), mas sobretudo (e sobremaneira) pelos impostos pagos pelos contribuintes. 16. O que torna o estabelecimento a favor do Ministério Público desse privilégio previsto no n.º 5 do actual art.º 639º do CPC em vigor (aprovado pelo DL n.º 41/2013, de 26 de junho), moralmente ainda mais injusto e ética e socialmente mais injustificado, já que, como nunca poderá ser esquecido, pese embora essa corporação constitua um corpo especial de altos funcionários do Estado, a mesma, ao contrário do que acontece com o Juízes (que são titulares de um Poder de Soberania independente), integra, ainda que com a autonomia que lhe é própria, a Administração Pública, juntamente com os demais órgãos do poder central, regional e local (actualmente, art.º 3º da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, norma que corresponde, palavra por palavra, ao texto do art.º 2º da Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, e ao do art.º 2º da Lei n.º 39/78, de 5 de julho). 17. Daí que tenha forçosamente de concluir-se que essa inequívoca e indesmentível desigualdade processual constitui uma também inequívoca e indesmentível violação do princípio da proibição da desigualdade injustificada estabelecido no art.º 13º da Constituição da República e da dignidade e da liberdade individuais salvaguardadas e protegidas pelos artºs 1º e 2º dessa Lei Maior. 18. Claro que esta inconstitucionalidade poderia igualmente ser resolvida com o entendimento de que seria esse n.º 5 daquele art.º 639º do CPC em vigor a norma inconstitucional votada ao desaparecimento. 19. Acontece, porém, que como resulta do ensinamento consubstanciado no vetusto, por várias vezes milenar, mas perene brocardo latino favorabilia amplianda odiosa restringenda, na interpretação das normas legislativas deve (tem de) ser sempre privilegiado o entendimento do qual decorra uma mais ampla faculdade de exercício dos direitos em causa - aqui, o direito de recorrer de uma decisão prejudicial para a parte recorrente e por ela reputada de infundamentada, injustificada e não conforme aos comandos jurídicos em vigor e aplicáveis a resolução do conflito submetido ao poder de cognição do Tribunal. 20. E, neste caso, esse entendido é o que estabelece que todos os intervenientes processuais devem (têm de) gozar do privilégio actualmente apenas atribuído ao Ministério Público, havendo, portanto, que ser repristinado, pela sua clareza (inexistente no texto original do CPC de 1961), o disposto no art.º 690º do CPC aprovado pelo Decreto n.º 29637, de 28 de maio de 1939, no qual, para o que aqui releva, se previa que “se a alegação não tiver conclusões, deve o juiz ou o relator convidar o advogado a indicar os fundamentos do recurso, sob pena de se não tomar conhecimento deste.”. 21. E, nesta conformidade e, com os fundamentos expressos nesta declaração de voto de vencido, teria declarado inconstitucional, na sua totalidade, o actual art.º 639º do CPC em vigor, e teria convidado o Instituto recorrente a apresentar as suas conclusões formais, após o que procederia à apreciação do mérito ou demérito da apelação deduzida por esse litigante. 22. E, expostas, naturalmente, em termos muito sumários e de forma muito resumida, estas são as razões da apresentação desta minha declaração de voto de vencido. Lisboa, 24/02/2022 (Eurico José Marques dos Reis) _______________________________________________________ [1] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, p. 165 [2] A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, p. [3] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V volume, 1984, pág. 359. [4] Amâncio Ferreira, ob. cit, pág. 167 e Aveiro Pereira, O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, pág. 31, acessível in www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf. [5] AC STJ de 6.12.2012, relator Lopes do Rego, www.dgsi.pt. [6] Proc nº 1822/16.6T8AGD-A.P1 , www.dgsi.pt [7] Proc. Nº 3657/18.2 T8LRS.L1.S1, www.dgsi.pt [8] Vide, ainda, sobre a matéria, com maior desenvolvimento e referência a vários arestos do Tribunal Constitucional, Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I volume, UCP, 2ª edição revista, 2017, pág. 321-322. [9] Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, Volume I, p. 292 ss [10] Ac STJ de 8/9/2021, Proc. Nº 51/17.6T8PVZ.P1.S1 |