Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1817/22.0T8FNC.L1-4
Relator: PAULA POTT
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Nulidades da sentença – Impugnação da matéria de facto – Denúncia do contrato pela trabalhadora – Renuncia da empregadora à indemnização prevista no artigo 401.º do Código do Trabalho – Cláusula condicional – Consequência típica da violação de deveres acessórios integrantes da prestação principal – Responsabilidade obrigacional da trabalhadora nos termos do artigo 323.º do Código do Trabalho – Falta de comprovação do dano e do nexo causal


(Sumário da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



Resumo do litígio na primeira instância
1.O litígio entre as partes prende-se essencialmente com a cessação do contrato de trabalho por iniciativa da recorrida (trabalhadora) nas seguintes circunstâncias: a recorrida, que tinha a categoria profissional de técnica oficial de contas, demitiu-se no inicio de Abril de 2021, pondo termo ao contrato de trabalho a partir de 29.4.2021; a recorrente aceitou prescindir da antecedência prévia e das indemnizações previstas no artigo 401.º do Código do Trabalho (CT) mediante a aceitação, pela recorrida, de que encerraria a  contabilidade relativa ao ano de 2020 das empresas cuja contabilidade lhe estava confiada e faria as declarações anuais de Informação Empresarial Simplificada (IES); o que a recorrida não  fez ou fez de modo incompleto, com erros ou atrasos; para cumprir os prazos legais e rectificar esses erros foi necessário que quatro trabalhadores e a gerente da recorrente, fizessem esse trabalho; adicionalmente, desde 2019, a recorrida prestava trabalho em concorrência com a recorrente, no horário de trabalho e usando ferramentas e recursos da recorrente; nos termos do artigo 323.º n.º 1 do CT a autora (empregadora) pretende ser ressarcida pelos danos sofridos, resultantes do pagamento dos salários a 25% dos seus recursos humanos para fazerem e/ou corrigirem as tarefas que incumbiam à recorrida, e pelos danos sofridos com a concorrência, assim como pelo prejuízo que poderá resultar para a recorrente caso venham a ser intentadas, pelas suas clientes, acções de responsabilidade civil em consequência da actuação ilícita da recorrida.

2.Foi nesse contexto que a recorrente/autora/empregadora, intentou a presente acção, pedindo ao Tribunal a condenação da recorrida/ré/trabalhadora, a pagar-lhe o valor de 55 531,05 euros, por prejuízos emergentes da violação, pela trabalhadora, das obrigações emergentes do contrato de trabalho, assim como o valor que vier a liquidar-se em execução de sentença, por prejuízos que advierem à recorrente caso venha a ser demandada pelas suas clientes com base em responsabilidade civil.

3.A ré contestou, por via de excepção e de impugnação, pugnado pela improcedência do pedido.

4.Por sentença de 30.3.2023 (referência citius 53203848), o Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo do Trabalho do Funchal (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.

Recurso para o Tribunal da Relação

5. Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente veio interpor o presente recurso, no qual impugnou a decisão sobre a matéria de facto e a decisão de direito, pedindo o seguinte:

“Termos em que, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa deverá alterar a sentença recorrida e, consequentemente, declarar [a] procedente o presente recurso, com as legais consequências, nomeadamente a procedência total do pedido inicial.

Alegações da recorrente
6. Nas suas alegações de recurso vertidas nas conclusões, a recorrente defende, em síntese, meios que o Tribunal agrupa como se segue:

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
  • Com base nas declarações de parte da legal representante da recorrente, M, no depoimento das testemunhas N, O, P e Q e nos documentos 3, 15-A, 20, 21, 37, 38 e 46*, devem ser considerados provados os seguintes factos:

i. A autora afetou um elemento da gerência e quatro trabalhadores, durante, pelo menos, o período compreendido entre o início do mês de Maio e meados do mês de Julho de 2021 (cf. conclusão xv);
ii. Foi necessário corrigir a contabilidade realizada pela Ré, do ano 2020, relativamente ao Centro Paroquial de Santo António, IPSS, no que concerne aos [aos] saldos [que se] desconformes com a informação documental disponível (cf. conclusão xx)
iii. Foi necessário corrigir a contabilidade realizada pela Ré, do ano 2020, relativamente às empresas Defarimari e Cidade Material, cujos saldos de fornecedores se mostravam desconformes com a informação documental disponível cf. (conclusão xx).
iv. Foi necessário corrigir a contabilidade realizada pela Ré, do ano 2020 relativamente à empresa [Manifestbravery] (cf. conclusão xx).
v. Porque a Ré não procedeu, como lhe incumbia, foi necessário que outra colaboradora fizesse todos os lançamentos do primeiro trimestre de 2021, da empresa Rent2U. (cf. conclusão xxiii)
vi. Porque a Ré não procedeu, como lhe incumbia, foi necessário que outra colaboradora fizesse todos os lançamentos do primeiro trimestre de 2021, das empresas Defarimari, Cidade Material e Play Ar (não está no acervo dos factos provados nem dos não provados (cf. conclusão xiii);
vii. Porque a Ré não procedeu, como lhe incumbia, foi necessário que outra colaboradora organizasse as capas da empresa Lobosteel do ano 2021 (cf. conclusão xxiii).

* A recorrente não indica se se trata de documentos juntos à petição inicial e não se afigura possível ordenar o aperfeiçoamento, uma vez que, ao abrigo do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil não existe, quanto ao recurso da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição, Almedina, página 198). O Tribunal julga perceber, da numeração dos documentos indicada na motivação do recurso, que se trata dos documentos juntos à petição inicial.

Erro no meio processual
  • Por falta de aplicação do disposto no artigo 607.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) que prevê que o Tribunal reabra a audiência para resolver as dúvidas que subsistem sobre os factos.
Impugnação da decisão de direito
  • Nulidade da sentença recorrida, prevista no artigo 615.º n.º 1 – b)**do CPC por não especificar os fundamentos de facto e de direito para julgar que os salários pagos pela recorrente à recorrida, por trabalho não executado ou deficientemente executado, não constituem um dano indemnizável;
  • Nulidade da sentença recorrida, prevista no artigo 615.º n.º 1 – d)** do CPC por omissão de pronúncia sobre a indemnização pedida pela recorrente correspondente aos salários que pagou aos quatro trabalhadores e à gerente, durante um mês e meio, para fazerem ou corrigirem o trabalho que a recorrida não fez ou fez defeituosamente;
  • Nulidade da sentença recorrida, prevista no artigo 615.º n.º 1 – c)** do CPC, por oposição entre a decisão e os seus fundamentos (a saber, a violação ilícita e culposa dos deveres contratuais da recorrida e o pagamento dos salários à recorrida e aos trabalhadores da recorrente que fizeram/corrigiram o trabalho da recorrida);
  • Erro de direito da sentença recorrida ao julgar que não constituem danos resultantes da falta de diligência e zelo da recorrida, a diminuição patrimonial, diminuição de produtividade e diminuição dos lucros da recorrente, correspondentes aos valores pagos apurados nos pontos 64 a 70 dessa sentença.

**A recorrente refere-se às alíneas do n.º 1 do artigo 617.º do CPC, mas trata-se provavelmente de um lapso de escrita, como resulta do seu contexto, uma vez que o artigo 617.º n.º 1 do CPC não tem alíneas e as nulidades invocadas correspondem às previstas nas correspondentes alíneas do n.º 1 do artigo 615.º n.º do CPC, que o Tribunal levará em conta.

Contra-alegações da recorrida

7. A recorrida não contra-alegou.

Parecer do Ministério Público
8. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação emitiu parecer, ao abrigo do disposto no artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), defendendo que a sentença recorrida deve ser confirmada e alegando, em síntese, que:
  • Cabia à recorrente demonstrar os pressupostos da responsabilidade civil, como prevê o artigo 342.º do Código Civil (CC);
  • Não tendo a recorrente demonstrado dois desses pressupostos – o dano e o nexo de causalidade adequada – a sentença recorrida não merece censura.

Respostas ao parecer do Ministério Público
9. A recorrente respondeu ao parecer do digno magistrado do Ministério Público, defendendo, em síntese, que, embora não tenha provado os danos emergentes da concorrência desleal, alegou e provou os restantes danos e o nexo causal entre a conduta ilícita e os danos. Pelo que deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene a recorrida a pagar o valor pedido.

10. A recorrida respondeu ao parecer do digno magistrado do Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso.

Delimitação do âmbito do recurso

11.Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, vertidas nas conclusões:

A. Nulidades da sentença

B. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto e erro no meio processual

C. Erro de direito na apreciação do dano e do nexo causal

Factos
12. Nota prévia: os factos provados e não provados serão a seguir reunidos, respectivamente, em dois parágrafos e elencados com a indicação, entre parêntesis, da numeração/alínea, constante da decisão recorrida, para facilitar a leitura e as remissões.  

13. Factos provados:
(1) A autora é uma sociedade que tem por objecto social a análise e elaboração de contabilidade, estudos económicos e formação em informática.
(2) No dia 1 de Junho de 2012, a autora e a ré celebraram um contrato de trabalho a tempo certo – tempo parcial, nos termos do qual a ré foi admitida ao serviço da autora para desempenhar, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, as funções inerentes à categoria de técnico oficial de contas.
(3) A partir de Agosto de 2013, a ré passou a desempenhar as suas funções a tempo inteiro, convertendo-se o contrato em contrato sem termo, por via das sucessivas renovações.
(4) No início de Abril de 2021, a ré rescindiu o contrato de trabalho celebrado com a autora, com efeitos a 29 de Abril de 2021.
(5) A ré comprometeu-se a proceder ao encerramento da contabilidade do ano de 2020, submetendo as respectivas declarações de rendimentos respeitantes ao ano de 2020 e concluindo as declarações anuais de informação empresarial simplificada (IES).
(6) A autora assinou um documento particular datado de 26 de Fevereiro de 2021, como se se tratasse de uma rescisão feita com a antecedência prévia, abdicando, assim, do pagamento das indemnizações previstas no art. 401.º do Código do Trabalho, com a contrapartida da realização das obrigações a que se comprometeu a ré.
(7) Quando a autora, através da sua gerente, M, questionava a ré sobre se o trabalho já tinha sido realizado a ré respondia “vou fazer”.
(8) A autora incumbiu a ré de realizar a contabilidade das seguintes sociedades: Lobosteel – Estruturas metálicas, Unipessoal, Lda.; Rent2u, Lda.; Centro Social e Paroquial de Santo António (IPSS); Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda.; Cidade Material, Lda.; Play Art, Lda.; Defarimari, Lda; Manifestbravery, Lda. e Pax Phalesia.
(9) A ré tinha em seu poder toda a documentação dessas empresas e era responsável pela realização e contabilização dos valores de abertura e pelas reconciliações bancárias.

(10) A autora redistribuiu entre si e quatro colaboradores do gabinete as contabilidades que estavam a cargo da ré.

(11)***

***O facto provado (11) com a redacção que se segue, foi suprimido do elenco dos factos, por ser conclusivo, conforme será mencionado infra na análise da questão B:

A contabilidade da empresa Rent2u, Lda. requer cuidados redobrados pela sua dimensão.

(12) A ré efectuou o movimento de abertura do exercício de 2020-01-01 a 2020-12-31, isto é, a passagem dos saldos de 2019 para 2020, da empresa Rent2u, Lda., pela primeira vez, a 18 de Setembro de 2020.

(13) A ré procedeu a movimentos de abertura com fornecedores trocados, fazendo constar os respectivos valores como “crédito”, tendo de ser corrigidos pela autora para “débito”.

(14) A ré procedeu a lançamentos de banco não finalizados e com documentos em falta.

(15) A ré procedeu aos lançamentos de booking, na conta fornecedores, com valores desconformes com os documentos que lhe foram entregues.

(16) A ré não contabilizou pagamentos de facturas da empresa Rent2U, Lda. com comprovativos de pagamento agrafados.

(17) Existiam recibos verdes sem a dedução de IVA e sem retenção contabilizada, datados de 31/03/2020, que apenas foram registados na contabilidade a 26/05/2021.

(18) A ré lançou facturas de 26/05/2020 e de 29/05/2020 em Outubro de 2020.

(19) No mês de Outubro de 2020, tiveram de ser lançadas 241 facturas de compras, que foram entregues à ré até 30/09/2020, para não se proceder à substituição de todas as declarações de IVA do ano de 2020 entregues.

(20) A autora teve de realizar correcções de pagamentos e facturas que não estavam contabilizadas correctamente.

(21) A ré lançou obras na conta designada 622132, conta destinada a serviços especializados-trabalhos especializados, quando deveriam ser lançadas na conta de investimentos.

(22) As despesas em causa deviam ser consideradas imobilizado, porque se tratava de um custo a acrescer no imobilizado que depois foi vendido.

(23) A ré submeteu, em 24 de Fevereiro de 2021, uma declaração de IVA, referente ao período de 2020/12T, da empresa Rent2U, Lda., da qual resultava um crédito de imposto a favor desta de € 16.729,31 (dezasseis mil, setecentos e vinte e nove euros e trinta e um cêntimos).

(24) Os colegas que substituíram a ré no acompanhamento desta empresa, verificaram que a ré não lançou todas as compras que a empresa efectuou ao longo do ano e tiveram de contabilizar tais aquisições no último trimestre de 2020, a fim de evitar a substituição de todas as declarações periódicas do ano.

(25) Em consequência, em 25 de Junho de 2021, foi submetida uma declaração de substituição de IVA, referente ao período de 2020/12T, da empresa Rent2U, Lda., da qual resultava um crédito de imposto a favor desta de € 33.036,50 (trinta e três mil e trinta e seis euros e cinquenta cêntimos).

(26) Relativamente à empresa Play Art, Lda., a autora teve de reabrir o ano de 2019, para perceber os valores introduzidos e contabilizados pela ré.

(27) No ano de 2019, a ré lançou na contabilidade as saídas de dinheiro da empresa.

(28) E lançou contabilisticamente as entradas de dinheiro na conta bancária, como se se tratassem de depósitos de caixa.

(29) As entradas de dinheiro deviam ser lançadas como transferências, dado que provinham de uma conta caucionada e de um pagamento realizado pelo Instituto de Desenvolvimento Empresarial.

(30) Na contabilidade desta empresa a ré lançou salários da gerência na conta de pessoal.

(31) A ré submeteu, em 22 de Maio de 2020, uma declaração de IVA, referente ao período de 2020/03T, da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., da qual resultava um crédito de imposto a favor desta de € 8.619,20 (oito mil seiscentos e dezanove euros e vinte cêntimos).

(32) A ré submeteu, em 22 de Agosto de 2020, uma declaração de IVA, referente ao período de 2020/06T, da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., da qual resultava um crédito de imposto a favor desta de € 8.271,13 (oito mil duzentos e setenta e um euros e treze cêntimos).

(33) A ré submeteu, em 16 de Novembro de 2020, uma declaração de IVA, referente ao período de 2020/09T, da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., da qual resultava um crédito de imposto a favor desta de € 9.228,45 (nove mil duzentos e vinte e oito euros e quarenta e cinco cêntimos).

(34) A ré submeteu, em 23 de Fevereiro de 2021, uma declaração de IVA, referente ao período de 2020/12T, da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., da qual resultava um crédito de imposto a favor desta de € 9.298,63 (nove mil duzentos e sessenta e oito euros e sessenta e três cêntimos).

(35) A contabilidade da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda. teve de ser integralmente relançada.

(36) Em consequência, em 6 de Julho de 2021, foi submetida uma declaração de substituição de IVA, referente ao período de 2020/03T, da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., da qual resultava um crédito de imposto a favor desta de € 8.734,93 (oito mil setecentos e trinta e quatro euros e noventa e três cêntimos).

(37) Em 6 de Julho de 2021, foi submetida uma declaração de substituição de IVA, referente ao período de 2020/06T, da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., da qual resultava um crédito de imposto a favor desta de € 8.918,74 (oito mil novecentos e dezoito euros e setenta e quatro cêntimos).

(38) Em 6 de Julho de 2021, foi submetida uma declaração de substituição de IVA, referente ao período de 2020/09T, da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., da qual resultava um crédito de imposto a favor desta de € 9.752,30 (nove mil setecentos e cinquenta e dois euros e trinta cêntimos).

(39) Em 6 de Julho de 2021, foi submetida uma declaração de substituição de IVA, referente ao período de 2020/12T, da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., da qual resultava um crédito de imposto a favor desta de € 9.831,50 (nove mil oitocentos e trinta e um euros e cinquenta cêntimos).

(40) A ré contabilizou como pagas facturas de fornecedores que tinham associado um débito directo no mês seguinte.

(41) A ré disse à autora que, relativamente à empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., de Setembro a Dezembro de 2020, nada havia a lançar.

(42) A contabilidade que foi encontrada dentro das capas da Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., que a ré devolveu, teve de ser lançada por outro colaborador.

(43) A ré fez um extracto contabilístico da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., do período desde 2020-01-01 até 2020-12-31, referente à conta 12002 – depósito à ordem – Santander, com 3 páginas.

(44) Com as correções e lançamentos, promovidas por outro funcionário da autora, o extracto passou a ter 6 páginas.

(45) A ré fez um extrato contabilístico total da empresa Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda., do período desde 2020-01-01 até 2020-12-31 com 91 páginas.

(46) Com as correções e lançamentos, promovidas por outro funcionário da autora, o extracto passou a ter 122 páginas.

(47) Na contabilidade da empresa Lobosteel, Estruturas Metálicas Unipessoal, Lda., no final do ano de 2020, encontravam-se em falta créditos a bancos na ordem dos € 500.000,00 (quinhentos mil euros) e os valores de clientes e fornecedores não coincidiam com a documentação disponibilizada pelo cliente.

(48) A ré não contabilizou as despesas de refeição e gasóleo pagas por esta empresa, em numerário, no ano de 2020.

(49) Em consequência, em Maio de 2021, os colaboradores da autora tiveram de registar na contabilidade despesas pagas em dinheiro.

(50) Na contabilidade da empresa Lobosteel – Estruturas Metálicas, Unip., Lda. a ré não lançou, durante o ano de 2019, notas de crédito, num valor global de € 57.445,52 (cinquenta e sete mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos).

(51) A ré dispunha da documentação da empresa Lobosteel – Estruturas Metálicas, Unipessoal, Lda. e de ferramentas de trabalho da autora ao seu dispor.

(52) Em consequência, a empresa Lobosteel – Estruturas Metálicas, Unipessoal, Lda. pagou € 11.489,10€ (onze mil, quatrocentos e oitenta e nove euros e dez cêntimos) de IRC a mais do que era devido.

(53) A ré não procedeu à organização física dos documentos como é instruído pela autora, de acordo com os seguintes separadores: separador de compras, separador de bancos, separador de caixa, separador de diversos, de vendas, salários e de IVA.

(54) A documentação em suporte físico de papel foi deixada pela ré desorganizada.

(55) A nível informático, a pasta informática da ré, ligada ao servidor, que deveria conter todos os documentos enviados por correio eletrónico dos clientes, não os continha.

(56) Os colaboradores da autora, que assumiram a contabilidade das empresas da ré, tiveram de organizar e lançar os documentos em causa.

(57) No ambiente de trabalho do computador da ré existiam pastas com informação de empresas que não eram clientes da autora.

(58) Designadamente das empresas B, C, D, E, F e H.

(59) A ré tinha ainda recibos de renda eletrónicos de J emitidos em 23 de Março de 2018 a K, a L e ao Clube de Futebol M, Futebol SAD.

(60) A ré tinha na pasta informática currículos seus.

(61) A ré já tinha concorrido para a AT-RAM - Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais, no âmbito do procedimento concursal publicitado pelo Aviso n.º 632/2020, publicado no JORAM, n.º 224, II Série, de 27 de Novembro de 2020.

(62) E concorreu para o Instituto de Segurança Social da Madeira, -IP-RAM, onde foi admitida.

(63) No ano de 2021, a autora tinha 19 colaboradores ao seu serviço.

(64) N, colaborada da autora, no ano de 2021, auferia mensalmente € 693,00 de vencimento bruto, € 130,20 de subsídio de alimentação, € 83,16 de outros abonos, descontando a título € 27,00 de IRS e € 85,38 para a segurança social.

(65) M, gerente, auferia mensalmente € 1.060,00 de vencimento bruto, € 167,86 de subsídio de alimentação, € 124,74 de outros abonos, descontando a título € 133,00 de IRS e € 130,32 para a segurança social.

(66) O, colaborada da autora, no ano de 2021, auferia mensalmente € 682,00 de vencimento bruto, € € 130,20 de subsídio de alimentação e € 75,02 para a segurança social.

(67) P, colaborada da autora, no ano de 2021, auferia mensalmente € 1.060,00 de vencimento bruto, € 130,20 de subsídio de alimentação, € 41,58 de outros abonos.

(68) Q, colaborada da autora, no ano de 2021, auferia mensalmente € 693,00 de vencimento bruto e € 130,20 de subsídio de alimentação, descontando a título € 19,00 de IRS e € 76,23 para a segurança social.

(69) No ano de 2020, a autora auferiu um total ilíquido de € 14.204,95 e no ano de 2021 um total ilíquido de € 5.603,26.

(70) A autora pagou, a título de seguro de acidentes de trabalho, a quantia de € 519,15 referente ao período de 01/01/2020 a 31/03/2020, a quantia de € 519,15 referente ao período de 01/04/2020 a 30/06/2020, a quantia de € 519,15 referente ao período de 01/07/2020 a 30/09/2020, a quantia de € 519,13 referente ao período de 01/10/2020 a 31/12/2020, a quantia de € 519,15 referente ao período de 01/01/2021 a 31/03/2021 e a quantia de € 519,15 referente ao período de 01/04/2021 a 30/06/2021.

14. Factos não provados:

(a) Uma cliente solicitou à ré que requeresse os apoios destinados aos membros dos órgãos estatuários (gerência), no âmbito das medidas estatais de apoios financeiros implementados com a pandemia ocasionada pelo COVID-19, uma vez que a sua empresa tinha sofrido quebras nos rendimentos, motivadas pelo encerramento do seu estabelecimento por imposição do Governo Regional.

(b) A ré submeteu tal pedido no último dia de entrega, por insistência da cliente, tendo inclusive respondido a esta que se tratava de um valor baixo, e disse-lhe: “São só 400,00€!”

(c) Outros clientes reclamaram à autora porque entregaram à ré os documentos comprovativos de pagamentos de facturas e esses pagamentos não constavam da conta-corrente dos seus fornecedores.

(d) A ré não procedeu a qualquer contabilidade das empresas que lhe estavam atribuídas, desde o início do ano de 2021.

(e) O gabinete de contabilidade e consultadoria da autora funciona desde 28 de Fevereiro de 1991, sem qualquer reclamação e com boa reputação no mercado regional onde se insere.

(f) A autora afectou um elemento da gerência e quatro colaboradores da empresa, durante o período de um mês e meio, para corrigir o trabalho da ré.

(g) A ré prestava trabalho para as empresas descritas em 58), pelo menos desde o ano de 2019, no seu horário de trabalho e com uso das ferramentas e recursos da autora.

(h) Os currículos que a ré tinha no seu computador foram [os] que preparou e enviou no local de trabalho.

Quadro legal relevante

15. Tem relevo para a apreciação do recurso o quadro legal seguinte:

Código do Trabalho ou CT
Artigo 11.º
Noção de contrato de trabalho
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

Artigo 115.º
Determinação da actividade do trabalhador
1 - Cabe às partes determinar por acordo a actividade para que o trabalhador é contratado.
2 - A determinação a que se refere o número anterior pode ser feita por remissão para categoria de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou de regulamento interno de empresa.
3 - Quando a natureza da actividade envolver a prática de negócios jurídicos, considera-se que o contrato de trabalho concede ao trabalhador os necessários poderes, salvo se a lei exigir instrumento especial.
Artigo 126.º
Deveres gerais das partes
1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.
2 - Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.

Artigo 127.º n.º 1 – b)
Deveres do empregador
1 - O empregador deve, nomeadamente:
(...)
b) Pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho; (...).

Artigo 128.º n.º 1 – c)
Deveres do trabalhador
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
(...)
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência; (...).

Artigo 135.º
Condição ou termo suspensivo
Ao contrato de trabalho pode ser aposta, por escrito, condição ou termo suspensivo, nos termos gerais.

Artigo 323.º
Efeitos gerais do incumprimento do contrato de trabalho
1 - A parte que faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à contraparte.
2 - O empregador que faltar culposamente ao cumprimento de prestações pecuniárias é obrigado a pagar os correspondentes juros de mora à taxa legal, ou a taxa superior estabelecida em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou acordo das partes.
3 - A falta de pagamento pontual da retribuição confere ao trabalhador a faculdade de suspender ou fazer cessar o contrato, nos termos previstos neste Código.

Artigo 340.º - h)
Modalidades de cessação do contrato de trabalho
Para além de outras modalidades legalmente previstas, o contrato de trabalho pode cessar por:
(...)
h) Denúncia pelo trabalhador.

Artigo 351.º
Noção de justa causa de despedimento
1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;
m) Reduções anormais de produtividade.
3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

Artigo 401.º
Denúncia sem aviso prévio
1 - O trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável ao trabalhador a quem tenha sido reconhecido o estatuto de vítima de violência doméstica, nos termos de legislação específica.

Código de Processo do Trabalho ou CPT
Artigo 1.º
Âmbito e integração do diploma
1 - O processo do trabalho é regulado pelo presente Código.
2 - Nos casos omissos recorre-se sucessivamente:
a) À legislação processual comum, civil ou penal, que directamente os previna;
b) À regulamentação dos casos análogos previstos neste Código;
c) À regulamentação dos casos análogos previstos na legislação processual comum, civil ou penal;
d) Aos princípios gerais do direito processual do trabalho;
e) Aos princípios gerais do direito processual comum.
3 - As normas subsidiárias não se aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste Código.

Código Civil ou CC
Artigo 220.º
(Inobservância da forma legal)
A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.

Artigo 236.º
(Sentido normal da declaração)
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

Artigo 237.º
(Casos duvidosos)
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Artigo 270.º
(Noção de condição)
As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.

Artigo 286.º
(Nulidade)
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

Artigo 342.º
(Ónus da prova)
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

Artigo 343.º
(Ónus da prova em casos especiais)
1. Nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
2. Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.
3. Se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu; se o direito estiver sujeito a condição resolutiva ou a termo final, cabe ao réu provar a verificação da condição ou o vencimento do prazo.

Artigo 361.º
(Valor do reconhecimento não confessório)
O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente.

Artigo 366.º
(Falta de requisitos legais)
A força probatória do documento escrito a que falte algum dos requisitos exigidos na lei é apreciada livremente pelo tribunal.

Artigo 368.º
(Reproduções mecânicas)
As reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão.

Artigo 373.º
(Assinatura)
1. Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar.
2. Nos títulos emitidos em grande número ou nos demais casos em que o uso o admita, pode a assinatura ser substituída por simples reprodução mecânica.
3. Se o documento for subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler, a subscrição só obriga quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor.
4. O rogo deve igualmente ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante.

Artigo 374.º
(Autoria da letra e da assinatura)
1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.

Artigo 376.º
(Força probatória)
1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.

Artigo 562.º
(Princípio geral)
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Artigo 563.º
(Nexo de causalidade)
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Artigo 564.º
(Cálculo da indemnização)
1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

Código de Processo Civil ou CPC
Artigo 5.º n.º 3
Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal
(...)
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

Artigo 193.º
Erro na forma do processo ou no meio processual
1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.

Artigo 414.º
Princípio a observar em casos de dúvida
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

Artigo 466.º
Declarações de parte
1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.

Artigo 607.º
Sentença
1 - Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6 - No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta

16. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos mencionados ao longo da fundamentação:

Doutrina
  • António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, II, Direito Individual, Almedina
  • António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição, Almedina
  • Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora Limitada
  • João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 4.ª Edição, Almedina
  • Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina
Jurisprudência
  • Acórdãos do TEDH, Kraska contra a Suíça, processo 13942/88, parágrafo 30 e Van de Hurk contra os Países Baixos, processo 16034/90, parágrafo 61, disponíveis em https //hudoc.echr.coe
  • Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 2312/20.8T8PNF.P1, disponível em dgsi.pt

Apreciação do recurso

A. Nulidades da sentença


17. A recorrente defende que a sentença recorrida enferma de três nulidades correspondentes à violação das alíneas b), c) e d) do artigo 615.º do CPC, a saber: não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível; não se pronunciou sobre questões que devia apreciar ou conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.

18. Segundo este Tribunal julga perceber, quanto à nulidade da sentença, prevista no artigo 615.º n.º 1 – b) do CPC, a recorrente alega que tal nulidade existe pelo facto de não serem especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de julgar que os salários pagos pela recorrente à recorrida, por trabalho não executado ou deficientemente executado, não constituem um dano indemnizável; relativamente à nulidade da sentença, prevista no artigo 615.º n.º 1 – d) do CPC, a mesma tem por base a alegada omissão de pronúncia sobre a indemnização pedida pela recorrente correspondente aos salários que pagou aos quatro trabalhadores e à gerente, durante um mês e meio, para fazerem ou corrigirem o trabalho que a recorrida não fez ou fez defeituosamente; finalmente, a nulidade da sentença, prevista no artigo 615.º n.º 1 – c) do CPC, assenta na alegada oposição entre a decisão e os seus fundamentos (a violação ilícita e culposa dos deveres contratuais da recorrida e o pagamento dos salários à recorrida e aos trabalhadores da recorrente que fizeram/corrigiram o trabalho da recorrida).

19. As três nulidades invocadas pela recorrente, sintetizadas no parágrafo anterior, prendem-se com pretensas omissões, excessos, ambiguidades e/ou contradições da fundamentação da sentença recorrida, no que toca, essencialmente, à relevância jurídica dada aos salários pagos pela autora à ré (recorrida), aos quatro trabalhadores da autora e à sua gerente, assim como ao contexto em que foi prestado o respectivo trabalho.

20. A este propósito, o Tribunal começa por sublinhar que, não resulta de nenhum preceito legal, nem do ordenamento jurídico no seu todo, que o Tribunal tenha que se pronunciar sobre todos os argumentos invocados pelas partes

21.De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) sobre o dever de motivação das decisões judiciais (cf. artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), o Tribunal pode apenas pronunciar-se sobre os argumentos das partes que são pertinentes, ou seja, susceptíveis de influenciar a decisão do litígio, sem ter que apreciar todos os fundamentos alegados pelas partes mesmo que estas os considerem essenciais para a sua pretensão (cf. acórdãos do TEDH, Kraska contra a Suíça, processo 13942/88, parágrafo 30 e Van de Hurk contra os Países Baixos, processo 16034/90, parágrafo 61).

22. À luz do critério enunciado no parágrafo anterior, afigura-se que a sentença recorrida especifica os fundamentos de facto e de direito com relevo para a decisão, de forma inteligível, sem ambiguidade, contradição, omissão ou excesso, pelos seguintes motivos: a sentença recorrida indica os preceitos legais do Código do Trabalho, do Código Civil, do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados, assim como as cláusulas do instrumento de regulamentação colectiva do trabalho, que aplicou; explica a interpretação que o Tribunal a quo fez desses preceitos, para julgar que, não obstante a existência de um facto ilícito praticado pela ré (a  violação, pela ré, de alguns dos deveres emergentes do contrato de trabalho) não se verificaram o dano nem o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, requisitos cumulativamente exigidos para que exista obrigação de indemnizar. Contrariamente ao que defende a recorrente, o Tribunal a quo, na sentença recorrida, enquadrou a matéria de facto provada, tendo-se referido na fundamentação jurídica, aos salários pagos à recorrida, aos quatro trabalhadores e à gerente da recorrente, assim como ao trabalho que desempenharam, na sequência da cessação do contrato de trabalho da recorrida, para explicar os motivos pelos quais julgou que tais despesas não constituem danos/prejuízos, sem que dai resulte nenhuma contradição.

23. Em consequência, afigura-se que a sentença recorrida se encontra suficientemente motivada e não enferma de nenhuma das nulidades previstas no artigo 615.º n.º 1 – b), c) e d) do CPC. Pelo que, improcede este segmento da argumentação da recorrente.

B. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto e erro no meio processual

24. A recorrente pede a inclusão dos factos i a vii enunciados supra no parágrafo 6, no elenco dos factos provados. Invoca como fundamento da sua pretensão meios de prova assentes nas declarações de parte da legal representante da recorrente, M, no depoimento das testemunhas O, N, P, Q e nos documentos 3, 15-A, 20, 21, 37, 38 e 46 juntos à petição inicial.

25. Para apreciar esta questão o Tribunal procedeu à reapreciação de toda a prova produzida, nomeadamente, dos depoimentos gravados nas sessões de audiência de julgamento de 26.9.2022, 30.1.2023, 31.1..2023, 22.2.2023 e 1.3.2023, pela ordem pela qual foram prestados, a saber, declarações de parte de M, depoimentos das testemunhas O, N, P e Q, R, S, T, U, V e X e depoimento de parte da ré, A.

26. Adicionalmente, o Tribunal levou em conta que a decisão que julgou nula a prova constante dos documentos 52, 54 e 55, juntos pela autora, não foi objecto de recurso; analisou, assim, os restantes documentos admitidos, de entre os 119 que foram juntos pela autora (cf. referências citius 4636333, 4637877, 4995611), assim como os 10 documentos juntos pela ré (cf. referência citius 4703084).

27. De acordo com o juízo autónomo deste Tribunal da Relação sobre o conjunto dos elementos de prova acima enunciados levados em conta pelo Tribunal a quo, em particular dos indicados pela recorrente para fundamentar a sua discórdia quanto à decisão sobre os factos, afigura-se que tais elementos de prova não determinam, no que respeita aos factos indicados no parágrafo 6, uma solução diversa daquela que foi adoptada pelo Tribunal de primeira instância, pelos seguintes motivos.

28. Antes de mais, o Tribunal começa por sublinhar que, se o facto (i) se encontra entre os factos não provados (cf. facto f) mencionado no parágrafo 14) e se os factos (v) e (vii) já se encontram entre os factos provados mencionados no parágrafo 13, o certo é que a recorrente não indica onde se encontram alegados os factos (ii), (iii), (iv) e (vi) mencionados no parágrafo 6, cuja inclusão no acervo dos factos provados pede e sobre os quais o Tribunal a quo não se pronunciou na decisão sobre a matéria de facto. Com efeito, tendo o Tribunal a quo dispensado a selecção da matéria de facto (cf. despacho de 24.11.2022 com a referência citius 52479046) impendia sobre a recorrente indicar em que articulado alegou os concretos factos que pretende ver aditados aos factos provados e/ou em que medida os mesmos se enquadram nas hipóteses previstas no artigo 5.º do CPC (aplicável ex vi artigo 1.º n.º 2-a) do CPT), sempre que os mesmos não tenham sido objecto de pronúncia pelo Tribunal. Isto, para dar resposta integral ao regime previsto no artigo 640.º n.º 1 - a) do CPC (aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT).

29. Não tendo a recorrente feito essa indicação, da análise da sentença recorrida, da petição inicial (cf. referência citius 4636356) e da resposta (cf. referência citius 4734287) resulta que:
  • O facto (i) (A autora afetou um elemento da gerência e quatro trabalhadores, durante, pelo menos, o período compreendido entre o início do mês de Maio e meados do mês de Julho de 2021), corresponde ao facto não provado f) na sentença recorrida; a realidade de tal facto não resulta da prova produzida como a seguir será explicado;
  • O facto (ii)  (Foi necessário corrigir a contabilidade realizada pela Ré, do ano 2020, relativamente ao Centro Paroquial de Santo António, IPSS, no que concerne aos [aos] saldos [que se] desconformes com a informação documental disponível), não está no acervo dos factos  provados nem dos não provados; a recorrente não indica onde foi alegado;  na petição inicial a recorrente alude ao Centro Paroquial de Santo António IPSS nos artigos 12 e 129 mas não alega este facto; na resposta não alega este facto; pelo que, o Tribunal a quo não tinha de pronunciar-se sobre ele, além de não resultar da prova produzida, como a seguir será explicado;
  • O facto (iii) (Foi necessário corrigir a contabilidade realizada pela Ré, do ano 2020, relativamente às empresas Defarimari e Cidade Material, cujos saldos de fornecedores se mostravam desconformes com a informação documental disponível), não está no acervo dos factos  provados nem dos não provados; a recorrente não indica onde foi alegado;  na petição inicial alude às empresas Defarimari Lda e Cidade Material Lda nos artigos 12 e 129 mas não alega este facto; na resposta não alega este facto; pelo que, o Tribunal a quo não tinha de pronunciar-se sobre ele, além de não resultar da prova produzida, como a seguir será explicado;
  • O facto (iv) (Foi necessário corrigir a contabilidade realizada pela Ré, do ano 2020 relativamente à empresa [Manifestbravery],  não está no acervo dos factos provados nem dos não provados; a recorrente não indica onde foi alegado;  na petição inicial alude à empresa Manifestbravery nos artigos 12 e 129 mas não alega este facto; na resposta não alega este facto; pelo que, o Tribunal a quo não tinha de pronunciar-se sobre ele, além de não resultar da prova produzida, como a seguir será explicado;
  • O facto (v) (Porque a Ré não procedeu, como lhe incumbia, foi necessário que outra colaboradora fizesse todos os lançamentos do primeiro trimestre de 2021, da empresa Rent2U), já resulta dos factos provados 10, 23, 24 e 25, cima transcritos no parágrafo 13;
  • O facto (vi) (Porque a Ré não procedeu, como lhe incumbia, foi necessário que outra colaboradora fizesse todos os lançamentos do primeiro trimestre de 2021, das empresas Defarimari, Cidade Material e Play Ar (não está no acervo dos factos provados nem dos não provados), não se encontra no acervo dos factos provados nem dos não provados; a recorrente não indica onde alegou este facto; na petição inicial alude às empresas Defarimari Lda e Cidade Material Lda nos artigos 12 e 129 mas não alega este facto; alude à empresa à Play Art, Lda nos artigos 38, 69, 73, 74 e 129 da petição inicial, mas não alega este facto; na resposta não alega este facto; pelo que, nem o Tribunal a quo tinha de pronunciar-se sobre ele, nem o mesmo resulta da prova produzida, como a seguir será explicado;
  • O facto (vii) (Porque a Ré não procedeu, como lhe incumbia, foi necessário que outra colaboradora organizasse as capas da empresa Lobosteel do ano 2021), já resulta do facto provado 56, acima transcrito no parágrafo 13.

30. Da apreciação feita no parágrafo anterior extrai-se que, os factos (ii), (iii), (iv) e (vi) enunciados no parágrafo 6, não foram alegados e por isso o Tribunal não tem que se pronunciar sobre eles por não se enquadrarem no disposto no artigo 72.º do CPT, nem na previsão do artigo 5.º n.º 1 do CPC cuja aplicação é ressalvada pelo artigo 72.º do CPT; os factos (v) e (vii) mencionados no parágrafo 6 já se encontram assentes nos factos provados; com efeito, o facto (v) está provado nos factos (10), (23), (24) e (25) e o facto (vii) está provado no facto (56) – acima transcritos no parágrafo 13 – pelo que não há que aditá-los à matéria de facto provada. Em consequência, improcede nessa parte a impugnação da matéria de facto.

31. Relativamente ao facto (i), mencionado no parágrafo 6, que o Tribunal a quo considerou não provado no facto f), mencionado no parágrafo 14, cabia à recorrente indicar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre tal facto (cf. artigo 640.º n.º 1 – b) do CPC).

32. A este propósito, são os seguintes documentos juntos à petição inicial correspondentes à numeração que a recorrente indica na motivação do recurso: documento 3 (mensagens de telemóvel trocadas entre a gerente da autora e a ré, das quais resulta que a primeira não conseguia encontrar certos documentos de suporte e assinalou faltas de lançamento na contabilidade da empresa Rent2U, tendo a ré respondido e dado algumas indicações); documento 15-A (do qual resultam faltas de informação quanto à organização da contabilidade da empresa Lobosteel); documentos 20, 21, 37, 38 (documentos de suporte da contabilidade da empresa Rent2U); e documento 46 (documento de suporte da contabilidade da empresa Lobosteel). Todos eles são documentos particulares impugnados pela ré no artigo 60 da contestação (cf. referência citius 4703084).

33. Ora, tendo tais documentos sido impugnados pela ré, aplicam-se as seguintes regras de direito probatório material: aos que não estão assinados, aplica-se o disposto no artigo 366.º do Código Civil (CC), sendo a sua força probatória apreciada livremente pelo Tribunal; aos que estão assinados ou se enquadram na situação prevista no artigo 373.º n.º 2 do CC, sem que a assinatura seja atribuída à ré, aplica-se o disposto nos artigos 374.º e 376.º n.º 1 do CC, não fazendo prova plena das declarações que contêm; às reproduções mecânicas, aplica-se o disposto no artigo 368.º do CC, não fazendo prova plena dos factos que representam, por terem sido impugnados pela ré.

34. Pelo que, os documentos mencionados no parágrafo 32, não fazem prova plena sobre os factos neles descritos; apreciados à luz dos critérios referidos no parágrafo anterior e em conjunto com a prova pessoal a seguir analisada, tais documentos não são suficientes para que o Tribunal fique convicto da realidade dos factos que a recorrente pretende ver incluídos na matéria de facto provada.

35. Os restantes documentos juntos pela autora (ressalvados os não admitidos como meio de prova, como já foi explicado), foram todos impugnados pela ré com excepção do documento 1 junto à petição inicial (que respeita à denúncia do contrato); trata-se de documentos de suporte contabilístico relativos a várias empresas, cópias de declarações fiscais, cópias de certidões/reproduções obtidas online para prova da constituição de sociedades, recibos, imagens/capturas de ecrã de mensagens, fotografias de documentos contabilísticos, avisos de concurso. O modo como tais documentos foram apreciados pelo Tribunal a quo, não infringe nenhuma das regras de direito probatório aplicáveis que suscite a necessidade de correcção por este Tribunal (cf. artigo 662.º n.º 2 do CPC, ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT), no que diz respeito aos factos enunciados no parágrafo 6.

36. Quanto à prova pessoal ouvida, das declarações de parte da legal representante da recorrente, M, do depoimento das testemunhas O, N, P e Q (cujos depoimentos a recorrente invoca para fundamentar a sua pretensão), o que se extrai é que, após a saída da recorrida, a contabilidade da lista de empresas que lhe estava confiada, foi distribuída pelos trabalhadores do escritório do Funchal incluindo a gerente,  que prosseguiram o trabalho da ré, como já se encontra provado no facto (10), mencionado no parágrafo 13, nuns casos completando esse trabalho e, noutros, rectificando-o. Esses trabalhadores e a gerente da recorrente deram prioridade a algumas das tarefas que anteriormente estavam confiadas à recorrida a partir de Maio e até meados de Junho de 2021, para cumprirem os prazos legalmente previstos de entrega das declarações fiscais das respectivas empresas. Esses trabalhadores continuaram a ter a seu cargo outras tarefas que já lhes estavam confiadas. O que resulta dos seus depoimentos e dos documentos acima mencionados é que passaram a acumular, com as tarefas que já tinham, o trabalho que até então era realizado pela ré e, nesse contexto, deram conta de certas faltas, ou tiveram dificuldade em encontrar certos documentos de suporte, nos termos que foram já dados como provados pelo Tribunal a quo, nos factos (23), (24), (25) e (56) transcritos supra no parágrafo 13. Isto, num contexto em que o trabalho da ré tinha sido feito até aí sob a supervisão da gerente da autora, em cujo nome a ré inseria os dados contabilísticos relevantes das empresas. É o que resulta do confronto entre as declarações de parte da gerente da autora, M (nessa parte sujeitas à livre apreciação do Tribunal, nos termos do artigo 466.º n.º 3 do CPC), o depoimento de parte da ré (nessa parte sujeito a livre apreciação pelo Tribunal, à luz do disposto no artigo 361.º do CC), e os depoimentos das testemunhas mencionadas no parágrafo seguinte, que trabalham para a autora e tiveram conhecimento directo dos factos, cujos depoimentos estão sujeitos à livre apreciação do Tribunal (cf. artigo 396.º do CC).

37. Em particular, a testemunha O, embora tenha detectado algumas falhas, que qualificou como graves, no trabalho feito pela ré, esclareceu que não parou as tarefas que já realizava até então, apenas passou a trabalhar menos nas empresas cuja contabilidade organizava antes de a ré sair, para poder cumprir, dentro dos prazos, o acréscimo de tarefas que lhe foram confiadas. Do depoimento da testemunha N resulta que, após o termo do contrato de trabalho da ré, lhe foram confiadas três das empresas que estavam confiadas à ré, nas quais já havia trabalho feito e trabalho por fazer; referiu que por isso teve de parar o seu trabalho, embora não especifique se tal se deveu adicionalmente, ao facto de os recursos humanos terem ficado subdimensionados com a saída da ré ou se se tratou de uma mera reorganização de prioridades para dar cumprimento aos prazos legais de entrega das declarações fiscais. As testemunhas Q e P, referem que partilharam entre si as tarefas relativas à contabilidade da empresa Lobosteel, que tinham estado confiadas à ré; nesse contexto, confirmaram ter verificado falhas que atribuem a desleixo da ré. Mas dos seus depoimentos não resulta que tenham parado o seu trabalho no que respeita aos outros clientes de que se ocupavam até aí, para fazer face a essas tarefas acrescidas, nem que a autora tenha afectado um grupo de trabalhadores ao desempenho exclusivo de tarefas que cabiam à recorrida durante um mês e meio. Nas declarações de parte da gerente da autora, M, esta refere o esforço feito por si e por quatro trabalhadores do escritório do Funchal, para completar dentro dos prazos e corrigir, o trabalho até então confiado à ré mas dai não resulta que não tenham desempenhado outras tarefas além dessas. As declarações de parte da gerente da autora, quanto aos factos aqui em questão não constitui confissão, pelo que, tal como a prova testemunhal acima mencionada, tais declarações estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal – artigos 396.º do CC e 466.º n.º 3 do CPC. Analisado o conjunto destes elementos de prova pessoal, não se afigura que deva ser alterada a resposta ao facto não provado f), como pretende a recorrente ao pedir a inclusão nos factos provados do facto (i) mencionado no parágrafo 6.

38. Dos 10 documentos juntos pela autora (certidões de habilitações académicas e profissionais; o documento particular assinado, contendo a denúncia do contrato, não impugnado pelas partes; cópias de mensagens, de publicações, de listas de remunerações/prestações) também não resulta a prova dos factos que a ré pretende sejam aditados à matéria provada, além do que já foi dado como assente.

39. Da análise da prova feita supra resulta que não se provou o facto (i) acima enunciado no parágrafo 6, que por isso deve manter-se entre os factos não provados – cf. facto não provado f). Adicionalmente, ainda que o Tribunal tivesse de pronunciar-se sobre os factos (ii), (iii), (iv) e (vi) referidos no parágrafo 6, quod non, dos documentos que foram validamente admitidos pelo Tribunal recorrido como meios de prova (decisão que nessa parte não foi objecto de recurso) confrontados com a prova pessoal acima mencionada, também não resulta a prova de tais factos. Quanto aos factos (v) e (vii) mencionados no parágrafo 6, como já foi explicado, os mesmos, na parte apurada, encontram-se já incluídos nos factos provados, pelo que não há que aditá-los.

40. Por fim, importa referir que, o ponto (11) da matéria provada transcrita supra no parágrafo 13, contém, não matéria de facto, mas meras conclusões. Assim sendo, afigura-se que, ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, este Tribunal deve corrigir oficiosamente essa patologia, eliminando da matéria facto – provada ou não provada – a matéria constante do ponto (11) acima transcrito no parágrafo 13, por não versar sobre factos e conter apenas conclusões.

41. No mais, na motivação da sua convicção quanto aos factos provados e não provados, o Tribunal a quo analisou criticamente os meios de prova, explicou de maneira lógica, compreensível e conforme às regras de direito probatório aplicáveis, os motivos da sua convicção. Pelo que, com excepção da modificação mencionada no parágrafo 40, não merece censura a restante parte da decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto.

42. Por último, segundo o Tribunal julga perceber, a recorrente critica a sentença recorrida defendendo que, se o Tribunal a quo tinha dúvidas, nomeadamente quanto à realidade do facto (i) mencionado no parágrafo 6, deveria ter reaberto a audiência. A este propósito, da fundamentação constante da sentença recorrida não se extrai que o Tribunal a quo tenha tido dúvidas, mas antes, que julgou que tal facto não resulta dos elementos de prova que analisou. Acresce que, ainda que assim não fosse, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem aproveita – artigo 414.º do CPC.

43. Isto, sem que o Tribunal tenha de reabrir a audiência ao abrigo do disposto no artigo 607.º n.º 1 do CPC, como alega a recorrente, uma vez que a reabertura da audiência prevista nesse preceito legal, além de depender da iniciativa do juiz, tem por objecto os casos em que, não estando o juiz suficientemente esclarecido, se lhe afigura plausível, com base em circunstâncias concretas, obter esclarecimentos adicionais acerca dos factos sobre os  quais deve pronunciar-se ao abrigo do artigo 5.º n.º 1 do CPC, como já foi explicado.

44. Porém, da análise dos meios de prova produzidos resulta que os mesmos são insuficientes (porque foram impugnados, porque são vagos, omissos ou ambíguos, como foi explicado na sentença recorrida e no presente acórdão) para convencer o Tribunal da realidade do facto não provado f) (a que corresponde o facto (i) mencionado no parágrafo 6). Pelo que, em tais circunstâncias, não se afigura plausível que a reabertura da audiência permita alcançar os fins previstos pelo artigo 607.º n.º 1 do CPC, já que essa norma não tem por finalidade uma pesquisa às cegas por parte do Tribunal ou a produção/repetição sem utilidade prática, de meios de prova.

45. Pelo que, não se afigura que tenha existido erro no meio processual (cf. artigo 193.º do CPC), por omissão de aplicação do disposto no artigo 607.º n.º 1 do CPC.

46. Em consequência, improcede este segmento da argumentação da recorrente, sem prejuízo da modificação da decisão de facto levada a cabo oficiosamente por este Tribunal.

C. Erro de direito na apreciação do dano e do nexo causal

47. A recorrente defende que o Tribunal a quo errou ao julgar que não constituem danos resultantes da falta de diligência e zelo da recorrida, nomeadamente não constituem diminuição patrimonial, diminuição de produtividade e diminuição dos lucros da recorrente, os encargos com salários/seguros de acidentes de trabalho, apurados nos pontos 64 a 70 da sentença recorrida (cf. factos provados 64 a 70, transcritos supra no parágrafo 13).

48. Para resolver esta questão o Tribunal começa por sublinhar que não está sujeito às alegações das partes em matéria de interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigo 5.º n.º 3 do CPC, aplicável por força do artigo 1.º n.º 2- a) do CPT).

49. Pelo que, sendo o objecto do presente recurso a discórdia quanto à apreciação dos pressupostos da obrigação de indemnizar a empregadora, que alegadamente recai sobre a trabalhadora, no contexto do cumprimento defeituoso das tarefas, no período que antecedeu a cessação do contrato de trabalho por denúncia da trabalhadora, como a seguir será explicado, convém recordar que o dever de indemnizar o empregador aqui em causa, pode ocorrer em duas situações: a prevista no artigo 401.º do CT e a prevista no artigo 323.º do CT. No caso do artigo 401.º do CT, trata-se da obrigação de o trabalhador pagar ao empregador a retribuição de base e diuturnidades correspondentes ao prazo do aviso prévio em falta e, eventualmente, uma indemnização por danos causados pela inobservância desse prazo, quando existe denuncia do contrato por parte do trabalhador. No caso do artigo 323.º do CT, trata-se da obrigação de o trabalhador indemnizar o empregador pelo incumprimento do contrato de trabalho.

50. Dito isto, o Tribunal apreciará a seguir os pressupostos da obrigação de indemnizar à luz de cada um dos preceitos legais acima indicados.

51. Para isso, convém levar em conta que, entre a autora/recorrente, como empregadora e a ré/recorrida, como trabalhadora, foi celebrado um contrato individual de trabalho, inicialmente a termo, mas que veio a tornar-se um contrato sem termo, tendo a ré a categoria profissional de técnica oficial de contas – cf. artigo 11.º do CT.

52. Esse contrato de trabalho terminou por denuncia escrita da recorrida/trabalhadora,  feita no início de Abril de 2021, com dispensa de aviso prévio por acordo entre a recorrente e a recorrida em aporem a data de 26.2.2021, respectivamente,  na declaração de denuncia e na declaração da sua recepção, constantes de documento assinado por ambas as partes (cf. factos provados acima enunciados nos pontos (4), (5) e (6) do parágrafo 13 e documento 2 junto à petição inicial/referência citius 463633, igualmente junto como documento 1 à contestação/referência citius 4703084) – cf. artigos 340.º - h), 401.º do CT.  

53. Com efeito, não sendo o acordo quanto à data do documento de denúncia uma verdadeira simulação por não se ter apurado o intuito de enganar terceiros (cf. artigo 240.º do CC), afigura-se que nada impede que a recorrente/empregadora, dispense o tempo de aviso prévio por acordo com a recorrida/trabalhadora, como sucedeu (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, página 1155).  

54. Assim, a cessação do contrato de trabalho ocorreu em 29.4.2021, data indicada na declaração de denuncia.

55. Sucede que as partes submeteram a produção dos efeitos da dispensa de aviso prévio acordada, à condição de a trabalhadora/recorrida, entre o início de Abril (data em que ocorreu efectivamente a declaração de denúncia) e o dia 29.4.2021 (data prevista para cessação do contrato de trabalho), encerrar a contabilidade do ano de 2020 das empresas que lhe estavam confiadas – cf. factos constantes dos pontos (4) a (6) do parágrafo 13 e artigo 270.º do Código Civil.

56. Ora, o litígio entre as partes gira em torno do alegado incumprimento dessa condição, pela recorrida.

57. Para apreciar essa questão, convém referir que, de acordo com a interpretação que o Tribunal faz do negócio jurídico à luz do disposto nos artigos 236.º e 237.º do CC,  se afigura que o acordo entre as partes constante dos factos provados (5) e (6) mencionados no parágrafo 13, consiste numa condição suspensiva (na medida em que as partes declaram que a dispensa de aviso prévio da qual resulta a renúncia da empregadora à indemnização prevista no artigo 401.º do CT, produz efeitos mediante a realização da condição), potestativa (porque consiste num comportamento da trabalhadora), a parte creditoris (pois a trabalhadora é a credora da dispensa de aviso prévio e da renúncia à indemnização, por parte da empregadora). Tal condição suspensiva produziu efeitos provisórios (efeitos prodrómicos) na expectativa da produção dos efeitos definitivos da renúncia, por parte da entidade patronal, à indemnização prevista no artigo 401.º do CT (cf. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora Limitada, páginas 553 a 570).

58. Dito isto, resulta do conjunto dos factos provados (cf. ponto (8) do parágrafo 13) que as tarefas que a recorrida deveria terminar, para que se verificasse a condição acima mencionada, respeitavam às nove empresas seguintes: (i) Lobosteel – Estruturas metálicas, Unipessoal, Lda.; (ii) Rent2u, Lda.; (iii) Centro Social e Paroquial de Santo António (IPSS); (iv) Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda.; (v) Cidade Material, Lda.; (vi) Play Art, Lda.; (vii) Defarimari, Lda; (viii) Manifestbravery, Lda.; (ix) Pax Phalesia.

59. Apurou-se que recorrida não realizou todas as tarefas, realizou algumas de forma incompleta ou com falhas, relativamente a pelo menos quatro das nove empresas mencionadas no parágrafo anterior, a saber, a Lobosteel – Estruturas metálicas, Unipessoal, Lda., a Rent2u, Lda, a Torre Bela Gardens, Unipessoal, Lda e a Play Art, Lda – cf. factos provados (11), (12), (16), (23), (25), (26), (31) a (34), (41) a (45), (47) a (51), (53) e (56) constantes do parágrafo 13.

60. Porém, os factos mencionados no parágrafo anterior referem-se a violações dos deveres de zelo e diligência da recorrida num período de tempo anterior à data em que foi feita a denúncia do contrato ou, relativamente às quais não foi apurada a data concreta. Ou seja, não se apurou o que é que a recorrida não fez, fez de forma incompleta, ou com falhas, após as declarações, de denuncia do contrato de trabalho, pela trabalhadora e de dispensa do aviso prévio, pela empregadora.

61. Neste contexto, colocam-se vários problemas ao Tribunal: o primeiro é saber se a condição suspensiva acima mencionada é admissível como condição da dispensa do  aviso prévio, ou se a condição apenas pode ser aposta ao contrato de trabalho no seu todo como resulta do artigo 135.º do CT; o segundo, é saber se se verificou essa condição, a quem cabia o ónus de provar a sua verificação e quais as consequências da falta de prova da sua verificação; e o terceiro, é o de saber se tal condição é ou não válida à luz do disposto no artigo 339º do CT.

62. A este propósito, o artigo 135.º do CT prevê a possibilidade de aposição de uma condição suspensiva ao negócio laboral, nos termos gerais, sendo aplicável o artigo 270.º do CC, mas não resolve expressamente a dúvida de saber se a cláusula condicional suspensiva pode ser aditada após a celebração do contrato de trabalho, neste caso, como condição da renúncia ao prazo de aviso prévio pela empregadora. O contrato de trabalho é muito “ponderoso”, mas tecnicamente fica em aberto a possibilidade de prever condições desde que estas sejam sérias, justificadas, esclarecidamente apostas e sirvam interesses comuns (António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, II, Almedina, página 604).

63. À luz deste enquadramento, embora a cláusula condicional, no caso em análise, sirva interesses comuns às partes e se mostre justificada, na falta de prova suficiente sobre os restantes requisitos indicados no parágrafo anterior, na ausência de previsão expressa no artigo 135.º do CT e tendo em conta a imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho que resulta do artigo 339.º do CT, afigura-se preferível, em resposta ao primeiro problema acima enunciado, julgar inadmissível (não permitida) a cláusula condicional que resulta dos factos (5) e (6) transcritos no parágrafo 13. O regime da condição não permitida é o que resulta do artigo 121.º n.º 1 do CT, à luz do qual, nas circunstâncias apuradas neste caso, se mantém eficaz a renuncia da recorrente ao direito de obter a indemnização prevista no artigo 401.º do CT (cf. António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, II, Almedina, página 603).

64. Mas, ainda que assim não fosse, quod non, a renúncia da recorrente ao pré-aviso produziria efeitos pelos seguintes motivos.
65. Tratando-se de uma condição suspensiva a parte creditoris, em resposta ao segundo problema acima enunciado, afigura-se que cabe à parte que dela beneficia, a prova da verificação da condição (cf. artigo 343.º n.º 3 primeira parte do CC). No entanto, não sendo a condição admissível, como já foi explicado, o ónus da prova dos requisitos da obrigação de indemnizar impende sobre a autora como resulta do artigo 342.º do CC.

66. Não sendo a condição permitida, fica prejudicada a solução do terceiro problema acima enunciado, de saber se uma condição suspensiva como a que está aqui em causa, teria de observar a forma escrita legalmente exigida pelo artigo 135.º do CPT sob pena de nulidade (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, páginas 240 a 241 e 294 a 295).

67. Por todo o exposto, fica afastada a obrigação da recorrida indemnizar a recorrente com base no disposto no artigo 401.º do CT.

68. Importa agora apreciar se a realização incompleta e/ou defeituosa das tarefas, enunciadas supra nos parágrafos 58 e 59, ocorrida anteriormente à data da declaração de denuncia do contrato de trabalho feita pela trabalhadora, pode dar origem à obrigação da recorrida/trabalhadora, indemnizar a recorrente/empregadora por incumprimento do contrato de trabalho, nos termos do artigo 323.º do CT

69. Para isso, o Tribunal começa por distinguir entre, por um lado, o dever principal do trabalhador, que consiste na prestação de trabalho, na sua actividade ou disponibilidade (cf. artigos 11 e 115.º do CT) e, por outro lado, os deveres acessórios do trabalhador (cf. artigo 128.º do CT). Os deveres acessórios, por sua vez, podem ser integrantes da prestação principal, por estarem estreitamente ligados ao seu cumprimento (eg. zelo e diligência) ou autónomos, por se manterem mesmo na situação de não prestação de trabalho ou de suspensão do contrato (lealdade, custódia). Subjacente ao cumprimento dos deveres acessórios, está o princípio da boa fé consagrado no artigo 126.º do CT. Esta distinção entre o dever principal e os deveres acessórios, permite determinar o alcance exacto do débito contratual que aqui está em jogo, como a seguir será explicado (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, páginas 327 a 330).

70. Dito isto, os deveres cuja violação está em crise no presente recurso são os deveres de zelo e diligência da trabalhadora/recorrida, previstos no artigo 128.º n.º 1 – c) do CT.  Trata-se de deveres acessórios integrantes da prestação principal, mas diferentes dela. A medida do zelo e diligência devidos deve ser aferida segundo o critério geral do bom pai de família, tendo em conta o contexto laboral concreto aqui apurado, nomeadamente a categoria profissional da trabalhadora, o modo como estava organizado o trabalho pela superior hierárquica da trabalhadora na empresa recorrente, a quantidade e a complexidade das tarefas entregues à recorrida, o tempo de que dispunha efectivamente para as completar até à cessação do contrato (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, páginas 345 e 346).

71. Assim, se à luz do critério e das circunstâncias mencionados no parágrafo anterior for de concluir que houve violação dos deveres de zelo e diligência – como resulta da sentença recorrida que nessa parte não foi impugnada – em regra a consequência é o despedimento do trabalhador com justa causa (eg. artigo 351.º n.º 2 – d) ou m) do CT).

72. Ou seja, tendo em conta a unidade do sistema jurídico na interpretação dos preceitos legais em análise (cf. artigo 9.º n.º 1 do CC), afigura-se que, para assegurar a compatibilidade entre o poder disciplinar e o regime de responsabilidade civil por incumprimento culposo do contrato de trabalho por qualquer das partes, a consequência típica da violação, pelo trabalhador, dos deveres laborais acessórios previstos no artigo 128.º do CT, não é o desencadeamento da responsabilidade civil prevista no artigo 323.º n.º 1 do CT, mas do poder disciplinar do empregador, devendo o artigo 323.º do CT aplicar-se preferencialmente quando existe violação dos deveres negociais principais das partes.

73. A este propósito, o Tribunal acompanha a seguinte doutrina (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do trabalho, Parte II, 9.ª edição, Almedina, páginas 699 e 700:

(...) e suscita-se ainda no âmbito do actual Código do Trabalho um problema de compatibilidade entre o poder disciplinar e o princípio geral em matéria de incumprimento do contrato, atualmente formulado no art. 323.º n.º 1 – i.e., um princípio de responsabilidade civil pelo incumprimento culposo do contrato por qualquer das partes. É que esta norma aponta, sobretudo, para o incumprimento dos deveres negociais das partes, com detaque para os deveres principais (de cujo incumprimento se ocupam, aliás, o artigo seguinte e as secções II e iV do mesmo capítulo), não resultando com clareza destas normas que também constitui incumprimento a violação culposa de qualquer dever acessório legal, organizacional, convencional colectivo ou decorrente de conceitos indeterminados, mesmo nos casos em que as prestações principais das partes sejam escrupulosamente executadas – situação que é, aliás, muito frequente na prática.”
(... )
De facto, a consequência típica da violação dos deveres laborais não é a responsabilidade civil do infractor, que só é actuada em casos raros ou após a cessação do vínculo, mas sim o recurso aos dois meios específicos de tutela que (...) a lei põe à disposição do empregador e do trabalhador: o poder disciplinar, meio normal de reacção do empregador à violação de qualquer dever pelo trabalhador; e o direito à greve, meio típico de reacção dos trabalhadores à violação dos deveres pelo empregador.”

74. Assim sendo, o meio normal de reacção da recorrente perante a violação, pela recorrida, dos deveres laborais de zelo e diligência, previstos no artigo 128.º do CT, acessórios da prestação principal, seria o exercício do poder disciplinar enquanto durasse o vínculo laboral.  Na falta de prova da violação, pela recorrida, do dever principal de prestação da actividade laboral a que estava obrigada ou de uma situação que, pela sua gravidade o justifique, afigura-se que, em regra não é de aplicar o artigo 323.º do CT (cf. Acórdão do Tribunal da relação do Porto, processo 2312/20.8T8PNF.P1). Em qualquer caso, para que tenha lugar a aplicação do artigo 323.º do CT, é necessário que a recorrente prove os pressupostos da responsabilidade obrigacional (cf. artigo 342.º do CC), nomeadamente a existência de um dano, cuja prova a recorrente não logrou fazer, como a seguir será explicado.

75.Com efeito, após a cessação do vínculo laboral, para que tenha lugar a aplicação do artigo 323.º do CT, é necessário que a recorrente alegue e prove os requisitos da responsabilidade civil obrigacional. O artigo 323.º n.º 1 do CT consagra o princípio básico do direito das obrigações contido no artigo 798.º do CC. Assim, no plano dos factos, a inexecução de tarefas ou parte delas, pela recorrida, como já foi mencionado, faz presumir a culpa da recorrida (cf. artigo 799.º do CC), presunção que envolve a de ilicitude (cf. António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, II, Direito Individual, Almedina, página 815).

76. No entanto, mesmo após a cessação do vínculo laboral, só em casos graves é que o princípio consagrado no artigo 323.º do CT permite alcançar o resultado pretendido pela recorrente, já que:

(...) a generalidade das violações de deveres no quadro do trabalho não dá azo a prejuízos quantificáveis. Tudo quanto fique por cumprir é absorvido pela lógica da empresa, de tal modo que apenas casos graves originam prejuízos causalmente comprovados. Atrasos, desatenções conflitos, trabalho lento e desmotivado e assim por diante, embora sancionáveis, não permitem, em regra, quantificar danos, até porque tais factos são, em regra, compensados pelo esforço suplementar dos demais trabalhadores.” (cf. António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, II, Direito Individual, Almedina, página 816).

77. Ora, impendendo sobre a recorrente o ónus de provar os pressupostos da responsabilidade obrigacional que invoca (cf. artigo 342.º do CC), a dificuldade em provar os prejuízos e o nexo causal entre a falta de cumprimento das obrigações contratuais e esses prejuízos, resulta precisamente da circunstância de a violação, pela recorrida, dos deveres acessórios de zelo e diligencia, aqui apurada, se enquadrar na situação descrita no parágrafo anterior. Ou seja, o que a recorrida deixou por cumprir foi absorvido pela lógica da empresa e pelo esforço suplementar dos demais trabalhadores, sem que a recorrente tenha conseguido comprovar o nexo causal, nem quantificar danos, pois, embora tenha quantificado os encargos salariais, não se provou que teve maiores encargos com salários do que os que teria, caso não se tivesse verificado o incumprimento por parte da recorrida, como exige o artigo 562.º do CC.

78. Com efeito, não tendo existido despedimento com justa causa e não se tendo provado que a recorrida deixou de cumprir a obrigação principal, enquanto durou o contrato de trabalho manteve-se a obrigação da recorrente pagar a remuneração da recorrida, como decorre do artigo 127.º n.º 1 – b) do CT. Adicionalmente, não se provou que a recorrente tivesse feito despesas acrescidas com trabalhadores – nomeadamente pagamento de trabalho extraordinário – para executar e/ou rectificar as tarefas que a recorrida não prestou ou prestou defeituosamente. O que resulta dos factos provados mencionados nos pontos (64) a (70) do parágrafo 13 é que as tarefas que a recorrida deixou por fazer ou executou defeituosamente, foram compensadas pelo esforço suplementar dos outros trabalhadores sem que isso originasse aumento das despesas salariais da recorrente, como foi explicado no parágrafo anterior. Nesse contexto, não ficou demonstrado que o pagamento, pela recorrente, dos salários e encargos com trabalhadores da empresa, pelos quais foi distribuído o trabalho que estava confiado à recorrida, fosse devido à violação dos deveres de zelo e diligência por parte da recorrida. O que decorre dos factos provados é que eram trabalhadores da empresa cujos salários e encargos seriam pagos independentemente do facto de a recorrida ter executado ou não as tarefas que lhe estavam confiadas com zelo e diligência. Também não se provou o nexo de causalidade adequada entre a violação, pela recorrida, dos deveres de zelo e diligência e a diminuição do rendimento auferido pela recorrente (cf. facto constante do ponto (60) mencionado supra no parágrafo 13). Apurou-se que o imposto liquidado a uma das clientes da recorrente foi superior, devido a uma falta da recorrida no lançamento de notas de crédito em 2019 (cf. facto provado constante do ponto (52) mencionado supra no parágrafo 13) mas não se provou que isso tenha gerado prejuízos para a recorrente ou diminuído a sua clientela ou prestígio, nomeadamente, não se apurou que a cliente em questão se tenha queixado ou pedido à recorrente que a indemnizasse (cf. factos não provados constantes do parágrafo 14).

79. Assim, ainda que se tenha apurado a violação ilícita e culposa, pela recorrida, dos deveres acessórios de zelo e diligência, como já foi mencionado, o certo é que, tal como refere a sentença recorrida, que nessa parte não merece censura, a falta de cumprimento culposo desses deveres só dá lugar à obrigação de indemnizar se a recorrente, em consequência disso sofrer um dano (cf. artigos 562.º e 563.º do CC), no qual cabe o dano emergente e o lucro cessante, correspondente aos benefícios que a recorrente deixou de obter em consequência da lesão, como prevê o artigo 564.º do CC (cf. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 4.ª Edição, Almedina, página 1001).

80. Ora, pelos motivos acima explicados nos parágrafos 74 a 79, a violação dos deveres de zelo e diligência por parte da recorrida não deu azo a danos nem a prejuízos causalmente comprovados.

81. Pelo que, improcede totalmente o recurso e deve manter-se a decisão recorrida. 

Em síntese

82. A sentença recorrida encontra-se suficientemente motivada e não enferma de nenhuma das nulidades previstas no artigo 615.º n.º 1 – b), c) e d) do CPC.

83. Improcedem a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a invocação de erro no uso do meio processual previsto no artigo 607.º n.º 1 do CPC, pelos motivos acima indicados.

84. O Tribunal eliminou oficiosamente (artigo 662.º n.º 1 do CPC) o ponto (11) dos factos provados mencionados no parágrafo 13, por conter matéria conclusiva, sem que isso, porém, se repercuta na decisão de direito.

85. A dispensa de aviso prévio e a consequente renuncia da entidade patronal, à indemnização prevista no artigo 401.º do CT, produziu efeitos, pelo que, a indemnização pedida pela recorrente não pode proceder à luz desse preceito legal.

86. O meio normal de reacção da empregadora perante a violação, pela trabalhadora, dos deveres laborais acessórios de zelo e diligência, previstos no artigo 128.º do CT, é o exercício do poder disciplinar. A responsabilidade civil prevista no artigo 323.º do CT, aplica-se em casos excepcionais, nomeadamente quando há violação dos deveres negociais principais das partes ou depois de terminado o vínculo laboral.

87. Após a cessação do vínculo laboral, o princípio consagrado no artigo 323.º do CT mostra-se aqui insuficiente para alcançar o resultado pretendido pela recorrente, já que, a violação, pela recorrida, dos deveres acessórios de zelo e diligencia foi absorvida pela lógica da empresa e pelo esforço suplementar dos demais trabalhadores, sem que a recorrente tenha logrado comprovar os danos e o nexo causal, como exigem os artigos 563.º e 564.º do CC para que se verifique a obrigação de indemnizar.

88. Motivos pelos quais improcede o recurso.

Decisão

Acordam as Juízes desta secção em:

I. Alterar a matéria de facto nos termos acima enunciados neste acórdão.

II. Julgar totalmente improcedente o recurso e manter no mais a decisão recorrida.

III. Condenar a recorrente nas custas do recurso – artigo 527.º n.º 1 do CPC aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.



Lisboa, 11.10.2023


Paula Pott (relatora)
Maria José Costa Pinto (1.ª adjunta)
Manuela Fialho (2.ª adjunta)