Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ELEONORA VIEGAS (VICE-PRESIDENTE) | ||
Descritores: | DATA DA NOTIFICAÇÃO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PRESUNÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/29/2025 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO (405.º, CPP) | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Com a assinatura da notificação pelo Magistrado do Ministério Público, no próprio dia do seu envio por transmissão electrónica de dados, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, fica ilidida a presunção de que tal notificação só foi efectuada no terceiro dia posterior ao do envio da notificação, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Decisão: I. Relatório Veio o Ministério Público reclamar, nos termos do art. 405.º do Código de Processo Penal, do despacho de 10.12.2024 que não admitiu, com fundamento em extemporaneidade, o recurso interposto pelo Ministério Público do despacho que rejeitou a acusação pública deduzida nos autos. Alega, em síntese, que o recurso foi tempestivamente interposto, considerando a data em que deve presumir-se que foi notificado do despacho recorrido e a possibilidade de praticar o acto até ao terceiro dia útil depois do termo do prazo, sem pagamento de multa e sem manifestação da intenção de o praticar naquela data. Cumpre apreciar. * II. Fundamentação Da consulta dos autos resultam os seguintes factos com relevância para a decisão: 1. Por despacho de 6.10.2024 foi decidido rejeitar “a acusação pública deduzida nos presentes autos, por ser manifestamente infundada, nos termos do disposto no artigo 311.º. n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, alínea b), do Código de Processo Penal”, e determinado o arquivamento dos autos. 2. A notificação ao Ministério Público foi elaborada no Citius em 28.10.2024, tendo a Senhora Procuradora da República assinado electronicamente a notificação nessa mesma data – cfr. consta do documento do processo com a Refª 439679800; 3. O Ministério Público recorreu do despacho de 6.10.2024 por requerimento de 5.12.2024; 4. Sobre o que foi proferido o seguinte despacho (reclamado): “Recurso datado de 05-12-2024 Nos presentes autos foi proferido despacho, no dia 26-10-2024, tendo sido rejeitada a acusação pública, por ser manifestamente infundada, nos termos do artigo 311.º, n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, alínea b) do Código de Processo Penal. O despacho acima mencionado foi notificado ao Ministério Público no dia 28-10-2024 (cfr. notificação com a ref.ª n.º 439679800). Assim, o prazo de recurso, de 30 dias, iniciou-se no dia 29-10-2024 (cfr. artigo 411.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal). Desta forma, o prazo para interposição de recurso terminou no dia 27-11-2024. Porém, considera-se que o Ministério Público poderia, como qualquer sujeito processual, praticar o acto até ao 3.º dia útil de multa, sem a obrigação de a liquidar, nos termos do artigo 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 107.º-A do Código de Processo Penal (este último diploma legal remete ainda para a norma do Código de Processo Civil antigo, sendo que a sua redacção é igual à que está no actual, tendo apenas sido alterada a numeração do artigo), de acordo com a jurisprudência fixada acerca deste aspecto (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 18-04-2012, processo n.º 667/08.1GAPTL.G1-A.S1, relator: Oliveira Mendes, disponível in www.dgsi.pt.). Todavia, ainda assim, este prazo terminou no dia 02-12-2024. Posto isto, tendo o recurso dado entrada no dia 05-12-2024, considera-se que o mesmo é extemporâneo, motivo pelo qual não se pode admitir o mesmo, nos termos do artigo 414.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Pelo exposto, considera-se o recurso interposto pelo Ministério Público extemporâneo, pelo que se rejeita o mesmo. (…)” * Vejamos. A questão a decidir prende-se com a data da notificação do despacho recorrido ao Ministério Público, data a partir da qual se inicia o prazo para a interposição do recurso. No despacho reclamado considerou-se a notificação efectuada em 28.10.2024, data da elaboração/envio da notificação e da sua assinatura electrónica pela Senhora Procuradora da República. O Ministério Público alega na sua reclamação que as notificações enviadas para o Ministério Público são efectuadas por transmissão electrónica de dados, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, e que se presumem efectuadas no terceiro dia posterior ao do envio da notificação, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. Com efeito, da articulação do disposto no art. 113.º, n.º12 do CPP (e do art. 252.º, n.º2 do CPC, ex vi art. 4.º do CPP, que dispõe especificamente, com igual redacção, quanto às notificações ao Ministério Público), com o art. 25º nº 3 da Portaria nº 280/2013 de 26.08 resulta que as notificações enviadas para o Ministério Público são efectuadas por transmissão electrónica de dados, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no endereço electrónico http://citius.tribuanisnet.mj.pt, e presumem-se efectuadas no terceiro dia posterior ao do envio da notificação, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. No caso, 28.10.2024 foi a data em que a Magistrada do Ministério Público apôs a sua assinatura na notificação que lhe foi dirigida, electronicamente, nesse mesmo dia. A notificação serve para, nos casos em que não tenha que haver citação, dar conhecimento de um facto (art. 219.º, n.º2 do CPC). As regras de notificação de despachos e decisões ao Magistrado do Ministério Público são em tudo semelhantes às regras de notificação de qualquer mandatário judicial, não existindo qualquer prerrogativa legal que lhe conceda a possibilidade de o início do prazo que lhe for concedido - por lei ou por despacho judicial - ficar dependente da aposição da sua assinatura electrónica na notificação que lhe for dirigida, permitindo-lhe dilatar artificialmente o prazo concedido com o mero retardar da assinatura da notificação que fosse disponibilizada no sistema Citius – v. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7.11.2023, proc. 8573/20.5T8VNG.P1. Caso a notificação seja assinada pelo Ministério Público em data posterior à que se presume que a notificação foi feita (3 dias depois do seu envio, se for dia útil, ou no primeiro dia útil seguinte), terá tal presunção que ser ilidida, nos termos gerais, com a prova de que não recebeu a notificação até ao 3º dia útil depois do seu envio. Invoca o reclamante o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9.11.2014, proc. 3449/13.5TBPTM-B.E1 e as anotações feitas por Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Novo CPC”, a respeito da primeira Portaria n.º 114/2008, na redacção da Portaria n.º 1538/2008, de 30.12, que regulamentou a tramitação eletrónica de processos, e que foi revista pela Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, que “regula vários aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais”. Neste acórdão decidiu-se que a evidência de leitura da notificação por parte do Mandatário não tem a virtualidade de ilidir a presunção de conhecimento no terceiro dia útil seguinte ao envio da notificação. A assinatura da notificação enviada electronicamente não constitui uma evidência de leitura - neste caso, não existe uma assinatura pelo Mandatário e sim o registo, no Citius, da data e hora em que foi aberta a mensagem para leitura - e sim a notificação da Senhora Procuradora da República do despacho que rejeitou a acusação. A presunção de notificação no terceiro dia posterior ao do envio da notificação constitui precisamente isso, uma presunção. Uma ilação que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 350.º do Código Civil). Ora, no caso, a data em que a Senhora Procuradora da República tomou conhecimento (e para isso servia a notificação) de que foi proferido o despacho de rejeição da acusação e do conteúdo desse despacho, não é um facto desconhecido: foi na data em que apôs a sua assinatura na notificação que lhe foi enviada. Que outro acto era exigido para a concretização da notificação? Alega o reclamante que a presunção em apreço se mostra estabelecida em favor do destinatário da notificação e que apenas pode ser ilidida para alargamento do prazo e não para a sua redução. Trata-se de uma asserção extraída do comentário dos autores das “Primeiras Notas ao Novo CPC”, a propósito da anterior Portaria de 2008 e na sequência do expendido acerca da “dilação própria da distribuição postal, embora esteja em causa uma mensagem transmitida por meios electrónicos”. Sendo que se afigura não estar em causa um alargamento ou redução de qualquer prazo, nomeadamente de recurso, que está estabelecido no art. 411.º do CPP. Com a assinatura da notificação ficou ilidida a presunção de que tal notificação só ocorreu no terceiro dia posterior ao do seu envio. Neste sentido, v. o acórdão n.º 118/2024 da 2ª secção do Tribunal Constitucional, de 14.02.2024, proc. 1304/23. Tendo a notificação do Ministério Público ocorrido no dia 28.10.2024, o recurso interposto em 5.12.2024 é, como se decidiu no despacho reclamado, extemporâneo. Pelo que a presente reclamação deve ser considerada improcedente. * III. Decisão Pelo exposto, julgo improcedente a reclamação apresentada pelo Ministério Público. Notifique. *** Lisboa, 29.04.2025 Eleonora Viegas (Vice Presidente, com competência delegada) |