Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI POÇAS | ||
Descritores: | INTERESSE EM AGIR LEGITIMIDADE ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA PRESUNÇÃO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/22/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I – O arguido que admitiu os factos relativos à sua condenação carece de legitimidade e interesse em agir para recorrer, impugnando a decisão da matéria de facto, na parte que apenas respeita à coautoria imputada a outro arguido. II - O fundamento do erro notório na apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, não reside na desconformidade entre a decisão do julgador e aquela que seria a decisão da recorrente, se fosse ela a apreciar a prova. Tal discordância só poderá prevalecer através da impugnação ampla da matéria de facto. III - O facto de não existir prova testemunhal direta, nem pericial ou documental, não invalida a apreciação feita pelo Tribunal recorrido, que conjugando todos os elementos mencionados na fundamentação da decisão de facto permitiram concluir, com base em presunção, pela participação da arguida como coautora do crime imputado. IV – Não é inconstitucional a norma inscrita no artigo 127.º do CPP, interpretada no sentido de que a apreciação da prova, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, permite o recurso a presunções judiciais. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO No Juízo Central Criminal de Loures (Comarca de Lisboa Norte), foi proferido acórdão, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo em julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, decidem: Absolver os arguidos AA e BB da prática de duas contraordenações, por detenção ilegal de arma, previstas e puníveis pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea h), 11.º, n.ºs 10, 11 e 12, e 97, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. Condenar o arguido AA pela prática em co-autoria de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea e), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 ( cinco ) anos e 3 (três) meses de prisão Condenar a arguida BB pela prática em co-autoria de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea e), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 ( cinco) anos e 3 (três) meses de prisão Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante CC e, em consequência, condenar solidariamente os arguidos/demandados AA e BB a pagar ao demandante a quantia de € 198.102,00 (cento e noventa e oito mil cento e dois) euros (…)». * Inconformado, recorreu o arguido AA formulando as seguintes conclusões: «I - Interpõe o Arguido o presente recurso, por considerar que o Tribunal recorrido não apreciou devidamente a prova efetuada, porquanto entende que factos dados como provados no douto acórdão não encontram suporte na prova produzida, e consequentemente o Tribunal recorrido não subsumiu corretamente os factos ao direito, ou seja, fez um errónea interpretação e aplicação do direito; II - O Recorrente não se conforma com a pena aplicada, porquanto entende que existe falta e insuficiência de fundamentação para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova, nos termos do artº. 410, nº. 2, alíneas a) e c) do C. P. Penal. III - O artº. 428.º do C. P. Penal estabelece que o poder de cognição do Tribunal da Relação abrange sempre a decisão da matéria de facto, fixando o artº. 431.º do C. P. Penal que, mais do que conhecer de tal decisão, o Tribunal da Relação pode mesmo alterá-la, IV - O Recorrente entende que se impõe a modificação da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto, vem sindicá-la por via: - Dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP; e - Da impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do art. 412.º n.ºs 3, 4 e 6 do CPP. V - A convicção do Tribunal no que concerne à factualidade provada, decorreu apenas de presunções a que denomina de judiciais, e que no que respeita sobretudo, ao envolvimento e participação de ambos os arguidos, conforme, se admite no acórdão; VI - Nos termos do disposto no artº. 127º. do C. P, Penal, vigora no nosso ordenamento jurídico o principio da livre apreciação da prova, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, segundo as regras da experiência e livre convicção, assim a modificação da matéria de facto só tem cabimento quando se verifica que a convicção expressa pelo tribunal a quo não tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso, o que e ocorre no acórdão em apreço e ora recorrido; VII - Existem factos dados como provados, sem suporte nos meios de prova existentes no processo (prova testemunhal e documental), ou em contradição com os mesmos, que em consequência, deve ser modificada, conforme dispõe os artºs. 428º. e 431º. do C. P. Penal. VIII - Não se vislumbra de que prova, o Tribunal a quo se socorreu e assentou a sua convicção para dar como provado a participação de ambos os arguidos no furto, e em consequência para dar como provados a factualidade descrita nos Pontos 6, 7, 8, 9, 17, 19, 21, 32 a 34 IX - O Tribunal a quo não considerou factos cuja prova foi realizada e que constituem no entender do Recorrente matéria de facto relevante para a medida concreta da pena, e que se reporta às suas condições socio-economicas e familiares, mais concretamente, que: - O Arguido dispõe do apoio mãe, que o visita regularmente e lhe deposita quantias monetárias na conta do estabelecimento prisional; - Apresenta-se abstinente de substâncias tóxicas e ilícitas; - Tem um projecto de vida futuro, que passa por continuar livre de drogas e recuperar a sua vida em termos profissionais, familiares e sociais; - Tendo o apoio da sua mãe neste projecto de vida e uma vez passado o período de reclusão, conforme resulta do relatório social do Arguido e das suas declarações prestadas na sessão de 08.10.2024 - 11:18 a 13:16, designadamente a minutos 01:52:40 a 01:57:14; X - Uma decisão judicial cumpre o dever de fundamentação, conforme estipula o nº. 2 do artº. 374º. do C. P. Penal, quando os sujeitos processuais envolvidos, designadamente o Tribunal ad quem, são esclarecidos sobre a base jurídica e fática da decisão, o que não ocorre no acórdão recorrido; XI - A livre convicção e a dúvida razoável limitam e complementam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção, da valoração da prova e da sua apreciação, em obediência ao previsto no art. 127.º do C. P. Penal, exigindo, ainda, uma apreciação da prova motivada, crítica, objetiva, racional e razoável. XII - No acórdão recorrido dúvidas não restam que em vez da utilização destes dois critérios, repita-se da legalidade da produção, valoração da prova e da sua apreciação, apenas foi utilizado o principio da livre convicção e nunca o princípio da dúvida razoável; XIII - O principio da livre apreciação da prova libertou o juiz das regras da prova legal, mas não o desvinculou das regras da razão, ou seja não se trata de um poder discricionário, mas antes vinculado à exigência da fundamentação de facto, obrigando o juiz a justificar as suas escolhas evitando assim qualquer possibilidade de arbítrio no domínio da valoração da prova, decorrente de uma actuação dominada apenas pelas impressões, como é o caso, e que neste acórdão se designa de “regras de experiência e presunções legais”; XIV - De um acórdão temos que retirar qual o processo de formação da convicção do julgador, para garantir que a decisão da matéria de facto foi correta e assim também a própria transparência da decisão, de forma a permitir ao Tribunal superior fazer uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e qual o processo lógico-mental que lhe serviu de suporte. O que não sucede no acórdão recorrido; XV - Porquanto a fundamentação do acórdão resume-se à expressão de discricionariedade e arbitrariedade, assente em simples impressões sem justificar de forma plausível e coerente a razão da sua decisão, resumindo-se a fundamentação à utilização dos termos, entre outros, “não é credível”, “resulta da experiência comum” e “está bom de ver”, a que chamada erradamente de regras da experiência comum e presunções legais, sem qualquer encadeamento lógico e de raciocínio que a sustente; XVI - O acórdão recorrido padece do vício de insuficiência e falta para a decisão da matéria dada como provada, nos termos do artº. 410º., nº. 2, alínea a) do C. P. Penal; XVII - O Tribunal a quo formulou a sua convicção em presunções inconclusivas e insuficientes para a decisão, e sem o suficiente exame crítico, retirando conclusões arbitrárias e discricionárias, desconexas da prova produzida, sempre em prejuízo dos princípios da presunção da inocência ou in dubio pro reo, pelo que o acórdão padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artº. 410º. nº. 2 alínea c) do C. P. Penal. XVIII - O erro notório na apreciação da prova integra um vício da decisão, que só ocorre quando a convicção dos julgadores for inadmissível, contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum, o que é resulta do próprio acórdão recorrido bem como mediante a conjugação das regras da experiência comum; XIX - Não existe prova de que os arguidos tenham agido em execução de um plano previamente traçado, em comunhão de esforços e vontades, com o propósito, concretizado, de integrarem na sua esfera patrimonial bens e quantias patrimoniais de terceiros, e que ambos atuaram com o propósito de penetrar ilegitimamente no imóvel em causa, mais concretamente no quarto dos ofendidos, que se mostrava trancado com chave, para fazerem suas todas as quantias monetários e objetos que encontrassem, o que lograram alcançar; XX - Não existe prova direta (testemunhal, documental ou pericial) da participação da arguida no crime de furto qualificado, logo, que seja co-autora desse crime, a prova realizada resume-se à confissão do Arguido, declarações em que este assume em exclusivo a prática do crime de furto qualificado e que se considera que integra uma confissão integral e sem reservas, o que não foi valorado; XXI - A prova por presunções constitui um meio de prova legalmente previsto no art. 349.º do Código Civil, e a sua admissibilidade resulta do artigo 351º. do C. Civil, e fundam-se nas regras da experiência comum, daí que, havendo uma falha evidente na utilização de uma presunção judicial ou natural que resulte do texto da fundamentação de uma decisão da matéria de facto, tal corporiza um erro notório na apreciação da prova; XXII - Toda a presunção consiste em obter a prova de um determinado facto (facto presumido) partindo de um outro ou outros factos básicos (indícios) que se provam através de qualquer meio probatório e que estão estreitamente ligados com o facto presumido, de tal modo que se pode afirmar que, provado o facto ou factos básicos, também resulta provado o facto consequência ou facto presumido. XXIII - A presunção de inocência que impera em direito processual penal e as garantias judiciárias de defesa, constitucionalmente asseguradas (artigo 32º, 2, da Constituição da República Portuguesa) exigem que não sejam afectadas pela utilização de presunções judiciais, pelo que a sua utilização para determinar a culpa pela prática de um ilícito criminal tem de ser particularmente sólida, bem fundamentada, não dando margem para o erro judiciário: além da prova fundamentada dos factos básicos deve existir uma conexão racional forte entre esses factos e o facto consequência. XXIV - No acórdão recorrido, considera-se pacifico que o único facto básico que se encontra provado por prova direta, mais concretamente pela confissão do Arguido, é prática do furto qualificado por este, com base neste único facto básico não se pode demonstrar o facto presumido, ou seja, a participação da Arguida no furto; XXV - Os fundamentos invocados pelo Tribunal para justificar a co-autoria não permitem estabelecer, sem outras provas, a presunção judicial da co-autoria do crime de furto, pois que para poder operar a presunção judicial tinha de ser provado mais algum facto periférico ou interrelacionado com o mesmo. O que não acontece; XXVI - Não existe presunção judicial mas sim a expressão de discricionariedade e arbitrariedade, assente em simples impressões subjectivas sem se justificar de forma plausível e coerente a razão da decisão, o que, não é de todo a presunção judicial legalmente admitida como prova, e que o Tribunal a quo erradamente identificada como tal e que também ultrapassa o princípio da livre apreciação da prova; XXVII - A convicção do Tribunal recorrido expressa no acórdão é inadmissível à luz da sua fundamentação, não podendo extrair-se do único facto básico apurado o facto presumido, sendo assim errada a formação da presunção judicial que conduziu à condenação de ambos os arguidos, em co-autoria, pelo crime de furto qualificado, o que constitui um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artº. 410º., nº. 2 alínea c) do C. P. Penal, devendo assim ficar como não provada a participação na Arguida no crime de furto qualificado e nessa medida deve ser alterada a decisão da matéria de facto, no que se refere aos referidos pontos colocados em crise no presente recurso; XXVIII - As declarações do Arguido configuram numa confissão integral e sem reservas, o que não foi valorado pelo Tribunal designadamente para a determinação da medida concreta da pena, como também não foi valorada a motivação do Arguido para a prática do crime - a sua toxicodependência e a necessidade de colocar termo à abstinência/ressaca; XXIX - Para a determinação da medida da pena há que referir sempre o artº, 18º., nº. 2 da Constituição da República Portuguesa e o artº. 40º. do Código Penal, e, assim, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva, e no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais; XXX - A culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas. Com efeito, a culpa e prevenção constituem o binómio que o julgador terá de utilizar na determinação da medida da pena, a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente sociedade, conforme estipulam os artºs. 71º., nº. 1 e 40º., nº. 1 do Código Penal; XXXI - A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos, apresenta-se como fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável, conforme dispõe o artº. 40º., nº. 2 do C. Penal; XXXII - Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, pelo que a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização; XXXIII - Critério que não foi utilizado pelo Tribunal a quo, desde logo quando considera muito elevado o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido porquanto não leva em consideração que a sua motivação se deveu unicamente à sua toxicodependência e pela necessidade de retirar a ressaca. E foi a toxicodependência grave do Arguido, aliada à condição de ressaca, que, toldando o raciocínio e a sua capacidade de discernimento, moveu o Arguido à prática do crime; XXXIV - A toxicodependência não pode justificar o comportamento adoptado pelo Arguido, mas atenua a sua responsabilidade pois que estamos quase que na esfera de uma inimputabilidade que se traduz na sua incapacidade de discernimento e se reger pelas regras do Direito; XXXV - Não foi levado em conta pelo Tribunal as condições sociais e as características de personalidade do Arguido, a sua confissão integral e sem reservas e a interiorização do desvalor da sua actuação, o que decorre do seu depoimento, mostrando-se profundamente arrependido e envergonhado, pedindo, por diversas vezes, desculpas sinceras às vítimas da sua conduta, mais concretamente ao Assistente e à Ofendida, sua mãe; XXXVI - Quanto aos antecedentes criminais levados em conta pelo tribunal, não se vislumbra a relevância dada aos mesmos porquanto não se reportam a crimes da mesma natureza ou relativos ao mesmo bem jurídico protegido, mas sim dois crimes de consumo de estupefaciente, nos quais foi condenado em pena de multa; XXXVII - O Arguido anteriormente não teve qualquer contacto com o sistema prisional e muito menos com a reclusão; XXXVIII - A pena de cinco anos e três meses aplicada ao Arguido é excessiva, por desnecessária, desadequada e desproporcional; XXXIX - A determinação da medida concreta da pena deve ser feita de acordo com o critério constante no artº. 71º., nº. 1 do C. Penal, ou seja, em função da culpa e da prevenção, o que, salvo melhor e douto entendimento, com o muito respeito, não foi feito pelo Tribunal a quo; XL - O artº. 70º. do C. Penal, impõe a preferência pela escolha da pena não privativa de liberdade desde que esta se mostre suficiente para promover a recuperação social do arguido e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime; XLI - O artº. 18º., nº. 2 da Constituição da República Portuguesa, impõe que “ A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, ora sendo a pena de prisão fortemente restritiva de um direito constitucionalmente tutelado - a liberdade individual (artº. 27º. da Constituição da República Portuguesa) deve funcionar como a ultima ratio; XLII - Para fixar dentro da moldura abstracta, o quantum da pena a aplicar há que atender ao artº. 71º. do C. Penal, ou seja: - a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e as exigências de prevenção; - na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor o agente ou contra ele, considerando nomeadamente; - A ilicitude do facto, o modo de execução a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - A intensidade do dolo ou negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime, os fins, os motivos; - As condições pessoais do agente; - A situação económica do agente; - A conduta anterior e posterior ao facto; - na determinação da medida concreta da pena deve o julgador atender à culpa do agente, às exigências decorrentes do fim preventivo geral e especial; E, em especial, à finalidade ressocializadora da pena; XLIII - Importa, ainda, para a determinação da medida da pena considerar os factos provados e aqueles, que atenta à prova existente e produzida, deveriam ter sido considerados como provados, designadamente o relatório social do Arguido, mais concretamente, a respectiva conclusão, de que o Tribunal a quo não valorou fazendo “tabua rasa”. Sendo estes: - a circunstância de o Arguido estar abstinente de substâncias tóxicas e ilícitas desde Outubro de 2023; - o seu comportamento exemplar no estabelecimento prisional; - ter um projecto de vida futuro, que passa por continuar livre de drogas e recuperar a sua vida em termos profissionais, familiares e sociais; - Ter o apoio da sua mãe neste projecto de vida e uma vez passado o período de reclusão. - O Arguido tem um quadro económico favorável; - O Arguido reúne condições para cumprir uma medida de execução ma comunidade, com caracter probatório; XLIV - À luz destes princípios, e sendo o crime de furto qualificado punido com pena de dois a oito anos de prisão, considera-se que a pena em concreto justa e adequada a aplicar ao Arguido deve ser de acordo com o limite mínimo; XLV - Não obstante a tutela eficaz do bem jurídico protegido, as exigências de prevenção geral, o impacto social dos crimes de furto e o alarme social, entende-se que a medida não institucional, ou seja, uma pena suspensa na sua execução, afigura-se suficiente para promover a recuperação social do Arguido e dar satisfação às exigências de reprovação e prevenção do crime em apreço e a salvaguarda das expectativas comunitárias da norma violada; XLVI - Nos termos do disposto no artº. 50º., nº. 1 do C. Penal, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em pena em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição; XLVII - Estão reunidas as condições para se formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do Arguido, ora, Recorrente face às suas condições pessoais e à sua personalidade, pois que o Arguido interiorizou o mal feito, e a censura do facto e a ameaça de retorno à prisão realizam, neste caso, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E em liberdade, o Arguido não voltará a delinquir; XLVIII - Atento à personalidade do Arguido, seu comportamento global, suas condições pessoais e económicas, é de crer que o ilícito cometido não esta de acordo com as características do Arguido e foi apenas um acidente de percurso motivado, única e exclusivamente, pela sua toxicodependência, e a ameaça de pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, o que permite formular um juízo de prognose favorável ao Arguido que sustente a aplicação da suspensão da execução da pena; XLIX - Não obstante a natureza do crime em causa e as exigências de prevenção geral que determina, permitem, no caso em apreço, que a ameaça da prisão assegura, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, razão porque deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outra que condene o Arguido numa pena próxima do limite mínimo e suspensa na sua execução mediante regime de prova». * Recorreu também a arguida BB, formulando as seguintes conclusões: «I - Interpõe a arguida o presente recurso, em matéria de facto e de Direito, por considerar que o Tribunal recorrido não apreciou devidamente a prova produzida, dando como provados factos que não o foram em audiência de julgamento e respetiva produção de prova, fazendo também uma incorreta interpretação e aplicação do Direito; II - O art. 428.° do CPP estabelece que o poder de cognição do Tribunal da Relação abrange sempre a decisão da matéria de facto, e o art. 431.° do CPP que, mais do que conhecer de tal decisão, o Tribunal da Relação pode mesmo alterá-la; III - A arguida entende que se impõe a modificação da decisão do Tribunal de 1.a instância sobre matéria de facto e vem sindicá-la por via dos vícios previstos no art. 410.°, n.° 2 do CPP e da impugnação da matéria de facto, nos termos do art. 412.°, n.°s 3, 4 e 6 do CPP; IV - A convicção do Tribunal a quo no que respeita à factualidade provada decorreu apenas de presunções que denomina de judiciais, e que efetivamente não o são, no que respeita, sobretudo, ao envolvimento e participação de ambos os arguidos, conforme se admite no acórdão recorrido; V - Decorre do art.° 127.° do CPP que vigora o princípio da livre apreciação da prova, face ao qual o Tribunal aprecia livremente as provas, segundo as regras da experiência e a livre convicção, pelo que a modificação da matéria de facto só tem cabimento quando se verifica que a convicção expressa pelo Tribunal a quo não tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do Tribunal de recurso, o que efetivamente ocorre no acórdão recorrido; VI - Existem factos dados como provados, sem suporte nos meios de prova existentes no processo (prova testemunhal e documental), ou em contradição com os mesmos, o que em consequência impõe a alteração da decisão, conforme dispõem os arts. 428.° e 431.° do CPP; VII - Não se vislumbra de que prova o Tribunal a quo se socorreu e assentou a sua convicção para dar como provada a participação de ambos os arguidos no furto e, em consequência, para dar como provada a factualidade descrita nos Pontos 6, 7, 8, 9, 17, 19, 21, 32 a 34; VIII - Uma decisão judicial cumpre o dever de fundamentação (art. 374.° n.° 2 CPP) quando os sujeitos processuais envolvidos, designadamente o Tribunal ad quem, são esclarecidos sobre a base jurídica e fática da decisão, o que não ocorre no acórdão ora recorrido; IX - A livre convicção e a dúvida razoável limitam e complementam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção, da valoração da prova e da sua apreciação, em obediência ao previsto no art. 127.° do CPP, exigindo, ainda, uma apreciação da prova motivada, crítica, objetiva, racional e razoável; X - No acórdão ora recorrido não restam dúvidas que em vez da utilização destes dois critérios, apenas foi atendido o princípio da livre convicção e nunca o princípio da dúvida razoável; XI - O princípio da livre apreciação da prova libertou o juiz das regras da prova legal, mas não o desvinculou das regras da razão, ou seja não se trata de um poder discricionário, mas antes vinculado à exigência da fundamentação de facto, obrigando o juiz a justificar as suas escolhas, evitando assim qualquer arbítrio no domínio da valoração da prova, decorrente de uma atuação dominada apenas pelas impressões, como é o caso, e que neste acórdão se designa de “regras de experiência e presunções legais”; XII - De um acórdão temos que retirar qual o processo de formação da convicção do julgador, para garantir que a decisão da matéria de facto foi correta e que a decisão é clara, de forma a permitir ao Tribunal superior fazer uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e qual o processo lógico-mental que lhe serviu de suporte, o que não sucede no acórdão recorrido; XIII - A fundamentação do acórdão recorrido resume-se à expressão de discricionariedade e arbitrariedade, assente em simples impressões, sem justificar de forma plausível e coerente a razão da sua decisão, traduzindo-se nos termos, entre outros, “não é credível”, “resulta da experiência comum”, “de modo evidente”, “está bom de ver”, sem qualquer encadeamento lógico e de raciocínio que a sustente, e que não são regras de experiência comum e presunções legais; XIV - Não se alcança de que prova o Tribunal a quo se socorreu e assentou a sua convicção para dar como provados os factos descritos nos Pontos 6, 7, 8, 9, 17, 19, 21, 32 a 34 e em consequência, a participação de ambos os arguidos no furto; XV - O Tribunal a quo formulou a sua convicção em presunções inconclusivas e insuficientes para a decisão, e sem o suficiente exame crítico, retirando conclusões arbitrárias e discricionárias, desconexas da prova produzida, sempre em prejuízo dos princípios da presunção da inocência ou in dubio pro reo, pelo que o acórdão recorrido padece dos vícios da decisão enumerados no art. 410.°, n.° 2 do CPP; XVI - O vício de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de Direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem; XVII - O vício da contradição insanável da fundamentação, ou entre esta e a decisão, ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição entre a fundamentação e a decisão; XVIII - O erro notório na apreciação da prova ocorre quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, quando ocorre uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, insustentável e, portanto, incorreta; XIX - Não existe prova que sustente a participação da arguida no crime de furto, que os arguidos tenham agido em execução de um plano previamente traçado, em comunhão de esforços e vontades, com o propósito, concretizado, de integrarem na sua esfera patrimonial bens e quantias patrimoniais de terceiros, e que ambos atuaram com o propósito de penetrar ilegitimamente no imóvel em causa, mais concretamente no quarto dos ofendidos, que se mostrava trancado com chave, para fazerem suas todas as quantias monetárias e objetos que encontrassem, e que o lograram alcançar; XX - Não existe prova direta (testemunhal, documental ou pericial) da participação da arguida no crime de furto qualificado, sendo que a prova realizada, no que se refere à autoria do furto, resume-se à confissão do arguido, declarações em que assume tê-lo praticado, sozinho, e que se considera representar uma confissão integral e sem reservas; XXI - A prova por presunções constitui um meio de prova legalmente previsto no art. 349.° do CC, e funda-se nas regras da experiência comum, pelo que verificando-se uma falha evidente na utilização de uma presunção judicial ou natural, que resulte do texto da fundamentação de uma decisão da matéria de facto, tal corporiza um erro notório na apreciação da prova; XXII - Toda a presunção consiste em obter a prova de um determinado facto (facto presumido) partindo de um outro(s) facto(s) básico(s), que se provam através de qualquer meio probatório e que estão estreitamente ligados com o facto presumido, de tal modo que se pode afirmar que, provado o facto(s) básico(s), também resulta provado o facto consequência ou facto presumido; XXIII - A presunção de inocência que impera em direito processual penal e as garantias judiciárias de defesa, constitucionalmente asseguradas (art. 32.°, n.° 2 da CRP) exigem que não sejam afetadas pela utilização de presunções judiciais, pelo que a sua utilização para determinar a culpa pela prática de um ilícito criminal tem que ser particularmente sólida, bem fundamentada, não dando margem para o erro judiciário: além da prova fundamentada dos factos básicos deve existir uma conexão racional forte entre esses factos e o facto consequência; XXIV - No acórdão recorrido, considera-se pacífico que o único facto básico que se encontra provado por prova direta, é a prática do furto qualificado pelo arguido, que o confessou, não existindo qualquer prova da participação da arguida na prática do referido crime; XXV - Não se pode demonstrar o facto presumido, ou seja, a participação da arguida no furto, com base naquele facto básico, sendo que os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo para justificar a co-autoria não permitem estabelecer, sem outras provas, a presunção judicial da mesma; XXVI - Na decisão recorrida não se verifica uma presunção judicial, mas antes discricionariedade e arbitrariedade, assente em simples impressões subjetivas, sem justificação plausível e coerente da razão da decisão, o que não é a presunção judicial legalmente admitida como prova, que o Tribunal a quo erradamente identifica como tal e que também ultrapassa o princípio da livre apreciação da prova; XXVII - No que se refere à fundamentação, o arguido não tem um discurso autodesculpabilizante quer quanto à motivação do crime, quer quanto à desresponsabilização da arguida, sendo plausível que tenha agido sozinho e motivado apenas pela abstinência de estupefaciente, como referiu, não sendo legítimo presumir a execução de um plano previamente traçado, a comunhão de esforços e vontade de ambos os arguidos; XXVIII - O facto do arguido ter aberto o cofre na dita arrecadação não permite concluir a participação da arguida nos factos, pois que ele tinha conhecimento da existência da mesma, por frequentá-la muitas vezes; XXIX - O facto das viaturas terem sido registadas em nome da arguida, bem como a conversa que os arguidos mantiveram no táxi conduzido pela testemunha DD, na qual projetavam uma vida em comum, também não permitem a conclusão da co-autoria daquela, na prática do crime que concretamente lhe vinha imputado - furto qualificado; XXX - Não foi apurada a data em que a testemunha DD transportou os arguidos, mas seguramente não foi logo após a realização do furto, como (erradamente) assume o acórdão recorrido, já que o furto ocorreu em … e aquele transporte decorreu de ... a ...; XXXI - E considerando essa evidência (que aquele transporte não ocorreu logo após a realização do furto), também não pode o acórdão recorrido assumir que “logo após se terem apoderado do dinheiro do ofendido, os arguidos já tinham em mente um projeto de vida a levar a cabo com o dinheiro"; XXXII - Mais do que não ser permitida aquela conclusão, porque parte de uma premissa errada, o Tribunal a quo não podia dela presumir que a arguida praticou o crime de furto, o que representa outra arbitrariedade; XXXIII - Não se pode presumir a co-autoria da arguida na prática do crime que concretamente lhe vinha imputado - furto qualificado - na circunstância da mesma ter gozado o dinheiro nos mesmos moldes que o arguido, pois o furto não se confunde com o aproveitamento do produto do mesmo; XXXIV - A arguida negou ter subtraído os bens, a intenção de apropriação e a introdução ilegítima naquele espaço fechado, sendo certo que foi nesse momento - em que o agente subtraiu a coisa da posse do seu dono, contra a vontade deste, integrando-a na sua esfera patrimonial - que o crime de furto se consumou, sendo que a arguida foi confrontada com o facto consumado, não tendo participado do mesmo; XXXV - Não existem outros factos básicos ou periféricos que permitam estabelecer a presunção judicial legalmente admitida, pelo que se impõe considerar não provada a participação da arguida no crime de furto qualificado que lhe vinha imputado; XXXVI - A convicção do tribunal recorrido, expressa no acórdão em crise, é inadmissível à luz da sua fundamentação, não podendo extrair-se do único facto básico apurado, o facto presumido, sendo assim errada a formação da presunção judicial que conduziu à condenação da arguida, em co-autoria, pelo crime de furto qualificado; XXXVII - Atribuir co-autoria do furto qualificado à arguida por presunção judicial, nos moldes em que foi concretizada, constitui um erro notório na apreciação da prova (art. 410.°, n.° 2 al. c) do CPP), sendo possível ao Tribunal superior decidir a causa nessa instância (art. 426.°, n.° 1, a contrario), devendo fazê-lo pela alteração da decisão da matéria de facto, passando a ficar não provada a participação da arguida nos factos 6, 7, 8, 9, 17, 19, 21, 32 a 34, descritos na decisão da matéria de facto, impondo-se a revogação da decisão recorrida, por alteração da decisão da matéria de facto e, em consequência, impondo-se a absolvição da arguida da acusação, como se propugna; XXXVIII - Sem conceder e por mero exercício académico, pode admitir-se que a atuação da arguida fosse suscetível de integrar a prática de um crime de recetação, previsto e punível pelo art. 231.° do CP, mas os factos que a integram representam uma alteração substancial aos factos descritos na acusação, pois que são típicos de um crime absolutamente diferente, impondo-se ao Tribunal a comunicação da mesma à arguida, nos termos do art. 359.° do CPP, XXXIX - Tal alteração não pode ser tomada em conta pelo Tribunal para efeito de condenação no processo em curso e não implica a extinção da instância, tais factos não são autonomizáveis em relação ao objeto do processo, e a arguida não consentiria na continuação do julgamento pelos novos factos, pelo que a decisão concreta a proferir pelo Tribunal, relativamente à arguida, não podia ser diferente da respetiva absolvição, o que se defende; XL - Sem conceder, o Tribunal a quo violou o princípio da livre apreciação da prova (127.° do CPP) e o princípio da presunção de inocência, garantido constitucionalmente (art. 32.° da CRP), ao julgar como provados, relativamente à arguida, os factos 6, 7, 8, 9, 17, 19, 21, 32 a 34 da decisão recorrida, pois que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento; XLI - A interpretação dada pelo Tribunal a quo aos factos descritos na decisão recorrida, no que respeita à participação da arguida, nomeadamente 6, 7, 8, 9, 17, 19, 21, 32 a 34, é inconstitucional por violação do art. 32.°, n.° 1 e 2 da CRP, especificamente as garantias de defesa do arguido e a presunção da sua inocência, XLII - Pelo que o acórdão recorrido violou o disposto no art. 32.°, n.° 1 e 2 da CRP, devendo ser declarado nulo, pugnando-se pela revogação do acórdão recorrido e pela sua substituição por outro que absolva a arguida dos factos que lhe foram imputados, o que se reitera; XLIII - Sem conceder, a prova produzida não é de molde a considerar como provados, nos termos em que o foram, os Pontos 6, 7, 8, 9, 17, 19, 21, 32 a 34 da decisão recorrida, entendendo a arguida que a prova produzida impunha decisão diversa relativamente à matéria de facto impugnada; XLIV - Não ficou demonstrada a existência de um plano previamente traçado pelos arguidos, para se introduzirem no interior da habitação dos ofendidos, sem o conhecimento e consentimento destes, fazendo uso de uma chave que o arguido tinha na sua posse; XLV - O arguido tinha o conhecimento e consentimento dos ofendidos para entrar naquela que também era a sua própria habitação e da qual possuía uma chave, tal como ficou demonstrado no Ponto 4 da decisão recorrida, pelo que se verifica uma contradição desta, porquanto dá como provado que o arguido residia naquela habitação e, simultânea e opostamente, não tinha o conhecimento e consentimento dos proprietários para entrar na mesma; XLVI - Nas suas declarações, o arguido assume que praticou, sozinho, os factos descritos na matéria de facto provada 6, 7, 8, 9, 17, 19, 21, 32 a 34, que consubstanciam um crime de furto qualificado; XLVII - A autoria, por parte do arguido, do crime por que vinha acusado, nunca ofereceu dúvida ao ofendido, porque era frequente aquele apropriar-se de qualquer dinheiro que aí fosse deixado (razão pela qual apenas tinha acesso à área social da habitação e ao seu próprio quarto), porque não podia haver outra pessoa (pois a porta da rua não estava arrombada e as chaves do arguido estavam dentro de casa), porque a mãe do arguido lhe ligou e este teria o seu telemóvel desligado, tendo-se ausentado desde então; XLVIII - Também o auto de notícia - apreciado na audiência de julgamento e considerado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida - elaborado no dia 2023-05-01, pelas 23:44h, identifica como suspeito, unicamente, o arguido AA, XLIX - Constando também desse documento que “(...) CC e EE informaram esta Polícia que suspeitavam que quem teria cometido aquele furto teria sido o filho de EE, AA (suspeito), pois foi ele que ficou em casa sozinho enquanto estes foram passar o fim-de-semana fora”; L - Acrescentando “EE diz suspeitar que o seu filho teria ido para a zona do ... com a sua namorada para uma residência que pertence a essa”, sem que qualquer dos ofendidos expressasse a mínima suspeita sobre a eventual participação da arguida na prática do crime imputado; LI - Não existe qualquer testemunha que ateste a participação da arguida no referido crime, nem prova pericial (não foram recolhidos vestígios lofoscópicos), nem prova documental, verificando-se, pelo contrário, uma absoluta ausência de prova; LII - Relativamente ao Ponto 17 da matéria de facto provada, resulta do auto de apreensão n.° 5 (apreciado na audiência de julgamento e considerado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida) que tais bens não foram apreendidos na arrecadação da residência da mãe da arguida, sita na ... mas noutra, que se encontrava “abandonada” e que os mesmos frequentavam; LIII - O Ponto 19 da matéria de facto provada faz referência a um quarto da casa da mãe da arguida, onde os arguidos “pernoitaram em datas não concretamente apuradas, mas após ........2023”, mas da prova produzida resulta que o arguido não frequentava aquela casa, pelo que não podia lá ter pernoitado, inexistindo prova de que a arguida o tenha feito, apesar de a ter frequentado no período entre ... e ...; LIV - Do Ponto 21 da matéria de facto provada consta “fazendo uso das quantias monetárias subtraídas aos ofendidos, a arguida BB adquiriu (...) um veículo automóvel, ligeiro especial, tipo autocaravana (...)”, não se percebendo a razão para individualizar a arguida, quando a testemunha FF relata que foi o casal que foi ver e escolher a autocaravana, não sabendo precisar quem, em particular, entregou o dinheiro, nem por que razão a propriedade ficou registada a favor da arguida; LV - Também não podem considerar-se provadas as quantias monetárias que em concreto existiam no quarto dos ofendidos, atendendo às divergências que resultam dos meios de prova, designadamente das declarações do arguido, do depoimento do assistente e do auto de notícia (apreciado na audiência de julgamento e considerado na decisão recorrida), divergindo ainda do valor apresentado no pedido de indemnização civil e de outros elementos dos autos; LVI - Os Pontos 32, 33 e 34 da matéria de facto provada também merecem reparo, face aos fundamentos anteriormente expendidos, tornando inadmissível a imputação à arguida da prática do crime que concretamente lhe vinha imputado - furto qualificado; LVII - A prova produzida impunha decisão diversa relativamente à matéria de facto impugnada, devendo antes constar: 6. Entre os dias ...-...-2023, pelas 15h00m, e ...-...-2023, pelas 21h30m, AA, fazendo uso de uma chave que tinha na sua posse, introduziu-se no interior da habitação sita na ...., em ..., propriedade dos ofendidos CC e de EE, na qual residia. 7. No interior da habitação, AA, de modo não concretamente apurado mas com recurso a força física, forçou e logrou abrir a porta do quarto do casal CC e EE, que se encontrava fechada à chave, e fez seu um cofre em ferro de pequenas dimensões, colocado no interior do roupeiro, que continha no seu interior documentação variada, determinada quantia monetária em montante não concretamente apurado e várias peças em ouro e prata (nomeadamente pulseiras, uma gargantilha e um isqueiro), estes últimos de valor não concretamente apurado. 8. Em ato contínuo, no mesmo quarto, aquele localizou e recolheu, da primeira gaveta da cómoda, um envelope que continha quantia monetária em montante não concretamente apurado, em numerário, e da gaveta da mesa da cabeceira, um envelope que continha quantia monetária em montante não concretamente apurado, em numerário. 9. O arguido fez seus as quantias e bens descritos, que utilizou em proveito próprio, ausentando-se para parte incerta e não mais revelando aos familiares próximos o seu paradeiro. 17. Em diligência subsequentes, mormente no dia ...-...-2023, apurou-se que o arguido havia guardado na arrecadação abandonada do prédio onde mora a mãe da arguida BB, sita na ..., os seguintes objetos (...) 19. Em diligência subsequente, mormente no dia ...-...-2024, pelas 18h30m, apurou-se que se encontrava na residência da mãe da arguida BB, sita na ..., em especial num dos quartos, os seguintes objetos (...) 21. Fazendo uso das quantias monetárias subtraídas aos ofendidos, o arguido adquiriu ainda, em ...-...-2023, à empresa ... um veículo automóvel, ligeiro especial, tipo autocaravana, da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-HH-.., pelo preço de € 40.000,00. 31. AA agiu de forma livre, deliberada e conscientemente. 33. Com o propósito, concretizado, de integrar na sua esfera patrimonial bens e quantias monetárias de terceiros, nomeadamente dos ofendidos CC e de EE, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos seus legítimos proprietários e possuidores, o que logrou. 34. Atuou o arguido ainda com o propósito de penetrar ilegitimamente no quarto dos ofendidos, que se mostrava trancado com chave, no imóvel sito na ..., em especial e de fazer suas todas as quantias monetárias e objetos que encontrasse, resultado que logrou alcançar.” LVIII - Da prova produzida não resulta que a arguida tenha praticado os factos imputados, nomeadamente os considerados provados nos Pontos 6, 7, 8, 9, 17, 19, 21, 32 a 34 da decisão recorrida, logo, que seja co-autora do crime de furto qualificado, previsto e punível pelos arts. 203.°, n.° 1 e 204.°, n.° 1, al. e) e 2, al. a) do CP; LIX - Sem conceder, não obstante a recorrente entender que não se coloca a questão da determinação da concreta medida da pena, pois que deve ser absolvida, por dever de patrocínio e na falência dos argumentos anteriores - o que apenas se admite por hipótese - há que considerar que a pena concretamente aplicada, de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, é excessiva, por desnecessária, desadequada e desproporcional; LX - O Direito penal é um direito de proteção de bens jurídicos, a culpa é tão só limite da pena, mas não seu fundamento, e a socialização é a finalidade de aplicação da pena; LXI - A medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva, e no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais; LXII - A culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas; LXIII - Culpa e prevenção constituem o binómio que o julgador terá de utilizar na determinação da medida da pena, a qual visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente sociedade (arts. 71.°, n.° 1 e 40.°, n.° 1 do CP); LXIV - A culpa apresenta-se como fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável (art.° 40.°, n.° 2 do CP) e a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, pelo que a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização; LXV - O Tribunal a quo, não atendeu a este critério, quando classifica muito elevado o grau de ilicitude dos factos imputados aos arguidos, não considerando, nomeadamente, a situação de toxicodependência e o consumo excessivo e desenfreado de produtos estupefacientes, que toldaram o raciocínio e a capacidade de discernimento, dominando o instinto primário e único de satisfação da abstinências, sendo certo que tal facto não pode justificar quaisquer comportamentos ilíctos, mas deve ser considerado e atenuar a responsabilidade dos agentes; LXVI - Sempre se dirá que o Tribunal a quo não considerou como provados, como se impunha, factos relevantes para a medida concreta da pena, nomeadamente os que constam do relatório social da arguida: a) “A manutenção do suporte parental propicia segurança à arguida, quer na situação atual quer em meio livre”; b) “A arguida tem mostrado disposição para abandonar o consumo de drogas e assumir uma mudança do seu modo de vida, de forma mais socialmente integrada”; c) “A reclusão permitiu que refletisse acerca da sua história de opções e de orientações, nomeadamente no que respeita à cessação dos anteriores hábitos de consumo de estupefacientes e ao retomar dos estudos”; LXVII - Não é verdade que a arguida não tenha interiorizado o desvalor da sua atuação, pois que se mostrou profundamente envergonhada por ter ficado com algo que não era seu, que soube ter sido furtado, não tendo conseguido devolver, assumindo ter usufruído, mas não furtado; LXVIII - A arguida regista apenas uma condenação, por crime de desobediência no âmbito rodoviário, praticado em ........2020, pelo qual havia sido condenada na pena de 60 (sessenta) dias de multa, amnistiada, que não se consideram relevantes, porquanto não estamos perante crimes da mesma natureza ou relativos ao mesmo bem jurídico protegido; LXIX - Nunca anteriormente a arguida havia tido qualquer contacto com o sistema prisional e a reclusão infligida nestes autos constituiu uma experiência traumática para si e para a sua família, a qual a tem vivido com “marcada estupefação e preocupação”; LXX - A reclusão apresentou-se, assim, como o ponto de viragem na vida da arguida, pondo termo ao consumo de produtos estupefacientes e ao estilo de vida desregrado, permitindo-lhe refletir, reconectar-se com a realidade e traçar um projeto de vida conforme com os padrões sociais vigentes, que passa por consolidar a sua desintoxicação e retomar os estudos, projeto que já está em execução; LXXI - A pena concretamente aplicada, de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, é excessiva, por desnecessária, desadequada e desproporcional, só se explicando, como forma de evitar a ponderação, fundamentação e justificação da não suspensão da execução da pena; LXXII - A determinação da medida concreta da pena deve ser feita em função da culpa e da prevenção (art.° 71.°, n.° 1 do CP), o que não foi feito pelo Tribunal a quo; LXXIII - O art. 70.° do CP impõe a preferência pela escolha da pena não privativa de liberdade, desde que esta se mostre suficiente para promover a recuperação social do arguido e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime; LXXIV - A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar- se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art.° 18.°, n.° 2 da CRP) e, sendo a pena de prisão fortemente restritiva da liberdade individual (art.° 27.° da CRP) deve funcionar como ultima ratio; LXXV - Para fixar, dentro da moldura abstrata, o quantum da pena a aplicar há que atender ao art. 71.° do CP e, em especial, à finalidade ressocializadora da pena; LXXVI - Para a determinação da medida da pena, importa ainda considerar os factos provados e aqueles que, atenta a prova existente e produzida, deveriam ter sido considerados como provados, designadamente o relatório social da arguida, o facto de se encontrar livre de substâncias tóxicas e ilícitas desde Outubro de 2023, ter um projeto de vida futuro que passa por continuar livre de drogas e concluir a Licenciatura, cuja frequência já retomou, ter o apoio da família, um quadro económico favorável, reunir condições para cumprir uma medida de execução na comunidade, com caráter probatório; LXXVII - Tudo considerado, sendo o crime de furto qualificado punido com pena de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão, a medida concreta da pena a aplicar à arguida deveria ser de acordo com o limite mínimo; LXXVIII - Afigurando-se que a suspensão da respetiva execução é suficiente para promover a recuperação social da arguida e dar satisfação às exigências de reprovação e prevenção do crime em apreço, bem como a salvaguarda das expectativas comunitárias da norma violada; LXXIX - O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em pena em medida não superior a 5 (cinco) anos se, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição (art.° 50.°, n.° 1 do CP); LXXX - Consideram-se reunidas as condições para se formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro da arguida, crendo-se que a censura do facto, a reclusão já vivenciada e a ameaça de retorno à prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». * Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público ao recurso do arguido AA, concluindo nos seguintes termos: «1. O acórdão recorrido não padece dos vícios previstos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, que consistem em vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. São vícios da decisão, não do julgamento, os quais, enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida, fundamentando o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis pelo tribunal de recurso. 2. No que respeita à aludida alínea a) importa concluir pela insuficiência da matéria de facto para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa, quando o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto – na descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais além. Quanto ao erro notório previsto na alínea c), importa apreciar se se trata de um erro crasso, que, sem necessidade de qualquer exercício mental, um leitor médio conclui que a decisão extraiu uma ilação contrária ao que lhe foi apresentado, extraiu uma decisão logicamente impossível. 3. Ora, da simples leitura do acórdão recorrido retira-se que a matéria de facto provada é suficiente para a decisão recorrida e que a apreciação da prova se mostra sustentada pelas regras da lógica, razoabilidade e regras da experiência. 4. Na realidade, o recorrente pretende é impugnar o processo de formação da convicção do tribunal a quo, esquecendo que nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da autoridade competente”, constituindo seu objecto “(...) todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis(...)”, conforme se retira do disposto no artigo 124.º do Código de Processo Penal. 5. A fundamentação do acórdão recorrido cumpre os respectivos requisitos legais, nele se encontrando bem explicitado e explicado o processo de formação da convicção do tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, nomeadamente o raciocínio lógico-dedutivo seguido e o porquê, a medida e a extensão da credibilidade que mereceram (ou não mereceram) os depoimentos prestados pelas testemunhas e as declarações dos arguidos prestados em audiência. Fundamentação que, de resto, se acha também alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, não se perfilando a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum. 6. Acrescente-se ainda que o recurso à prova indirecta, do modo como o tribunal a quo o fez, é totalmente válido e respeitador do princípio da livre apreciação da prova. Como demonstrado pela fundamentação da matéria de facto, o tribunal a quo, com recurso às regras da experiência, socorrendo-se dos depoimentos das testemunhas (que sem terem presenciado os factos permitiram compreender a dinâmica dos arguidos enquanto casal) e apoiado nas declarações prestadas pelo recorrente, essencialmente, nas falhas que apresentou, permitiram concluir que não actou sozinho, preenchendo assim o “pedaço de realidade” que nenhuma testemunha (prova directa) presenciou. 7. A medida da pena fixada ao recorrente mostra-se acertada, sendo adequada e proporcional face aos factos por si praticados e à medida da sua culpa. 8. Na sua ponderação, o tribunal a quo considerou que apenas as condições sócioeconómicas do arguido (as constantes do relatório social e que foram dadas com provadas) depunham efectivamente a seu favor. Note-se que o tribunal recorrido não ficou indiferente à tomada de declarações do arguido, porém, face ao que resultou demonstrado, é de concordar que a postura do recorrente não teve como propósito auxiliar na descoberta da verdade material – mas somente proteger a co-arguida BB. 9. Tal postura permitiu igualmente concluir que o recorrente não interiorizou o desvalor da sua conduta, que não demonstra arrependimento pela acção (concertada) que desenvolveu e que, fundamentalmente, não denota empatia pelo sofrimento causado à mãe e ao padrasto, optando por apresentar um discurso desculpabilizante e desresponsabilizador da outra pessoa que, juntamente consigo praticou o furto e que, durante cinco meses, delapidou o património das duas pessoas que, ao longo de todo o seu percurso como toxicodependente, sempre o apoiaram (como se extrai do seu relatório social) 10. São inegavelmente elevadas as exigências de prevenção geral e especial como o grau da culpa e da ilicitude, com bem se explica no acórdão recorrido, e, não obstante as várias circunstâncias que o desfavorecem, o tribunal a quo encontrou margem para aplicar uma pena de prisão fixada ligeiramente acima do meio da moldura penal abstracta para o tipo de ilícito criminal em apreço». * O Ministério Público respondeu igualmente ao recurso da arguida BB, apresentando as seguintes conclusões: «1. O acórdão recorrido não padece dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, que consistem em vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. São vícios da decisão, não do julgamento, os quais, enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida, fundamentando o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis pelo tribunal de recurso. 2. A simples leitura do acórdão recorrido extrai-se que o mesmo não padece de qualquer dos mencionados vícios. Efectivamente, que a matéria de facto provada fixada é suficiente para a decisão é, para nós, absolutamente incontroverso. Como nos parece igualmente indiscutível que não existe qualquer contradição na respectiva fundamentação, nem entre esta e a decisão, nomeadamente entre os factos provados entre si ou em relação com os factos não provados. E, finalmente, também não resulta do texto do acórdão qualquer erro clamoroso que importe o reenvio para novo julgamento. 3. O que a recorrente pretende verdadeiramente impugnar é, na verdade, o processo de formação da convicção do tribunal a quo que levou à fixação da matéria de facto dada como provada e não provada, esquecendo que nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da autoridade competente”, constituindo seu objecto “(...) todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis(...)”, conforme se retira do disposto no artigo 124.º do Código de Processo Penal. 4. A fundamentação do acórdão recorrido cumpre os requisitos legais, nele se encontrando bem explicitado e explicado o processo de formação da convicção do tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, nomeadamente o raciocínio lógico-dedutivo seguido e o porquê, a medida e a extensão da credibilidade que mereceram (ou não mereceram) os depoimentos prestados pelas testemunhas e as declarações dos arguidos prestados em audiência. Fundamentação que, de resto, se acha também alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, não se perfilando a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum. 5. Acrescente-se ainda que o recurso à prova indireta, do modo como o tribunal a quo o fez, é totalmente válido e respeitador do princípio da livre apreciação da prova. 6. O tribunal a quo, apreciando a prova, concluiu, sem que tal lhe suscitasse qualquer dúvida, que os dois arguidos, toxicodependentes, aproveitando a ausência da mãe e do padrasto do arguido, sabendo que no interior do quarto daqueles (permanentemente trancado para evitar que o arguido, que ali também residia, se apoderasse de valores monetários para adquirir produtos estupefacientes) se encontravam quantias monetárias e objetos de valor, arrobaram a porta e apoderaram-se dos bens descritos nos factos provados. E o tribunal a quo explicou como obteve tal conclusão, esclarecendo que, face às regras da experiência, não se mostra plausível que um toxicodependente, em processo de ressaca, cujos efeitos a nível físico e psicológico se mostram sobejamente estudados, tivesse a frieza de ânimo para, durante aproximadamente 1 hora, arrombar a porta de um quarto; transportar um cofre dali para um outro edifício – por coincidência a arrecadação do prédio da residência da arguida, cujas portas estavam, também, por coincidência, abertas (a do prédio e a da arrecadação); procedendo ali (um local onde é um estranho) ao arrombamento do cofre; nesse premeio, entrar em contacto telefónico com a aqui recorrente, dizendo-lhe para juntar todos os seus pertences, caso o quisesse acompanhar, porque, sem nada adiantar, se ia ausentar durante um período e que aquela ficasse à porta do prédio (onde aquele estava a estroncar um cofre) à sua espera; pedir um táxi; dirigir-se juntamente com a recorrente ao antigo bairro do ..., onde, para, finalmente, terminar com o estado de ressaca de ambos, adquiriu € 2.000,00 em produto estupefaciente (cocaína e heroína)! Ainda sem acalmar a sua ressaca (não houve consumo imediato do estupefaciente), o arguido regressou ao táxi, onde se encontrava a recorrente à sua espera, com os pertences de ambos, e aí, ainda em ressaca, confidenciou-lhe onde e como tinha conseguido obter valores monetários. 7. As declarações prestadas pelo arguido não são efetivamente consentâneas com as regras da experiência e da normalidade e foram correctamente apreciadas pelo tribunal a quo – concluindo que o arguido visou proteger a recorrente, tentando convencer o tribunal de que tinha actuado sozinho – de que tinha sido uma acção do momento motivada pela circunstância de terem acordado os dois de ressaca e de necessitarem urgentemente de conseguir dinheiro para poderem consumir, indo cada um para seu lado com vista a obter dinheiro. 8. Do depoimento prestado pelo assistente CC, padrasto do arguido, o tribunal a quo concluiu que o arguido sabia da existência de bens de valor no quarto dos seus pais (de outra forma, o quarto nem necessitava de estar trancado), como sabia que aqueles iam estar ausentes durante todo o fim de semana. Das declarações dos arguidos, o tribunal retirou que a recorrente pernoitou naquela residência. 9. Ora, excluindo a versão da ressaca apresentada pelos arguidos, o que nos resta? Um casal que acorda na mesma habitação e que, por uma razão incompreensível, se separa momentaneamente, para, volvido uma hora reencontrar-se prontos para, sem qualquer combinação prévia, passarem uma temporada em local incerto, levando apenas o que consideravam ser indispensável. Porém, na posse de € 191.000,00 e de várias peças em ouro que apenas o arguido subtraiu quando a recorrente, por uma razão inexplicável, se afastou daquele para ir à sua habitação arranjar dinheiro junto dos pais para poder adquirir produtos estupefacientes! 10. É óbvio que o aproveitamento pela recorrente das quantias monetárias subtraídas não pode, sem mais, ser confundido com o crime de furto. A ser assim, a conduta da arguida mostrar-se-ia subsumida no crime de receptação (na sua forma dolosa), o que originaria, porque autonomizável, a extracção de certidão para processo de inquérito com as demais consequências legais). 11. Porém, a conduta da arguida após a imediata execução do furto, e que foi por esta descrita bem como pelas testemunhas que com ela contactaram posteriormente, conjugado com as regras da experiência e da ausência de coerência das declarações prestadas pelo co-arguido, permite chegar, num percurso lógico, à conclusão de também ela praticou o crime de furto qualificado objecto dos presentes autos. 12. A medida da pena fixada à recorrente mostra-se acertada, sendo adequada e proporcional face aos factos por si praticados e à medida da sua culpa. 13. No caso em apreço, o tribunal a quo atendeu, como bem elencou, a todas as circunstâncias que depunham a favor e contra a arguida. Com efeito, ponderando, o tribunal a quo considerou que somente as condições sócio-económicas da arguida (as constantes do relatório social e que foram dadas com provadas) e a ausência de antecedentes criminais depunham a seu favor. O tribunal não ficou indiferente à postura assumida pela recorrente de completa desresponsabilização do cometimento do crime de furto qualificado, escudando-se numa pretensa ressaca e numa pretensa reacção condenatória da actuação do arguido. O tribunal igualmente não ficou inferente à total ausência de arrependimento bem como à ausência de empatia demonstrada. Como não ficou indiferente à postura vitimizante da arguida e à declarada injustiça de que se sente alvo – mesmo tendo admitido ter gasto mais de € 150.000,00, que sabia não lhe pertencerem, durante 5 meses, na aquisição de estupefaciente e bens supérfluos e de ter feito suas diversas peças em ouro que sabia igualmente não lhe pertencerem. 14. São, pois, evidentes as elevadíssimas exigências de prevenção geral e, principalmente, especial que se fazem sentir, como se mostra evidente o elevado grau de culpa da recorrente, pelo que só o recurso à sua ausência de antecedentes criminais e ao apoio familiar e económico que detém permitiu que se fixasse uma pena ligeiramente acima do meio da moldura penal abstracta para o crime em apreço – mostrando-se a mesma plenamente ajustada». * Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo. * Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência dos recursos. * Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer. * Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]. Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: 1 – Recurso do arguido AA a) Vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP e impugnação ampla da matéria de facto (pontos 6 a 9, 17, 19, 21 e 32 a 34) - falta de legitimidade e interesse em agir do arguido AA relativamente à impugnação da matéria de facto que fundamenta a condenação da arguida BB; b) Escolha e medida da pena. 2 – Recurso da arguida BB a) Vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP; b) Impugnação ampla da matéria de facto (pontos 6 a 9, 17, 19, 21 e 32 a 34); c) Violação do princípio da livre apreciação da prova e da presunção da inocência; d) Escolha e medida da pena. DO ACORDÃO RECORRIDO Do acórdão recorrido consta a seguinte matéria de facto provada: «Da acusação e do pedido de indemnização civil: 1. AA é filho de EE, casada com CC, ambos residentes na .... 2. AA mantém uma relação de namoro, desde ........2017 com BB. 3. Os arguidos são toxicodependentes, sendo que o primeiro é dependente de drogas desde os 15 anos de idade. 4. AA residia habitualmente com a sua mãe e o seu padrasto na ..., em ..., possuindo assim chave da porta principal da habitação, mas estando apenas autorizado a entrar no seu quarto, cozinha, casa de banho e sala, pois o acesso aos demais quartos encontrava-se vedado, estando aqueles fechados à chave. 5. AA e BB sabiam que CC e de EE não se encontravam em casa entre os dias ...-...-2023 e ...-...-2023, por terem ido passar o fim-de-semana fora, a uma casa da qual são proprietários na .... 6. Entre os dias ...-...-2023, pelas 15h00m, e ...-...-2023, pelas 21h30m, em execução de um plano previamente traçado, AA e BB, fazendo uso de uma chave que aquele arguido tinha na sua posse, introduziram-se no interior da habitação sita na ..., em Loures, propriedade dos ofendidos CC e de EE, sem o conhecimento e consentimento daqueles. 7. No interior da habitação, AA e BB, de modo não concretamente apurado mas com recurso a força física, forçaram e lograram abrir a porta do quarto do casal CC e EE, que se encontrava fechada à chave, e fizeram seu um cofre em ferro de pequenas dimensões, colocado no interior do roupeiro, que continha no seu interior documentação variada, € 191.000,00 em numerário e várias peças em ouro e prata (nomeadamente pulseiras, uma gargantilha e um isqueiro), estes últimos de valor não concretamente apurado. 8. Em ato contínuo, no mesmo quarto, aqueles localizaram e recolheram, da primeira gaveta da cómoda, um envelope que continha € 23.000,00 em numerário, e da gaveta da mesa da cabeceira, um envelope que continha pelo menos € 1.400,00 em numerário. 9. Ambos fizeram suas as quantias e bens descritos, que utilizaram em proveito próprio, ausentando-se para parte incerta e não mais revelando aos familiares próximos o seu paradeiro. 10. No dia ...-...-2023, pelas 19h05m, os arguidos tinham no interior da sua residência, respeitante a um bungalow, sito no parque de campismo ..., em ..., os seguintes objectos, que foram apreendidos à ordem dos presentes autos: Na sala: a. uma arma de ar comprimido, de aquisição livre, tipo pistola, da marca/modelo ..., ..., com o n.º ...; b. Uns binóculos, da marca ..., modelo ..., e respectivo estojo, de valor desconhecido; c. Um drone, da marca ..., modelo ..., com três baterias, estojo e comando de controlo, de valor desconhecido; No quarto onde ambos pernoitavam: a. Uma arma de ar comprimido, de aquisição livre, tipo pistola, da marca/modelo ..., com o n.º ... b. 52 moedas com o valor facial de € 2,00; c. 117 moedas, com o valor facial de € 1,00; d. 55 moedas, com o valor facial de € 0,50; e. 144 moedas, com o valor facial de € 0,20; f. 63 moedas com o valor facial de € 0,10; g. 69 moedas com o valor facial de € 0,05; h. 56 moedas com o valor facial de € 0,02; i. 36 moedas com o valor facial de € 0,01; (um total de € 288,43 em moedas) j. 75 notas com o valor facial de € 100,00; k. 95 notas com o valor facial de € 50,00; l. 1 nota com o valor facial de € 20,00; m. 2 notas com o valor facial de € 10,00; (um total de € 12.290,00 em notas); n. Um pacote de plástico com 5,59 gramas de haxixe no interior; o. Um pacote de plástico com 9,53 gramas de heroína no interior; p. Um pacote de plástico com 25,68 gramas de cocaína no seu interior; q. Um pacote de plástico com 3,94 gramas de ecstasy no seu interior; r. Uma viola, da marca ..., modelo ... e respectivo estojo, de valor desconhecido. 11. Os arguidos tinham ainda, em sua posse e ao seu cuidado, um veículo automóvel, ligeiro especial, tipo autocaravana, da marca ..., modelo ... com a matrícula ..-IV-.., do ano ..., registado em nome de BB desde ...-...-2023, de valor desconhecido. 12. No interior daquele veículo, ambos os arguidos guardavam, entre o mais: a. Um casaco, da marca ..., destinado à prática de motociclismo, modelo feminino, de valor desconhecido; b. Um macaco hidráulico, da marca ..., de valor desconhecido; c. Um gerador eléctrico, da marca ..., modelo ... de valor desconhecido; d. Uma balança digital, sem marca, com o valor aproximado de € 8,25; e. Uma moldura digital, da marca ..., com o valor aproximado de € 60,00; f. Um monitor AV Wireless, da marca ..., com o valor aproximado de € 580,00; g. Um ferro de engomar, da marca ... com o valor aproximado de € 30,00; h. Um fervedor elétrico, sem marca, com o valor aproximado de € 20,00; i. Um agrafador elétrico, da marca ..., com o valor aproximado de € 70,00; j. Um capacete, da marca ..., com o valor aproximado de € 60,00; k. Um capacete, da marca ..., com o valor aproximado de € 120,00; l. Um comando Dualshock 5, parta ..., com o valor aproximado de € 60,00; m. Uma calculadora gráfica, da marca ..., com o valor aproximado de € 20,00; n. Um jogo para ..., denominado ..., com o valor aproximado de € 25,00; o. Uma sanduicheira, da marca ..., com o valor aproximado de € 25,00; p. Um telemóvel, da marca ..., com o valor aproximado de € 100,00; q. Um telemóvel, da marca ..., com o valor aproximado de € 150,00, e capa; r. Um telemóvel, da marca ..., com o valor aproximado de € 75,00; s. Um telemóvel, da marca ..., com o valor aproximado de € 75,00; t. Um telemóvel, da marca ..., com o valor aproximado de € 35,00; u. Um telemóvel, da marca ..., com o valor aproximado de € 70,00; v. Um telefone fixo/portátil, da marca ..., com o valor aproximado de € 25,00; e transformador/carregador; w. Um relógio, com inscrição ..., com o valor aproximado de € 10,00; x. Um par de óculos, da marca ..., com o valor aproximado de € 40,00; y. Uma persiana veneziana, da marca ..., com o valor aproximado de € 25,00; z. Uma televisão LCD, da marca ..., com o valor aproximado de € 150,00; aa. Uma caixa de arma de ar comprimido, da marca ..., com o valor aproximado de € 288,95; bb.Um aspirador portátil, sem marca, com o valor aproximado de € 20,00; cc. Um moinho/moedor Manuel, sem marca. com o valor aproximado de € 15,00; dd.Um kit de mergulho, da marca ..., com o valor aproximado de € 37,00; ee. Uma lanterna portátil, da marca ..., com o valor aproximado de € 20,00; ff. Uma lanterna portátil, da marca ..., com o valor aproximado de € 50,00; gg. Uma batedeira elétrica, da marca ..., com o valor aproximado de € 15,00; hh. Uma varinha mágica, da marca ..., com o valor aproximado de € 35,00; ii. Uma torradeira, da marca ..., com o valor aproximado de € 20,00; jj. Uma air friyer, da marca ..., com o valor aproximado de € 45,00; kk. Uma tenda de campismo, da marcha ..., com o valor aproximado de € 90,00; ll. Diverso vestuário masculino e feminino, calçado, roupas de cama (como lençóis, mantas, cobertores), tapetes, artigos de higiene e medicamentos, utensílios de cozinha variados (como pratos, panelas, talheres, copos, caixas de armazenamento de alimentos), entre outros, de valor desconhecido. 13. Os arguidos tinham ainda, em sua posse e ao seu cuidado, um veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca ..., ... 8v, com a matrícula ..., do ano ..., registado em nome de BB desde ...-...-2023. 14. Este veículo foi adquirido pessoalmente por ambos os arguidos, pelo preço de € 19.850,00, sendo que o arguido AA pagou em numerário a DD, anterior proprietário. 15. No dia BB, ambos os arguidos foram presentes a primeiro interrogatório de arguido detido, no Juízo de Instrução Criminal de Loures, Juiz 3. 16. Após lhes serem transmitidas verbalmente as medidas de coação então aplicadas, ambos os arguidos recolheram às celas do Tribunal de Loures, ocasião em que a arguida BB, fazendo uso das casas de banho ali disponibilizadas, expeliu, do interior do seu corpo, crendo-se que do seu órgão genital, um saco com sete notas de € 500,00, vinte e duas notas de € 50,00, cinco notas de € 20,00 e duas notas de € 10,00, num total de € 4.720,00, que havia feito suas e ali introduzido aquando do momento da sua detenção ou imediatamente antes. 17. Em diligência subsequentes, mormente no dia ...-...-2023, apurou-se que os arguidos haviam guardado na arrecadação da residência da mãe da arguida BB, sita na ..., os seguintes objetos: a. Um cofre, da marca ..., de cor cinza, com a porta arrombada, com o valor aproximado de € 40,00; b. Um passaporte em nome de EE, com o n.º ... c. Um contrato de GG, em nome de CC, com o n.º ...; d. Uma caderneta predial, alusivo a uma habitação no ...; e. Um envelope, contendo vários documentos alusivos a depósitos bancários; f. Uma carteira, sem marca, com um logótipo da bandeira do ..., de valor desconhecido; g. Uma carteira, da marca ..., com vários documentos, de valor desconhecido; h. Uma gargantilha, em prata, armazenada numa caixa guarda-joias, de valor desconhecido; i. Um fio, em prata, com um pendente em forma de coração, armazenado numa caixa guarda jóias, de valor desconhecido; j. Uma caixa guarda-joias, com a inscrição ..., de valor desconhecido; k. Uma caixa guarda-joias, com a inscrição HH, de valor desconhecido; l. Uma caixa guarda-joias com a inscrição ..., de valor desconhecido; m. Uma caixa guarda-joias com a inscrição ..., de valor desconhecido; n. Uma caixa de plástico, contendo um par de brincos de ouro amarelo, em forma de triângulo, um brinco simples em ouro amarelo e uma medalha em ouro amarelo, com a letra M, de valor desconhecido; o. Uma aliança, em ouro amarelo, de valor desconhecido; p. Um anel, em ouro branco, de valor desconhecido; q. Um saco próprio para armazenar objetos de pequena dimensão, de valor desconhecido; r. Uma saqueta, em plástico, com buchas de fixação e parafusos, de valor desconhecido; s. As chaves de um veículo automóvel da marca ..., de valor desconhecido; t. As chaves de um veículo automóvel da marca ..., com portachaves da mesma marca, de valor desconhecido; u. Um conjunto de chaves diversas, de valor desconhecido; v. Três moedas de dez escudos; w. Quatro moedas de cinco escudos; x. Uma moeda de dois escudos e meio. 18. Os ofendidos reconheceram como sendo seus os objetos melhor identificados nas alíneas a), b), d), f), g), h), i), j), k), l), n), o), p), q), s), t) e v), do número anterior, encontrados na posse dos arguidos. 19. Em diligência subsequentes, mormente no dia ...-...-2024, pelas 18h30m, apurou-se que os arguidos haviam guardado na residência da mãe da arguida BB, sita na ..., em especial no quarto onde pernoitaram em datas não concretamente apuradas mas após ...-...-2023, os seguintes objetos: a. Uma mala de ferramentas, da marca ..., com ferramentas diversas no interior, com o valor de € 20,00; b. Um aparelho de arrefecimento, denominado cooler, sem marca, com o valor de € 15,00; c. Uma ..., com o valor de € 230,00; d. Uma aparelhagem de som, da marca ..., com o valor de € 35,00; e. Duas colunas de som, da marca ..., com o valor de € 35,00; f. Um rolo de fio de cobre, de valor desconhecido; g. Quatro comandos de jogos da ..., com o valor de € 100,00; h. Uma lupa, de marca desconhecida; i. Um rolo de fita LED, com respetiva ficha, com o valor de € 20,00; j. Diversos cabos de alimentação, de valor desconhecido; k. Uma lanterna de suporte, da marca ..., com o valor de € 5,00; l. Uma bússola, da marca ..., com o valor de € 5,00; m. Um bloco de tomadas, da marca ..., com o valor de € 10,00; n. Um bloco de tomadas, da marca ..., com o valor de € 10,00 o. Setenta e três jogos e respetiva capa, para a ..., com o valor estimado entre os € 15,00 e € 55,00 cada; p. Uma caixa vermelha, quadrada, contendo um isqueiro, da marca ..., com o valor de € 400,00; q. Um anel, em ouro, tipo cachucho, de homem, de valor desconhecido; r. Quatro anéis de senhora, em ouro, de valor desconhecido; s. Um alfinete para gravata, em ouro, de valor desconhecido; t. Um brinco em forma de argola, em ouro, de valor desconhecido; u. Um brinco com uma pedra, em ouro, de valor desconhecido; v. Um brinco com uma flor, em ouro, de valor desconhecido; w. Uma pulseira de malha grossa, em forma de argolas, em ouro, com o valor de € 500,00; x. Uma pulseira de malha fina, com três corações, em ouro, de valor desconhecido; y. Uma pulseira com bolas, em ouro, de valor desconhecido; z. Um relógio de bolso, da marca ..., com o valor de € 250,00; aa. Um relógio de pulso, da marca ..., com o valor de € 150,00; bb.Um relógio de pulso, da marca II, com o valor de € 100,00; cc. Um relógio de pulso, da marca ..., com o valor de € 200,00; dd.Uma pulseira de couro, de homem, com uma chapa metalizada, com o valor de € 20,00 20.Os ofendidos reconheceram como sendo seus os objetos melhor identificados nas alíneas p), q), r), s), t), u), v), w), z), aa), bb), cc), dd), do número anterior, (19) encontrados na posse dos arguidos. 21. Fazendo uso das quantias monetárias subtraídas aos ofendidos, a arguida BB adquiriu ainda, em ...-...-2023, à empresa ... um veículo automóvel, ligeiro especial, tipo autocaravana, da marca ..., ... EG/DF003, com a matrícula ..-HH-.., pelo preço de € 40.000,00. 22.Aquando da celebração do negócio, os arguidos entregaram ao BB, no imediato, um sinal de € 30.000,00, sendo aquele valor liquidado em numerário, com notas de valor facial de € 50,00, € 100,00, € 200,00 e € 500,00; o demais valor foi pago no ato de levantamento do veículo, no mesmo esquema. 23.Volvido cerca de um mês, os arguidos voltaram a comparecer junto da empresa ... e manifestaram interesse em trocar o veículo especial tipo autocaravana por outro, da mesma natureza. 24.Após negociações contratuais, os arguidos aceitaram substituir o veículo com a matrícula ..-HH-.. pelo veículo com a matrícula ..-IV-.. (melhor identificada no ponto 11), sendo-lhes exigido o pagamento do valor de € 8.500,00, a título de remanescente do preço em dívida, montante que aqueles pagaram, também em numerário. 25.O referido veículo foi vendido pelo menos em ...-...-2023, sendo desconhecido o valor recebido 26.Fazendo também uso das quantias monetárias subtraídas aos ofendidos, o arguido AA adquiriu um motociclo, com a matrícula BB-..-JN, da marca …, modelo ..., que registou em seu nome em ...-...-2023 e que vendeu em ...-...-2023. 27.Este veículo foi adquirido pessoalmente por ambos os arguidos, pelo preço de € 6.990,16, à sociedade ..., de JJ sendo que o arguido AA pagou em numerário. 28.Fazendo também uso das quantias monetárias subtraídas aos ofendidos, os arguidos reservaram um bungalow, no parque de campismo de ..., onde permaneceram entre ...-...-2023 e ...-...-2023, com registo de entrada de uma autocaravana, um veículo automóvel e um veículo motorizado de duas rodas, tendo pago, no total, € 2.952,00. 29.Fazendo também uso das quantias monetárias subtraídas aos ofendidos, os arguidos reservaram um bungalow, no ..., onde permaneceram entre ...-...-2023 e ...-...-2023, embora com estadia assegurada até ...-...-2023, tendo pago um total de € 1.341,30, em numerário. 30.Os arguidos não têm atividade laboral lícita declarada, sendo que o arguido AA regista como última remuneração o valor de € 117,50, em ..., e a arguida BB regista como última remuneração o valor de € 247,58, em .... 31. O consumo diário de produto estupefaciente e a aquisição da maior parte dos objetos supra identificados, pelos arguidos, no período compreendido entre ...-...-2023 e ...-...-2023, foi suportado pelos valores subtraídos aos ofendidos. 32.AA e BB agiram livre, deliberada e conscientemente, em execução de um plano previamente traçado. 33.Em comunhão de esforços e vontade, com o propósito, concretizado, de integrarem na sua esfera patrimonial bens e quantias monetárias de terceiros, nomeadamente dos ofendidos CC e de EE, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos seus legítimos proprietários e possuidores, o que lograram. 34.Atuaram ambos ainda com o propósito de penetrar ilegitimamente no imóvel sito na ..., em …, em especial no quarto dos ofendidos que se mostrava trancado com chave, e de fazerem suas todas as quantias monetárias e objetos que encontrassem, resultado que lograram alcançar. 35.Das quantias monetárias subtraídas ofendido recuperou a quantia monetária de 17.298,00 Euros 36.Com a conduta dos arguidos o ofendido sofreu um prejuízo patrimonial de pelo menos 198.102,00 Euros dos quais ainda não se encontra ressarcido. Resultou ainda provado 37.O processo de desenvolvimento do arguido AA nasceu em ... e viveu com os pais até cerca de um ano de idade altura em que ocorreu a separação do casal. Neste sentido e devido às dificuldades económicas e à falta de condições, não obstante a sua mãe trabalhasse, foi criado e apoiado por umas tias maternas, na zona do .... 38.Mais tarde, a mãe acabou por reorganizar a sua vida e juntar-se com um companheiro, com quem vive e mantém uma relação há 30 anos, sendo que o arguido foi viver com o padrasto e a mãe aos nove anos de idade. 39.O pai refez, igualmente, a sua vida, tendo contraído matrimónio com uma companheira de quem teve quatro filhos e exerce a profissão … desconhecendo o arguido o seu paradeiro, pelo que não mantém qualquer tipo de contactos com o pai há mais de 30/40anos. 40.Apesar da separação dos pais, da ausência do pai na vida do arguido e do contacto com as tias maternas ao longo do seu desenvolvimento, AA relata um estilo de vida organizado, com a garantia das suas necessidades básicas e um desenvolvimento infantojuvenil estruturado, descrevendo a educação que os familiares, mais presentes ao longo do seu desenvolvimento, lhe deram como adequada e consonante com as regras e normas vigentes na sociedade. 41. O arguido tem uma companheira, coarguida no presente processo, presa preventivamente no .... 42. Mantém esta relação ..., sendo que à data dos factos não viviam juntos, mas passavam a maior parte do tempo juntos. 43. A namorada, co-arguida também é consumidora de estupefacientes. 44.AA concluiu o 9º ano de escolaridade através de um curso das novas oportunidades e acabou por deixar a escola por desinteresse e desmotivação. 45.Teve a sua primeira experiência profissional aos 14 anos de idade numa oficina automóvel. 46.Mais tarde trabalhou três anos num …e depois numa …, onde exerceu a função de … durante quatro anos. Numa altura organizada da sua vida, foi funcionário da ... na linha de apoio ao cliente, cerca de dez anos. Exerceu ainda a profissão de motorista de ligeiros e realizou alguns trabalhos temporários de cinegrafia, montagem de palcos e trabalhos agrícolas sazonais. 47.A arguida BB à data da prática dos factos vivia uma situação de itinerância geográfica, pernoitando algumas noites em casa dos pais, outras na casa do namorado e ainda em outros locais temporários. 48.A arguida assumira, um estilo de vida dependente do consumo de produtos estupefacientes, situação que interferia negativamente no relacionamento que mantinha com a sua família e com o trabalho, dois sistemas socializadores exigentes ao nível de responsabilidades e competências. 49.A arguida assume que consome drogas deste os 15 anos de idade nomeadamente haxixe e heroína. Mais tarde, iniciou os consumos de cocaína e de outras substâncias estupefacientes. Apesar de ter feito tratamento no ex-CAT da ..., durante cerca de dois anos, em consultas relativamente regulares, mas nunca deixaria de consumir estupefacientes. 50.À data dos factos BB encontrava-se desempregada e sem meios de subsistência. O último emprego teve lugar há cerca de dois anos, num …, em ..., onde laborou como auxiliar, durante cerca de três meses. Nessa época de modo a afastar-se do seu ambiente de risco, foi viver durante algum tempo, para a segunda casa dos pais, nessa localidade. 51. A arguida frequentou a Licenciatura de ...na ..., faltando-lhe oito cadeiras para concluir a licenciatura e tenciona retomar os estudos em meio prisional, p r e v ê retomar os estudos em meio prisional, 52.A arguida mantém relacionamento afetivo com o co-arguido AA desde ..., quando tinha 24 anos. 53.Assume a união como vinculada ao nível afetivo e emocional sem, no entanto, se considerar dependente do companheiro. De resto, reconhece que os progenitores não aceitam esta ligação, considerando-a perniciosa para o bem-estar da arguida. 54.A arguida teve uma infância e adolescência felizes até se envolver no consumo de estupefacientes em meio escolar, na sequência de experiência que refere como traumática. 55.O clima socio familiar foi equilibrado e em consonância com os padrões e valores socio morais vigentes. 56.Os pais trabalharam na área da … em diversas empresas e como empresários, encontrando-se ambos reformados. 57.A arguida encontra-se no ..., presa preventivamente, desde outubro de 2023, à ordem do presente processo. 58.Inicialmente mostrou dificuldades de adaptação ao meio prisional, registando duas sanções disciplinares: uma em fevereiro respeitante a 7 dias de proibição de utilização do fundo e outra de 3 dias de permanência obrigatória no alojamento. 59.No Estabelecimento Prisional tem sido acompanhada pelos serviços clínicos. BB expressa satisfação pelo acompanhamento e pelos respetivos resultados. 60.Atualmente apresenta -se abstinente de substâncias tóxicas e ilícitas. Revela contentamento por alcançar esse objetivo durante a presente medida coativa. 61. A arguida dispõe do apoio dos pais, que a visitam regularmente e lhe depositam quantias monetárias na conta do Estabelecimento prisional. 62.O arguido AA averba no certificado de registo criminal as seguintes condenações transitadas em julgado: a) – pela prática em ........18, de um crime de consumo de estupefacientes a pena de 40 dias de multa, à razão diária de € 5,00, declarada extinta pelo pagamento. – (sentença proferida em 05.04.19 no Processo n.º 374/18.7SCLSB, transitada em julgado em 05.04.19). b) – pela prática em ........18 de um crime de consumo de estupefacientes a pena de 40 dias de multa, à razão diária de € 6,00, substituída por 25 dias de prisão, suspensa por um ano co sujeição a deveres de conduta, declarada extinta em 13.10.22. – (sentença proferida em 13.10.21 no Processo n.º 1041/18.7SFLSB, transitada em julgado em 24.05.19). 63.A arguida BB averba no certificado de registo criminal as seguintes condenações transitadas em julgado: a) – pela prática em ...-...-2007, de um crime de desobediência qualificada, a pena de 60 dias de multa, à razão diária de € 5,00, declarada extinta pelo cumprimento em 18.10.23. – (sentença proferida em 09.11.21, no Processo n.º 264/20.3CLLSB, transitada em julgado em 09.12.21). FACTOS NÃO PROVADOS: Com relevância para a presente decisão não resultaram provados quaisquer outros factos. Designadamente, não se provou: 1 – Os arguidos não são titulares de declaração de compra e venda ou doação e emissão de fatura-recibo ou documento equivalente, relativas às armas de ar comprimido de aquisição livre. 2- Os valores dos objetos subtraídos aos ofendidos ultrapassam os € 20.400,00». FUNDAMENTAÇÃO 1 – Recurso do arguido AA a) Questão prévia: da falta de legitimidade e interesse em agir do arguido AA relativamente à invocação dos vícios previstos no artº. 410, nº. 2, do CPP, bem como na impugnação da matéria de facto, na parte respeitante à condenação da arguida BB como coautora. O recorrente sustenta que a decisão recorrida viola o princípio da livre apreciação da prova, incorre nos vícios de falta e insuficiência de fundamentação para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova, pretendendo a alteração dos pontos 5 a 9, 17, 19, 21 e 32 a 34, na parte em que atribui à arguida BB a coautoria na prática dos factos que integram na prática de um crime de furto qualificado. Dispõe o art. 401.º, n.º 1, al. b) do CPP que o arguido e o assistente têm legitimidade para recorrer das decisões contra eles proferidas. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito refere que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir. O interesse em agir implica que se demonstre, numa lógica utilitarista, que o recorrente visa eliminar uma situação para si desvantajosa, substituindo-a por outra vantajosa (cfr. Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do CPP, Tomo V, p. 88). «Trata-se sempre de um interesse concreto, juridicamente relevante, relevância esta a aferir em relação aos concretos termos da causa, nunca de uma abstração, como seria um recurso interposto apenas para que fosse efetuada uma boa aplicação da lei”, aferição aquela que terá sempre em vista o interesse concreto e concretizável que a decisão aportará ao recorrente (…)» - cfr. Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, 4.ª Ed., p. 1286). No caso em apreço, o arguido não coloca em causa a sua condenação pela prática de um crime de furto qualificado, p. p. pelos arts. 203º, nº 1, e 204º, nº 1, alínea e) e 2, alínea a) do Código Penal, nem a matéria de facto na qual o Tribunal recorrido se baseou para esse efeito, que aliás admitiu. O que o arguido pretende é tão só excluir a intervenção da arguida como coautora desse crime, não se descortinando qualquer interesse próprio na reversão dessa matéria. Por conseguinte, o arguido carece manifestamente de legitimidade e interesse em agir para recorrer quanto a esta matéria: em primeiro lugar, porque a parte da decisão referente à arguida BB não o afeta; em segundo lugar, porque a procedência do recurso, nesta parte, não traria qualquer vantagem para o recorrente. Acresce que a arguida BB apresentou o seu próprio recurso, impugnando a mesma matéria de facto com motivação idêntica àquela que consta do recurso do arguido, pelo que sempre tem de prevalecer a apreciação do recurso da arguida. Face ao exposto, por falta de legitimidade e interesse em agir, nos termos do art. 401.º, n.º 1, al. b) e 2 do CPP, não se toma conhecimento do recurso do arguido AA, na parte respeitante à condenação da arguida BB como co-autora (conclusões I, III a VIII e X a XXVII). b) Escolha e medida da pena – remissão. A segunda questão suscitada no recurso do arguido respeita à escolha e medida da pena. Uma vez que tal questão também é suscitada no recurso da arguida, será a mesma tratada a final conjuntamente com o recurso desta última. 2 – Recurso da arguida BB a) Vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP A arguida começa por impugnar a matéria de facto provada no acórdão recorrido, fazendo apelo aos vícios enumerados no art. 410.º, n.º 2 do CPP. Para tanto, a arguida insurge-se, em suma, contra a fundamentação da decisão de facto, alegando que esta assenta em presunções insuficientes no que respeita ao envolvimento e participação de ambos os arguidos na prática do crime de furto qualificado. Entende a arguida que a prova produzida não permite sustentar a sua participação como coautora do ilícito, pois não existe qualquer prova direta (testemunhal, documental ou pericial), incorrendo a decisão em erro notório na apreciação da prova ao fazê-lo com base em presunção. Por conseguinte, não obstante a arguida se referir genericamente aos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP, é somente o previsto na alínea c) que é concretizado na motivação e nas conclusões do recurso. Como é sabido, todos os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. O erro notório na apreciação da prova, a que alude a alínea c) daquele preceito legal, caracteriza-se como uma «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si (…). Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras de experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis» (cfr. Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 4ª Ed., 2001, p. 76). No dizer do Conselheiro Sérgio Poças, «o erro notório é o erro que se vê logo, que ressalta evidente da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência» (cfr. «Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto», Revista Julgar n.º 10, de 2010, pg. 29). O erro notório na apreciação da prova só se configura quando se depara ter sido usado um processo racional e lógico mas, retirando-se, contudo, de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irrazoável, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos (cfr. o Acórdão do STJ de 18/03/2004, P. 03P3566 em www.dgsi.pt). Não se inclui no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes pretendam fazer à valoração da matéria de facto feita pelo tribunal recorrido, valoração que esse tribunal é livre de fazer, nos termos do art. 127.º do CPP. Pretendendo os recorrentes questionar esse julgamento, o caminho adequado é a impugnação da decisão da matéria de facto, de acordo com o regime do art. 412.º, n.º 3 do CPP. No caso dos autos, consta da fundamentação da decisão de facto o seguinte: «O arguido AA admitiu a prática dos factos, assumindo uma atitude autodesculpabilizante, justificando a sua conduta com o facto de ser toxicodependente e no dia dos factos estar a precisar de estupefaciente para tirar “a ressaca”. Num discurso claramente orientado para desresponsabilizar a arguida da participação dos factos, o arguido foi criando uma narrativa incoerente e em vários aspetos contrariada pelos factos trazidos a tribunal através dos depoimentos das testemunhas inquiridas. Iniciou por afirmar que no dia dos factos, aproveitando a ausência da mãe e do padrasto a arguida BB tinha dormido consigo na sua casa. De manhã após a arguida ter regressado a casa, o arguido começou a procurar dinheiro pela casa e não tendo encontrado decidiu arrombar a porta do quarto do padrasto, já que sabia que aquele guardava dinheiro no seu interior. Encontrou um cofre que abriu e retirou do seu interior todo o dinheiro ali existente, bem como várias peças em ouro de sua mãe. Encontrou ainda envelopes com dinheiro dentro de uma gaveta da cómoda e da mesa de cabeceira. De seguida colocou todo o dinheiro que encontrou e as peças em ouro dentro de uma mochila, telefonou à arguida a dizer que já tinha arranjado dinheiro que ia sair de casa e que não voltava e ela poderia ir com ele, se quisesse. Apanhou um táxi e deslocou-se para a casa da arguida para a ir buscar, tendo aguardado no táxi que a arguida viesse ter consigo e assim que esta chegou dirigiram-se ambos para um local que sabia que podia adquirir estupefacientes. Referiu também que a arguida aguardou no táxi enquanto ele foi adquirir 60 gramas de cocaína e mais uma quantidade de heroína que não soube precisar. Só quando novamente entrou no táxi e a arguida BB viu a enorme quantidade de droga que trazia consigo é que o arguido lhe relatou o que tinha feito e que se tinha apoderado de cerca e 180.000,00 Euros. Disse ainda que, a arguida reprovou tal comportamento e até lhe disse para devolver o dinheiro. O que sucedeu, porém, é que a partir deste momento os arguidos passaram a dispor do dinheiro, adquirindo bens e vários objetos, viajaram pelo país, fazendo com o dinheiro coisa sua e gastando-o como, quando e onde quiseram, designadamente adquirindo quantidades consideráveis de produto estupefaciente que consumiam ambos. Como se evidenciará o relato dos factos feito pelo arguido apenas pode ser entendido como uma tentativa vã e desesperada para eximir a arguida da responsabilidade dos factos. Aliás o arguido durante todo o seu depoimento e em tudo o que envolvia a arguida BB, o arguido de modo evidente não falou verdade, entrando em contradição e “ajeitando” o discurso quando confrontado com as incongruências e as contradições que foram sendo detetadas. Efetivamente, e desde logo a justificação avançada pelo arguido de que furtou o dinheiro porque estava com ressaca e precisava de adquirir estupefaciente, não colhe em absoluto, desde logo porque é evidente e óbvio que para adquirir droga para retirar a ressaca, ou mesmo para dispor de droga para uma semana que fosse, não era necessário ter-se apoderado de mais de 190.000,00 em numerário e os objetos e joias em ouro da sua mãe. Por outro lado, e encontrando-se envelopes com milhares de euros nas gavetas da cómoda e da mesa de cabeceira, não se compreende porque o arguido não se freou por ali e foi ainda arrombar o cofre à procura de mais dinheiro que estivesse no seu interior. Aliás. também não é credível e resulta da experiência comum, que um individuo quando se encontra em ressaca não tem energia para arrombar um cofre, tanto mais com dinheiro vivo disponível para satisfazer de imediato a sua adição. Referiu também inicialmente o arguido que transportou o dinheiro dentro de uma mochila, porém quando confrontado com o facto de o cofre ter sido encontrado numa arrecadação do prédio onde a arguida residia com os pais, o arguido alterou o discurso, dizendo que levou consigo o cofre da casa do padrasto para a arrecadação e foi ali que o abriu enquanto esperava que a arguida viesse ter consigo. Como está bom de ver, tal versão não merece credibilidade, desde logo porque não saberia o arguido se encontrava uma arrecadação aberta e ferramentas que lhe permitissem abrir um cofre fechado. O único motivo de tal afirmação é apenas a ânsia e empenho do arguido em desresponsabilizar a arguida da actuação que lhe é imputada na acusação. E quando lhe foi perguntado o motivo pelo qual a caravana e o veículo automóvel ficaram registados em nome da arguida BB, o arguido disse que tal facto se deveu a no momento da aquisição se ter apercebido que não tinha consigo o seu cartão de cidadão. Contudo a testemunha FF, BB de autocaravanas e que procedeu à venda das duas autocaravanas adquiridas pelos arguidos, foi perentório ao afirmar que não houve nenhuma situação com o cartão de cidadão do arguido, nem qualquer mudança de planos em nome de quem seria registada a aquisição. No que respeita ao veículo automóvel, o BB referiu que na conversa havida para a celebração do contrato, o arguido afirmou que era uma prenda para a BB. Ora bem se vê que tais bens não ficaram na titularidade da arguida BB por qualquer razão alheia à vontade de ambos ou por qualquer motivo relacionado com a perda do cartão de cidadão do arguido, mas tão só da vontade de ambos o que revela também o envolvimento da arguida na atuação imputada. E não temos dúvidas de que toda a atuação dos arguidos foi concertada entre ambos, já que a testemunha DD, motorista de táxi que transportou os arguidos até ao parque de campismo, após a realização do furto e que durante o trajecto fez o negócio da venda do veículo automóvel, de marca Audi por 19.000,00 Euros, referiu que os arguidos falavam em querer arranjar uma casa para viverem juntos. Daqui se retira que logo após se terem apoderado do dinheiro do ofendido, os arguidos tinham já em mente um projeto de vida a levar cabo com o dinheiro que tinham furtado, não sendo pois plausível a afirmação de que a arguida BB reprovou a atuação do arguido em se apoderar do dinheiro. Aliás, a própria arguida BB apresenta também um discurso incoerente, pois inicialmente começa por dizer dormiu na casa do arguido, e que acordaram com ressaca, motivo pelo qual foi para a sua casa para ver se a mãe lhe dava dinheiro para ir adquirir estupefaciente, quando o arguido lhe telefonou a dizer que tinha arranjado dinheiro para irem comprar estupefaciente e que não ia mais voltar para casa e para ela arranjar umas roupas para vir consigo se quisesse. O que fez. Porém, que apenas se apercebeu que o arguido tinha na sua posse uma quantia significativa de dinheiro quando o viu regressar ao táxi após ter ido adquirir estupefacientes devido ao volume que aquele trazia no bolso das calças viu que a quantidade de cocaína e heroína adquirida era muita, sendo nesse momento que o arguido lhe dá a conhecer o que tinha feito e que imediatamente reprovou tal comportamento, incitando-o a devolver o dinheiro e a explicar a situação ao padrasto foi por si imediatamente. Porém o que temos de factualidade é que não só a arguida de imediato aceitou ficar com o veículo adquirido ao taxista a quem pediram inicialmente para os levar para um hotel, mas eu por falta de vagas acabou por os levar a seu pedido para o parque de campismo de …, como também da conversa mantida entre ambos e relatada , como já referido supra por DD, o taxista que os arguidos falavam em arranjar casa e viverem juntos. Por outro lado, não podemos deixar de referir, que aquando da busca a arguida não só se apoderou introduzindo na vagina mais de 4.000,00 em notas, tendo justificado tal comportamento com a simples expressão : “era para uma eventualidade”, como ainda solicitou à sua mãe que fosse à autocaravana buscar peças em ouro que ali estavam guardadas na casa de banho e que as levasse para casa, o que a sua mãe fez e onde aliás acabaram por ser apreendidas. Aliás foi questionada, porque não solicitou à sua mãe para entregar tais bens à mãe do arguido sua legitima proprietária, a arguida referiu que não o fez porque teve vergonha. Ora aprece-nos que tal afirmação não é mais que uma desculpa e ainda assim, muito fraca. E não vejamos, depois de em cinco meses os arguidos terem dissipado cerca de 200.000, 00 Euros na compra de produto estupefaciente e nos mais diversos objectos, alguns deles, absolutamente desnecessários e até infantis, num processo de pura delapidação e quando já todos já sabiam do envolvimento da arguida na actuação, a justificação apresentada pela arguida é de que não devolveu os objectos em ouro à mãe do arguido porque tinha vergonha. A incoerência parece-nos total, seria de dizer que, seria o momento oportuno para mostrar algum arrependimento, alguma vontade de reparar o mal feito, restituir o que ainda pudesse ser restituído ao seu dono, mas não, a arguida até ao último momento quis ficar na posse de objectos em ouro que sabia não serem seus e que haviam sido subtraídos aos legítimos proprietários. (…) A convicção do Tribunal no que concerne à factualidade provada, na avaliação, analise e ponderação de toda a prova produzida na sua globalidade, em obediência às regras de experiência e de presunções judiciais, no que concerne sobretudo, ao envolvimento e participação nos factos de ambos os arguidos. As declarações dos arguidos, sobretudo do arguido AA que assumiu ter arrombado a porta do quarto do padrasto e a porta do cofre e de se ter apoderado do dinheiro e objectos em ouro que encontrou, conjugadas com as declarações da arguida que se mostraram incongruentes, contraditórias e foram infirmadas com a factualidade espelhada e comprovada por prova documental, designadamente, documentos de registo automóvel, autos de apreensão e prova pericial, aliada às regras da experiência comum, permitiram ao Tribunal concluir pela comparticipação dos arguidos AA e BB, na prática dos factos integradores de um crime de furto, nos termos que resultaram provados». Lida a fundamentação que se transcreveu, não se descortina qualquer incongruência patente ou conclusão ilógica que revele um erro notório na apreciação da prova. Na verdade, o Tribunal ponderou a ligação afetiva evidente entre ambos os arguidos, o facto de terem pernoitado na casa da mãe e padrasto do arguido, aproveitando a ausência destes, tendo a apropriação dos envelopes com dinheiro, do cofre e dos demais objetos em ouro ocorrido nessa sequência, sendo certo que o dito cofre foi descoberto, arrombado, numa arrecadação sita no prédio onde residiam a arguida e os seus pais. O Tribunal considerou inverosímil que estas ações fossem praticadas apenas pelo arguido, na ausência da arguida e sem que tal correspondesse a um plano entre ambos orquestrado, na medida em que, se o objetivo fosse só o de encontrar dinheiro para “tirar a ressaca”, bastaria ao primeiro retirar algum do dinheiro existente nos envelopes, sem necessidade de levar todos os objetos de valor existentes no quarto, assim como o cofre. Para além de que, no estado de ansiedade inerente à abstinência de produto estupefaciente, não parecer coerente que o arguido tivesse discernimento para transportar e abrir sozinho o cofre na dita arrecadação. Por outro lado, também foi ponderado o que foi percecionado pela testemunha taxista, que transportou os arguidos para um hotel e aos quais vendeu mesmo uma viatura, que descreveu as conversas entre os arguidos, que revelavam planos de vida em comum e aproveitamento do pecúlio reunido. Acresce a apropriação e gozo em comum das quantias e valores, que se verificam não só na vivência do casal, como no registo de viaturas em nome da arguida. Perante este quadro, poderá a recorrente discordar da apreciação da prova feita no acórdão, mas não se descortina um erro notório na apreciação da prova, pois existe a construção de um raciocínio lógico, assente na consideração dos elementos de prova produzidos perante o Tribunal recorrido, criticamente apreciados e valorados à luz das regras de experiência comum. Não resulta da fundamentação da sentença qualquer erro óbvio, grosseiro ou ostensivo na análise da prova. De resto, a própria arguida não identifica propriamente na decisão qualquer trecho que revele um erro notório na apreciação da prova ou qualquer outro vício previsto no art. 410.º, n.º 2 do CPP, como seria necessário, já que os vícios em apreço devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum. A razão de discordância da arguida com a decisão prende-se com a apreciação dos meios de prova, o que é uma situação diferente, pois o fundamento do erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão do julgador em relação à matéria de facto e aquela que seria a da recorrente. Tal discordância só poderá prevalecer através da impugnação ampla da matéria de facto, o que é uma questão diversa, que abaixo se apreciará. Face ao exposto, improcede nesta parte o recurso. b) Impugnação ampla da matéria de facto (pontos 6 a 9, 17, 19, 21 e 32 a 34); A segunda questão suscitada no recurso consiste na impugnação ampla da matéria de facto provada, nomeadamente dos pontos 6 a 9, 17, 19, 21 e 32 a 34. Como é sabido, quando esteja em causa a impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação do Tribunal de recurso versa sobre a prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, pois o recurso não corresponde a um segundo julgamento para produzir uma nova resposta sobre a matéria de facto, com audição de todas as gravações do julgamento da primeira instância e reavaliação da prova pré-constituída, mas sim um mero remédio corretivo para ultrapassar eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida. Tais erros emergirão como resultado de uma deficiente apreciação da prova e terão sempre de corresponder aos concretos pontos de facto identificados no recurso. Para tal, é indispensável que o recorrente identifique os pontos de facto que considera mal julgados e relativamente a cada um ofereça uma proposta de correção para que o tribunal “ad quem” a possa avaliar, procedendo à correção da decisão se as provas indicadas pelo recorrente, relativamente a cada um desses factos impugnados, impuserem decisão diversa da proferida. Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 21/03/2023 (P. 324/21.3PCSNT.L1-5 em www.dgsi.pt), «o princípio da livre apreciação da prova impõe um exercício que não pode deixar de ser subjetivo, que resulta da imediação e da oralidade, cujo resultado só seria afastado se a recorrente demonstrasse que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. «A reapreciação da prova em sede de recurso só determinará uma alteração à matéria de facto provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão». Deste modo, o recorrente tem o ónus de expressamente indicar, de acordo com o disposto no artigo 412.º/3, do CPP: i) Os factos individualizados que constam da sentença recorrida e que considera incorretamente julgados; ii) O conteúdo específico do meio de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida; e iii) Se for caso disso, os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, no âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º/2, do CPP, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. o artigo 430.º/1, do CPP). Acresce ainda a exigência de que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida, pois a procedência da impugnação, com a consequente modificação da decisão sobre a matéria de facto, não se satisfaz com a circunstância de as provas produzidas possibilitarem uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo. Este decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, e por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal. No caso dos autos, a recorrente começa por afirmar que os factos provados sob os pontos 6, 7, 8, 9, 17, 19, 21, 32 a 34 não têm suporte nos meios de prova existentes no processo ou estão em contradição com os mesmos, não se vendo de que prova o Tribunal se socorreu para dar os mesmos como provados. Ora, como resulta da transcrição acima feita da fundamentação da decisão de facto, o acórdão recorrido não é omisso quanto a qualquer dos elementos previstos no art. 374.º, n.º 2 do CPP, contendo uma «exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», pelo que improcede a alegação de que a decisão não cumpre o dever de fundamentação (o que, em todo o caso, não se enquadra no âmbito da impugnação da matéria de facto, antes seria motivo de nulidade, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a] do CPP, que manifestamente não se verifica). A recorrente reitera que não existe prova direta - testemunhal, documental ou pericial – da participação da arguida no crime de furto qualificado, sendo que a prova realizada, no que se refere à autoria do furto, resume-se à confissão do arguido, que assume tê-lo praticado sozinho. Assim, a arguida insurge-se contra a utilização pelo Tribunal recorrido da prova por presunção judicial, pois esta tem de ser particularmente sólida, sob pena de violar a presunção da inocência e as garantias de defesa previstas no art. 32.º, n.º 2 da Constituição. É questão que adiante se abordará com mais detalhe. Para o que agora releva – impugnação ampla da matéria de facto – cumpriria à recorrente indicar quais os concretos excertos da prova documentada que impõem decisão diversa quanto à matéria de facto provada, pois, como já se aludiu, o exercício do Tribunal de recurso nesta sede não consiste num novo julgamento, como se fosse este a apreciar integralmente a prova produzida e a responder ex-novo à matéria de facto com base no seu único juízo. Tão pouco basta a apresentação de uma apreciação alternativa da prova, mesmo que plausível segundo o critério da recorrente, que revele a possibilidade de uma diferente apreciação da prova, a apreciação que a arguida faria se fosse a julgadora. Na verdade, a decisão sob apreciação concretiza e analisa criticamente os meios de prova que valorou – entre os quais se contam as declarações de ambos os arguidos – bem como a conjugação a que procedeu entre estes e os demais apreciados para estabelecer as presunções utilizadas, pelo que só a indicação do específico meio de prova, com a explicitação da razão pela qual essa prova impõe decisão diversa é que cumpre o ónus exigido pelo art. 412.º, n.º 3, al. b) do CPP. Ora, a recorrente limita-se a comentar nas conclusões a decisão da matéria de facto, referindo que esta não se baseia em prova direta e a divergir sobre a interpretação da prova feita pelo Tribunal. Para tanto, alega: - Que as declarações do arguido são plausíveis, quando refere que agiu sozinho e motivado apenas pela abstinência de estupefaciente – a mera plausibilidade das declarações não impõe decisão diversa, sendo certo que o Tribunal apontou as razões pelas quais não as considerava críveis no que respeita à intervenção da recorrente; - Que o facto do arguido ter aberto o cofre na arrecadação sita no prédio da casa da mãe da arguida não permite concluir pela participação desta nos factos, pois ele tinha conhecimento da existência da arrecadação, por frequentá-la muitas vezes - trata-se aqui de uma interpretação da recorrente, sendo certo que o facto de a arguida ter dito nas suas declarações que passavam algum tempo nas escadas da arrecadação não permite concluir que o arguido conhecia e frequentava muitas vezes a arrecadação, bem como dispunha de acesso e ferramentas para aí abrir o cofre, para além de ser contraditório com a falta de capacidade de discernimento inerente à abstinência de produto estupefaciente, invocada pela recorrente, que este fosse cuidar de abrir o cofre nesse local, quando dispunha de quantias mais do que suficientes para “tirar a ressaca”; - Que o facto de as viaturas terem sido registadas em nome da arguida, bem como a conversa que os arguidos mantiveram no táxi conduzido pela testemunha DD, na qual projetavam uma vida em comum, não permitem a conclusão da coautoria daquela na prática do crime, sendo certo que a testemunha DD não pode ter transportado os arguidos logo após a realização do furto, pois este ocorreu em … e aquele transporte decorreu de ... a ... – trata-se também aqui de uma interpretação da arguida, sendo certo que a ponderação do registo das viaturas em nome desta, a apropriação de bens e dinheiro e gozo do mesmo em conjunto com o arguido, assim como o referido no depoimento da testemunha (a decisão não diz que o transporte foi feito imediatamente após o furto, mas apenas após o furto) foram ponderados globalmente para fundamentar a convicção do Tribunal, não podendo ser vistos isoladamente; - Que por esse motivo, também não pode o acórdão recorrido assumir que “logo após se terem apoderado do dinheiro do ofendido, os arguidos já tinham em mente um projeto de vida a levar a cabo com o dinheiro” – trata-se de uma interpretação da recorrente que não infirma a convicção do Tribunal, pois o que está em causa é a existência de um plano comum percecionado pela testemunha motorista de táxi num momento em que o furto era ainda recente; - Que a arguida negou ter subtraído os bens e só foi confrontada com o facto consumado, não tendo participado do mesmo – a negação da arguida não impõe decisão diversa, pois esta é diretamente interessada; - Que não existem outros factos básicos ou periféricos que permitam estabelecer a presunção judicial legalmente admitida - trata-se de uma interpretação da recorrente, contrariada pela fundamentação da decisão de facto. Mais se refira que na condenação não está em causa a entrada do arguido naquela que era também a sua própria habitação, mas sim a entrada no quarto da sua mãe a padrasto, cuja porta estava trancada e proibido o seu acesso (aliás, a própria arguida refere que o arguido só tinha acesso à área social da habitação e ao seu próprio quarto). Não existe, pois, qualquer contradição entre o ponto 4 e os pontos 6 e 7, sendo certo, porém, que a arguida não tinha qualquer autorização do ofendido e da mãe do arguido para aceder a qualquer dos espaços). O facto de o ofendido e a mãe do arguido apenas terem identificado este último como suspeito e assim constar no auto de notícia também não impõe decisão diversa, pois à data não tinham estes como saber o que se tinha passado em concreto. Quanto ao auto de apreensão n.º 5, lido o mesmo, apenas refere que os bens foram apreendidos em “arrecadação”, não permitindo concluir o mais que consta da conclusão LII. Quanto ao ponto 19, afigura-se irrelevante a alteração da matéria de facto pretendida, sendo certo que quanto aos demais pontos não foram indicadas provas que imponham decisão diversa. Tendo em conta as conclusões do recurso, verifica-se essencialmente uma interpretação subjetiva da prova feita pela recorrente, em oposição à convicção do Tribunal recorrido. Essa interpretação não se baseia em provas que imponham uma decisão diversa pois, como se viu, não basta uma mera plausibilidade da versão alternativa apresentada para afastar o juízo feito pelo Tribunal. A negação da participação da arguida no cometimento do ilícito feita por ambos os arguidos nas suas declarações foi ultrapassada pelo Tribunal recorrido, que se baseou na conjugação de vários meios de prova, como consta da fundamentação supra transcrita, não bastando a mera imprecisão quanto a pormenores circunstanciais para impor decisão diversa. A convicção do Tribunal recorrido assenta na conjugação de todos os meios de prova referidos na decisão e não especificamente num único, não sendo indicadas pela recorrente provas que imponham o afastamento dessa convicção. Mais, não pode afirmar-se que a decisão do Tribunal não se baseia em qualquer prova, pois, como é evidente, a confissão dos arguidos não é o único meio de prova admissível em processo penal, como parece pretender a recorrente. Consta da decisão a suficiente especificação dos meios de prova e as razões que permitiram ao Tribunal, com base numa apreciação crítica e apelando às razões de experiência comum concluir pela coautoria da arguida no crime de furto. Assim, e em conclusão, o recurso improcede quanto a esta questão. c) Violação do princípio da livre apreciação da prova e da presunção da inocência A terceira questão suscitada no recurso consiste na violação do princípio da livre apreciação da prova e da presunção da inocência/in dubio pro reo. O que está em causa, na perspetiva da arguida, é a prova por presunção, que em seu entender não se baseia em premissas suficientes, decorrentes de meios de prova direta, que permitam concluir pela participação de ambos os arguidos no ilícito para além de uma dúvida razoável. Cumpre apreciar. De acordo com o disposto no art. 127.º CPP, «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». A livre apreciação da prova, que não se confunde com livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, pressupõe que esta se realize de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável (ainda que não totalmente objetiva, pois não pode nunca dissociar-se da pessoa do juiz que a aprecia e na qual «desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis [v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova] e mesmo puramente emocionais (…)» - cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pág. 205). Embora não esteja sujeita a regras rígidas e catalogadas, a valoração da prova está limitada pelas regras da experiência comum, da normalidade e da lógica, para além das restrições impostas por lei. Este princípio permite ao julgador valorar livremente a prova, mas tem o dever de a fundamentar de forma lógica e racional. Já o princípio in dubio pro reo articula-se com princípio da presunção da inocência consagrado constitucionalmente no art. 32.º, n.º 2 da CRP: «além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada – 3.ª edição, p. 204). O princípio in dubio pro reo atua perante uma situação de dúvida. Conforme referido no acórdão da Relação do Porto de 17/11/2010 (P. 997.08.2GCSTS.P1.3F em www.dgsi.pt), «o princípio in dubio pro reo pressupõe que, após a produção e apreciação exaustiva de todos os meios de prova, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos; não de uma dúvida hipotética e abstrata, sugerida pela apreciação da prova feita pelo recorrente, mas antes de uma dúvida assumida pelo próprio julgador. Só há violação do princípio in dubio pro reo quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece». No caso dos autos, a arguida entende que não se alcança de que prova o Tribunal a quo se socorreu e assentou a sua convicção para dar como provados os factos referentes à participação de ambos os arguidos no furto, alegando que formulou a sua convicção em presunções inconclusivas e insuficientes para a decisão, sem o suficiente exame crítico, retirando conclusões arbitrárias e discricionárias, desconexas da prova produzida, sempre em prejuízo dos princípios da presunção da inocência ou in dubio pro reo. Ora, como resulta da fundamentação do acórdão recorrido acima transcrita e se intui da solução dada às anteriores questões suscitadas no recurso, não é assim. O facto de não existir prova testemunhal direta, nem pericial ou documental, não invalida a apreciação feita pelo Tribunal recorrido, que conjugando todos os elementos mencionados na fundamentação da decisão de facto permitiram concluir, com base em presunção, pela participação da arguida como coautora do crime de furto. Tais elementos permitiram ao Tribunal formar a sua convicção para além de qualquer dúvida razoável que tivesse de ser decidida em favor da arguida. O Tribunal ponderou globalmente os elementos de prova produzidos em audiência e explicitou as razões que o levaram a estabelecer a dita presunção. Mais se refira que o Tribunal Constitucional já concluiu pela constitucionalidade da norma inscrita no artigo 127.º do CPP, interpretada no sentido de que a apreciação da prova, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, permite o recurso a presunções judiciais (cfr. os Acórdãos n.º 391/2015, 521/2018 e os Acórdãos n.ºs 578/2016, 197/2017, 541/2018 e 149/2018, estes últimos a confirmarem, respetivamente, as Decisões Sumárias n.ºs 621/2016, 53/2017, 417/2018 e 24/2018 – citados no Acórdão n.º 444/2021, em www.tribunalconstitucional.pt). Como se refere no Ac. TC n.º 444/2021, não está vedado ao «juiz penal apreciar a prova além da prova direta que tenha sido produzida em juízo, ficando coartado de conjugar os elementos de prova disponíveis e inferir de um dado conhecimento um outro desconhecido, por intermédio de regras empíricas ou do devir normal das coisas. Essa possibilidade de lançar mão de presunções judiciais, no processo de formação da convicção sobre o julgamento de facto, não é rejeitada pela Constituição, em particular pelos princípios aqui postulados como parâmetros – o princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo, nem pelo dever de fundamentação das decisões judiciais». Importa, pois, concluir que não foi feita a aplicação de qualquer norma inconstitucional, nem o acórdão recorrido afronta o art. 32.º da Constituição. . d) Escolha e medida da pena aplicada a ambos os arguidos. Os arguidos foram condenados pela prática em coautoria de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea e), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de cinco anos e três meses de prisão. O crime em apreço é punível com uma pena de dois a oito anos de prisão. De acordo com o disposto no art. 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. O n.º 2 do art. 40.º acrescenta que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. O art. 70.º do Código Penal, por sua vez, dispõe que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Finalmente, o art. 71.º, n.º 1 do mesmo Diploma prevê que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Na determinação concreta da pena, acrescenta o n.º 2, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. O ... de prevenção acolhido pelo Código Penal, porque de proteção de bens jurídicos, determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro dessa medida de prevenção (proteção ótima e proteção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de proteção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função da reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afetados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afetados - Acórdão do STJ, de 21/10/2009, P. 589/08.6PBVLG.S1 em www.dgsi.pt). No caso em apreço, o arguido AA invoca que o Tribunal a quo não considerou factos cuja prova foi realizada e que constituem matéria de facto relevante para a medida concreta da pena, e que se reporta às suas condições socioeconómicas e familiares, mais concretamente, que: «- O Arguido dispõe do apoio mãe, que o visita regularmente e lhe deposita quantias monetárias na conta do estabelecimento prisional; - Apresenta-se abstinente de substâncias tóxicas e ilícitas; - Tem um projecto de vida futuro, que passa por continuar livre de drogas e recuperar a sua vida em termos profissionais, familiares e sociais; - Tendo o apoio da sua mãe neste projecto de vida e uma vez passado o período de reclusão, conforme resulta do relatório social do Arguido e das suas declarações prestadas na sessão de 08/10/2024». Vejamos. As condições pessoais do agente e a sua situação económica relevam, nos termos do art. 71.º, n.º 2, al. d) do Código Penal, como circunstância a atender na determinação concreta da pena. A este propósito, o Tribunal considerou na matéria de facto provada, quanto ao arguido AA que: - Este não tem atividade laboral lícita declarada e regista como última remuneração o valor de € 117,50, em ... (ponto 30); - O processo de desenvolvimento do arguido AA nasceu em … e viveu com os pais até cerca de um ano de idade, altura em que ocorreu a separação do casal (37). - Neste sentido e devido às dificuldades económicas e à falta de condições, não obstante a sua mãe trabalhasse, foi criado e apoiado por umas tias maternas, na zona do .... - Mais tarde, a mãe acabou por reorganizar a sua vida e juntar-se com um companheiro, com quem vive e mantém uma relação há 30 anos, sendo que o arguido foi viver com o padrasto e a mãe aos nove anos de idade (38). - O pai refez, igualmente, a sua vida, tendo contraído matrimónio com uma companheira de quem teve quatro filhos e exerce a profissão de … desconhecendo o arguido o seu paradeiro, pelo que não mantém qualquer tipo de contactos com o pai há mais de 30/40anos (39). - Apesar da separação dos pais, da ausência do pai na vida do arguido e do contacto com as tias maternas ao longo do seu desenvolvimento, AA relata um estilo de vida organizado, com a garantia das suas necessidades básicas e um desenvolvimento infanto-juvenil estruturado, descrevendo a educação que os familiares, mais presentes ao longo do seu desenvolvimento, lhe deram como adequada e consonante com as regras e normas vigentes na sociedade (40). - O arguido tem uma companheira, coarguida no presente processo, presa preventivamente no ... (41). - Mantém esta relação ..., sendo que à data dos factos não viviam juntos, mas passavam a maior parte do tempo juntos (42). - AA concluiu o 9º ano de escolaridade através de um curso das novas oportunidades e acabou por deixar a escola por desinteresse e desmotivação (44). - Teve a sua primeira experiência profissional aos 14 anos de idade numa … (45). - Mais tarde trabalhou três anos num armazém e depois numa …., onde exerceu a função de … durante quatro anos. Numa altura organizada da sua vida, foi funcionário da ... na linha de apoio ao cliente, cerca de dez anos. Exerceu ainda a profissão de … e realizou alguns trabalhos temporários de …, … e … (46). Perante este acervo de factos, não se afigura que exista insuficiência da matéria de facto para a decisão, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, visto que as condições sócio-económicas e pessoais do arguido que o Tribunal recorrido considerou provadas permitem fundamentar a medida concreta da pena, tanto mais que essas condições pessoais são apenas uma das circunstâncias a considerar, de harmonia com o art. 71.º, n.º 2, al. d) do Código Penal. Por outro lado, o relatório social refere que o arguido é consumidor de estupefacientes e que este informou em entrevista que não consome estupefacientes desde que está em reclusão, não deixando aí de se assinalar que este necessita de retomar o acompanhamento médico especializado na área das dependências, pelo que não permite extrair a conclusão de que este está abstinente de substâncias tóxicas e ilícitas, muito menos que exista qualquer situação estabilizada a esse nível dado que o mesmo relatório refere que o arguido informou que pretende retomar o acompanhamento no ..., onde era seguido e deixar os consumos (cfr. o relatório social referente ao arguido). Quanto ao mais, não se crê que tenha sido omitida qualquer factualidade determinante para a determinação concreta da pena, não podendo considerar-se factual a alusão aos projetos verbalizados pelo arguido. Assim, e em suma, não há omissão de factos relevantes necessários para ponderar a situação pessoal do arguido, pelo que a decisão não carece de fundamentação de facto para a decisão, nem esta é passível de ser alterada. O arguido AA refere também que não foi considerada a sua confissão integral e sem reservas. Sucede que, embora o arguido tenha admitido a prática dos factos que lhe eram pessoalmente imputados, o Tribunal tomou em consideração, como não poderia deixar de fazer, a atitude autodesculpabilizante, justificando a sua conduta com o facto de ser toxicodependente, assim como a evolução da sua narrativa, com a manifesta intenção de desresponsabilizar a arguida da participação dos factos. Como se refere no acórdão recorrido, «não obstante a admissão dos factos por parte do arguido AA nos termos mencionados, o certo é que na realidade o arguido admitiu o que não podia negar e nas declarações prestadas em nada contribuiu para a descoberta da verdade já que assumiu uma postura de desresponsabilização da arguida BB, tentado quase desesperadamente eximi-la da responsabilidade». Essa postura autodesculpabilizante é retomada no presente recurso, quando o recorrente sustenta que a sua atuação se deveu unicamente à toxicodependência e à necessidade de “tirar a ressaca”, o que também foi rebatido pelo Tribunal recorrido, na medida em que a apropriação de mais de € 190.000,00 em numerário e objetos em ouro, excede ostensivamente o que seria necessário para adquirir a quantidade de droga necessária para pôr termo à privação. Também não colhe o invocado arrependimento do arguido, que apenas é verbalizado no presente momento, depois de delapidada aquela avultada quantia quase na totalidade num curto período de meses. Assim, considera-se que o tribunal recorrido fez uma ponderada consideração das circunstâncias, nomeadamente: - Elevadas necessidades de prevenção geral, dada a instabilidade e alarme social resultantes do aumento dos crimes contra o património. - Grau de ilicitude dos factos muito elevado, tendo em conta designadamente o modo de cometimento dos crimes de furto qualificado, praticado em ambiente familiar, mediante arrombamento de uma porta e do cofre onde se encontrava a maior parte do dinheiro furtado, revelando por parte dos arguidos maior audácia, e determinação na superação dos obstáculos para a obtenção do resultado ilícito (o crime preenche, além da circunstância prevista na alínea a] do n.º 2 do art. 204.º do Código Penal pela qual se afere a moldura abstrata, a circunstância prevista na alínea e) do n.º 1); - A natureza e elevadíssimo valor dos bens subtraídos, dos quais apenas foram recuperados uma pequena parte; - O dolo direto e a intenso; - As condições pessoais do arguido, das quais ressalta imaturidade e falta de preparação para manter um modo de vida autónomo; - As características de personalidade, que não revelam suficiente interiorização do desvalor da sua conduta; - A existência de antecedentes criminais por dois crimes de consumo de estupefacientes. Tudo ponderado, a pena fixada em cinco anos e três meses de prisão, que corresponde sensivelmente a dois terços da moldura abstrata, é proporcional à culpa evidenciada e adequada às exigências de prevenção geral e especial, pelo que importa concluir que o Tribunal recorrido aplicou corretamente as normas legais na fixação da medida concreta da pena, a qual não merece censura. O recurso improcede quanto ao arguido AA. * A arguida BB, afastada que está a sua absolvição, insurge-se também contra a pena de cinco anos e três meses de prisão em que foi condenada, que entende excessiva, por desnecessária, desadequada e desproporcional. Desde logo, a recorrente refere que o Tribunal recorrido não deveria ter considerado o grau de ilicitude do facto como muito elevado, atendendo à situação de toxicodependência e ao consumo excessivo e desenfreado de produtos estupefacientes, que toldaram o raciocínio e a capacidade de discernimento, dominando o instinto primário e único de satisfação da abstinência, o que deve atenuar a responsabilidade dos agentes. Como já se viu, é de excluir esta linha de argumentação, tal é a desproporção entre os valores furtados (mais de € 190.000,00 em numerário e objetos em ouro) e o que seria necessário para fazer cessar qualquer situação de abstinência, a não permitir concluir que a arguida agiu apenas para satisfazer uma necessidade pontual de consumir estupefacientes. Por outro lado, a recorrente alega que o Tribunal a quo não considerou provados factos relevantes para a medida concreta da pena, nomeadamente os que constam do relatório social da arguida: a) «A manutenção do suporte parental propicia segurança à arguida, quer na situação atual quer em meio livre»; b) «A arguida tem mostrado disposição para abandonar o consumo de drogas e assumir uma mudança do seu modo de vida, de forma mais socialmente integrada»; c) «A reclusão permitiu que refletisse acerca da sua história de opções e de orientações, nomeadamente no que respeita à cessação dos anteriores hábitos de consumo de estupefacientes e ao retomar dos estudos». Sobre a situação da arguida, o Tribunal considerou provado: «47.A arguida BB à data da prática dos factos vivia uma situação de itinerância geográfica, pernoitando algumas noites em casa dos pais, outras na casa do namorado e ainda em outros locais temporários. 48.A arguida assumira, um estilo de vida dependente do consumo de produtos estupefacientes, situação que interferia negativamente no relacionamento que mantinha com a sua família e com o trabalho, dois sistemas socializadores exigentes ao nível de responsabilidades e competências. 49.A arguida assume que consome drogas deste os 15 anos de idade, nomeadamente haxixe e heroína. Mais tarde, iniciou os consumos de cocaína e de outras substâncias estupefacientes. Apesar de ter feito tratamento no ex-CAT da ..., durante cerca de dois anos, em consultas relativamente regulares, mas nunca deixaria de consumir estupefacientes. 50.À data dos factos BB encontrava-se desempregada e sem meios de subsistência. O último emprego teve lugar há cerca de dois anos, num lar de idosos, em ..., onde laborou como auxiliar, durante cerca de três meses. Nessa época de modo a afastar-se do seu ambiente de risco, foi viver durante algum tempo, para a segunda casa dos pais, nessa localidade. 51. A arguida frequentou a Licenciatura de Tradução, variantes Espanhol e Inglês na ..., faltando-lhe oito cadeiras para concluir a licenciatura e tenciona retomar os estudos em meio prisional, prevê retomar os estudos em meio prisional, 52.A arguida mantém relacionamento afetivo com o co-arguido AA desde ..., quando tinha 24 anos. 53.Assume a união como vinculada ao nível afetivo e emocional sem, no entanto, se considerar dependente do companheiro. De resto, reconhece que os progenitores não aceitam esta ligação, considerando-a perniciosa para o bem-estar da arguida. 54.A arguida teve uma infância e adolescência felizes até se envolver no consumo de estupefacientes em meio escolar, na sequência de experiência que refere como traumática 55.O clima socio familiar foi equilibrado e em consonância com os padrões e valores socio morais vigentes. 56.Os pais trabalharam na área da … em diversas empresas e como empresários, encontrando-se ambos reformados. 57.A arguida encontra-se no ..., presa preventivamente, desde outubro de 2023, à ordem do presente processo. 58.Inicialmente mostrou dificuldades de adaptação ao meio prisional, registando duas sanções disciplinares: uma em fevereiro respeitante a 7 dias de proibição de utilização do fundo e outra de 3 dias de permanência obrigatória no alojamento. 59.No Estabelecimento Prisional tem sido acompanhada pelos serviços clínicos. BB expressa satisfação pelo acompanhamento e pelos respetivos resultados. 60.Atualmente apresenta -se abstinente de substâncias tóxicas e ilícitas. Revela contentamento por alcançar esse objetivo durante a presente medida coativa. 61. A arguida dispõe do apoio dos pais, que a visitam regularmente e lhe depositam quantias monetárias na conta do Estabelecimento prisional». Como é patente, o Tribunal recorrido fez uma exaustiva e cuidada análise da situação pessoal da arguida, que transpôs para os factos provados, pelo que a decisão não padece de qualquer vício, nomeadamente o previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP. A matéria que a recorrente pretendia aditar ou consta da decisão de facto ou não tem qualquer relevância acrescida ao que desta consta, pelo que nada existe a acrescentar aos factos provados, improcedendo o recurso quanto a esta questão. A arguida refere que não é verdade que não tenha interiorizado o desvalor da sua atuação, pois ficou profundamente envergonhada por ter ficado com algo que não era seu. Porém, isso não a impediu de, conjuntamente com o arguido, delapidar uma quantia avultadíssima em poucos meses, nada fazendo para diminuir ou reparar o mal feito. Aliás, após a detenção da arguida e apresentação a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, verificou-se que esta tinha ocultado a quantia de € 4.720,00 no interior do seu próprio corpo, o que bem demonstra a inconsistência da sua argumentação, pois mesmo após a detenção, em que não tinha como não ser confrontada com as consequências dos seus atos, procurou por todos os meios conservar algum do dinheiro apropriado. Como acima se viu, para a determinação da medida concreta da pena o tribunal recorrido fez uma ponderada consideração das circunstâncias, nomeadamente: - Elevadas necessidades de prevenção geral, dada a instabilidade e alarme social resultantes do aumento dos crimes contra o património. - O grau de ilicitude dos factos muito elevado, tendo em conta designadamente o modo de cometimento dos crimes de furto qualificado, praticado em ambiente familiar, mediante arrombamento de uma porta e do cofre onde se encontrava a maior parte do dinheiro furtado, revelando por parte dos arguidos maior audácia, e determinação na superação dos obstáculos para a obtenção do resultado ilícito (o crime preenche, além da circunstância prevista na alínea a] do n.º 2 do art. 204.º do Código Penal pela qual se afere a moldura abstrata, a circunstância prevista na alínea e) do n.º 1); - A natureza e elevadíssimo valor dos bens subtraídos, dos quais apenas foram recuperados uma pequena parte; - O dolo direto e intenso; - As condições pessoais da arguida, que embora esteja abstinente de substâncias tóxicas e ilícitas e perspetive retomar os estudos da sua licenciatura, não revela capacidade de manter um modo de vida autónomo; - As características de personalidade, que não revelam suficiente interiorização do desvalor da sua conduta; - A existência de antecedentes criminais, ainda que por crime de natureza diversa. Deste modo, a pena de cinco anos e três meses de prisão, que corresponde sensivelmente a dois terços da moldura abstrata, é proporcional à culpa evidenciada e adequada às elevadas exigências de prevenção geral e especial de ressocialização, pelo que importa concluir que o Tribunal recorrido não aplicou erradamente as normas legais na fixação da medida concreta da pena, nem aplicou qualquer preceito legal em violação da Constituição. Atenta a medida da pena, não é admissível a suspensão da execução da pena de prisão, pelo que não há que ponderar essa questão (art. 50.º do Código Penal). O recurso da arguida BB improcede na totalidade. DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar os recursos dos arguidos AA e BB totalmente improcedentes. Custas pelos Recorrentes, fixando-se em 4 (quatro) UC a respetiva taxa de justiça. Lisboa, 22/04/2025 Rui Poças Ester Pacheco dos Santos Pedro José Esteves de Brito |