Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1314/08-2
Relator: ISABEL CANADAS
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I- A da sentença é uma exigência de racionalidade postulada pela sistematicidade do Direito e pelo princípio constitucional da submissão dos tribunais à Constituição e à lei, uma vez que, além de constituir um factor decisivo para o convencimento das partes sobre a bondade da decisão, a indicação da fundamentação e a sua inteligibilidade garantem o controlo sobre a legalidade da mesma decisão e asseguram o exercício esclarecido do contraditório, nomeadamente por via de recurso.
II- A falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou é, de todo, inintelegível o quadro factual em que era suposto assentar;
III- A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença não se revela qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.
(IC)
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
1. António instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra Nuno, pedindo que o R. seja condenado no pagamento ao A. da quantia de € 14.813,86, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.
Para tanto alegou, em resumo, que:
-O R. é o responsável por um grupo musical denominado “CCM”;
- Em Setembro de 1999, o A. integrou o referido conjunto musical, em parceria com o R;
- A. e R. obrigaram-se em conjunto a contribuir para a dinamização de um projecto musical e a repartirem os lucros resultantes da referida actividade;
- Na sequência da união efectuada, A. e R. decidiram adquirir, em conjunto, uma aparelhagem de som, denominada por “PA completo”, pela quantia global de 7.399,96 Euros;
- Para o pagamento da referida aparelhagem HK Audio Serie LP, acordaram A. e R. com a firma vendedora que o mesmo fosse efectuado através de pagamentos mensais, na ordem dos 648 Euros, e que ocorreram de Setembro de 1999 a Fevereiro de 2002;
-A. e R. adquiriram, ainda, nove microfones em 2ª mão, no valor de 473 Euros, tendo, posteriormente, alienado um deles pela quantia de 74,82 Euros, bem como um modelador de vozes em 2ª mão, no valor de 149,64 Euros,
- A actividade musical desenvolvida pelo grupo, reforçada com a aquisição da referida aparelhagem, encontrava-se especialmente vocacionada para a animação de festas, casamentos e arraiais, bem como na participação em espectáculos em bares e discotecas;
-Toda a actividade do grupo era exclusivamente realizada pelos dois sócios e, ainda, por um terceiro elemento que recebia, por cada actuação, uma comissão fixa;
- Tendo em atenção toda a actividade desenvolvida, as receitas mensais rondavam os 2000 Euros, cabendo a cada um dos sócios uma quantia mensal nunca inferior a 625 Euros;
- No dia 28 de Fevereiro de 2002, sem apresentar qualquer justificação, o R. disse ao A. que não pretendia continuar a trabalhar com ele e informou-o de que tencionava continuar a gerir e desenvolver sozinho o conjunto musical de ambos;
- O R., aproveitando o trabalho de dinamização e publicidade efectuado pelo A., realizou todos os espectáculos que já se encontravam agendados, pelo menos, até Setembro de 2002, privando o A. de obter os correspondentes proventos económicos, no valor global de 4.364,48 Euros;
- No final do ano de 2002, o A. teve 18 convites que não pode aceitar dado não dispor de um conjunto musical, nem dos meios para poder actuar;
- A aparelhagem musical, denominada por “PA completo”, os 8 microfones e o modelador de vozes, que foram pagos por A. e R. em partes iguais, ficaram na posse do R..

2. Pessoal e regularmente citado com a cominação legal, o R. contestou:
- por impugnação, dizendo, no essencial, que as coisas se passaram de modo parcialmente diverso da versão apresentada pelo A.,
- e deduzindo, ainda, reconvenção, alegando, em síntese, que, durante o tempo em que o A. actuou no grupo musical e em consequência dessa actuação, o R. teve vários problemas do foro psicológico, e que, por causa do comportamento do A., o grupo musical perdeu várias actuações, deixando de receber, de Fevereiro de 2002 a Maio de 2003, € 15.000.
Termina pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do R. do pedido, e pela procedência da reconvenção e consequente condenação do A. a pagar ao R. a quantia de €21.500.

3. O A. deduziu réplica, em que conclui pela improcedência da reconvenção.

4. Por despacho de fls. 65, consignou-se que a acção passava a seguir a forma ordinária «por força do pedido reconvencional», determinando-se a respectiva remessa às Varas Mistas.

5. Sob a incorrecta epígrafe de “despacho saneador”, foi dispensada a realização a audiência preliminar, e, em pré-saneamento, proferido despacho de admissibilidade da reconvenção e fixado o valor da causa, e, de seguida, seleccionada a matéria de facto tida por relevante, mediante elaboração dos factos assentes e organização a base instrutória.

6. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, sendo a matéria de facto controvertida decidida pela forma constante do despacho de fls. 158-159.

7. Por fim, foi proferida sentença a julgar:
- a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, a condenar o R. no pagamento ao A. da quantia de € 3.699,98, correspondente a metade do valor que foi comparticipado na aquisição da aparelhagem denominada PA, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação do R., absolvendo este do demais peticionado pelo A.;
-a reconvenção improcedente, por não provada, e, em consequência, a absolver o A. / reconvindo do pedido reconvencional.

8. Inconformado, o R. interpôs recurso de apelação da sentença - que foi recebido com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 179)-, tendo formulado, a rematar a respectiva alegação, as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. A sentença recorrida é nula, por verificação da previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 668º do C.P.C.;
2ª. A sentença recorrida não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, pois utiliza factos que não foram dados como provados para deles extrair uma conclusão de direito, que não podia fazer.
3ª. A sentença recorrida não dá como provado que o recorrido foi impedido de actuar no grupo;
4ª. A sentença recorrida não dá como provado que o recorrido actuou no mesmo grupo até Setembro de 2002 e que foi o recorrente a impedir essa actuação;
5ª. A sentença recorrida não dá como provado que a sociedade atípica tivesse tido perdas, nem que proporções de entradas tiveram o recorrente e o recorrido.
6ª. Assim como o recorrente não logrou demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos invocados na reconvenção, igualmente o recorrido não o logrou fazer, pelo menos tal não ficou dado como provado na sentença recorrida, pelo que não poderia o recorrente ter sido condenado a pagar ao recorrido a quantia de Euros 3.699,98.
7ª. O art.º 659º do C.P.C. encontra-se violado pela sentença recorrida, já que o Tribunal “a quo” deveria ter aplicado o direito aos factos dados como provados, isto é, deveria ter absolvido o recorrente do pagamento da quantia de Euros 3.699,98, em virtude de não ter considerado provado que o recorrido foi impedido em Setembro de 2002 de actuar no grupo, não se encontrando provados, igualmente, factos conducentes à verificação dos danos e prejuízos do recorrido.
Conclui pela revogação da sentença recorrida, «substituindo-se por outra que absolva o recorrente do pagamento da quantia de Euros 3.699,98».

9. O A. contra-alegou, pugnando pela justeza do julgado e formulando as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. Provou-se que Autor e Réu adquiriram, em conjunto, uma aparelhagem de som denominada por “PA Completo” composta por uma mesa de mistura, um amplificador, quatro colunas HK e quatro sub colunas de graves pela quantia total de EUR 7.399,96 – cfr. a. C) dos Factos assentes.
2ª. Provou-se, igualmente, que para pagamento da referida aparelhagem, acordaram Autor e Réu com a firma vendedora denominada “A, Lda” que o mesmo fosse efectuado através de pagamentos mensais, na ordem dos EUR 648,00 e que ocorreram de Setembro de 1999 a Fevereiro de 2002 – cfr. al. D) dos Factos Assentes.
3ª. Provou-se, por fim, que a aparelhagem musical adquirida por ambos continua ao serviço do Réu – cfr. al. F) dos Factos Assentes.
4ª. Nada mais se provou.
5ª. Atento o disposto no artº 342º nº1 do C.C., competia ao recorrido alegar e provar os factos constitutivos do direito invocado.
6ª. Provou-se, apenas, que a aparelhagem musical denominada por “PA Completo” havia sido efectivamente adquirida e paga por recorrido e recorrente em partes iguais, pelo valor global de EUR 7.399,96, e que esta se encontra ao serviço do recorrente.
7ª. Em face do exposto, bem esteve a sentença recorrida ao considerar que o recorrido apenas tem o direito de reclamar do recorrente a quantia correspondente a metade do valor comparticipado na aquisição da invocada aparelhagem, ou seja, o valor de EUR 3.699,98.
8ª. A sentença recorrida discrimina os factos provados e não provados, fazendo a correcta aplicação do Direito à factualidade apurada.

10. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objecto do recurso
Conforme deflui do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artº. 660º ex vi do artº. 713º, nº 2, do citado diploma legal.
Dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Recorrente respigam-se como questões solvendas as seguintes, alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas:
- da pretensa nulidade da sentença recorrida, por falta de fundamentação (conclusões 1ª e 2ª);
- do pretextado erro de julgamento adveniente da incorrecta dedução da consequência jurídica a partir de factos que não foram dados como provados (conclusões 3ª a 7ª) .

III. Fundamentação
1. Factualidade dada como provada em 1ª instância (traduzindo-se a presente enunciação na mera exposição descritivo-narrativa da factualidade assente pelas partes e da provada em julgamento)
1.1. O Réu é o responsável por um grupo musical denominado “CCM” (Alínea A) dos Factos Assentes).
1.2. Em Setembro de 1999, o Autor integrou o referido conjunto musical (Alínea B) dos Factos Assentes).
1.3. Autor e Réu adquiriram, em conjunto, uma aparelhagem de som, denominado por “PA completo”, composta por uma mesa de mistura Behringer MX 1604-A, um amplificador LAX MA 5200 MKII, quatro colunas HK Audio LP 112, quatro sub colunas de graves HK LP 118, pela quantia total de 7.399,96 Euros (Alínea C) dos Factos Assentes).
1.4. Para pagamento da referida aparelhagem HK Audio Serie LP acordaram Autor e Réu com a firma vendedora, denominada “A, Lda”, que o mesmo fosse efectuado através de pagamentos mensais, na ordem dos 648 Euros e que ocorreram de Setembro de 1999 a Fevereiro de 2002 (Alínea D) dos Factos Assentes).
1.5. A actividade musical desenvolvida pelo grupo, reforçada com a aquisição da referida aparelhagem, encontrava-se especialmente vocacionada para a animação de festas, casamentos e arraiais (Alínea E) dos Factos Assentes).
1.6. A aparelhagem musical adquirida por ambos continua ao serviço do réu (Alínea F) dos Factos Assentes).
1.7. O grupo actuava todas as sextas-feiras e fins-de-semana (Resp. Quesito 8º da Base Instrutória).

2. Do pretenso erro formal da sentença (error in procedendo): nulidade da al. b) do nº 1 do artº. 668º do Cód. Proc. Civil.
2. 1. Enquadramento normativo preliminar
A violação das normas processuais que disciplinam a elaboração da sentença (em geral: artºs. 138º, 139º, nº 1, 143º, nº 1, 157º, 158º e 159º do Cód. Proc. Civil; em particular, artºs. 659º a 661º do Cód. Proc. Civil), enquanto acto processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas da sentença previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artº. 668º do Cód. Proc. Civil.
No caso vertente, convoca o Apelante, de forma expressa, a nulidade típica da sentença prevista na al. b) do citado do nº 1 do artº. 668º do Cód. Proc. Civil (falta de fundamentação).
Efectivamente, em desenvolvimento do dever de fundamentar as decisões judiciais, consagrado nos artºs. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e 158º do Cód. Proc. Civil, e particularizando tal directriz, o artº. 659º deste Cód. impõe que, por regra, na fundamentação da sentença, o juiz deva:
- discriminar os factos que considera provados - tomando em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os que tiverem sido dados como provados em sede de julgamento de facto -, conforme exigem os seus nºs. 2 e 3;
- e proceder ao seu enquadramento jurídico, indicando, interpretando e aplicando as disposições legais pertinentes (cfr. nº 2 do mesmo artº. 659º do Cód. Proc. Civil).
Tal fundamentação é, aliás, uma exigência de racionalidade postulada pela sistematicidade do Direito e pelo princípio constitucional da submissão dos tribunais à Constituição e à lei, garantia essencial de um Estado de Direito democrático, uma vez que, além de constituir um factor decisivo para o convencimento das partes sobre a bondade da decisão, a indicação da fundamentação e a sua inteligibilidade garantem o controlo sobre a legalidade da mesma decisão e asseguram o exercício esclarecido do contraditório, nomeadamente por via de recurso.
É, pois, em vista de tal desiderato que o invocado artº. 668º, nº 1, al. b), do Cód. Proc. Civil, sanciona com a nulidade da sentença as hipóteses de violação grave do dever de fundamentação que comprometa irremediavelmente aqueles objectivos.
Ou seja:
- a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou é, de todo, inintelegível o quadro factual em que era suposto assentar;
- a falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença não se revela qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão,
não relevando, para este efeito, a mediocridade ou mesmo a insuficiência de fundamentação, as quais, quando muito, podem traduzir-se em erro de julgamento.
Na impressiva síntese de ALBERTO DOS REIS, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, p. 140).
2.2. Da pretensa falta de fundamentação no caso vertente
Depois desta sumária indagação e interpretação das normas jurídicas relevantes, importa agora reverter ao caso concreto:
Padece a sentença sob recurso do vício formal de falta de fundamentação para os efeitos da nulidade cominada na al. b) do nº 1 do artº. 668º do Cód. Proc. Civil, como pretexta o R.?
Conforme supra referido, só a falta absoluta ou a total ininteligibilidade do quadro factual e/ou do enquadramento jurídico (violação grave do dever de fundamentação) conduz à invocada nulidade da sentença.
Ora, da simples análise da sentença sob recurso resulta não se verificar, minimamente, o vício enunciado.
Na verdade, na sentença ora sob recurso, em sede de fundamentação:
- na exposição das razões de facto, procedeu-se à enunciação, de forma discriminada, da factualidade assente pelas partes e da provada em julgamento (factos assentes e resposta ao Quesito 8º da Base Instrutória): cfr. fls. 162-163;
- do enquadramento jurídico da factualidade assente, constam juízos classificatórios da realidade em apreço; juízos interpretativos dos normativos convocados, culminando-se na caracterização jurídica dos factos apurados e na concretização do efeito jurídico correspondente: cfr. fls. 164-166.
Não se vislumbra, pois, qualquer falta de fundamentação que afecte formalmente a sentença recorrida.

3. Do erro de julgamento adveniente da incorrecta extracção de conclusão jurídica a partir de factos que não foram dados como provados (error in judicando)
Procedendo, todavia, à análise da argumentação expendida sob as 3ª a 7ª conclusões recursórias, verifica-se que tais conclusões versam, substancialmente, sobre o enquadramento jurídico efectuado em sede de sentença (qualificação do contrato celebrado entre as partes), questionando o Apelante que o quadro normativo ali aplicado tenha sido convocado a partir do factualismo dado como provado, uma vez que, não se tendo dado como provado que o recorrido foi impedido de actuar no grupo, o recorrido tenha actuado no mesmo grupo até Setembro de 2002 e que foi o recorrente a impedir essa actuação, que a sociedade atípica tivesse tido perdas, nem que proporções de entradas tiveram o recorrente e o recorrido (reportando-se, assim, designadamente, às respostas negativas e restritivas aos Quesitos 1º, 2º, 6º e 12º da Base Instrutória), o A. / Recorrido não logrou fazer prova dos factos constitutivos do direito que invoca, pelo que não podia o tribunal a quo ter considerado que o negócio celebrado ente A. e R. configurava um contrato atípico de sociedade.
Ou seja, embora o Apelante venha arguir, em termos formais, a nulidade da sentença recorrida, o mesmo invoca a incorrecta dedução da consequência jurídica a partir de factos que não foram dados como provados, o que consubstancia verdadeira arguição de erro de julgamento.
Todavia, contrariamente ao argumentado pelo Apelante, a conclusão extraída (juízo de procedência parcial e condenação do R. no pagamento ao A. da quantia de € 3.699,98) apenas se alicerçou no factualismo dado como provado (a actividade musical desenvolvida pelo grupo constituído pelo R. e A., reforçada com a aquisição de uma aparelhagem adquirida, em conjunto, no valor de € 7.399,96, a qual se encontrava especialmente vocacionada para a animação de festas, casamentos e arraiais: cfr. fls. 165 e pontos 1.1., 1.2., 1.3. e 1.5. dos Factos Provados).
E tal acervo fáctico dado como provado suporta efectivamente o sentenciado?
Repristinando tal factualismo, temos, então, que:
- O Réu é o responsável por um grupo musical denominado “CCM”;
- Em Setembro de 1999, o Autor integrou o referido conjunto musical;
- Autor e Réu adquiriram, em conjunto, uma aparelhagem de som, denominado por “PA completo”, composta por uma mesa de mistura Behringer MX 1604-A, um amplificador LAX MA 5200 MKII, quatro colunas HK Audio LP 112, quatro sub colunas de graves HK LP 118, pela quantia total de 7.399,96 Euros;
- A aparelhagem musical adquirida por ambos continua ao serviço do réu.
Ora, uma tal descrição fáctica (A. e R. adquiriram uma aparelhagem de som - para a actividade musical desenvolvida pelo grupo musical -, pela quantia global de € 7.399,96) apenas caracteriza a existência de uma relação jurídica de compropriedade entre A. e R. sobre a aparelhagem que ambos adquiriram (cfr. nº 1 do artº. 1403º do Cód. Civil), divergindo-se, por conseguinte, da qualificação do contrato operada na sentença sob recurso, uma vez que o A. não logrou provar que o tipo de acordo estabelecido entre as partes potenciava a rentabilidade da aparelhagem (cfr. respostas restritiva e negativa aos Quesitos 1º e 2º da Base Instrutória).
Por outro lado, não se tendo provado qual a percentagem com que cada um deles adquiriu a aparelhagem, nos termos da 2ª parte do nº 2 do artº. 1403º do Cód. Civil, presume-se que as quotas são quantitativamente iguais, isto é, no caso presente, de 50%.
Por último, encontra-se provado que a aparelhagem, adquirida por ambos, perante a saída do A. do conjunto musical (sendo irrelevante, neste conspecto, se foi impedido ou não de continuar no conjunto musical, embora nada se tenha provado a este respeito), continua ao serviço do Réu.
Posto isto, conclui-se que o A. tem direito a receber o montante correspondente a metade do valor da aparelhagem (€ 7.399,96:2 = € 3.699,98), conforme se decidiu na sentença impugnada, ainda que por fundamentação totalmente diversa.
IV. Decisão
Posto o que precede, acordam os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em, julgando totalmente improcedente a apelação, manter, por consequência, a sentença recorrida na parte impugnada, ainda que por fundamentação diversa da expendida em 1ª instância.
Custas pelo Apelante.

Lisboa, 19 de Março de 2009
(Processado e integralmente revisto pela relatora, que assina e rubrica as demais folhas)
(Isabel Canadas)
(Sousa Pinto)
(Jorge Vilaça)