Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
116/2004-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
OPÇÃO PELA INDEMNIZAÇÃO
ANULAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Sumário: I- Se, na petição inicial da acção de impugnação de despedimento, o A. se reserva o direito de optar, até à data da sentença, pela indemnização por antiguidade em substituição da reintegração e, findos os articulados, se verificar que a acção pode ser decidida de mérito no despacho saneador, deve, previamente a essa decisão, ser notificado o A., a fim de lhe ser facultado o exercício do referido direito de opção.
II- Se o saneador-sentença, embora referindo que os autos dispõem de todos os elementos suficientes para decidir o funda da causa, omite totalmente a enunciação dos elementos de facto em que se baseou para apreciar as questões de direito e, ainda que nenhuma das partes tenha arguido a nulidade de falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, deve o Tribunal da Relação anular oficiosamente a decisão, com vista à discriminação dos elementos de facto provados, com interesse para a decisão da causa, em conformidade e por maioria de razão, com o disposto pelo nº 4 do art. 712º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

(...)
São várias as questões que se suscitam nos recursos interpostos:
1. Saber se antes de proferir o despacho saneador sentença, a Sra. juíza devia ter notificado a autora para, querendo, exercer o seu direito de opção pela indemnização de antiguidade em substituição da sua reintegração na empresa;
2. Saber se o processo disciplinar enferma de alguma nulidade que o invalide e, na negativa, se a A. foi ou não despedida com justa causa.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. No final da sua petição inicial, a autora concluiu pela ilicitude do seu despedimento por nulidade do processo disciplinar e ausência de justa causa e, em consequência, pediu que a Ré seja condenada a reintegrá-la no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe os salários vencidos e vincendos até decisão final, reservando-se o direito de optar até à sentença pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração, tal como lhe permite o art. 13º, n.ºs 1, al. b) e 3 do DL 64-A/89, de 27/2 [LCCT].
Dispõe o art. 13º, n.º 1, al. b) da LCCT que se o despedimento for declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada na reintegração do trabalhador, salvo se este exercer, até à data da sentença, o direito de opção previsto no n.º 3, ou seja, optar pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração.
Como afirma Furtado Martins (Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva, pág. 146), compreende-se que o trabalhador não tenha de formular a sua escolha logo no momento da interposição da acção, pois é natural que a sua opção dependa dos acontecimentos que se verificarem no decurso desta. De facto, é durante o processo que as posições das partes em litígio se esclarecem totalmente, podendo dar-se o caso de as circunstâncias em que o próprio processo decorreu evidenciarem ao trabalhador as dificuldades que poderá encontrar num reatamento normal das relações de trabalho, fazendo com que prefira ser indemnizado a ser reintegrado. Por outro lado, não se descortinam quaisquer interesses dignos de tutela que obstem a que o trabalhador formule o pedido em alternativa.
No caso em apreço, a Sra. juíza julgou procedente a acção no despacho saneador e condenou a Ré a reintegrar a A., sem lhe ter dado oportunidade de exercer seu direito de opção pela indemnização de antiguidade, uma vez que não deu conhecimento às partes de que ia conhecer do mérito da causa, naquela fase do processo.
E uma das questões suscitadas num dos recursos interpostos é a de saber se a Sra. juíza podia legalmente proceder como procedeu ou se, pelo contrário, devia, antes de proferir essa decisão, notificar a autora para exercer, querendo, o seu direito de opção.
Embora não exista qualquer norma que obrigue expressamente o juiz a tomar qualquer medida neste tipo de situações, pensamos que a atitude assumida pela Mma juíza a quo não é correcta. Em nossa opinião, esta, antes de decidir, devia notificar a autora para, querendo, exercer esse direito.
Com efeito, se a lei substantiva confere ao trabalhador um determinado direito, não será legítimo retirar-lho, com base em eventuais “insuficiências” da lei adjectiva. As normas processuais cumprem uma função instrumental e esta nunca deve sobrepôr-se ao direito substantivo.
Neste sentido, é extremamente claro e incisivo o comando constante do actual art. 2º do CPC quando prescreve que a todo o direito deve corresponder uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.
E, para concretização deste princípio, foi (até) formulado um novo preceito – o art. 265º-A do CPC - no qual se estabelece que “quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente (...) determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo (...).”
Além disso, o art. 266º, n.º 1 e 2 do CPC impõe aos magistrados, aos mandatários e às próprias partes que conjuguem esforços para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, podendo o juiz, para esse efeito, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, em qualquer altura do processo, ou remover qualquer obstáculo que se lhe depare, nesse caminho.
Assim, sendo incontestável o direito da autora optar, até à data da sentença, por uma das alternativas que o art. 13º, n.ºs 1, al. b) e 3 da LCCT lhe reconhece, deveria a M.ma juíza a quo, no caso em apreço e nestas circunstâncias, tomar a providência que julgasse adequada para que esse direito ficasse acautelado e o efeito útil da acção fosse assegurado.
Ao proceder, como procedeu, preteriu os procedimentos necessários que o art. 2º, n.º 2, 265º, n.º 3 e 266º do CPC impõem ao juiz para acautelar e assegurar o efeito útil da acção, acabando por frustrar desta forma, o exercício do referido direito de opção e um dos objectivos que a autora pretendia alcançar com este processo.
Deve, portanto, ser facultada à autora a possibilidade de escolher uma das alternativas que constavam da pretensão que formulara na sua petição inicial.

2. Cabia-nos, agora, conhecer das demais questões suscitadas nos recursos, mas a forma como foi elaborada a decisão impugnada, não nos permite apreciar essas questões.
No início desse despacho saneador-sentença, a Sra. juíza consignou o seguinte:
“Face à matéria de facto articulada, parece-nos que a presente acção pode ser decidida no despacho saneador, dado que os autos dispõem de todos os elementos suficientes e a simplicidade da causa o permite, ao abrigo do disposto no artigo 61º, n.º 2. do Código de Processo do Trabalho.”(Sublinhado nosso).
Lemos e relemos o referido despacho saneador-sentença, mas não conseguimos encontrar os tais elementos que levaram a Sra. juíza a conhecer do mérito da causa no despacho saneador. Em vez de enunciar, como a lei lhe impunha (arts. 205º, n.º 1 da CRP, 158º, 659º, n.º 2 e 668º, n.º 1, al. b) do CPC), todos esses elementos de facto que considerou suficientes para conhecer da acção, nessa fase do processo, a Sra. juíza passou, de imediato, a apreciar cada uma das questões suscitadas pelas partes, sem discriminar os fundamentos de facto em que se baseou para apreciar essas questões.
Ora, esta Relação só pode proceder à reapreciação da causa e conhecer dos recursos interpostos, se tiver conhecimento dos factos em que se fundou a sentença recorrida, isto é, se equacionar primeiro os factos em que se baseou essa sentença.
É certo que nenhuma das partes arguiu essa omissão e é certo também que a não especificação dos fundamentos de facto de uma decisão constitui uma nulidade que não é de conhecimento oficioso, isto é, uma nulidade que só pode ser conhecida se for arguida por alguma partes. É preciso, no entanto, ter presente que a alínea b) do n.º 1 do art. 668º do CPC, ao exigir a especificação dos fundamentos de facto da decisão, está-se a reportar apenas à fundamentação ou motivação dessa mesma decisão, no plano factual, e não à enunciação propriamente dita dos factos provados ou ao julgamento dos factos necessários à decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, cuja omissão constitui, ao contrário daquela, nulidade de conhecimento oficioso (cfr. Ac. do STJ de 22/2/85, BMJ 344º, 353 e Ac. do STA, de 23/6/88, BMJ 378º, 771).
No caso em apreço, a Mma juíza a quo só podia conhecer, como conheceu, do mérito da causa no despacho saneador, se o processo já lhe fornecesse os elementos de facto relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, impondo-lhe a lei que, independentemente da solução que perfilhou, enunciasse toda essa matéria de facto (cfr. arts. 510º, n.º 1, al. b) e 511º, n.º 1 do CPC).
Ora, foi precisamente a enunciação de toda essa matéria de facto que a Sra. juíza a quo omitiu no caso em apreço, omissão essa que envolvendo inobservância de preceitos de interesse e ordem pública, constitui fundamento de anulação, nos termos do art. 712º, n.º 4 do CPC.
Se a Relação, nos termos deste preceito, pode anular a decisão proferida pela 1ª instância, sempre que a considere deficiente, obscura ou contraditória sobre determinado ponto ou determinados pontos da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação dessa matéria, por maioria de razão deverá dispor desse poder de anulação quando o juiz a quo conheça do mérito da causa no despacho saneador, sem enunciar previamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito ou quando a matéria de facto seja totalmente omissa, como sucede no caso em apreço.
É que com total ausência de decisão da matéria de facto, não pode este tribunal de recurso sindicar ou exercer o poder censório não só quanto à própria matéria de facto provada, como também sobre o direito aplicado e aplicável.
Os conflitos de interesses entre as partes e as relações materiais controvertidas traduzem-se em factos. O direito aplica-se aos factos alegados e provados.
Ora, no caso em apreço, por falta absoluta da matéria de facto provada, falta um dos pressupostos necessários ao julgamento do recurso, pelo que não nos é possível conhecer se, no caso em apreço, foi bem ou mal aplicado o direito correspondente.
Impõe-se, assim, a anulação oficiosa do despacho saneador sentença, e a devolução do processo à 1ª instância, a fim de aí ser facultada à autora a possibilidade de escolher uma das alternativas que constavam da pretensão que formulara na sua petição inicial e, oportunamente, ser proferida nova decisão na qual deverá constar a discriminação de todos os factos ou elementos de facto provados com interesse para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Uma vez que o tribunal não tomou conhecimento do recurso de apelação interposto pela Ré e uma vez que no recurso interposto pela A. a recorrida não deu causa nem defendeu o procedimento adoptado pela Sra. juíza, não são devidas custas.

III. DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos expostos acordam os juizes desta Secção em anular oficiosamente o despacho saneador sentença e devolver o processo à 1ª instância, a fim de aí ser facultada à autora a possibilidade de escolher uma das alternativas que constavam da pretensão que formulara na sua petição inicial e, oportunamente, ser proferida nova decisão na qual deverá constar a discriminação de todos os elementos de facto provados com interesse para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela Ré, bem como das questões em que a A. decaiu e suscitou na sua contra-alegação.
Sem custas.

Lisboa, 28 de Abril de 2004

Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes