Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6165/2006-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: I – Num programa televisivo em directo, face a actos ou atitudes de convidados, susceptíveis de influir de modo negativo na formação da personalidade das crianças ou de adolescentes, não basta que a apresentadora os advirta, impondo-se, antes, que sejam tomadas as medidas necessárias a evitar a continuação da sua transmissão. II- A responsabilidade contra-ordenacional por infracção ocorrida em determinado programa televisivo recai sobre o respectivo operador.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº 1. No processo de recurso de contra-ordenação nº15225/05.4TBOER, do 1º Juízo Criminal de Oeiras, que apreciou o recurso interposto pela arguida, S..., da decisão proferida pela Alta Autoridade para a Comunicação Social que, por contra-ordenação ao disposto nos arts.24, nº2 e 70, nº1, da Lei da Televisão (Lei nº32/2003, de 22-8), lhe aplicou a coima de €75.000 (setenta e cinco mil euros), foi proferida decisão judicial negando provimento ao recurso.

2. Inconformada com esta decisão judicial, a arguida interpôs recurso, tendo apresentado motivações, das quais extraiu as seguintes conclusões:
2.1 O Tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
a) A S… transmitiu, no dia 13 de Fevereiro de 2004, cerca das 14.30h, o programa “B…”, cujo tema era: “Sexta-Feira 13”;
b) Este mesmo programa foi transmitido em directo;
c) Durante a transmissão, os convidados L… e A… protagonizaram comportamentos e linguagem obscenos;
d) A apresentadora do programa advertiu os referidos convidados sobre o carácter do seu comportamento e sobre o facto bastante provável de estarem crianças e jovens a assistir ao programa;

2.2 A base legal utilizada na sentença para sustentar a respectiva decisão não procede, uma vez que a enumeração do art.70 é taxativa nela não cabe este caso, que tem regulamentação legal noutros preceitos da mesma lei, como sejam os arts.24, nº1 e art.64, nº2.
2.3 O nº2, do art.64 estatui que “os operadores de televisão respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de programas previamente gravados”, o que não é o caso, conforme ficou provado. Interpretado a contrario sensu, esta disposição estatui que não há responsabilidade solidária no caso dos programas directos.
2.4 A sentença proferida pelo tribunal a quo está ferida de uma grave contradição entre a sua fundamentação, integrando nela factos provados que levam à absolvição da arguida da coima decidida pelas AACS, e a decisão, que confirma a decisão da AACS, apesar de ter considerado provados factos que obrigam a uma decisão contrária.

3. Admitido o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o Ministério Público respondeu, concluindo pelo não provimento do recurso.

4. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora Geral Adjunta teve vista.
5. No exame preliminar, afigurou-se ao relator que ocorria fundamenta para rejeição do recurso, por manifesta improcedência, razão por que os autos foram aos vistos legais e, em seguida, à conferência.
6. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à apreciação da verificação da alegada contradição entre a fundamentação e a decisão, responsabilidade contra-ordenacional da recorrente, defendendo esta que não pode ser responsabilizada por se tratar de programa transmitido em directo e não ter o caso em apreço cabimento na previsão do art.70 da Lei da Televisão.
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IIº Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

No dia 13 de Fevereiro de 2004, cerca das 14.30h., a arguida procedeu à transmissão do programa “B…”, cujo tema era: “Sexta-Feira 13”.
Pelo teor das afirmações proferidas e pelo comportamento dos convidados há que analisar a sua natureza.
Destacam-se as seguintes afirmações que se integram no respectivo programa:
Quando questionada pela apresentadora sobre o que pensava de …, L… disse:
Eu fartei-me de rir quando o vi no …, acho que ele é um gay”.
A… refere:
Ainda há pouco no programa Eclésia disseram que 50% dos padres eram paneleiros, 50% dos padres”.
Tendo sido advertido pela apresentadora para ter cuidado com a linguagem, pois há crianças que assistem ao programa respondeu:
“Ainda bem que as crianças ficam a saber que não é para porem os pés na catequese porque ainda podem ser enrabadas”.


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Além destas expressões, foram emitidas outras frases proferidas, designadamente referidas a fls.23 e 24 deste processo, na acusação aprovada pela Alta Autoridade para a Comunicação Social, que aqui se dão por reproduzidas.

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Estas frases foram proferidas pelos convidados referidos, no programa em análise que terá sido transmitido em directo.

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IIIº 1. A decisão recorrida é um despacho, proferido nos termos do art.64, nº2, do Dec. Lei nº433/82, de 27Out., na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº244/95, de 14Set., uma vez que os intervenientes processuais, notificadas para o efeito, a isso não se opuseram (cfr.fls.65).
Assim, a referência da recorrente a sentença, nas suas conclusões, só pode dever-se a lapso.
Alega, a mesma, que existe contradição entre o facto de ter sido considerado provado que a apresentadora advertiu os convidados do programa para a linguagem usada e a decisão condenatória.
Contudo, para obstar ao preenchimento dos elementos típicos da contra-ordenação imputada, não bastava a advertência, impondo-se, antes, a tomada de todas as medidas necessárias para que não continuasse a transmissão de um programa susceptível de influir de modo negativo na formação da personalidade das crianças ou de adolescentes ou de afectar outros públicos vulneráveis.
Na verdade, como resulta da matéria de facto provada, após tal advertência, prosseguiu o programa, sendo proferidas expressões do mesmo género das anteriores e ofensivas dos valores que se visam proteger com a norma violada pelo programa em causa (1).
Não ocorre, deste modo, a apontada contradição.

2. Invoca, a recorrente, o art.64, nº2, a contrario, da Lei da Televisão, como fundamento para afastar a sua responsabilidade pela contra-ordenação, por se tratar de programa em directo (2).
Contudo, como bem nota o Ministério Público na sua resposta em 1ª instância, essa norma não é invocável no caso em apreço, por não estar em causa uma questão de responsabilidade civil.
Na verdade, em causa está a responsabilidade contra-ordenacional por uma infracção ocorrida em determinado programa televisivo que, como resulta do art.72, da Lei da Televisão, recai sobre o respectivo operador, ou seja, sobre a recorrente (3).
A infracção praticada, prevista no art.24, nº2, da Lei da Televisão, é punida pelo art.70, nº1, al.a, da mesma lei, que de forma expressa prevê aquele art.24, nº2, razão por que não merece qualquer censura o despacho recorrido na parte em que apoia a decisão nessa norma.
Assim, não suscitando a recorrente outras questões, nomeadamente em relação à medida da coima, graduada próximo do ponto médio entre os limites mínimo e máximo, fixados pelo citado art.70, nº1, al.a, é manifesta a improcedência do recurso, o que justiça a sua rejeição em conferência, nos termos dos arts.420, nº1 e 419, nº4, al.a, do CPP (4).

IVº DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juizes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em rejeitar o recurso.
Condena-se a recorrente em 8UCs de taxa de justiça, a que acresce condenação no pagamento de importância equivalente a 4UCs, nos termos do nº4, do art.420, do CPP.

Lisboa, 19 de Setembro de 12006

(Relator: Vieira Lamim)
(1º Adjunto: Ricardo Cardoso)
(2º Adjunto: Filipa Macedo)



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1.-A recorrente foi condenada por contra-ordenação prevista no art.24, nº2, da Lei da Televisão (Lei nº32/03, de 22Ago.), que estabelece:
1- ...
2- Quaisquer outros programas susceptíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade das crianças ou de adolescentes ou de afectarem outros públicos vulneráveis só podem ser transmitidos entre as 23 e as 6 horas e acompanhados da difusão permanente de um identificativo visual apropriado”.

2.-O art.64, da Lei da Televisão, sob a epígrafe “Responsabilidade civil”, estabelece:
1- Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através da televisão observam-se os princípios gerais.
2- Os operadores de televisão respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de programas previamente gravados, com excepção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena”.
3.-O art.72, da Lei da Televisão, sob a epígrafe “responsáveis, estabelece:
Pelas contra-ordenações previstas nos artigos anteriores responde o operador de televisão em cujo serviço de programas tiver sido cometida a infracção ou o operador de distribuição...”.

4.-Como decidiu o Ac. do S.T.J. de 15Fev.01 (Relator Simas Santos, acessível em www.dgsi.pt) “Pode dizer-se que o recurso é manifestamente improcedente quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso”.