Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO CONTRATO COM DURAÇÃO LIMITADA PRAZO DE RENOVAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Atendendo: • à expressa previsão legal contida no nº. 3, do artº. 26º, do NRAU, estatuído como norma transitória aplicável á renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com duração limitada, celebrados na vigência do RAU, conferindo-lhe natureza de norma especial, em contraposição com a norma de natureza geral estatuída no artº. 1096º, do Cód. Civil, aplicável à renovação automática dos demais contratos de arrendamento para habitação com duração limitada, outorgados após a entrada em vigência do NRAU ; • ao facto da Lei nº. 13/2019, de 12/02, apesar de ter procedido à alteração da redacção do mesmo artº. 1096, e revogado parcialmente a norma transitória prevista no artº. 28º, do NRAU, não ter procedido a qualquer alteração daquele artº. 26º, mantendo-o integralmente vigente, conclui-se que à renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com duração limitada, celebrados na vigência do RAU, é aplicável o prazo de renovação estatuído no nº. 3, daquele artº. 26º, do NRAU ; II – Com efeito, não se operou qualquer revogação da norma especial (com campo de incidência ou aplicabilidade próprio ou específico, devidamente balizado) pela norma geral prescrita, ou seja, na aplicabilidade do juízo exposto no nº. 3, do artº. 7º, do Cód. Civil, não é possível extrair, inequivocamente, das alterações introduzidas pela Lei nº. 13/2019, de 12/02, (tendo em atenção o desiderato por esta confessadamente prosseguido), que tenha sido intenção do legislador proceder à revogação da lei especial por parte da lei geral, o que implica concluir pela sua manutenção e vigência. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte 1: I – RELATÓRIO 1 – BB, CC e DD, apresentaram, em 15/05/2024, no Balcão do Arrendatário e do Senhorio, requerimento de despejo, relativamente à Requerida AA, tendo por fundamento a cessação por oposição á renovação pelo senhorio, e por referência o locado sito na Avenida 1 162, 5º C, concelho de Cascais, Distrito de Lisboa. Juntaram, para além do mais, contrato de arrendamento, comunicação de iniciativa do senhorio, habilitação de herdeiros e caderneta predial. 2 – Devidamente notificada, veio a Requerida, em 18/06/2024, apresentar oposição, alegando, em súmula, que: • aceita o que consta dos documentos juntos com a petição apresentada pelas requerentes, no que refere ao arrendamento destinado a habitação do imóvel celebrado entre o então proprietário do mesmo, de nome EE e a ora oponente, celebrado em 3 de Abril de 2000, pelo prazo de 5 anos, tendo o seu inicio em 1 de Abril de 2000 e termo em 31 de Março de 2005 ; • sendo as suas prorrogações de um ano, no caso de não ser denunciado no seu termo, devendo a denúncia do senhorio ser efetuada por via judicial com a antecedência de um ano ; • decorre daqueles documentos que o proprietário do andar locado afinal não era o proprietário do mesmo, mas actuara no uso da procuração que lhe fora conferida por FF, que era tia do intitulado “proprietário” ; • todavia, decorre da Certidão da Caderneta Predial Urbana, junta também ao requerimento de despejo, que, em 3 de Março de 2023, o proprietário do andar locado era efetivamente EE, desconhecendo-se quando é que adquiriu essa titularidade ; • também à verdade que o então “senhorio” EE, efetuou a notificação judicial avulsa que se mostra junta aos presentes autos e onde transmitia à ora Oponente que se opunha à renovação do contrato ; • a ora Oponente respondeu a esta comunicação nos termos da carta datada de 15 de Dezembro de 2023, com o seguinte teor: “Assunto: Denuncia do contrato de arrendamento do 50 andar C do prédio sito na Localização 1C Exma Senhor: Acuso a receção da notificação judicial avulsa através da qual me comunica a denuncia do contrato de arrendamento que celebrou comigo no dia 1 de Abril de 2000, denuncia essa que, de acordo com aquela notificação, faria cessar o contrato de arrendamento em causa no dia 31 de Março de 2024. Sobre o assunto, cumpre — me informar o seguinte: Nos termos do art. 2º da Lei no 13/2019, de 12 de Fevereiro, foi alterado o n o 1 do art. 1.0960, do Código Civil, normativo esse que passou a determinar que as renovações dos contratos de arrendamento se operavam automaticamente pelo prazo mínimo de três anos; Deste modo o contrato de arrendamento que teve o seu termo no dia 31 de Março de 2020 foi renovado até ao dia 31 de Março de 2023, e o contrato que nesta última data for renovado por três anos terá o seu termo no dia 31 de Março de 2026. Nestas circunstancias informo que me oponho à denuncia efetuada através daquela notificação judicial avulsa por não ter qualquer fundamento legalmente atendível” ; • a questão central, e de onde decorre ou não o direito que os Requerentes do despejo vêm invocar, radica essencialmente em saber se é aplicável ao arrendamento em questão a redação dada ao nº 1 do art. 1096º do Código Civil, pelo art. 2º da Lei nº 13/2019 ; • sendo que sobre essa questão a Jurisprudência tem sido abundante e pacifica no entendimento sufragado pela ora Oponente nesta matéria ; • improcedendo claramente o direito invocado no presente procedimento intentado para obter o despejo da ora Oponente ; • a ora Oponente vive apenas da sua reforma, que é baixa, e só com a ajuda de familiares pode garantir a sua subsistência ; • pelo que o presente procedimento de oposição ao despejo põe pois em risco a própria sobrevivência da Oponente ; • devendo, assim, ser dado ao presente procedimento um valor que lhe garanta a apreciação da causa pelas instancias recursivas, fixando-se o valor do incidente em pelo menos 30.001,00. Conclui, no sentido da procedência da oposição e, consequentemente, de improcedência do pedido de despejo. 3 – Remetido o processo á distribuição, por despacho de 15/07/2024, atenta a oposição deduzida, foi determinada a notificação da oposição aos Requerentes para, querendo, apresentarem resposta às questões suscitadas. 4 – Em resposta, apresentada em 29/07/2024, vieram as Requerentes referenciar o seguinte: • a alegada imperatividade do artº. 1096º, nº. 1, do Cód. Civil, não é questão pacífica, quer em termos doutrinários, quer jurisprudenciais ; • existindo numerosa jurisprudência que defende que não existe qualquer imperatividade ; • todavia, tal discussão relativamente à interpretação do nº. 1, do artº. 1096º, do Cód. Civil, é, no caso concreto, absolutamente irrelevante, pois tal norma não é aplicável à presente situação ; • antes o sendo o disposto no artº. 26º, nº. 3, do NRAU, segundo o princípio hermenêutico lex specialis derogat legi generali ; • a comunicação de oposição á renovação foi, assim, regularmente efectuada, sendo válida e eficaz, tendo sido cumprida a antecedência referida no contrato de arrendamento ; • pelo que o contrato de arrendamento teve o seu terminus a 31 de Março de 2024, data em que a Requerida deveria ter procedido á entrega da fracção autónoma arrendada ; • relativamente ao invocado valor da causa, não tem a Requerida razão no solicitado, devendo o valor ser fixado na quantia de 13.599,30 €, o qual já consta como valor da causa no sistema informático citius, e não no indicado valor de 30.000,01 €, por absoluta falta de fundamento legal ; • estando a recorribilidade para o Tribunal Superior já devidamente salvaguardada pelo prescrito no nº. 3, do artº. 629º, do Cód. de Processo Civil. Concluem, no sentido da improcedência das excepções invocadas pela Requerida. 5 – Em 17/01/2025, foi proferida SENTENÇA, em cujo Dispositivo fez-se constar o seguinte: “Por todo o exposto, decide-se julgar procedente o presente procedimento especial de despejo e, consequentemente, declara-se validamente resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre EE e a , com fundamento na oposição à renovação do contrato por parte do senhorio, condenando-se a Requerida AA a despejar o locado sito na Avenida 1, e a entregá-lo às Requerentes, livre de pessoas e bens, no prazo de 30 (trinta) dias. * Custas pela Requerida, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário (art. 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * Fixa-se o valor do procedimento em € 13.599,30 – cf. art. 26º do Decreto-Lei nº 1/2013, de 7/01. * Registe e notifique (dando-se as competentes baixas estatísticas). * Comunique ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio – artigo 16º da Portaria 49/2024, de 15/02)”. 6 – Inconformada com o decidido, a Requerida interpôs recurso de apelação por referência à decisão prolatada. Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES: ” 1. Por notificação do Arrendatário e Senhorio datada de 23 de Maio de 2024, foi a ora Recorrente notificada do inicio de um processo especial de despejo constante de notificação judicial avulsa requerida por EE, onde este requeria a devolução pela ora Recorrente da fração autónoma designada pela letra P, correspondente ao Quinto Piso – 2º Andar Direito, do prédio urbano sito na Localização 1, em Cascais, uma vez que o signatário da notificação se opusera à renovação do arrendamento que vigorava com a ora Recorrente. 2. A ora Recorrente deduziu oposição àquela pretensão do alegado “senhorio”, nos termos que constam dos nºs 1 a 7 do presente recurso indicando que, nos termos do art. 1096º, nº 1, do Código Civil, não poderia o invocado “Senhorio” proceder à denuncia do contrato de arrendamento, nos termos em que o fizera; 3. E omitiu a necessária prova de que o signatário como “Senhorio” do contrato de arrendamento tinha poderes para o celebrar, embora essa questão tivesse sido levantada pela ora Recorrente; 4. Sendo certo que a decisão proferida fez incorreta aplicação do Direito aplicável ao ignorar a aplicação do art. 1096º, nº 1, do Código Civil na redação dada pela Lei 13/2019, fixa um prazo de renovação, do contrato de arrendamento, mínimo de três anos de natureza imperativa, não podendo as partes convencionar um prazo de duração inferior; 5. A sentença recorrida fixou o valor da causa em € 13.599,30, por aplicação do art. 26º, do Dec. – Lei 1/2013, não tendo em consideração que as ações de despejo se traduzem num prejuízo muitas vezes irreparável, não curando sequer de saber se a R. tem meios que lhe permitam a sobrevivência se o presente procedimento, meios alternativos que estão previstos na regulamentação do procedimento processual utlizado e que impunham pelo menos a garantia de um teto para viver e que legitimavam a fixação de um valor à causa e que, para além do valor das rendas garantissem uma sobrevivência digna da R.”. Conclui, no sentido da procedência do recurso e, consequentemente, pela improcedência do despejo, devendo, ainda, fixar-se à causa o valor por si indicado na contestação apresentada. 7 – As Requerentes/Apeladas apresentaram contra-alegações, nas quais deduziram as seguintes CONCLUSÕES: “UM: O recurso não merece provimento. DOIS: Inexistem quaisquer vícios ou nulidades na douta sentença recorrida. TRÊS: A douta sentença recorrida fez integral e correcta aplicação da lei, inexistindo qualquer erro de julgamento relativo à matéria de facto ou à matéria de direito, pelo que deverá ser totalmente confirmada. QUATRO: A douta sentença recorrida fixou o valor da causa, em conformidade com o que resulta da lei, e o mesmo está totalmente correcto”. 8 – O recurso foi admitido por despacho de 02/04/2025, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 9 – A Requerente interpôs recurso deste despacho, pugnando no sentido de ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, e ser atribuído á causa o valor de 30.000,01 €, nos termos indicados na oposição deduzida. Por despacho do Relator, conheceu-se acerca de tal interposição, no sentido de desatendimento do requerido. 10 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. ** II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Requerida Ré, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina conhecer, basicamente, acerca do seguinte: A. Da aplicabilidade ao contrato de arrendamento em equação do prazo de renovação automática previsto no nº. 1, do artº. 1096º, do Cód. Civil (na redacção introduzida pelo artº. 2º, da lei nº. 13/2019, de 12/02) ; B. Da pretensão que o valor da acção seja fixado em 30.001,00. Ponderando-se o teor da decisão apelada, bem como das contra-alegações, cumpre aferir se na renovação do contrato de arrendamento a que se reportam os presentes autos: - é aplicável o prazo estatuído no artº. 26º, nºs. 1 e 3, da Lei nº. 06/2006, de 27/02 (que aprovou o NRAU), ex vi do nº. 1, do artº. 59º, do mesmo diploma – posição adoptada na sentença recorrida e defendida pelas Apeladas ; - ou antes o prazo de renovação automática enunciado no nº. 1, do artº. 1096º, do Cód. Civil (na redacção introduzida pelo artº. 2º, da lei nº. 13/2019, de 12/02) – posição defendida pela Apelante. Em termos de prejudicialidade, caso se conclua pela aplicabilidade deste último normativo – nº. 1, do artº. 1096º, do Cód. Civil -, urge, ainda, aferir acerca da sua não imperatividade, mas antes natureza supletiva, a determinar que o contrato de arrendamento se renovaria por períodos sucessivos de 1 ano, conforme estatuído na cláusula 1ª de tal contrato, a permitir a oposição á sua renovação, com produção de efeitos a 31/03/2024. ** III - FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na sentença foi considerada como PROVADA, com relevância para a decisão da causa, a seguinte factualidade: 1. A 03.04.2000, foi celebrado um acordo escrito entre EE e a Requerida, nos termos do qual o primeiro deu de arrendamento à segunda, o imóvel sito Localização 1, pelo período de 5 anos, com início a 01.04.2000 e termo em 31.03.2005, "sendo as suas prorrogações de um ano, no caso de não ser denunciado no seu termo" (cláusula 1ª do acordo escrito). 2. EE faleceu a 09.03.2024 no estado de casado com a Requerente CC. 3. EE deixou como descendentes vivos as Requerentes DD e BB. 4. A 15.03.2023, a Requerida foi notificada judicialmente por EE, nos termos do qual lhe foi comunicado, nomeadamente, o seguinte (...) Consequentemente, a 1 de Abril de 2005, o contrato de arrendamento renovou-se pelo período de três anos, nos termos do artigo 100º do RAU (DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro), com término a 31 de Março de 2008; a 1 de Abril de 2008, o contrato de arrendamento renovou-se pelo período de três anos, nos termos do artigo 26º, nº 3, do NRAU (Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro), com término a 31 de Março de 2011; a 1 de Abril de 2011, o contrato de arrendamento renovou-se pelo período de três anos, nos termos do artigo 26º, nº 3, do NRAU (Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro), com término a 31 de Março de 2014; a 1 de Abril de 2014,o contrato de arrendamento renovou-se pelo período de dois anos, nos termos do artigo 26º, nº 3, do NRAU (na redacção dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto), com término a 31 de Março de 2016; a 1 de Abril de 2016, o contrato de arrendamento renovou-se pelo período de dois anos, nos termos do artigo 26º, nº 3, do NRAU (na redacção dada pela Lei nº 79/2014, de 19 de Dezembro), com término a 31 de Março de 2018; a 1 de Abril de 2018, o contrato de arrendamento renovou-se pelo período de dois anos, nos termos do artigo 26º, nº 3, do NRAU (na redacção dada pela Lei nº 79/2014, de 19 de Dezembro), com término a 31 de Março de 2020; a 1 de Abril de 2020, o contrato de arrendamento renovou-se pelo período de dois anos, nos termos do artigo 26º, nº 3, do NRAU (na redacção dada pela Lei nº 79/2014, de 19 de Dezembro), com término a 31 de Março de 2022; e a 1 de Abril de 2022, o contrato de arrendamento renovou-se pelo período de dois anos, nos termos do artigo 26º, nº 3, do NRAU (na redacção dada pela Lei nº 79/2014, de 19 de Dezembro), com término a 31 de Março de 2024. (...) Por conseguinte, a renovação do presente contrato de arrendamento em curso, que se iniciou a 1 de Abril de 2022, terá o seu término a 31 de Março de 2024, e renovar-se-ia por igual período de dois anos, caso não houvesse oposição à renovação por qualquer das partes. (...) A renovação em curso teve o seu início em 1 de Abril de 2022 e terá o seu término a 31 de Março de 2024. (...) Vem o requerente, portanto, através da presente Notificação Judicial Avulsa, e estando cumprida a antecedência mínima estipulada no contrato de arrendamento, opor-se à renovação do mesmo, pelo que este terá o seu termo a 31 de Março de 2024. (…). ** B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A sentença sob apelo raciocinou, em súmula, nos seguintes termos: - a questão decidenda traduz-se em saber se assiste ás Requerentes o direito a que a Requerida seja condenada a devolver-lhes o imóvel dos autos livre de pessoas e bens ; - assim, cumpre aferir se: a. A oposição à renovação do contrato de arrendamento notificada à Requerida, por notificação judicial avulsa, é válida e eficaz ; b. O que passa por saber qual o regime jurídico aplicável ; - in casu, o contrato de arrendamento teve início em 01/04/2000, data em que era aplicável o RAU (Regime do Arrendamento Urbano), aprovado pelo DL nº. 321-B/90, de 15/10 ; - à data, o regime jurídico da renovação do contrato de arrendamento encontrava-se regulado no artº. 100º, do RAU ; - o RAU foi revogado pela Lei nº. 06/2006, de 27/02, que aprovou o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano) ; - estatui o artº. 59º, nº. 1, da Lei nº. 06/2006, que o novo regime do arrendamento urbano aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias enunciadas nos artigos 26º e 28º, da Lei nº. 06/2006 ; - presentemente, o regime de renovação do contrato de arrendamento está previsto no artº. 1096º, do Cód. Civil, na redacção conferida pela Lei nº. 13/2019, de 12/02 (vigente desde 13/02/2019) ; - ora, o artº. 1096º, do Cód. Civil, é inaplicável à situação sub judice ; - sendo antes aplicável o nº. 3, do artº. 26º, do NRAU ; - com efeito, este normativo – 26º, nº. 3, do NRAU – não foi revogado pela Lei nº. 13/2019 (que procedeu à alteração do artº. 1096º, do Cód. Civil), contrariamente ao sucedido com os nºs. 3 a 5, do artº. 28º, do NRAU (sendo que esta também constituía uma norma transitória do NRAU) ; - as consequentes renovações ocorridas, de acordo com os diferentes enquadramentos legais, determinam que a última renovação tenha ocorrido de 01/04/2022 até 31/03/2024 – cf., De 01.04.2008 até 31.03.2011 (art. 100º do RAU). - De 01.04.2011 até 31.03.2014 (art. 26º/3 do NRAU, na redacção original). - De 01.04.2014 até 31.03.2016 (art. 26º/3 do NRAU, na redacção dada pela Lei 31/2012, de 14/08). - De 01.04.2016 até 31.03.2018. - De 01.04.2018 até 31.03.2020. - De 01.04.2020 até 31.03.2022. - De 01.04.2022 até 31.03.2024 ; - o artº. 1097º, do Cód. Civil estatui acerca da renovação automática do contrato de arrendamento, constituindo uma norma imperativa, por força do artº. 1080º, do Cód. Civil ; - o primitivo senhorio poderia opor-se à renovação do contrato com a antecedência mínima de 240 dias, o que sucedeu in casu, mediante a notificação judicial da Requerida ; - tal declaração de oposição à renovação do contrato constitui uma declaração unilateral receptícia, um negócio jurídico unilateral (o artº. 295º, do Cód. Civil), que tem por finalidade ou desiderato a cessação do vínculo contratual ; - assim, por força daquela declaração emitida pelo senhorio o contrato de arrendamento extingue-se ; - o que determina decisão de procedência do presente procedimento especial de despejo e, consequentemente: a. Declara-se validamente resolvido o contrato de arrendamento, com fundamento na oposição à renovação por parte do senhorio ; b. Condena-se a Requerida a despejar o locado e a entregá-lo às Requerentes, livre de pessoas e bens, no prazo de 30 dias. - Do prazo de renovação automática aplicável ao contrato de arrendamento Exposta a decisão apelada, impõe-se, então, conforme já consignado, aferir se na renovação do contrato de arrendamento a que se reportam os presentes autos: - é aplicável o prazo estatuído no artº. 26º, nºs. 1 e 3, da Lei nº. 06/2006, de 27/02 (que aprovou o NRAU), ex vi do nº. 1, do artº. 59º, do mesmo diploma – posição adoptada na sentença recorrida e defendida pelas Apeladas ; - ou antes o prazo de renovação automática enunciado no nº. 1, do artº. 1096º, do Cód. Civil (na redacção introduzida pelo artº. 2º, da lei nº. 13/2019, de 12/02) – posição defendida pela Apelante. Vejamos o regime legal em articulação com o caso sob apreciação. O contrato de arrendamento para habitação celebrado entre EE e a ora Requerida (Apelante) data de 03/04/2000, tendo sido contratualizado pelo prazo de 5 anos, com início em 01/04/2000 e termo em 31/03/2005, sujeito a prorrogações de um ano, caso não ocorresse a sua antecipada denúncia – cf., o facto 1 provado e o teor do contrato junto aos autos. Naquela data, o regime relativo á cessação dos contratos de duração limitada encontrava-se previsto nos artigos 98º e 100º do Regime do Arrendamento Urbano, vulgo RAU – aprovado pelo DL nº. 321-B/90, de 15/10, na redacção conferida pela Lei nº. 135/99, de 28/08 -, estipulando o primeiro normativo que o prazo de duração efectiva dos contratos de arrendamento para habitação não podia ser inferior a 5 anos, impondo, o demais, uma renovação automática por um período mínimo de 3 anos, caso não ocorresse denúncia por qualquer das partes. O Regime do Arrendamento Urbano veio a ser revogado pela Lei nº. 06/2006, de 27/02, que instituiu o Novo Regime do Arrendamento Urbano, vulgo NRAU, enunciando o artº. 59º, nº. 1, acerca da aplicação no tempo, que “o NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias” (sublinhado nosso). Por sua vez, a norma revogatória estatuída no artº. 60º, para além de revogar aquele regime, e todas as suas alterações subsequentes, excluiu de tal determinação revogatória as “matérias a que se referem os artigos 26º e 28º da presente lei”. Estas normas – artigos 26º e 28º -, inseridas no Título II como Normas Transitórias, aplicam-se, no que se reporta ao artigo 26º, aos contratos habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) (e contratos não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei nº. 257/95, de 30/09), enquanto que o artº. 28º aplica-se aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU (e contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei nº. 257/95, de 30/09). Com relevância in casu, dispunha o nº. 3, do artº. 26º, na sua redacção original, que: “3 - Os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional”. Tal redacção foi alterada pela Lei nº. 31/2012, de 14/08, passando a constar que: “3 - Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos, se outro superior não tiver sido previsto”. Por fim, tal normativo veio, ainda, a merecer alteração pela Lei nº. 79/2014, de 19/12, prescrevendo-se que: “3 - Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, e, em ambos os casos, se outro prazo superior não tiver sido previsto”. A renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação, com prazo certo, encontra-se prevista no artº. 1096º, do Cód. Civil, estatuindo o seu nº. 1, na redacção conferida pela Lei nº. 13/2019, de 12/02 (que entrou em vigor no dia imediato), que “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (….)”. Ora, esta Lei nº. 13/2019, de 12/02, que, conforme enunciado, introduziu alterações no artº. 1096º, do Cód. Civil, veio estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade, procedeu á expressa revogação dos nºs. 3 a 5 da citada norma transitória do artº. 28º, do NRAU – cf., a alínea b), do artº. 12º -, mas deixou incólume a demais norma transitória do artº. 26º, do mesmo diploma. Exposto o presente enquadramento, cumpre então aferir, na concomitante vigência do artº. 1096º, do Cód. Civil (nomeadamente a partir da redacção conferida pela Lei 13/2019, de 12/02) e 26º, nºs. 1 e 3, do NRAU, relativamente á renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com duração limitada, qual o regime aplicável à renovação de um contrato de arrendamento de tal natureza, celebrado na vigência do Regime de Arrendamento Urbano (RAU). Tal como sucede com o contrato em equação nos presentes autos. Assim: - atenta a expressa previsão legal contida neste nº. 3, do artº. 26º, do NRAU, estatuído como norma transitória aplicável á renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com duração limitada, celebrados na vigência do RAU, conferindo-lhe natureza de norma especial, em contraposição com a norma de natureza geral estatuída no artº. 1096º, do Cód. Civil, aplicável à renovação automática dos demais contratos de arrendamento para habitação com duração limitada, outorgados após a entrada em vigência do NRAU ; - atento o facto da Lei nº. 13/2019, de 12/02, apesar de ter procedido à alteração da redacção do mesmo artº. 1096, e revogado parcialmente a norma transitória prevista no artº. 28º, do NRAU, não ter procedido a qualquer alteração daquele artº. 26º, mantendo-o integralmente vigente, conduz-nos a concluir pela sua evidente manutenção e aplicabilidade ao contrato enunciado nos autos. Pelo que, não se tendo operado qualquer revogação da norma especial (com campo de incidência ou aplicabilidade próprio ou específico, devidamente balizado) pela norma geral prescrita, o que não é possível extrair, inequivocamente, das alterações introduzidas pela Lei nº. 13/2019, de 12/02, tendo em atenção o desiderato por esta confessadamente prosseguido (já transcrito), na aplicabilidade do juízo exposto no nº. 3, do artº. 7º, do Cód. Civil, urge concluir pela sua manutenção e vigência e, consequentemente, pela sua aplicabilidade in casu. O que determina, relativamente ao contrato de arrendamento dos autos, o reconhecimento da ocorrência das seguintes renovações: - De 01.04.2008 – terminus da sua vigência inicial, aditada do prazo de 3 anos imposto pelo nº. 1, do artº. 100º, do RAU - até 31.03.2011 (art. 26º, nº. 3, do NRAU, na sua redacção original, decorrente da Lei nº. 06/2006, de 27/02) ; - De 01.04.2011 até 31.03.2014 (art. 26º, nº. 3, do NRAU, na sua redacção original, decorrente da Lei nº. 06/2006, de 27/02) ; - De 01.04.2014 até 31.03.2016 (art. 26º/3 do NRAU, na redacção introduzida pela Lei 31/2012, de 14/08) ; - De 01.04.2016 até 31.03.2018 (art. 26º/3 do NRAU, na redacção introduzida pela Lei 79/2014, de 19/12) ; - De 01.04.2018 até 31.03.2020 (art. 26º/3 do NRAU, na redacção introduzida pela Lei 79/2014, de 19/12) ; - De 01.04.2020 até 31.03.2022 (art. 26º/3 do NRAU, na redacção introduzida pela Lei 79/2014, de 19/12) ; - De 01.04.2022 até 31.03.2024 (art. 26º/3 do NRAU, na redacção introduzida pela Lei 79/2014, de 19/12). Conclui-se, deste modo, que, fruto das várias renovações ocorridas, de acordo com os expostos legais enquadramentos, a última renovação ocorreu de 01/04/2022 até 31/03/2024, pelo que a notificação judicial avulsa da Requerida arrendatária da oposição á renovação do contrato, concretizada em 15/03/2023 – cf., facto provado 4 -, mostra-se tempestiva e validamente efectuada, a determinar a sua operacionalidade e a impedir nova renovação automática do contrato. O que determina, fruto dessa declaração unilateral, a cessação do vínculo contratual, ou seja, a extinção do contrato de arrendamento, com consequente condenação da Requerida, nos termos determinados na sentença apelada (ainda que não fundada em qualquer juízo resolutivo contratual). A posição ora sufragada, correspondente, no fundamental, ao consignado na sentença sob apelo, não é minimamente questionada pelos sete arestos invocados pela Apelante nas suas alegações recursórias. Com efeito, analisada a totalidade destas decisões superiores, constata-se que todas se reportam a contratos de arrendamentos celebrados já na vigência do NRAU, e não do RAU, e apreciam, basicamente, acerca da interpretação a conferir ao artº. 1096º, do Cód. Civil (sua eventual imperatividade ou supletividade, natureza do prazo aí determinado de renovação, sua articulação com o prazo mínimo prescrito no artº. 1095, do mesmo diploma, etc…). Nenhuma delas aprecia a questão em controvérsia nos presentes autos, pelo que o apelo ao entendimento ali sufragado não tem pertinência ou adequação in casu. - Do valor da acção A Recorrente/Apelante questiona, ainda, o valor atribuído à acção – 13.599,30 € -, pretendendo que lhe seja atribuído valor de 30.001,00 €. Invoca que aquele valor, fixado por aplicação do artº. 26º, do DL nº. 1/2013, não tem “em consideração que as ações de despejo se traduzem num prejuízo muitas vezes irreparável, não curando sequer de saber se a R. tem meios que lhe permitam a sobrevivência se o presente procedimento, meios alternativos que estão previstos na regulamentação do procedimento processual utlizado e que impunham pelo menos a garantia de um teto para viver e que legitimavam a fixação de um valor à causa e que, para além do valor das rendas garantissem uma sobrevivência digna da R.”. As Recorridas/Apeladas entendem que o valor da causa foi fixado de acordo com a lei, pelo que está correcto. Apreciando: Estatui expressamente o artº. 26º, do DL nº. 1/2013, de 07/01, que “o valor do procedimento especial de despejo corresponde ao valor da renda de dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida”. A Apelante não afirma que a adopção deste legal critério tenha conduzido á fixação de um valor errado. Antes questiona a adopção deste mesmo critério, defendendo a fixação do enunciado valor de 30.001,00 €, o que parece sustentar, conforme decorre do teor do corpo alegacional, na pretensão de que o valor reivindicado “garanta a apreciação da causa pelas instâncias recursivas, fixando-se o valor do incidente em pelo menos 30.001,00” – cf., artº. 17º. Ora, conforme vimos, existe norma expressa fixadora do valor do procedimento, prevista em diploma específico que veio proceder à instalação e à definição das regras do funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento e do procedimento especial de despejo. Donde, a pretensão da Recorrente não tem qualquer fundamento legal, estando irremediavelmente comprometida. Acresce que a pretendida salvaguarda de garantir uma tutela recursiva já está legalmente garantida ou acautelada, ao prescrever o artº. 15º-Q, do NRAU, que “independentemente do valor da causa e da sucumbência, da decisão judicial para desocupação do locado cabe sempre recurso de apelação, nos termos do Código de Processo Civil, o qual tem sempre efeito meramente devolutivo”. Pelo que, também nesta vertente, improcede a pretensão recursória da Recorrente, devendo manter-se o valor da causa nos termos determinados na sentença recorrida/apelada. Por todo o exposto, sem carência de ulteriores delongas, conclui-se no sentido da total improcedência das conclusões recursórias, com consequente confirmação da decisão recorrida/apelada (com excepção do segmento em que assenta a extinção do contrato de arrendamento em juízo de válida resolução deste, antes se entendendo estar perante situação tradutora de denúncia por parte do senhorio arrendatário). * Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas do presente recurso são da responsabilidade da Requerida/Recorrente, atento seu decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza. *** IV. DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em: a. Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Requerida/Apelante AA, em que figuram como Requerentes/Apeladas BB, CC e DD ; b. Em consequência, confirma-se a sentença recorrida/apelada (com excepção do segmento em que assenta a extinção do contrato de arrendamento em juízo de válida resolução deste, antes se entendendo estar perante situação tradutora de denúncia por parte do senhorio arrendatário) ; c. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, atento o seu decaimento, as custas do presente recurso são da responsabilidade da Requerida/Recorrente, atento seu decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza. -------- Lisboa, 25 de Setembro de 2025 Arlindo Crua Paulo Fernandes da Silva Higina Castelo _______________________________________________________ 1. A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. |