Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30/24.7PTBRR-B.L1-5
Relator: MARIA JOSÉ MACHADO
Descritores: JUIZ NATURAL
DISTRIBUIÇÃO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
CONEXÃO DE PROCESSOS
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DIRIMIDO
Sumário: I - É ao juiz natural, isto é, àquele a quem o processo é distribuído, nos termos dos artigos 203.º a 212.º do Código de Processo Civil, que compete a realização do julgamento, só podendo essa competência ser deslocada para outro tribunal ou juízo nos casos especialmente previstos na lei (artigo 39.º da LOSJ - Lei n.º62/2013 de 26/08, que proíbe o desaforamento).
II - A competência por conexão, cujos pressupostos e condições estão previstos nos artigos 24.º a 31.º do Código de Processo Penal constitui um desvio às regras normais de competência e uma excepção ao princípio de que a cada crime corresponde um processo, determinando a consequente modificação da competência material ou territorial ou de ambas e permitindo que a competência possa ser deslocada para outro tribunal ou juízo, que não aquele onde o processo foi distribuído.
III - Quando exista, a conexão de processos só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase processual de inquérito, de instrução ou de julgamento (n.º2 do artigo 24.º do Código de Processo Penal) e a decisão que a determina é susceptível de recurso, segundo a regra geral do artigo 399.º do Código de Processo Penal, por a irrecorribilidade não estar prevista na lei, só produzindo efeitos após esse trânsito em julgado.
IV - Não é de aplicar o regime previsto nos artigos 30.º e 31.º, alínea b) do Código de Processo Penal, respeitante à prorrogação da competência do tribunal titular do processo principal, quando haja separação de algum processo com ele conexo, pois o mesmo pressupõe que tenha havido uma conexão reconhecida com trânsito em julgado, o que não aconteceu no caso dos autos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
I –Relatório:
1. No âmbito do processo especial abreviado n.º 30/24.7PTBRR do Juízo Local Criminal do Barreiro, juiz 2, veio o Exmo. juiz suscitar a resolução do conflito negativo de competência que o opõe ao Exmo. juiz 1 do mesmo tribunal, para o julgamento do processo n.º 112/24.5PTBRR, mandado apensar àquele, com fundamento na conexão de processos.
2. Cumprido que foi o disposto no artigo 36.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, apenas a Exma. Procuradora-Geral Adjunta se pronunciou no sentido de “não estarmos perante um verdadeiro conflito negativo de competência que, em todo o caso, deve ser dirimido com a atribuição da competência para o julgamento no P. 112/24.5PTBRR ao Juiz 1 do Juízo Local Criminal do Barreiro”.
3. Sendo este o tribunal competente para conhecer do conflito, nos termos do artigo 12.º, n.º 5, alínea a) do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
1.         Elementos relevantes para a decisão:
a) Por despacho de 05/11/2024, a senhora juíza titular do Juiz 1 do Juízo Local Criminal do Barreiro, determinou a apensação do processo n.º 112/24.5PTBRR, ao processo n.º30/24.7PTBRR, a correr termos no mesmo Juízo Local Criminal, Juiz 2, com fundamento na conexão de ambos os processos, ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, 26.º a contrario, 28.º, al. c) e 29.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
b) Na sequência desse despacho, na mesma data, foi o processo n.º 112/24.5PTBRR remetido ao juiz 2 para apensação ao processo n.º 30/24.7PTBRR.
c) A 11/11/2024, realizou-se a audiência de julgamento no processo n.º 30/24.7PTBRR, que apenas recaiu sobre os factos imputados neste processo, tendo sido proferida sentença condenatória, cujo dispositivo ficou a constar da acta.
d) A 4/02/2025, o senhor Juiz 2, do Juízo Local Criminal do Barreiro proferiu despacho no processo n.º 30/24.7PTBRR mediante o qual ordenou a desapensação do processo n.º 112/24.5PTBRR e a sua remessa ao Juiz 1 do mesmo Juízo Local Criminal, nos seguintes termos: (transcrição do despacho):
«Nos presentes autos, foi a arguida condenada por sentença na pena de 40 (quarenta) dias de multa à razão diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo a multa global de € 200,00 (duzentos euros).
A sentença foi pessoalmente notificada à arguida em 19-11-2024 (cf. teor da certidão de notificação positiva – ofício de 20-11-2024, ref.ª 41109106).
Até ao momento, arguida não interpôs recurso da referida sentença, pelo que a mesma já transitou em julgado, pelo decurso do respetivo prazo (cf. artigo 411.º, n.º 1, al. a) do CPP).
Constata-se que, em momento anterior, foram os autos com o n.º de processo 112/24.5PTBRR remetidos a estes autos para apensação na sequência de despacho proferido em 05-11-2024.
Sucede que, conforme referido na promoção que antecede, não se tendo verificado atempadamente que o processo n.º 112/24.5PTBRR havia sido remetido aos presentes autos para apensação, não foi dada sem efeito a data para a realização da audiência de julgamento no âmbito dos presentes autos (dia 11-11-2024), tendo os mesmos prosseguido e, conforme referido supra, já houve lugar à prolação de sentença, já transitada em julgado.
Notificada da promoção que antecede, nada veio a arguida comunicar aos autos.
Deste modo, fica assim prejudicada a utilidade da apensação determinada pelo despacho proferido em 05-11-2024, a qual, na presente data, não se afigura mais possível.
Nestes termos, determina-se a desapensação dos autos de processo n.º 112/24.5PTBRR e que sejam os mesmos, em consequência, remetidos ao Juízo Local Criminal do Barreiro – Juiz 1.
Notifique.»
e) Recebido o processo n.º 112/24.5PTBRR no Juiz 1 do Juízo Local Criminal do Barreiro, por despacho de 18/02/2025, a senhora juíza determinou a devolução dos autos ao Juiz 2 do mesmo Juízo Local, nos seguintes termos: (transcrição do despacho)
«Nos presentes autos, por despacho de 05-11-2024, determinou-se a apensação dos mesmos aos autos n.º 30/24.7PTBRR que corriam os seus termos neste Juízo Local Criminal do Barreiro – J2 (apensação esta que não foi posta em causa, não tendo sido suscitado qualquer conflito negativo de competência).
Acontece que, tendo sido realizada audiência de julgamento a 11-11-2024, não foi considerado na mesma o processo apenso (os nossos autos), tendo sido efetuado o julgamento e proferida sentença como se não tivesse sido previamente determinada a referida apensação e desatendendo à conexão processual verificada.
O despacho proferido a 04.02.2025 veio, então, determinar a desapensação dos nossos autos, invocando que teria ficado “prejudicada a utilidade da apensação” – pese embora não se alcance, exatamente, em qual das alíneas do n.º 1 do art.º 30.º do Código do Processo Penal se pretende enquadrar a presente separação de processos, a verdade é que as regras de prorrogação da competência previstas no art.º 31.º do Código do Processo Penal se deverão ter como aplicáveis (dado que estamos perante uma separação de processos), ou seja, tendo sido determinada a competência por conexão, esta dever-se-á manter após a separação de processos.
Pelo exposto, nos termos do disposto no art.º 31.º, al. b) do Código do Processo Penal e das regras de prorrogação da competência determinada por conexão, determina-se a devolução dos autos ao Juízo Local Criminal do Barreiro – Juiz 2.»
f) No juiz 2 do Juízo Local Criminal do Barreiro, o senhor juiz proferiu despacho no processo n.º 30/24.7PTBRR, no qual se declarou incompetente para o julgamento do processo n.º 112/24.5PTBRR, por entender que o despacho que determinou a sua apensação não havia transitado em julgado na data em foi realizada a audiência de julgamento, daquele outro, o que impedia a apontada conexão de processos, pois que quando transitou já os dois processos se encontravam em distintas fases processuais.
2. Apreciação
Estabelece o artigo 34.º do Código de Processo Penal:
«1. Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido».
2. O conflito cessa logo que um dos tribunais se declarar, mesmo oficiosamente, incompetente ou competente, segundo o caso.»
A lei é clara quanto aos pressupostos legais do conflito. Traduz-se numa divergência entre dois ou mais tribunais em relação ao conhecimento de um feito jurídico-criminal, e surge quando mais do que um tribunal da mesma espécie (v.g. tribunal judicial) ou de espécie diversa (v.g. tribunal judicial e tribunal não judicial) se reconhecem ou não se reconhecem competentes para conhecer quanto à existência de um crime cuja prática é atribuída ao mesmo arguido.
Se todos os tribunais em oposição se arrogam competentes estamos perante conflito positivo; se declinam a competência ocorre conflito negativo.
No caso dos autos, não estamos propriamente perante um conflito de competência para o julgamento do processo n.º 112/24.5PTBRR pois, na realidade, o tribunal em causa detém competência material e territorial para a sua realização, nem, aliás, os senhores juízes colocam em causa essa competência do tribunal.
A questão é que só um dos juízes pode realizar o julgamento e ambos recusam fazê-lo, o que acaba por se traduzir num conflito “improprio” ou “atípico”, que importa resolver.
É ao juiz natural, isto é, àquele a quem o processo é distribuído, nos termos dos artigos 203.º a 212.º do Código de Processo Civil, que compete a realização do julgamento, só podendo essa competência ser deslocada para outro tribunal ou juízo nos casos especialmente previstos na lei (artigo 39.º da LOSJ - Lei n.º62/2013 de 26/08, que proíbe o desaforamento).
A competência por conexão, cujos pressupostos e condições estão previstos nos artigos 24.º a 31.º do Código de Processo Penal constitui precisamente um desvio às regras normais de competência e uma excepção ao princípio de que a cada crime corresponde um processo, determinando a consequente modificação da competência material ou territorial ou de ambas e permitindo que a competência possa ser deslocada para outro tribunal ou juízo, que não aquele onde o processo foi distribuído.
Quando exista, a conexão de processos só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase processual de inquérito, de instrução ou de julgamento (n.º 2 do artigo 24.º do Código de Processo Penal) e a decisão que a determinar é susceptível de recurso, segundo a regra geral do artigo 399.º do Código de Processo Penal, por a irrecorribilidade não estar prevista na lei (cf. Henriques Gaspar, ponto 7 da anotação ao artigo 24.º do Código de Processo Penal , in Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, p. 98).
Quando estejam em causa processos distintos relativamente aos quais existe conexão procede-se à apensação de todos àquele que respeitar ao crime determinante da competência por conexão e a partir desse momento a continuidade processual e os actos de sequência passam a ser tramitados num só processo, que é o processo principal que respeitar ao crime que determinou a competência por conexão, mantendo-se este competente mesmo no caso de posteriormente ocorrer a separação dos processos nos termos do artigo 30.º.
Porém, essa apensação só pode ser feita quando tiver transitado em julgado a decisão que determinou a conexão.
No caso em apreciação, foi determinado, pela senhora juiz 1, a conexão do processo n.º 112/24.5PTBRR com o processo n.º 30/24.7PTBRR do mesmo tribunal, mas distribuído ao juiz 2, ambos, então, na fase do julgamento e relativamente à mesma arguida, tendo, em consequência, remetido o processo para apensação a este último, a fim de ambos serem julgados conjuntamente.
A remessa para essa apensação terá ocorrido imediatamente após ter sido proferido o despacho que determinou a conexão, sem que o mesmo tivesse transitado em julgado e a seis dias da data designada para o julgamento no processo n.º 30/24.7PTBRR, o qual foi realizado pelo senhor juiz 2, sem que se tenha pronunciado sobre o processo apensado, por nem sequer ter havido, segundo o mesmo, a percepção da sua apensação.
Tendo sido realizado o julgamento no processo n.º 30/24.7PTBRR, quando a decisão que determinou a apensação ao mesmo do processo n.º 112/24.5PTBRR para julgamento conjunto, não havia ainda transitado em julgado, deixou de poder operar a conexão, nos termos do n.º 2 do artigo 24.º do Código de Processo Penal.
Efectivamente, como é realçado pelo Ministério Público no seu parecer os processos deixaram de estar na mesma fase processual, uma vez que já fora realizado o julgamento num deles, não sendo legítima a apensação em causa.
Não é de aplicar o regime previsto nos artigos 30.º e 31.º, alínea b) do Código de Processo Penal, respeitante à prorrogação da competência do tribunal titular do processo principal, quando haja separação de algum processo com ele conexo, pois o mesmo pressupõe que tenha havido uma conexão reconhecida com trânsito em julgado e a conexão determinada pela senhora juiz 1 não chegou a operar por ter sido inoportuna a ordem de apensação do seu processo n.º112/24.5PTBRR ao processo n.º 30/24.7PTBRR, entretanto julgado.
Como tal, e sem necessidade de mais argumentação, se conclui no sentido de a competência para a tramitação e julgamento do processo n.º112/24.5PTBRR pertencer ao Juiz 1 do Juízo Local Criminal do Barreiro.
III - Decisão
Termos em que, decidindo o presente conflito negativo “impróprio”, atribui-se a competência para a tramitação e julgamento do processo em referência ao Exmo. juiz 1 do Juízo Local Criminal do Barreiro.
Sem tributação.
Cumpra-se o artigo 36.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

Lisboa, 15/05/2025
(processei e revi – art.º 94, n.º 2 do C.P.P.)
Maria José Machado