Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
50425/22.3YIPRT.L1-6
Relator: MARIA TERESA MASCARENHAS GARCIA
Descritores: INJUNÇÃO
USO INDEVIDO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/05/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O procedimento de injunção é destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos tendo por objecto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor).
II. Apesar de os juros constituírem obrigações de indemnização, pela mora no cumprimento (art. 804.º do CC), os mesmos não deixam de ter origem directa no ressarcimento das dívidas pecuniárias accionadas, não levantando questões de quantificação, podendo ser pedidos no procedimento de injunção.
III. A indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida não comunga das mesmas características, ainda que se possa eventualmente traduzir numa quantia fixada contratualmente, na medida em que encerra uma pretensão ressarcitória, e não de cumprimento do contrato.
IV. O recurso ao procedimento de injunção numa situação em que para além das obrigações vencidas e juros se peticiona uma indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida inquina todo o processo, implicando e justificando, assim, o indeferimento liminar in totum.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório:
X s.a., aqui Recorrente, propôs requerimento de injunção contra g no valor de € 1619,45, no qual reclama facturas vencidas e não pagas no valor total de € 1259,29 (mil duzentos e cinquenta e nove euros e vinte e nove cêntimos) referentes aos meses de Setembro de 2021 a Abril de 2022 assim como € 251,86 (duzentos e cinquenta e um euros e oitenta e seis cêntimos) a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida.
Foi proferido despacho a 10-01-2024 que, considerando a possibilidade de verificação de excepção dilatória inominada de utilização indevida do procedimento de injunção, concedeu à Autora o prazo de 10 dias para se pronunciar, nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 3, do CPC.
A Autora veio pronunciar-se por requerimento de 17-01-2024, alegando que nenhum dos valores peticionados é referente a indemnização por incumprimento contratual.
A 14-03-2024 foi proferido o seguinte despacho (despacho recorrido):
“Nos termos do despacho que antecede, suscitou-se a eventual verificação de excepção dilatória inominada de uso indevido de procedimento de injunção pela petição de pagamento de penalidade por incumprimento contratual (v.g. cláusula penal).
Nessa sequência, pronunciou-se a Autora, invocando que as facturas objecto da presente acção não correspondem a qualquer cláusula penal, juntando, para o efeito, os referidos documentos.
Cumpre apreciar.
Compulsadas as facturas apresentadas pela A., constata-se que uma delas respeita, nomeadamente, a “Atraso pagamento FT 202191/1874379”.
Este valor facturado corresponde a obrigações secundárias, com conteúdo indemnizatório.
Ora, é sabido que a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato configura um regime especial, caracterizando-se pela sua simplicidade e celeridade.
Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro (cf. artigo 7º do regime anexo a este diploma).
Ora, uma cláusula indemnizatória não comunga destas características. Trata-se de uma obrigação secundária, derivada do incumprimento do contrato, com intuito ressarcitório.
Assim sendo, o procedimento concede apenas amparo à indemnização moratória, por decorrente do disposto no artigo 806º, nº 1, do Código Civil, e outras quantias atinentes às despesas com a cobrança (se convencionadas).
Desta forma, não poderá ser peticionado, na injunção e na concomitante acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, obrigações que tenham outra fonte que não o contrato celebrado entre as partes, mormente as derivadas de responsabilidade civil (não obstante o alargamento do objecto da acção aos eventuais juros de mora devidos e às despesas de cobrança). Com efeito, as cláusulas com finalidade indemnizatória estão excluídos do âmbito da injunção e da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.
Por outro lado, considerando a indivisibilidade da injunção, que é proposta no pressuposto de alcançar fórmula executiva no seu todo, ainda em fase administrativa, o pedido de ressarcimento a título indemnizatório afecta o conhecimento e o prosseguimento da presente acção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção), não sendo permitido qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento.
Assim, e ainda que a Autora tenha peticionado o pagamento de outros valores que não se prendem com a cláusula penal, o uso inadequado do procedimento torna inaproveitável na sua totalidade a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em que a injunção, por virtude da oposição deduzida, se convolou.
Acresce dizer que a convolação para acção de processo comum apenas encontra previsão expressa para os casos em que na injunção é peticionado valor superior a €15.000,00. E as especificidades da tramitação deste processo declarativo especial mantêm-se, justificando que não se possa aplicar o respectivo regime a outro tipo de obrigações para além das previstas no art. 1º do D.L. 269/98, designadamente às decorrentes de responsabilidade civil contratual, como é o caso.
A utilização indevida do procedimento de injunção configura uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e, in casu, implica o indeferimento liminar parcial da petição, uma vez que o Réu não chegou a ser citado (cf. al. e) do nº 1 do artigo 278º, nº 1 do CPC e n.º 1 do artigo 3º ex vide n.º 1 do artigo 17.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 01.09).
Nos termos e com os fundamentos que antecedem, declara-se verificada a excepção dilatória inominada de utilização indevida do procedimento de injunção, o que obsta ao conhecimento do mérito da causa e, consequentemente, indefere-se liminarmente a petição inicial.
Custas pela Autora - artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Valor da causa - € 1 619,45 (art. 18º do regime anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 01/09).
Registe e notifique.”
Inconformada com tal decisão veio a Requerente interpor recurso da mesma, pugnando pela sua revogação.
Termina as respectivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
1. Foi indeferido, liminarmente, o requerimento injuntivo pelo Tribunal a quo, por ter considerado que se verifica a exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção por a Autora se encontrar a peticionar o pagamento de uma penalidade relativa ao atraso de pagamento de fatura anterior.
2. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, uma vez que a injunção e a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias constituem um meio adequado para peticionar ao devedor o pagamento de uma penalidade pela falta de pagamento das faturas dentro do prazo do seu vencimento.
4. Outra conclusão seria manifestamente contrário ao “espírito” legislativo associado à criação do DL 269/98, de 01 de Setembro, conforme decorre, indubitavelmente da leitura do preâmbulo deste diploma legal.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos
- violou o artigo 1º do diploma preambular anexo ao DL 269/98, de 01 de Setembro.
- violou o art.º 590º do CPC
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Dos autos não constam contra-alegações.
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Admitido o recurso, na sequencia de reclamação apresentada junto deste Tribunal, e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
(i) do indeferimento liminar do requerimento de injunção, com base na sua inadequação para peticionar ao devedor o pagamento de custos administrativos relacionados com diligências de cobrança de dívidas;
*
II - Fundamentação
Além do que consta do relatório, acima sumariado, resulta ainda dos autos, com interesse para o presente recurso a consideração dos seguintes factos, documentados nos autos, que aqui importa destacar:
- o requerimento de injunção tinha o seguinte teor:
“A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuido o n.º 837598564. No âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços solicitados pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Rte e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato. Das facturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €195.95 de 09/09/2021, €184.2 de 11/10/2021, €148.43 de 09/11/2021, €153.59 de 10/12/2021, €172.05 de 11/01/2022, €165.1 de 09/02/2022, €235.97 de 09/03/2022, €4 de 11/04/2022, vencidas, respectivamente, em 04/10/2021,04/11/2021,04/12/2021,04/01/2022,04/02/2022,04/03/2022,04/04/2022 e 04/05/2022. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento. Mais, é o Rdo devedor à Rte de €251.86, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos.
O valor em dívida poderá ser pago, nos próximos 15 dias, realizando uma transferência bancária para o IBAN PT50….(realce nosso)
*
III. Direito
A decisão recorrida, indeferiu liminarmente o requerimento de injunção, com base na sustentação de a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção, entendendo queCom efeito, as cláusulas com finalidade indemnizatória estão excluídos do âmbito da injunção e da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.”
E concluindo, assim, que intentando-se a execução e dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar excepção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo.
(i) Obrigação pecuniária emergente de contrato – abrangência do procedimento de injunção.
O Tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento de injunção por sufragar o entendimento de que o requerente peticionou no procedimento de injunção quantias que não podia reclamar por essa via.
Invoca, pois, a decisão objecto de recurso que, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respectiva e como tal, por verificação de excepção dilatória inominada (utilização indevida de procedimento de injunção), indeferiu liminarmente o procedimento apresentado.
Ora, o regime processual especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio, e com tal não comporta a possibilidade de cobrança da indemnização por encargos decorrentes da cobrança da divida (cfr Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 15.09.2022, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 27.11.2014; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 28.10.2015, todos in www.dgsi.pt ).
Entende a recorrente que as quantias peticionadas no requerimento de injunção se encontram abrangidas pela previsão da norma.
O requerimento de injunção encontra-se definido como correspondendo à «(…) providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular [obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15 000 EUR], ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro [ou do D.L. n.º 62/2013, de 10 de maio]», tal como decorre do art.º 7.º do Regime anexo ao DL n.º 269/98.
Como explica PAULO DUARTE TEIXEIRA “Os pressupostos objetivos e subjetivos do procedimento de injunção” Revista Themis, VII, n.º 13, pp. 169-212., a delimitação do âmbito de aplicação do procedimento de injunção faz-se através do estabelecimento de pressupostos objectivos e subjectivos.
No que respeita aos pressupostos objectivos, assume relevância a densificação do conceito de obrigação pecuniária emergente de contracto.
No caso dos presentes autos não se oferecem dúvidas de que estamos perante um contrato de prestação de serviços, como fonte do crédito reclamado, e a natureza pecuniária do mesmo. Não obstante, o conceito de obrigação pecuniária deve interpretar-se de modo estrito.
Certo é que este diploma legal não define o que sejam “obrigações pecuniárias emergentes de contratos”, razão pela qual, para se aferir do conceito de “obrigação pecuniária”, terá de se lançar mão do que emerge dos arts. 550.º a 558.º e 774.º a 806.º do CC.
A questão que se coloca é assim a de saber se, tal como defende a apelante, a quantia de € 251,86, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, deverá integrar aquele conceito de obrigação pecuniária emergente de contrato, sob pena de se defender um entendimento “contrário ao espírito legislativo associado à criação do DL 269/98, de 01 de Setembro (…)”.
Somos do entendimento, que cremos ser maioritário, que o pedido de pagamento de tais montantes – indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida – não se enquadra no âmbito de aplicação do procedimento de injunção, definido no art. 7º do anexo ao DL 269/98 de 1 de Setembro, que dispõe que “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”. Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro foi, entretanto, revogado pelo DL 62/2013 de 10/5, cujo objetivo foi o de transpor para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 2011/7/EU do Parlamento Europeu e do Conselho .
A este respeito refere Salvador da Costa In Injunção e as Conexas Ação e Execução”, Almedina, 5ª ed. p. 41 e 43 que “O regime processual em causa só é aplicável ás obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio. (…)” E mais adiante “Também já se suscitou a questão de se saber se a ação declarativa de condenação ou o procedimento de injunção em análise é ou não suscetível de instrumentalizar a formulação de um pedido relativo a uma cláusula penal.(…)”.
Acrescentando o mesmo autor mais à frente que “O modelo em que este normativo se inspira é o da ação declarativa de condenação com processo sumaríssimo, com base na ideia de simplificação que lhe é própria e em que é frequente a não oposição do demandado. O seu âmbito de aplicação é, porém, mais restrito do que o do processo sumaríssimo e do processo sumário, visto que estes são suscetíveis, e aquele não, de abranger o pedido de condenação no pagamento de indemnização por dano ou em razão do enriquecimento sem causa e de entrega de coisas móveis (artº 462º do CPC). Com efeito, a ação declarativa de condenação com processo especial em análise apenas é suscetível de aplicação quando se trate de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, incluindo a vertente dos juros” Obra citada, pág. 96..
Como decorre da lei, o procedimento de injunção é destinado “a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos…”, sendo certo, que tal prestação obrigacional só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor, que não tem por objeto a entrega de quantias em dinheiro e visa apenas proporcionar ao credor um valor económico de um determinado objeto ou de uma componente do património).
Conforme resulta do art. 10.º al. e) do DL 269/98, de 01-09, no requerimento de injunção o credor deve “formular o pedido” com a discriminação do valor de capital, juros vencidos e outras quantias devidas.
Entendeu assim o legislador que a cobrança de dívidas pecuniárias, para que se alcance a satisfação plena do credor, implica que este seja ressarcido dos juros referentes ao atraso no pagamento.
E apesar de os juros constituírem obrigações de indemnização, pela mora no cumprimento (art. 804.º do CC), os mesmos não deixam de ter origem directa no ressarcimento das dívidas pecuniárias accionadas, não levantando questões de quantificação, desde logo porque a sua liquidação se faz por metido de calculo aritmético a que se refere o art. 806.º, n.º 1, do CC.
Já a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida não comunga das mesmas características, ainda que se possa eventualmente traduzir numa quantia fixada contratualmente. Ela encerra tem uma pretensão ressarcitória, e não de cumprimento do contrato.
Não é essa a lógica do procedimento de injunção, que se quer de simples cobrança, rápida e simples, acompanhada das consequências indemnizatórias mais imediatas.
E de facto assim vem sendo assumido pela jurisprudência, de que são exemplo inúmeros acórdãos desta 6.ª secção cível da Relação de Lisboa – embora dissidindo quanto à consequência a retirar de utilização indevida (indeferimento liminar total ou indeferimento liminar parcial) cujos mais recentes passamos a identificar: 24/10/2024- Proc. nº13379/21.1T8SNT.L1 Relator: Nuno Lopes Ribeiro, 07/11/2024- Proc. nº5735/24.0T8SNT.L1 Relator: António Santos, 18-04-2024 – Proc. nº 18156/20.4T8SNT.L1 - Relator: Eduardo Petersen Silva, 10-10-2024 Processo n.º 5820/24.8T8SNT.L1 Relatora Maria Teresa Mascarenhas Garcia, 14-05-2020, Proc. n.º 60038/19.1YIPRT.L1-6, Relatora Gabriela Fátima Marques, 07-04-2022, proc. n.º 16709/21.2YIPRT%.L1-6, Relator Adeodato Brotas, 20-02-2020, proc. n.º 127631/16.8YIPRT.L1-6, Relator Adeodato Brotas.
Por esta razão ter-se-á de concluir que, tendo a requerente optado por recorrer ao procedimento de injunção com vista ao ressarcimento de dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual, onde incluiu igualmente a indemnização pelos encargos originados com a cobrança da dívida, essa mesma pretensão não é compatível com a natureza do procedimento, o que determina que se considere verificado o uso indevido do procedimento de injunção, o qual consubstancia uma excepção dilatória inominada.
Sendo insofismável que a requerente formula pretensão que não se adequa ao procedimento pelo qual optou coloca-se a questão da consequência a daí retirar.
(ii) Excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção
Impõe-se assim definir qual a consequência a retirar deste uso indevido do procedimento de injunção.
Não desconhecemos que a jurisprudência não é, de todo, pacífica quanto a esta questão.
Encontramos acórdãos que:
(a) Defendem o indeferimento liminar parcial – na parte do pedido não compreendida dentro do escopo do procedimento de injunção, convocando o principio do máximo aproveitamento dos actos consagrado como corolário do principio, adoptado pelo nosso legislador, da economia processual. Esta corrente conclui assim pelo aproveitamento do requerimento, em nome do principio da economia processual e da proporcionalidade. Exemplos desta solução são o Ac. Relação de Évora de 15-09-2022 e o Ac. Relação do Porto de 08-11-2022.
Conforme se refere no Ac. da R.E.Neste particular, face ao princípio do máximo aproveitamento dos actos presente no direito adjectivo português relativamente a nulidades, erros ou outros vícios de natureza processual, impõe-se a utilização do título obtido na parte remanescente porquanto o mesmo é válido e se encontra apenas parcialmente viciado pela inclusão de um pedido não admissível e todos os outros aos quais foi conferida força executiva são aproveitáveis em nome das regras da economia processual e da proporcionalidade e no carácter tendencialmente definitivo da decisão administrativa não impugnada.”
(b) Defendem que o uso indevido do procedimento de injunção inquina todo o processo, implicando a sua inaproveitabilidade total, seja no processo declarativo, seja na execução em que o título executivo tenha resultado da aposição de fórmula executória a uma injunção utilizada numa concreta situação que não permitia o recurso à mesma.
Exemplo paradigmático desta tese é o Ac. da R. L. de 23-11-2021.
Nesse mesmo acórdão se refere: “…se no pressuposto de uma utilização indevida do processo de injunção, estando o processo já no Tribunal, é possível fazê-lo prosseguir quanto à matéria que podia - efectivamente - ser objecto do referido processo.
O Tribunal a quo entendeu que não e, em seu apoio, foi buscar uma decisão do Tribunal da Relação de Coimbra (20/05/2014, Processo n.º 30092/13.6YIPRT.C1-Fonte Ramos, disponível em www.dgsi.pt), onde se refere que “tal exceção dilatória inominada, afetando o conhecimento e o prosseguimento da ação especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção), não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento; caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”.
Numa situação semelhante à dos presentes autos, o Acórdão da Relação do Porto de 18/12/2013 (Processo n.º 32895/12.0YIPRT.P1-Fernando Samões, disponível em www.dgsi.pt) expressamente assinala que a injunção que se destine a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor superior a € 15.000 e inferior a € 30.000, requerida depois de 01/01/2008 e em cujo requerimento não se alegue que elas emergem de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17/2, à qual tenha sido deduzida oposição, não pode seguir como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, por se verificar um obstáculo impeditivo do conhecimento do mérito, que, por não permitir qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, dá lugar à absolvição da instância”.
Sublinhe-se que o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de 14/12/2012 (Processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1.S1-Salazar Casanova, disponível em www.dgsi.pt), definiu uma solução que importa levar em consideração: quando o processo de injunção tem um valor superior ao da alçada da Relação e é transmutado em processo comum ordinário, por força da dedução de oposição (artigo 7.º do DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro), a questão de saber se a transacção comercial que esteve na origem do crédito reclamado é ou não daquelas que permitem a injunção, não exerce qualquer influência no mérito da causa, nem na sua tramitação, visto que estamos em processo comum (e não em processo especial) e, portanto, sem quaisquer diminuição de garantias.
E é esta mesma decisão que nos traz luz aos autos e nos permite concluir nos mesmos termos que a decisão recorrida.
Com sólidos fundamentos.
De facto, “ainda que a transação invocada não pudesse permitir que fosse decretada a injunção, ela não obsta a que o crédito seja reconhecido visto que em ação declarativa ordinária é indiferente a natureza da transação que deu origem ao crédito, não exercendo qualquer influência na tramitação da causa ao contrário do que sucede na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que a lei determina que seja a aplicável nos casos em que, em razão da oposição, se converteu a providência de injunção respeitante a transações comerciais de valor inferior à alçada da Relação”.
Certo que face “a uma absolvição da instância, as partes teriam de reiniciar um percurso processual, muitas vezes longo, tudo isto evidenciando perda de economia processual, sendo certo que o objetivo pretendido pelo requerente - a injunção - está já definitivamente afastado”, mas “um tal estado de coisas é fruto da responsabilidade do requerente da injunção quando decide iniciar um procedimento de injunção para o qual não lhe assistia direito a obtê-la, podendo mesmo considerar-se que, a não se obviar pela assinalada forma da absolvição da instância, se contribui para aumentar o risco de os credores procurarem obter títulos executivos por via de injunção, aproveitando-se do facto de o controlo não ser exercido jurisdicionalmente, apesar de saberem que o crédito invocado não lhes permitia o recurso à injunção”.
Muitas vezes – assinala-se no mesmo Acórdão - havendo dedução de oposição, é o próprio Réu que tem interesse em vê-la aproveitada, mas (acrescentamos nós) nos casos em que o Requerido não teve qualquer intervenção nos autos e não há transmutação em acção comum, permitir que a acção pudesse prosseguir constituiria uma situação de benefício do infractor, que não temos como tolerável.
In casu, a ora Recorrente poderia – logo à cabeça – ter utilizado como meio processual para obter a condenação do seu devedor, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, mas não o fez, preferindo utilizar uma estratégia de risco recorrendo ao mecanismo da Injunção (para, assim, com mais facilidade, obter um título executivo), ficando na expectativa da notificação e não oposição do Requerido, para assim obter um benefício ilegítimo.
Correu o risco, mas, com a frustração na notificação e a apreciação judicial que foi feita da situação pelo Tribunal a quo, esse risco concretizou-se e tem agora de “sofrer” as consequências.
E elas respeitam ao inquinar de todo o processo e não apenas da parte que a ora Recorrente colocou “a mais” do que poderia e deveria.
Caso assim não fosse, como se sublinha no já citado Acórdão da Relação de Coimbra de 20/05/2014 (Fonte Ramos), estaria “encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”.
Voltando ao Acórdão do STJ (Salazar Casanova), assentamos em que “as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada; no entanto, ultrapassada esta fase, elas não assumem expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de processo comum ordinário quando o seu valor seja superior à alçada da Relação”[4], já o mesmo não sucedendo quando a transmutação da acção é para acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (valor inferior à alçada da Relação), caso em que o processo se torna inaproveitável e a absolvição da instância faz terminar a acção pela procedência da excepção dilatória inominada de uso indevido/inadequado da providência de injunção.
Assim sendo, a consequência a tirar deste uso indevido do procedimento de injunção (por ausência das condições de natureza substantiva que a lei impõe para a decretar) é a verificação da presença desta excepção dilatória inominada, a qual, obstando a que se possa conhecer do mérito da causa, com a inevitável absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil. (…)”
Sufragamos e seguimos este último entendimento.
Com efeito, não se podendo pessoalizar a decisão a tomar em função do requerente/exequente (como sendo um litigante de massas), não podemos deixar de tomar em consideração a exposição de motivos do DL 269/98, de 01-09, onde se refere expressamente os especiais interesses que se pretendem acautelar e quais os titulares desses interesses: “A instauração de acções de baixa densidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, erigidos em órgãos para reconhecimento e cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores, está a causar efeitos perversos, que é inadiável contrariar.
Na verdade, colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores, os tribunais correm o risco de se converter, sobretudo nos grandes meios urbanos, em órgãos que são meras extensões dessas empresas, com o que se postergam decisões, em tempo útil, que interessam aos cidadãos, fonte legitimadora do seu poder soberano. Acresce, como já alguém observou, que, a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da 'funcionalização' dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e de sentenças.
É impossível uma melhoria do sistema sem se atacarem a montante as causas que o asfixiam, de que se destaca a concessão indiscriminada de crédito, sem averiguação da solvabilidade daqueles a quem é concedido.”
Ou seja, foi a pensar nestas concretas situações que o legislador avançou com o procedimento de injunção. O que a nosso ver faz decair a critica que se tece ao supra citado Ac. da Relação de Lisboa de 23-11-2021, assim como ao Ac. do STJ nele citado, de que os argumentos neles utilizados pessoalizam a pessoa do credor.
Esta opção legislativa criada tendo em vista estes concretos credores, visou “facilitar-lhes a vida” e descongestionar os Tribunais.
Por esta razão, entendemos que, tendo os mesmos utilizado indevidamente o procedimento de injunção – com todas as benesses que o mesmo lhes acarreta ao nível do valor da taxa de justiça e redução de prazos de defesa -, a responsabilidade desse uso indevido deverá recair sobre o requerente/exequente, não lhes concedendo oportunidades de aproveitamento de actos processuais que, de todo o modo, neste caso concreto não existiriam caso o requerido tivesse deduzido oposição, tendo em atenção o valor do pedido do procedimento de injunção.
Justificando-se assim inteiramente o indeferimento liminar “in totum”.
Improcede assim o recurso interposto.

IV- Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 05-12-2024
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
António Santos (vencido nos termos da declaração infra)
Cláudia Barata

Voto de vencido – Declaração
Pelas razões [ para as quais aqui e agora remeto, brevitatis causa ] que constam do acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/11/2024 [ proferido no processo nº 5735/24.0T8SNT.L1-6, e acessível em www.dgsi.pt ] do qual foi o respectivo relator, considero que a apelação merecia parcial provimento, nada obstando ao prosseguimento da execução relativamente à quantia exequenda cuja reclamação em procedimento de injunção é perfeitamente legal.
António Santos