Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
Descritores: | REGULAÇÃO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS INCUMPRIMENTO GRAVIDADE REITERAÇÃO MULTA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/26/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1– O “incumprimento” para efeitos do artº 41º nº 1 do RGPTC há-de consistir: (i) na inobservância, por um dos progenitores (ou por terceiro) de um dos deveres que para ele resulta do Regime Fixado da Regulação das Responsabilidades Parentais; (ii) que seja um não cumprimento imputável(causado com doloou negligência); (iii) que revista alguma gravidade/relevância; (iv) aferida à luz do Superior Interesse da Criança/menor e do direito/dever do outro progenitor. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I–RELATÓRIO.
1–JAGD, suscitou incidente de incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais, contra LPR, visando: -Que a requerida não impeça, dificulte ou diminua o direito de o menor estar com o progenitor/requerente no quadro do regime de visitas em vigor. Alegou, em síntese, que por decisão proferida em Janeiro de 2020 foi fixado regime de exercício das responsabilidades parentais, sendo a mesma exequível dado que o recurso interposto tem efeito meramente devolutivo; o regime fixado prevê, além do mais, que a criança goze, mensalmente, três dias/noite com o pai na Ilha Terceira; a 10 de Outubro avisou a progenitora de que se deslocaria a esta Ilha entre os dias 17 e 21 de Outubro para conviver com o filho; a progenitora informou-o que não o iria deixar estar com o filho enquanto não houvesse pronúncia do tribunal. 2–Na sequência de vários requerimentos de ambas as partes e despachos, foi expressamente determinado que a criança privasse com o progenitor durante os dias 20, 21 e 22 desse mês, devendo ser entregue à mãe a 23. 3–Notificada para alegar, veio a progenitora responder nos termos do requerimento datado de 12 de Novembro daquele ano, invocando, no essencial, que o progenitor não acordou com a requerida os dias de convívio; que a atitude do requerente constitui um crime de desobediência e um crime de violência doméstica, sob a forma psicológica e moral. 4–As partes foram remetidas para audição técnica especializada, tendo sido apresentado Relatório datado de 16/12/2020. Em sede de audição técnica especializada não foi possível obter um acordo, dado que ambos os progenitores pretendem que a residência do filho seja fixada junto de si. Concluiu-se nesse Relatório que a relação parental é pautada por acentuada litigância e conflito, havendo incapacidade de diálogo e foco no bem-estar da criança; existem acusações mútuas e verbalizações contraditórias da situação, havendo total inaptidão para negociar. Foi proposto o encaminhamento de ambos os progenitores para avaliação psicológica e psiquiátrica. 5–As partes foram notificadas para apresentarem alegações, o que fizeram. 6–Realizado o julgamento, foi proferida sentença, datada de 21/01/2022, com o seguinte teor decisório: “III–DECISÃO Com os fundamentos fácticos e legais supra expostos, decide-se: a)-declarar a existência de incumprimento, no período compreendido entre os dias 17 e 20 de Outubro 2020, do regime de convívios fixado em benefício da criança João…, por parte da requerida LPR; b)-condenar a requerida no pagamento de 2,5 UC de multa, nos termos do artº 41º, nº 1 do RGPTC. Custas pela progenitora.” 7–Inconformada, veio a progenitora apresentar o presente recursoformulando as seguintes CONCLUSÕES: 1–Devem os concretos pontos de facto explanados nos pontos 5 e sgs supra e indicados, no ponto 6 e sgs. supra ser integrados nos factos provados – a saber: a)-O Requerente marca as viagens mesmo que a mãe não esteja de acordo; b)-A mãe não disse que o menor não ia estar em outubro com o pai. A mãe apenas queria alguma confiança; c)-A mãe só aceitava a viagem do pai aos Açores depois de uma decisão do Tribunal e entre coisas por causa do pai ser portador dos cartões de cidadão do filho; d)-A mãe entregou no dia 21 de outubro o filho ao pai, logo que recebeu um telefonema do Tribunal da Praia da Victória; e)-A mãe do menor saiu de sua casa para a casa de uma amiga por mera circunstância de momento e não premeditadamente. 2–Deve ser alterado o facto provado em VIII devendo ter a seguinte redação: “VIII.-A requerida saiu de casa com o menor a 17 de Outubro de 2020, e só entregou o filho ao pai depois de uma decisão do Tribunal”, cfr. se alega em 7.1 supra. 3–Das declarações de parte do Requerente concluiu-se que deve ser acrescentado ao facto provado XVI como se alega no ponto 6.1 supra: XVI.-Alguns meses antes, numa deslocação programada a esta Ilha, o progenitor pegou no filho, sem conhecimento ou consentimento da progenitora, levou-o de avião para o Porto, regressando alguns dias depois, “Faltando às aulas na segunda -feira seguinte ao fim de semana”. 4–A Meritíssima não considerou e desvalorizou o email da Requerida/Apelante, alegado e transcrito no ponto 7.1 supra, transcrito no requerimento de 19.10.20 e que foi alegado no artº 2º das Alegações para ser considerado, pelo que deve ser lavado à discussão da matéria de facto como elemento essencial, tais como: os cartões de cidadão, uma das causas do receio e medo da Requerida/Apelante, por estarem ainda na posse do Requerente – devendo constar dos factos provados: “Um dos receios da mãe era o progenitor estar na posse dos cartões de cidadão” 5–O Requerente não provou em julgamento, tendo o “ónus da prova” as circunstâncias e as razões por que é que o filho foi entregue no dia 21 e não no dia 17; 6–As declarações de parte (artº 466º CPC) do Requerente foram insuficientes para estabelecer a prova dos factos que lhe são favoráveis, (não se aplicando nos direitos indisponíveis a “inversão do ónus da prova” (artº 345º/1e 354º al.b) ambos do C.C.), por desacompanhados de prova testemunhal (o Requerente não apresentou testemunhas) que as sustentasse, apesar da prova documental (emails), que não foi justificada pelo Requerente (ver depoimento do Requerente – 08:33 e 09:33 – não respondeu à Meritíssima), não devendo, por isso, ser atendíveis nem como factos essenciais nem instrumentais; 7–As declarações de parte da Requerida/Apelante salientam-se as “CAUSAS JUSTIFICATIVAS” da sua conduta, baseadas no receio e no medo dos comportamentos anteriores do Requerente que foram sustentadas pelas testemunhas nos pontos XV e XVI dos factos provados: XV.-No mês imediatamente anterior a estes factos, o progenitor não procedeu à entrega do João à mãe, findo o gozo do período de férias, o que só veio a acontecer após intervenção do Tribunal. XVI.-Alguns meses antes, numa deslocação programada a esta Ilha, o progenitor pegou no filho, sem conhecimento ou consentimento da progenitora, levou-o de avião para o Porto, regressando alguns dias depois. Tendo vindo a decidir a jurisprudência, como por ex: se indica: “… É necessário a formulação de um juízo objetivo de censura ao comportamento do progenitor que impediu a sua concretização, tiver criado intencionalmente uma situação reiterada e grave, culposa que permita assacar-lhe um efetivo juízo de censura”, cfr. ,entre outros, TRL 14.09.2010, afastando, por isso, o incumprimento culposo da Requerida/Apelante; 8–Não foi provado em julgamento, nem a fundamentação da douta decisão, que aliás, diga-se, com o devido respeito, foi muito singela, que a Requerida/Alegante tenha criado intencionalmente uma situação culposa, reiterada e grave que permita assacar- lhe um efetivo juízo de censura (ver – depoimentos pag. 8 da motivação da sentença); 9–Também não foi provado, nem alegado, nem fundamentado na douta decisão que o comportamento da Requerida/Alegante tenha afetado a estabilidade emocional do menor para que se pudesse subsumir os factos que encerram o corpo do artº 41º do RGPTC; 10–O ponto XVII dos factos provados constitui uma irregularidade processual (artº195º/1 CPC); “XVII.- No dia 29 de Abril de 2019 a requerida saiu da então casa de morada de família, durante a noite, levando consigo o filho menor, sem a concordância ou sequer conhecimento do progenitor, e veio viver para os Açores.”, pela simples razão que os factos são de conhecimento oficioso de outro processo deste Tribunal (“Responsabilidades Parentais nº 2626/19.0T8GMR”) cfr. se dá como reproduzido o que foi alegado no nº 10.2 do corpo das alegações supra, evidenciando somente que as respostas dadas na douta sentença do proc. indicado, aos pontos 48º 49º e 50º, não têm o sentido que a Meritíssima lhe deu, ou seja a Requerida/Alegante não saiu de casa, mas sim foi posta na rua pelo ex-marido, devendo a mesma ser nula se tiver algum efeito na decisão da causa, principalmente nos factos reiterados, ou considerá-la, como não escrita; 11–Ainda sobre a matéria do ponto XVII dos factos provados, a mesma não foi alegada pelas partes, constituindo uma nulidade nos termos do artº 615º/1 al. d) do CPC, pela razão de a Meritíssima “…ter tomado conhecimento de questão que não podia tomar conhecimento”; 12–A Requerida/Alegante conforme matéria de facto alegada e provada em julgamento, nunca teve um comportamento que fosse considerado “incumprimento”, nos termos do artº 41º do RGPTM; 13–Na subsunção dos factos que qualificam o incumprimento culposo, a Meritíssima começa por indicar na fundamentação comportamentos incorretos do Requerente, para depois logo a seguir considerar que não são suficientes para justificar a conduta da Requerida/alegante, desvalorizando as “Causas Justificativas” alegadas e provadas pelas testemunhas (ver – depoimentos pag.8 da motivação da sentença) – o medo, o receio – do Requerente voltar a praticar as mesmas condutas, levando o filho para o Continente, produzindo mau estar no menor e na Requerente, devendo ser considerado os comportamentos do Requerente, como “Causas Justificativas”; 14–Há uma contradição da decisão da Meritíssima na apreciação da conduta da Requerida/Apelante e nas condutas do Requerente, pois no douto despacho de 23.10.20, a Meritíssima, diz “….A recusa da progenitora, é compreensiva (o sublinhado é nosso) em certa medida, mercê dos comportamentos passados do progenitor retratados nos autos – máxime os relativos às ocasiões em que levou o filho num fim-de-semana para Guimarães e em que não o entregou findo o período de férias de Verão) ……”, e na fundamentação da douta sentença, a atitude da Requerida/Apelante, foi desvalorizada como uma das causas justificativas; 15–Os factos provados em XV e XVI são suficientes para considerar como “causas justificativas” e afastar o incumprimento, seguindo a jurisprudência – no sentido que só o incumprimento culposo, grave e censurável é considerado incumprimento nos termos do artº 41º do RGPTC; 16–Ficou provado em julgamento pelas declarações das testemunhas da Requerida/Alegante (cfr. referido no ponto 7 supra/conclusões) que tiveram conhecimento direto dos factos que a Requerida não premeditou esta situação de entregar o filho de imediato ao pai, pelo receio e o medo das situações anteriores passadas e acima transcritas; 17–O Requerente como se alegou no ponto 10.5 supra, FORJOU o alegado incumprimento, pela simples razão que sabia que a Requerida/Alegante pelas razões apontadas na resposta ao email do Requerente (ver transcrição/resposta no ponto 7.1 supra) entendia pelo seu receio e medo que o Requerente voltasse a ter comportamentos como aqueles descritos nos pontos XV e XVI dos factos provados; 18–A Requerida/Alegante atuou numa atitude semelhante a um ato de uma pessoa que recorre à “legítima defesa”; 19–A mãe quando saiu de casa para casa de uma amiga fê-lo na esperança que o Tribunal clarificasse a situação jurídica e fê-lo circunstancialmente e não premeditadamente (ver depoimento das testemunhas, pag. 8 motivação da sentença) 20–A mãe, ora Requerente/Alegante entregou o filho de imediato, logo que recebeu o despacho de Tribunal que lhe dava a segurança que pretendia; 21–A douta sentença violou os pressupostos do artº 41º do RGPTC. 8–O requerente/apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando uma CONCLUSÃO: A Douta Sentença recorrida, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à aplicação do direito, está correta, bem fundamentada, constando da mesma devidamente, especificados quais os fundamentos de facto e de direito que estiveram na base da decisão. *** II–FUNDAMENTAÇÃO. 1-Objecto do Recurso. É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir: a)-A Impugnação da Matéria de Facto; b)-A revogação da sentença, na parte que condenou a requerida/apelante na multa de 2,5 Uc’s. Vejamos estas questões. Previamente, importa ter presente a factualidade decidida pela 1ª instância. 2–Matéria de Facto. A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto: Consideram-se provados os seguintes factos: I.-João… nasceu no dia 4 de Junho de 2012 e é filho do requerente e da requerida. II.-No âmbito do processo principal foi proferida sentença, a 27 de Janeiro de 2020, ainda não transitada em julgado. III.-Na referida sentença foi estabelecido, ao nível do exercício das responsabilidades parentais, que, para o que ora importa: 2.–A criança viverá com a mãe, a quem incumbirão as decisões sobre os actos da vida corrente. 3.–O João poderá conviver/contactar com o pai nos seguintes moldes: a)-nas férias escolares de Natal o João gozará metade do período com cada um dos progenitores, de forma a assegurar que a noite de Natal será gozada com um e o Ano Novo com o outro. Nos anos pares (aqui se incluindo, ainda que imprecisamente, os terminados em 0, como o actual) o João gozará a primeira metade das férias com o pai, sendo que nos anos ímpares a primeira metade das férias (incluindo o dia 24) será gozada com a mãe. c)-o João gozará ainda um mês de férias de Verão com o pai, podendo este optar pelo mês de Julho ou Agosto, o que deverá ser comunicado até ao final do mês de Fevereiro, sob pena de o direito de opção reverter para a mãe. d)-A criança poderá ainda estar com o progenitor durante 3 dias/noites por mês, sendo tais dias passados obrigatoriamente na área de residência da criança (excepto acordo expresso dos pais em contrário). Exceptuam-se os meses de Julho ou Agosto em que a criança estiver a gozar férias com a mãe e ainda o mês da Páscoa. IV.–No dia 10 de Outubro de 2020, o requerente avisou a requerida, através de correio electrónico, que se iria deslocar à Ilha Terceira entre os dias 17 e 21 de Outubro de 2020, na companhia dos seus pais, avós paternos da criança. V.–Informou ainda que já havia adquirido os bilhetes de avião, bem como que já se encontravam marcados os testes ao vírus CARS-Cov-2. VI.–A requerida respondeu ao requerente, também por correio electrónico que «enquanto a senhora Drª Juíza … não se pronunciar, eu não vou deixar o meu filho sozinho contigo». VII.–Uma deslocação aos Açores, designadamente à Ilha Terceira tem custos na ordem das centenas de euros, para assegurar viagens, estadias, alimentação e tudo o mais a 3 pessoas. VIII.– A requerida saiu de casa com o menor a 17 de Outubro de 2020, com o intuito de impedir a visita do requerente e dos avós paternos da criança. IX.–No dia 19 de Outubro de 2020, Segunda-feira, pouco antes das 9 horas, o requerente deslocou-se à escola que o seu filho frequenta, para o cumprimentar e abraçar e constatou que o mesmo não tinha comparecido às aulas. X.–De imediato reuniu com a Directora do Colégio, que lhe transmitiu que o menor não iria comparecer dia 19 e 20 de Outubro, porquanto fora informada pela progenitora/requerida que o Joãozinho iria estar com o pai durante o fim de semana e ainda nos dias de Segunda e Terça-feira. XI.–Na sequência da notificação do despacho proferido no dia 20 de Outubro, a progenitora entregou de imediato a criança ao pai. XII.–Na sequência do despacho proferido a 21 de Outubro de 2020, a criança permaneceu com o pai até ao dia 23 desse mês. XIII.–A relação parental é pautada pela acentuada litigância e conflito, havendo incapacidade de diálogo e foco no bem-estar da criança. XIV.–Existem acusações mútuas e verbalizações contraditórias, com total inaptidão para negociar. XV.–No mês imediatamente anterior a estes factos, o progenitor não procedeu à entrega do João à mãe, findo o gozo do período de férias, o que só veio a acontecer após intervenção do Tribunal. XVI.–Alguns meses antes, numa deslocação programada a esta Ilha, o progenitor pegou no filho, sem conhecimento ou consentimento da progenitora, levou-o de avião para o Porto, regressando alguns dias depois. XVII.–No dia 29 de Abril de 2019 a requerida saiu da então casa de morada de família, durante a noite, levando consigo o filho menor, sem a concordância ou sequer conhecimento do progenitor, e veio viver para os Açores. * Não se provou que: a)-O requerente nunca «fugiu» com o menor, nem tampouco saiu da Ilha Terceira sem prévia comunicação, quer à progenitora, quer ao colégio que o menor frequenta. *** 3–As Questões Enunciadas. 3.1–A Impugnação da Matéria de Facto. A requerida/apelante pretende se altere a matéria de facto decidida pela 1ª instância, defendendo o aditamento de certa factualidade, que indica – embora de modo não totalmente coincidente entre a alegação e as conclusões, pelo que atender-se-á, somente, à factualidade mencionada nas conclusões por serem estas que definem o objecto do recurso – e a alteração de outra. Vejamos então. A requerida/apelante entende que deve ser acrescentada à matéria de facto dada como provada a seguinte factualidade: a)-O Requerente marca as viagens mesmo que a mãe não esteja de acordo; b)-A mãe não disse que o menor não ia estar em outubro com o pai. A mãe apenas queria alguma confiança; c)-A mãe só aceitava a viagem do pai aos Açores depois de uma decisão do Tribunal e entre coisas por causa do pai ser portador dos cartões de cidadão do filho; d)-A mãe entregou no dia 21 de outubro o filho ao pai, logo que recebeu um telefonema do Tribunal da Praia da Victoria; e)-A mãe do menor saiu de sua casa para a casa de uma amiga por mera circunstância de momento e não premeditadamente. Antes de analisarmos, em concreto, cada um dos pontos que a apelante pretende ver acrescentados à matéria de facto provada, importa ter em consideração que vem sendo entendido, pacificamente, se a pretendida reapreciação da matéria de facto se mostra irrelevante para a decisão das questões em discussão no recurso não deve ser objecto de reapreciação. Veja-se, v.g., o acórdão da Relação de Guimarães (de 11/07/2017, Maria João Matos) “…por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”. Ver ainda, no mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 27/01/2014 (Moreira do Carmo). Ou seja, se “por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.” Ver ainda o acórdão da Relação de Coimbra, de 24/04/2012 (Beça Pereira)e o acórdão da mesma Relação, de 14/01/2014 (Henrique Antunes)e ainda o acórdão da Relação de Lisboa, de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco). Não obstante, vejamos cada um dos pontos que a apelante pretende ver alterados. O ponto a). Pois bem, no caso em apreço, quanto ao pretendido aditamento do ponto a) – “O Requerente marca as viagens mesmo que a mãe não esteja de acordo” – não se vislumbra, nem a apelante o indica ou esclarece, qual é a relevância desse facto para a decisão da questão objecto do recurso: o incumprimento do Regime de Regulação das Responsabilidades parentais na vertente do Regime de Visitas ao progenitor não residente. Na verdade, não foi estabelecido/fixado no Regime de Regulação das Responsabilidades Parentais, a necessidade de qualquer acordo prévio para que o progenitor possa marcar as viagens à ilha Terceira com vista a estar com o filho. E como é evidente, a alternativa seria fixar dias certos, em cada mês, para que o pai pudesse exercer o “Direito de Visitas” – o que poderia implicar constrangimentos à efectiva disponibilidade do progenitor dada a distância entre o continente e a ilha Terceira - ou, deixar a este a decisão de quando acha ser-lhe mais favorável essa viagem avisando, é certo, a mãe, com antecedência mínima razoável dessa deslocação. A razoabilidade das atitudes e comportamentos é critério que os pais, mais tarde ou mais cedo, vão ter de adoptar seriamente, sob pena de causarem ao filho mais problemas, tristezas, incertezas, ansiedades e angústias do que felicidade, satisfação e bem-estar. O Superior Interesse da Criança assim o exige. É bom que os pais reflictam nisto! Enfim, não se vê qual a relevância para aditar o mencionado ponto a) à matéria de facto provada. Os pontos b) e c). O mesmo se diga em relação aos pontos b) e c) – b)- A mãe não disse que o menor não ia estar em outubro com o pai. A mãe apenas queria alguma confiança; c)- A mãe só aceitava a viagem do pai aos Açores depois de uma decisão do Tribunal e entre coisas por causa do pai ser portador dos cartões de cidadão do filho. Efectivamente, desde logo, em primeiro lugar o ponto b) seria algo incompatível/contraditório com o ponto VI dos factos provados que, de resto, não foi impugnado; e a efectivação do concreto regime mensal de visitas não está dependente de decisão judicial mensal, antes estando já fixada, ainda que provisoriamente. Por outro lado, como veremos, a circunstância de o pais ter (ou não) cartões de cidadão do filho, e se isso causa receio à progenitora, não constitui, como veremos, causa de exclusão relevante da culpa. Não vemos, por conseguinte, qual a relevância do aditamento destes dois pontos de facto. O ponto d). Quanto ao ponto: d) - A mãe entregou no dia 21 de outubro o filho ao pai, logo que recebeu um telefonema do Tribunal da Praia da Victória. Esse facto está considerado provado no ponto XI. Não se vislumbra necessidade de o “acrescentar”, rectius, repetir. O ponto e). O ponto e): A mãe do menor saiu de sua casa para a casa de uma amiga por mera circunstância de momento e não premeditadamente. Pois bem, trata-se de um facto subjectivo, psicológico, cuja prova não decorre das meras declarações de parte da progenitora apesar de ela ter “sido levada” a “responder” nesse sentido pelo seu Ilustre Mandatário. Efectivamente, os factos psicológicos apuram-se mediante recurso a factos instrumentais que permitem fazer operar presunções judiciais. E dos fatos apurados, mormente no ponto VI (não vou deixar o meu filho sozinho contigo) no ponto X (a Directora do Colégio transmitiu – ao requerente – que o menor não ia comparecer – na escola – dia 19 e 20 por ter sido informada pela progenitora que iria estar com o pai no fim de semana e segunda e terça feira), e ainda e principalmente com o ponto VIII (a requerida saiu de casa com o intuito de impedir do requerente e dos avós paternos) e ainda da circunstância de (confessadamente) ter saído de casa e ido para casa de uma amiga levando consigo a criança, apontam para que a mãe do menor saiu de casa, não por mera circunstância mas, de modo pensado, rectius, premeditado. Não se adita, por isso, o ponto e) aos factos provados. O ponto VIII. Entende a apelante que deve ser alterada a redacção do ponto VIII em termos de ser considerado provado “VIII. A requerida saiu de casa com o menor a 17 de Outubro de 2020, e só entregou o filho ao pai depois de uma decisão do Tribunal”. Ora bem, este pretendido facto já se mostra provado como decorre dos pontos VIII e XI. Não há, assim, razão para alterar, rectius, repetir essa factualidade. O ponto XVI. Pretende ainda a apelante que seja aditado ao ponto XVI dos factos provados o seguinte trecho de facto “Faltando às aulas na segunda-feira seguinte ao fim de semana”. Pois bem, o ponto XVI é relativo a uma situação de incumprimento do regime de visitas levado a efeito pelo progenitor e que foi objecto do respectivo procedimento incidental. Se o menor, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, faltou ou não às aulas é questão que não releva para este incidente. Por conseguinte, não se adita o pretendido segmento de facto ao ponto XVI dos factos provados. Um outro novo facto. Entende ainda a apelante que deve ser aditada à matéria de facto provada o seguinte ponto de facto: - Um dos receios da mãe era o progenitor estar na posse dos cartões de cidadão.” Pois bem, salvo erro, a requerente/apelante apenas invocou este pretendido aditamento à matéria de facto em sede das suas Conclusões, porque, no âmbito da alegação, no ponto 7.1, transcreveu o conteúdo de uma mensagem electrónica e o teor de requerimento do seu Ilustre Mandatário, de 19/10/2020. E fê-lo a propósito da pretendida alteração ao ponto VIII dos factos provados. Ora, como vimos acima, não há fundamento para a pretendida modificação do ponto VIII. Assim, não se adita este pretendido ponto de facto. O ponto XVII. Entende a apelante que a decisão do ponto XVII dos factos provados constitui uma “nulidade” da sentença, nos termos do artº 615º nº 1, al. d) do CPC, por aquela factualidade não ter sido invocada/alegada por qualquer das partes o que leva à conclusão, segundo ela, que o tribunal conheceu questão de que não lhe era permitido conhecer. Ou, então, diz, trata-se de uma irregularidade processual porque o tribunal conheceu oficiosamente de uma questão com base em factualidade, provada noutro processo, cujo teor não corresponde à síntese que o tribunal fez no ponto XVII, visto que o que decorre dos factos provados nesse outro processo foi que a requerida/apelante foi colocada fora de casa. Será assim? Pois bem, desde logo entendemos que a circunstância de a 1ª instância, no âmbito de um incidente de incumprimento do Regime Fixado de Regulação das Responsabilidades Parentais, ter conhecido de factualidade “não alegada”, não constitui uma nulidade da sentença nos termos do artº 615º nº 1, al. d) do CPC, por três razões que sinteticamente se alinham. Primeira. O artº 615º nº 1, al. d) do CPC refere-se a questões – o que deve ser conjugado com o artº 608º - e não a factos. Segunda. Os processos tutelares cíveis têm natureza de jurisdição voluntária (artº 12º do RGPTC) o que, nos termos do artº 986º nº 2 do CPC, faculta ao juiz investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes. Terceira. Considerar-se como provado que a requerente “saiu” de casa em vez de “foi-lhe ordenado que saísse”, quando muito, consubstanciaria um erro de julgamento da matéria de facto, passível de ser superado nos termos do artº 607º nº 4, 2ª parte e não uma causa de nulidade da sentença, ou de “anulação” desse facto por “irregularidade”. Aliás, a decisão daquele ponto de facto nos termos em que a 1ª instância o fez também não consubstancia uma irregularidade processual porque, por definição, uma sentença decide um determinado litígio e, se o decide, bem ou mal, não implica uma nulidade processual mas, quando muito, uma nulidade da sentença – que vimos que não se verifica - ou um erro de julgamento. Concluindo, não se verifica a pretendida irregularidade processual ou a nulidade da sentença. Em suma, não se altera a matéria de facto decidida pela 1ª instância. *** 3.2–A revogação da sentença, na parte que condenou a requerida/apelante na multa de 2,5 Uc’s. A apelante pretende que a sentença, na parte em que a condenou na multa de 2,5 UC’s (e não em 2 UC’s, como menciona no recurso), deve ser revogada porque, segundo ela, não actuou com culpa,invocando para o efeito que há causas de exclusão da culpa que não foram consideradas, designadamente o receio/medo que tinha de o requerente voltar a levar consigo o filho de ambos e, além disso, não se tratou de facto reiterado o que, de acordo com a jurisprudência não permite levar à condenação em multa nos termos doa artº 41º do RGPTC. Será assim? Vejamos. Determina o artº 41º nº 1 do RGPTC: “1– Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.” Do preceito resulta que o incidente em apreço se caracteriza por ser composto, digamos, por uma faceta declarativa, em que se aprecia e decide se houve um incumprimento relevante e se pode condenar o incumpridor no pagamento de uma multa e/ou em indemnização e, uma vertente executiva em que podem serem impostos determinados expedientes legais por forma a garantir o cumprimento coercivo do que tenha sido incumprido. Porém, como se salienta no acórdão da Relação de Guimarães, de 19/10/2017 (Maria João Matos) “…em termos puramente teóricos a solução é clara, contudo, na prática essas situações na maioria das vezes constituem verdadeiros desafios para os magistrados. Isto porque quase sempre é demasiadamente complexo descobrir o que efetivamente está na base do incumprimento. Com frequência o que se fundamenta para o incumprimento, são alegações de doenças súbitas, desemprego, outras vezes são as recusas do menor em ir com o progenitor não guardião, deslocações ditas inadiáveis para fora do local de residência do menor que, paralelamente, “coincidem” com o não pagamento da pensão de alimentos. Por isso, embora soluções como, o cumprimento coercivo, multa e indemnização sejam apresentadas pelo legislador, muitas vezes torna-se difícil a sua aplicação. Daí ser cada vez mais frequente nos processos, os inúmeros apensos de incidentes de incumprimento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que consubstanciam numa realidade fidelíssima à vivenciada pelas famílias. São processos em que em forma de papel, torna-se físico uma realidade de sentimentos de raiva, ódio, frustrações e de sentimentos de posse sobre o filho» (Gabriela Rosa Tuler, O Incumprimento Das Responsabilidades Parentais (Dos Alimentos E Do Regime De Visitas) E Os Danos Causados Às Crianças e À Sociedade - Dissertação de mestrado apresentada no Departamento de Direito da Universidade Autónoma de Lisboa, Outubro de 2015, consultada em Outubro de 2017, in http://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/2804/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O).Na tentativa de “tentar proteger as crianças dessa “guerra” em que são os pais, aqueles que em primeiro lugar deveriam proteger os filhos, (…) os protagonistas desta triste disputa”, “é preciso recorrer às ciências sociais, criando equipas multidisciplinares que possam coadjuvar os magistrados a tomar as melhores decisões e da maneira mais célere possível, tendo em conta a natureza do processo em questão, evitando que se protelem situações em que possa estar a relegar para segundo plano o superior interesse da criança, colocando-a em situações de eventual perigo para o seu desenvolvimento psíquico, através de puros “caprichos” e estratégias de um dos progenitores para castigar o outro pelo fim da relação familiar em causa” (Gabriela Rosa Tuler, op. cit., citando Filipa Daniela Ramos de Carvalho, A (síndrome de) alienação parental e o exercício das responsabilidades parentais: algumas considerações, Coimbra Editora, p. 49). Pois bem, dito isto, que se pretende seja seriamente reflectido pelos pais, vejamos então os requisitos do incumprimento relevante para efeitos de aplicação de multa. O artº 41º nº 1 do RGPTC menciona que um dos pais, ou terceiro a quem haja sido confiado o menor “…não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido …”. Ou seja, pressuposto da aplicação do mencionado artº 41º do RGPTC é uma situação de incumprimento do regime fixado de regulação das responsabilidades parentais. Mas o que se deve entender por “incumprimento” para efeitos do artº 41º nº 1 do RGPTC? A lei não o diz. Há que lançar mão da dogmática geral do “não cumprimento”. Em termos simples podemos dizer que há incumprimento quando não é realizada a prestação a que se está adstrito, ou se não se realiza a prestação nos termos devidos. Por outro lado, o não cumprimento pode ser imputável, isto é, quando tenha sido causado pelo (digamos) obrigado com culpa, isto é, com dolo ou negligência; portanto, diz-se que o não cumprimento não é imputável quando tenha sido causado sem culpa; e diz-se que o não cumprimento é imputável quando foi causado com culpa. Além disso, o não cumprimento pode ser definitivo, ou seja, quando a prestação se torna impossível. Ou pode ser (meramente) temporário, isto é, ainda possível. Ainda, pode o não cumprimento reportar-se a deveres principais ou a deveres acessórios de conduta. Entre os deveres acessórios, em sede de Regime de Regulação das Responsabilidades Parentais, realça-se o dever de cooperação. Recorde-se ainda que o conceito de não cumprimento pode ser tomado em sentido amplo ou em sentido restrito. Em sentido amplo, abrange todo o tipo de violação de deveres. Em sentido restrito, abrange dois tipos de violação de deveres: na prestação de facto positivo, ocorre quando o sujeito não pratica o acto que devia praticar; nas obrigações de facto negativo, há incumprimento quando o sujeito pratica o acto que não devia praticar. Por outro lado ainda, deve exigir-se, em atenção ao princípio geral da boa fé, expresso no aforismo “minimis non curat praetor” (de minudências não se ocupa o pretor) e vertido na regra geral do artº 762º nº 2 do CC), que o não cumprimento seja relevante, isto é, que tenha alguma gravidade. O mesmo é dizer que, incumprimentos sem expressão ou sem gravidade são irrelevantes. Ou ainda dito de outro modo, um não cumprimento que não seja grave é um não cumprimento irrelevante. E essa gravidade relevante afere-se, pelos interesses que se visam proteger com a fixação do Regime de Regulação das Responsabilidades Parentais: em primeira linha o Superior Interesse da Criança; em segunda linha o direito/dever do progenitor não residente a conviver com o filho. Destas considerações podemos sintetizar que o “incumprimento” para efeitos do artº 41º nº 1 do RGPTC há-de consistir: (i) na inobservância, por um dos progenitores (ou por terceiro) de um dos deveres que para ele resulta do Regime Fixado da Regulação das Responsabilidades Parentais; (ii) que seja um não cumprimento imputável (causado com dolo ou negligência); (iii) que revista alguma gravidade/relevância; (iv) aferida à luz do Superior Interesse da Criança/menor e do direito/dever do outro progenitor. Dito isto, vejamos o caso dos autos. No regime fixado foi estabelecido que, além do mais, “A criança poderá ainda estar com o progenitor durante 3 dias/noites por mês, sendo tais dias passados obrigatoriamente na área de residência da criança (excepto acordo expresso dos pais em contrário)”. Apurou-se que o pai, progenitor não residente (reside no continente) informou a mãe que estaria na Ilha Terceira nos dias 17 e 21 de Outubro; e que a mãe lhe respondeu que não entregaria o menor sem que a juíza decidisse previamente. Apurou-se que a mãe, progenitora residente, não entregou o menor ao pai no dia 17 e que, por decisão do tribunal, de 20/10, foi ordenado que a mãe entregasse de imediato o menor ao pai, o que ela fez de imediato. Mais se apurou que na sequência de um outro despacho de 21/10, a criança esteve com o pai ainda nas noites de terça para quarta, de quarta para quinta e de quinta para sexta, dia em que foi entregue à mãe. Ora bem, aplicando esta factualidade aos requisitos do “incumprimento” que acima enunciámos, podemos dizer que a requerida não observou um dos deveres que para ele resulta do Regime Fixado da Regulação das Responsabilidades Parentais. Será um não cumprimento imputável, ou seja, causado com dolo ou negligência? A requerida diz que não, defendendo que actuou com medo e receio que o requerente voltasse a levar o menor para o continente ou não lho entregasse, o que, segundo ela, constitui uma causa de exclusão da culpa. Será assim? Segundo a lição do Prof. Pessoa Jorge (Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1995, pág. 346 e seg.) para que o medo – quer tenha sido provocado por actuação de alguém (coacção psicológica) quer pela perspectiva de males maiores provocados por factos jurídicos stricto sensu (estado de necessidade em sentido subjectivo) - constitua uma causa de exclusão da culpa, exige-se que seja um medo invencível; ou seja, que a actuação do agente tenha sido provocada por um medo que ele não conseguiu ultrapassar, sem que tal lhe possa, em face das circunstâncias do caso, ser censurado. Esse medo poderá dar origem à situação de estado de necessidade desculpante a que se refere o artº 35º do CP. Pois bem, no caso dos autos, como verificámos anteriormente, não procedeu nenhuma das alterações à matéria de factos que vinham requeridas pela apelante. E, em face da factualidade dada como assente, não vislumbramos que a circunstância de terem ocorrido (dois) incumprimentos anteriores, pelo progenitor, possa constituir um medo invencível para a apelante em termos de ela não conseguir ultrapassar a recusa de entrega do menor ao pai. Note-se que não há notícia de qualquer ameaça ou mal, físico ou psicológico, ou moral para o filho de ambos com a entrega ao pai. Enfim, não consideramos que ocorra a pretendida causa de exclusão da culpa. O que significa que o incumprimento é imputável (culposo). Vejamos agora, simultaneamente, o terceiro e quarto requisitos enunciados: (iii) que o incumprimento revista alguma gravidade/relevância,(iv) aferida à luz do Superior Interesse da Criança/menor e do direito/dever do outro progenitor. Ora bem, como se verificou supra, embora a mãe tenha recusado entregar o menor ao pai no dia 17/10 acabou por o entregar no dia 20/10 e, o menor acabou por estar com o pai durante três noites e quatro dias. Ou seja, o menor acabou por estar com o pai o mesmo período temporal que está estabelecido no regime fixado de Regulação das Responsabilidades Parentais. Não vislumbramos que o “incumprimento” revista gravidade/relevância aferidas à luz do Superior Interesse da Criança ou do direito/dever do pai ao convívio com o filho. E faltando esta característica do “incumprimento” – a gravidade/relevância - temos de concluir que não há fundamento para aplicar a multa prevista no artº 41º nº 1 do RGPTC. Uma última nota (breve). A apelante invoca jurisprudência que entende que o “incumprimento” a que se reporta o artº 41º nº 1 do RGPTC (anteriormente artº 181º nº 1 da OTM) só releva se, além de ser grave, seja reiterado e doloso. Há, efectivamente jurisprudência nesse sentido (Cf., entre outros, Acs da RG, de 23/02/2017 (Fernando Fernandes Freitas); de 06/01/2011 (Helena Melo); de 25/11/2013 (Edgar Gouveia Valente); de 26/10/2017 (Raquel Tavares). Acs da RP, de 30/01/2006 (Sousa Lameira); de 03/10/2006 (Henrique Araújo). Salvo o devido respeito, não concordamos com esta orientação que exige, além da gravidade do incumprimento, a reiteração. Efectivamente, o artº 41º nº 1 do RGPTC não menciona, ao contrário do que sucede no artº 249º nº 1, al. c) – Quem: De um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento” – a reiteração do incumprimento do regime estabelecido para a convivência. E se o legislador pretendesse que aquele artº 41º nº 1 do RGPTC exigia a reiteração, por certo tê-lo-ia dito. Recorde-se que não pode o intérprete considerar o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal (artº 9º nº 2 do CC) e, na fixação do sentido e alcance da norma o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9º nº 3 do CC). Em suma: o recurso procede, devendo ser revogada a parte da sentença que condenou a apelante na multa de 2,5 UC’s. *** III–DECISÃO. Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a sentença na parte em que condenou a apelante no pagamento de multa de 2,5 UC’s. Custas no recurso, pelo apelado na vertente de custas de parte – as custas na vertente da taxa de justiça mostram-se satisfeitas e não há lugar, nesta instância, a custas na vertente de encargos.
Lisboa, 26/05/2022
(Adeodato Brotas) (Vera Antunes) (Teresa Soares.
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