Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS ALMEIDA | ||
Descritores: | JULGAMENTO SEM A PRESENÇA DO RÉU NOTIFICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/18/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL | ||
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Sumário: | I – A notificação da sentença ao arguido julgado na sua ausência, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 333º do Código de Processo Penal, tem de ser realizada por contacto pessoal com o notificando ou por via postal registada. II – Sendo a notificação realizada através de contacto pessoal com o notificando, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 113º, a mesma deve ser efectuada por funcionário de justiça, podendo este, em caso de existirem dificuldades e quando isso se revelar necessário, recorrer à colaboração da força pública (artigo 115º do Código de Processo Penal). III – Para realizar essa notificação, não é legítimo que o juiz ordene a detenção do arguido porque essa finalidade não se encontra entre as previstas no n.º 1 do artigo 254º do Código de Processo Penal e porque o n.º 5 do artigo 333º desse diploma não alarga essas finalidades. IV – Num caso como o em apreço, não se pode, em fase de julgamento, aplicar o instituto da contumácia uma vez que ele apenas se destina às situações em que o arguido não prestou termo de identidade e residência e em que não pode, portanto, ser julgado na sua ausência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO 1 – O arguido A. foi condenado, por sentença proferida no 1º Juízo Criminal de Sintra em 14 de Dezembro de 2004, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, conduta p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 50 dias de multa à razão diária de 5 €, o que perfaz 250 €, fixando-se, desde logo, em 33 dias a duração da prisão subsidiária (fls. 24 a 28). Uma vez que o arguido não tinha sido notificado dessa sentença e se desconhecia o seu paradeiro, o Ministério Público, por entender que não se justificava a detenção do arguido, requereu que se desse cumprimento ao artigo 335º, n.º 1, do Código de Processo Penal, notificando-se o arguido por editais para se apresentar em juízo no prazo de 30 dias, sob pena de ser considerado contumaz (fls. 2). Em face desse requerimento, o sr. juiz proferiu o seguinte despacho (fls. 119 do processo principal): De facto a sentença proferida nos autos não transitou e portanto não há qualquer pena a cumprir (cfr., v.g., artigo 467º do CPP). A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões: I - O Ministério Público vem interpor recurso do despacho de fls. 119, que determinou a passagem de mandados de detenção para o arguido, julgado na sua ausência, nos termos do artigo 333-1 do C.P.P., ser notificado da sentença que o condenou numa pena de multa pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. artigo 3-2 do D.L. 2/98 de 03.01. 4 – Não foi junta qualquer resposta à motivação apresentada. 5 – Neste tribunal, o sr. Procurador-Geral-Adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls. 31 a 34 em que defende a procedência do recurso. 6 – Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal. II – FUNDAMENTAÇÃO 7 – A primeira questão que o recurso do Ministério Público coloca é a de saber se a notificação da sentença ao arguido julgado após audiência realizada na sua ausência, de acordo com os n.ºs 2 e 3 do artigo 333º do Código de Processo Penal, pode ser feita por via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113º do mesmo diploma legal, ou se se exige que ela revista o formalismo previstos nas alíneas a) e b) desse mesmo preceito, ou seja, se tem de ser realizada por contacto pessoal com o notificando ou por via postal registada. Isto porque a alínea c) do n.º 3 do artigo 196º do Código estabelece que uma das consequências da prestação de termo de identidade e residência, que é um dos pressupostos de realização da audiência nos indicados termos, é a de que as posteriores notificações passem a ser feitas por via postal simples para a morada nele indicada. Sobre essa questão devemos dizer que temos para nós que o n.º 5 do artigo 333º do Código de Processo Penal afasta a aplicação desta última disposição ao prever que o arguido seja notificado da sentença quando for detido ou se apresente voluntariamente, o que bem se justifica face à relevância dessa notificação e à necessidade de assegurar que através dela seja efectivamente comunicado ao arguido o teor da decisão proferida. Resta sobre esta questão dizer que, sendo a notificação realizada através de contacto pessoal com o notificando, nos termos da indicada alínea a), a mesma deve ser efectuada por funcionário de justiça, podendo este, em caso de existirem dificuldades e quando isso se revelar necessário, recorrer à colaboração da força pública (artigo 115º do Código de Processo Penal). Ao contrário do que pretende o recorrente, não pode o órgão de polícia criminal substituir, para este efeito, o funcionário de justiça (1). 8 – Importa em seguida averiguar se, para realizar essa notificação, é legítimo que o juiz ordene a detenção do arguido. De acordo com o n.º 1 do artigo 254º do Código de Processo Penal, a detenção é efectuada «para, no prazo máximo de 48 horas, o detido ser apresentado a julgamento sob a forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de medida de coacção» e «para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder 24 horas, do detido perante autoridade judiciária em acto processual». Ora, a pretensão de proceder a uma notificação não se inclui nas finalidades da detenção enunciadas neste preceito, não resultando também do já citado n.º 5 do artigo 333º, que não alarga, de modo nenhum, essas finalidades, nem de qualquer outra disposição legal. Daqui se conclui, portanto, que, independentemente da natureza da pena aplicada, não pode o tribunal ordenar a detenção do arguido apenas para assim vir a ser notificado. 9 – Isto não quer dizer que, em determinados casos, que não certamente este, para se decidir quanto às medidas de coacção a aplicar, o arguido não deva ser detido. Trata-se, porém, de questão diferente da colocada pelo recorrente. Questão também diferente é a de saber se, sem violar a Constituição, poderia o legislador ordinário ter alargado as finalidades da detenção permitindo que ela também ocorresse para possibilitar a notificação da sentença, abreviando assim o início da sua execução. Sobre essa questão devemos dizer que, ao contrário do recorrente, não temos como certo que um tal alargamento não fosse permitido pela primeira parte da alínea f) do n.º 3 do artigo 27º da Lei Fundamental. Isto porque, mesmo nos casos em que a audiência se pode realizar sem a sua presença, o arguido tem a obrigação de comparecer (alínea a) do n.º 3 do artigo 196º) e a sua presença continua a ser obrigatória (artigos 332º, n.º 1, e 333º, n.º 1), sendo a sua falta, do ponto de vista material, uma desobediência à convocação feita pelo tribunal. Ora, é essa mesma falta que gera a necessidade de notificação da sentença. 10 – Resta dizer que, num caso como o em apreço, não se pode, em fase de julgamento (2), aplicar o instituto da contumácia uma vez que este apenas se destina às situações em que o arguido não tenha prestado termo de identidade e residência e em que não possa, portanto, ser julgado na sua ausência porque só nestes casos é que o arguido tem de ser notificado do despacho que designou dia para julgamento nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 113º do Código de Processo Penal, como exige o n.º 1 do artigo 335º deste diploma. Se bem que, porque não se exerce a força compulsiva inerente à declaração de contumácia, não se pode esperar que o arguido se sinta compelido a apresentar-se no tribunal, também é certo que esse facto não contribui para a prescrição do procedimento criminal porque o decurso do respectivo prazo se suspende quando «a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência» (alínea d) do n.º 1 do artigo 120º do Código Penal). 11 – Assim, e pelo sumariamente exposto, entende este tribunal que o recurso interposto pelo Ministério Público deve proceder parcialmente, devendo ser revogado o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene a notificação ao arguido da sentença proferida nos indicados termos. III – DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando o despacho recorrido e determinando que o mesmo seja substituído por outro que ordene a notificação ao arguido da sentença proferida nos termos definidos. Sem custas. Lisboa, 18 de Outubro de 2006 (Carlos Rodrigues de Almeida) (Horácio Telo Lucas) (Pedro Mourão) ______________________________________ 1.-Ao contrário do que acontecia quando estava em vigor o Código de Processo Penal de 1929, cujo artigo 87º permitia que o cumprimento do mandado fosse feito pela própria autoridade policial. 2.-Pode haver lugar à declaração de contumácia na fase de execução da pena, nos termos previstos no artigo 476º do Código de Processo Penal. |