Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE) | ||
| Descritores: | SUSPEIÇÃO EXTEMPORANEIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/27/2024 | ||
| Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | SUSPEIÇÃO | ||
| Decisão: | NÃO CONHECIMENTO | ||
| Sumário: | Respeitando a suspeição levantada sobre a Sra. Juíza à intervenção desta na condução da diligência processual que teve lugar no dia 26-02-2024, diligência na qual esteve presente o Advogado da autora, que nela participou, tendo em conta tal presença e conhecimento dos factos que, em seu entender, justificam a suspeição, o incidente em questão poderia ser deduzido até 07-03-2024 ou, então, em conformidade com o disposto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, até 12-03-2024 (3.º dia útil posterior ao do termo do prazo), pelo que, sendo deduzido em 02-04-2024, o foi extemporaneamente, o que determina a declaração de tal intempestividade de dedução, acarretando o não conhecimento do incidente deduzido por tal facto. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | * I. 1. Por requerimento apresentado em juízo em 02-04-2024 (onde também requereu a reforma da sentença proferida em 22-03-2024), a autora “A” veio, por intermédio do seu Advogado, deduzir incidente de suspeição, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 1, do CPC, relativamente à Sra. Juíza “B”. Para tanto invocou, em síntese, que: - No inicio da audiência pediu a autora a palavra e, nos termos do artigo 469.º do CPC , declarou por intermédio de seu mandatário aceitar especificadamente, a matéria dos artigos 1º,3º,7º,17º, 18º, 19º e 20º da contestação da ré Hi-Pay SAS e dos artigos 32.º a 38.º da contestação da ré Kaisen Gaming; - Após a declaração de aceitação, a Sra. Juíza suspendeu a Audiência e retirou-se da sala, durante quinze minutos; - Ao regressar dirigiu-se ao Mandatário da Autora, informalmente, declarando que parte da matéria aceite era desfavorável à Autora; - Tal declaração, inopinada e não prevista nos trâmites processuais implica um juízo prévio não admissível e tendencioso, condicionando desde logo a demais prova a ser produzida; - Tal declaração afeta a imparcialidade, independência e diligencia da Sra. Juíza, pelo que, pede a recusa para continuar no processo porque se mostra afetada a serenidade e independência exigidas em processo de jurisdição contenciosa. 2. Cada uma das rés, por requerimento apresentado em juízo em 15-04-2024, veio invocar a extemporaneidade do incidente deduzido e, caso assim não se entenda, que o mesmo não apresenta fundamento, devendo ser indeferido. 3. A Sra. Juíza respondeu – cfr. despacho de 09-04-2024 – concluindo inexistirem razões válidas para o deferimento da suspeição, sustentando, em suma, que: - A Autora fundamenta a suspeição em factos ocorridos durante a audiência de julgamento, na qual interveio até ao final, sem, em momento algum, ter suscitado qualquer incidente. Assim, a dedução de tal incidente é extemporânea; - Crê que não existiu qualquer motivo adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, independência ou diligência, sendo que, o tempo em que a ora Signatária se retirou da sala só demonstra que houve uma decisão ponderada, não se dirigiu ao Ilustre Mandatário informalmente, mas, tal como consta da ata, fazendo constar por despacho que se tinham como confessados os factos que o mesmo tinha dado por admitidos, em representação da Autora, uma vez que os mesmos lhe eram desfavoráveis, o que não belisca de qualquer forma imparcialidade e independência. * II. Em face dos elementos documentais juntos aos autos, mostra-se apurado e com relevância para a decisão do presente incidente, o seguinte: 1) Em 26-02-2024 teve lugar, nos autos principais – Acção de Processo Comum – audiência final, nomeadamente, com a presença dos advogados da autora e das rés, constando escrito da respetiva ata, nomeadamente, o seguinte: “(…) Aberta a audiência, pela Mm.ª Juiz, foi tentada a conciliação entre as partes, a qual não foi possível alcançar, mantendo-se a posição vertida nos articulados. *** Consigna-se que, pelo Ilustre Mandatário da autora, foi dito prescindir da testemunha a apresentar (…) *** De seguida, pelo Ilustre Mandatário da autora, foi pedida a palavra na qual, pela Mm.ª Juíza, foi concedida, tendo sido requerido: A autora aceita, especificadamente, para não ser retirada a seguinte matéria: - Da contestação da ré Hipay Sas: os artigos 1.º, 3.º, 10.º, 17.º, 18.º, 19.º e 20.º. - Da contestação da ré Kaisen Gaming International Limited - Sucursal em Portugal: os artigos 32.º, 3.º, 4.º 5.º, 36.º, 7.º, 38.º. Conforme previsto no artigo 46.º do CPC. Conforme melhor consta da gravação efetuada pelo sistema através da aplicação Habilus Media Studio entre as 14:20m e as 14:23m. *** Seguidamente, pela Mm.ª Juíza, foi dada palavra à Ilustre Mandatária da 1.ª ré, tendo sito dito: Importa elucidar que os artigos 19.ºe 20.º tornam a aqui 1.º Ré parte ilegítima na presente ação, uma vez que a autora confessa que a ré não fica na posse do dinheiro objeto da transferência sendo o mesmo imediatamente transferido para o parceiro. Não se verifica os pressupostos aludidos pela autora, pelo que se verifica uma exceção de ilegitimidade processual. Conforme melhor consta na gravação efetuada digitalmente através da aplicação Habilus Media Studio pelas 14:23m. *** De seguida, pela Mm.ª Juíz, foi dada palavra ao Ilustre Mandatário da autora para exercício do contraditório o qual foi requerido: Relativamente à ilegitimidade invocada pela 1.ª ré, Hipay Sas, vem dizer que conquanto instantânea, verifica-se uma transferência de valores para esta demandada, independentemente de a permanência dos valores para a sua conta seja instantânea e duradoura, há uma conexão entre esses valores depositados pela autora e ré pelo que, nessa medida, é a mesma parte legitima para a causa. Conforme melhor consta na gravação efetuada digitalmente através da aplicação Habilus Media Studio pelas 14:25m. *** Após, pela Mm.ª Juíza, foi dada palavra à Ilustre Mandatária da 2.ª Ré, a qual no seu uso requereu: Relativamente ao artigo 3.ª da contestação o qual se alega que não assiste qualquer razão à autora, quer do ponto de vista factual, quer jurídico, devendo, consequentemente, a presente ação ser julgada integralmente improcedente e a ré ser absolvida do pedido, a 2.ª ré não se opõe a essa aceitação e sendo esta uma assunção de improcedência da presente ação por parte da autora aceita-se, naturalmente, esse reconhecimento. Conforme melhor consta na gravação efetuada digitalmente através da aplicação Habilus Media Studio pelas 14:27m. *** De seguida, pela Mm.ª Juíza, foi dada palavra ao Ilustre Mandatário da autora para exercício do contraditório: Relativamente a esta invocação responde que, só com instrução do julgamento da causa é que se poderá aferir da legitimidade da autora, uma vez que não houve audiência prévia para se conhecer as exceções. Complementando a resposta à exceção deduzidas pelas rés, neste momento processual, diz: Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, nelas não invocaram nem a exceção de ilegitimidade da autora nem a delas, rés. Assim, nesta fase processual, não pode ser invocado a exceção de ilegitimidade. Conforme melhor consta da gravação efetuada pelo sistema através da aplicação Habilus Media Studio entre as 14:28m e as 14:29m. *** De seguida, pela Mm.ª Juiz, foi proferido o seguinte: DESPACHO Relativamente aos pontos 10.º, 17.º, 18.º, 19.º e 20.º da contestação da 1.ª ré e aos pontos 32.º, 36.º, 38.º da contestação da 2.ª ré, a autora através do seu Ilustre Mandatário aceitou tais factos e tal aceitação pode constituir matéria desfavorável à posição assumida pela mesma nos presentes autos, pelo que fica a constar expressamente tal aceitação. *** De seguida, foi pedida a palavra à Ilustre Mandatária da 1.º ré, tendo sido concedida pela Mm.ª Juíz, tendo sido dito prescindir de todas as testemunhas arroladas pela 1.º ré. *** Após, pela Mm.ª Juíz, foi dada palavra à Ilustre Mandatária da 2.ª ré, que no seu uso disse não pretender prescindir do depoimento da testemunha. *** Após, pela Mm.ª, foi ordenada a produção de prova da 2.ª ré: (…) TESTEMUNHA DA 2.ª RÉ “C”, casada, compliance manager. Aos costumes disse ser funcionária da 2.ª ré sendo que tal facto não a impede de falar com verdade. Mais disse conhecer a 1.ª ré no âmbito das suas funções profissionais. Desconhece a autora. Prestou juramento legal. Gravação efetuada digitalmente na aplicação Habilus Media Studio entre as 14:57m e as 15:30m. *** Consigna-se que, no decurso da inquirição da testemunha Sónia Guerra Torrão, o Ilustre Mandatário da autora requereu a palavra, a qual lhe foi concedida, tendo no seu uso requerido: Em função do depoimento da testemunha “C”, de que não existe transferência efetuada a favor das aqui rés, pretende juntar aos autos documento discriminativo das transferências feitas de 1.250,00 Euros a favor da ré Hipay Sas e de 1.770,00 Euros a favor da ré Kaisen Gaming International Limited - Sucursal Em Portugal. Conforme melhor consta na gravação efetuada pelo sistema Habilus Media Studio entre as 15:28m e as 15:30m. *** De seguida, pela Mm.ª Juíz, foi dado contraditório à Ilustre Mandatária da 1.ª ré, a qual no seu uso disse: A Hipay Sas, 1.ª ré nos autos, vem requerer a não admissão do documento ora junto porquanto não se encontra verificado os pressupostos no artigo 423.º n.º 3 e 424.º ambos do CPC. Em todo o caso, caso V.Ex.ª assim o admita, o que só a acautela se equaciona, sempre deverá ser suspendida a ordem dos trabalhos, porquanto a aqui 1.ª ré não prescinde do prazo de análise e respetiva pronuncia ao abrigo do contraditório mais requerendo a condenação da autora atendendo a todo o processado que aqui consta em litigância de má fé porquanto não juntou a petição inicial, não juntou na resposta às contestações das aqui rés nem no início da presente audiência, qualquer documento, qualquer prova, bem sabendo que a competia, o que se requer nos termos do artigo 542.º do CPC. Ademais, e por último, caso V.Ex.ª assim o entenda, a admissão do presente documento, deverão ser readmitidas as audições das testemunhas da aqui 1.ª ré. Espera deferimento. Conforme melhor consta na gravação efetuada pelo sistema Habilus Media Studio entre as 15:30m e as 15:32m. *** Após, pela Mm.ª Juíza, foi dada palavra à Ilustre Mandatária da 2.ª ré, a qual requereu: Requer a autora a junção em sede de audiência de um alegado documento discriminativo das transferências feitas de 1.250,00 Euros a favor da ré Hipay Sas e de 1.770,00 Euros alegando que tal se deve ao depoimento prestado pela testemunha da aqui ré, Kaisen Gaming, no entanto não existe qualquer enquadramento legal que possa admitir esta junção, não se verifica qualquer dos fundamentos previstos no disposto no artigo 423.º do CPC, é um documento que alegadamente já deveria ter sido junto antes no entanto não foi, pelo que se requer que não seja admitida a junção deste documento. Salientando-se também que, aparentemente pretende, em todo o caso a autora juntar um comprovativo de pagamento a favor da ré Kaisen de 1.770,00 Euros, valor esse que não corresponde ao valor que está alegado em sede de contestação 1660.00 Euros, o que revela claramente um uso deste processo que se tem vindo a verificar em todo o processado que não é naturalmente conforme com as regras previstas neste código, pelo que deve relevar para efeitos de condenação da como litigante de má fé nos termos do artigo 540.º e 542.º do CPC, pelo que se requer, expressamente, a V.Ex.ª que não seja admitida a junção destes documentos uma vez que não se encontram verificados os fundamentos previstos no artigo 423.º do CPC e que igualmente a conduta da autora seja relevada para efeitos de litigância de má fé nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 540.º e 542.º do CPC. Conforme melhor consta na gravação efetuada pelo sistema Habilus Media Studio entre as 15:32m e as 15:35m. *** Seguidamente, pela Mm.ª Juíz, foi proferido o seguinte: DESPACHO Vem aqui a autora requerer a junção aos autos de um documento comprovativo das transferências feitas para as aqui rés no exercício do seu contraditório, as rés pedem o indeferimento de tal junção, pelo que se cumpre apreciar e decidir. Tendo em conta o disposto no artigo 423.º do CPC, sendo os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Neste caso a petição inicial foi apresentada a 23 de outubro de 2023 e este documento já é de 17 de agosto de 2023, ou seja, já se encontrava, à data da entrada da petição inicial, em poder da aqui autora, pelo que deveria, de acordo com o artigo 423.º n.º 1, ter sido junto com a petição inicial. Mesmo que assim não fosse, o n.º 2 do mesmo artigo permite que os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado, sendo que tal não ocorreu. Encontra-se ainda previsto no n.º 3 do artigo 423.º do CPC, podem ser admitidos, após o limite temporal previsto no n.º 2, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior, o que não foi demonstrado. Apesar de vigorar o princípio do inquisitório de acordo com o artigo 411.º do CPC, isso não nos permite uma derrogação do regime legal estabelecido pelo artigo 423.º do CPC, quanto ao momento de apresentação e admissão da prova documental, sob pena de violação dos princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes. Nesse sentido, indefere-se a junção do documento requerido pela autora. *** De seguida, pela Mm.ª Juíz, foi dada palavra aos Ilustres Mandatários das partes para prolação das alegações finais. *** Após, pela Mm.ª Juíz, foi determinado que os presentes autos fossem conclusos a fim de ser proferida sentença. *** Seguidamente, a Mm.ª Juiz, pelas 16:00 horas, deu por encerrada a audiência (…)”. 2) O presente incidente de suspeição foi deduzido pela autora em 02-04-2024. * III. Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 120.º do CPC, as partes podem opôr suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, o que ocorrerá, nomeadamente, nas situações elencadas nas suas alíneas a) a g). Com efeito, o juiz natural, consagrado na CRP, só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves. E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas. O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ). Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade. O incidente de suspeição, pelo que sugere ou implica, deve ser resguardado para casos evidentes que o legislador espelhou no artigo 120.º do CPC, em reforço dos motivos de escusa do juiz, a que se refere o artigo 119.º do CPC. A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo. “A imparcialidade, como exigência específica de uma verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, como ausência de qualquer prejuízo ou preconceito, em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2013, Pº 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1, rel. SANTOS CABRAL). O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça. Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa. Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo. “No incidente de recusa de juiz não se aprecia a validade dos atos processuais em si mesma, nem a correção de determinados procedimentos adotados no processo pelo Juiz. A lei prevê mecanismos processuais para impugnar as decisões reputadas de “erradas” ou ilegais, não sendo estas, objetivamente, motivo suficiente para fundamentar o pedido de recusa. A não se entender assim, estaria aberto o caminho para, ao mínimo pretexto, como a prática de qualquer irregularidade ou nulidade processual, se contornar o princípio do juiz natural, constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa. O que deve averiguar-se, no âmbito do pedido de recusa, é se existem ou não atitudes, no processo ou fora dele, significativas e relevantes, que permitam legitimamente desconfiar de uma intervenção objetivamente suspeita do Juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-03-2018, Pº 13/18.6YREVR, rel. JOÃO AMARO). Sintetizando, referiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-2022 (Pº 38/18.1TRLSB-A, rel. ORLANDO GONÇALVES) que “de um modo geral, pode dizer-se que a causa da suspeição há de reportar-se a um de dois fundamentos: uma especial relação do juiz com alguns dos sujeitos processuais, ou algum especial contacto com o processo”. O pedido de suspeição constitui um incidente processual. “A suspeição apresentada contra magistrado consubstancia um incidente, inserível na tramitação de uma causa, que corre por apenso ao processo principal. Conhece, pois, regulamentação específica, sem embargo de lhe ser aplicável, designadamente quanto a formalidades do requerimento inicial e da resposta, bem como a prazos para esta última e número admissível de testemunhas, as disposições gerais atinentes aos incidentes da instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-09-2020, Pº 390/20.9T8BNV.E1, rel. JOSÉ ANTÓNIO MOITA). O artigo 122.º, n.º 3, do CPC consigna ser aplicável à suspeição o disposto nos artigos 292.º a 295.º do CPC. No entanto, não se encontra espelhado no âmbito dos referidos preceitos, qual o prazo para a dedução do incidente de suspeição. O incidente de suspeição deve ser deduzido desde o dia em que, depois de o juiz ter despachado ou intervindo no processo, nos termos do artigo 119.º, n.º 2, do CPC, a parte for citada ou notificada para qualquer termo ou intervier em algum ato do processo, sendo que, o réu citado pode deduzir a suspeição no mesmo prazo que lhe é concedido para a defesa – cfr. artigo 121.º, n.º 1, do CPC. O pedido de suspeição contém a indicação precisa dos factos que o justificam (cfr. artigo 119.º, n.º 3, do CPC). Pela regra geral sobre os prazos para a prática de atos processuais (cfr. artigo 149.º, n.º 1, do CPC), o prazo para deduzir o incidente de suspeição é de 10 dias, conforme ao estatuído no artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (assim, a decisão individual do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2021, Pº 75/14.5T8OLH-DJ.E1, rel. CANELAS BRÁS). O prazo de 10 dias para suscitar a suspeição, conta-se a partir do conhecimento do alegado facto que a fundamenta. O fundamento de suspeição pode, contudo, ser superveniente, devendo a parte denunciar o facto logo que tenha conhecimento dele, sob pena de não poder, mais tarde, arguir a suspeição – cfr. artigo 121.º, n.º 3, do CPC. Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-11-2023 (Pº 1812/18.4T8BRR-H.L1-4, rel. ALVES DUARTE), “cabe ao presidente da Relação territorialmente competente para conhecer desse incidente apreciar a tempestividade da sua dedução”, constituindo tal tempestividade uma questão de oficioso conhecimento. * IV. No caso em apreço, a suspeição levantada sobre a Sra. Juíza respeita (conforme deriva do respetivo requerimento de 18-03-2024) à intervenção desta na condução da diligência processual que teve lugar no dia 26-02-2024, diligência na qual esteve presente o Advogado da autora, que nela participou. Tendo em conta tal presença, tomando conhecimento dos factos que, em seu entender, justificam a suspeição, o incidente em questão poderia ser deduzido até 07-03-2024 ou, então, em conformidade com o disposto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, até 12-03-2024 (3.º dia útil posterior ao do termo do prazo). Sucede que, todavia, o presente incidente apenas foi deduzido em 02-04-2024, inclusive após a prolação da sentença proferida nos autos, ou seja, muito depois de decorrido o prazo em que tal dedução poderia, tempestivamente, ser efetuada. Ora, o decurso do prazo perentório – salvo situação de justo impedimento, a que se reporta o artigo 140.º do CPC (não invocada) – extingue o direito de praticar o ato (cfr. artigo 139.º, n.º 3, do CPC) – pelo que, atento igualmente o disposto no artigo 121.º, n.º 3, do CPC, terá de considerar-se extemporânea a dedução da suspeição, o que determina a declaração de tal intempestividade de dedução, acarretando o não conhecimento do incidente deduzido por tal facto. Não ocorre circunstância de aplicação do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 123.º do CPC. * V. Face ao exposto, não se conhece do incidente de suspeição atenta a sua extemporaneidade. Custas a cargo da requerente. Notifique. Lisboa, 27-05-2024, Carlos Castelo Branco. (Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março). |