Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1129/22.0T8VCT.L1-2
Relator: RUTE SOBRAL
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
MORA
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO
ALTERAÇÃO CIRCUNSTÂNCIAS
PANDEMIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – Se a autora se obrigou a prestar ao réu o resultado do seu trabalho intelectual, corporizado em “projeto de arquitetura e de especialidades”, mediante uma retribuição, tal vínculo carateriza-se como contrato de prestação de serviços, nos termos do artigo 1154º, CC, embora inominado por não se reconduzir aos contratos desse tipo especialmente regulados (mandato, depósito e empreitada – cfr. artigos 1155º e 1156º, CC).
II - A resolução do contrato constitui um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral, mediante a invocação de fundamento legal ou contratual.
III - Quando a resolução se fundamenta em motivo legal deverá radicar ou no incumprimento de prestações contratuais que comprometam a manutenção do vínculo contratual ou na alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar – cfr. artigos 801º e 437º do Código Civil.
IV – Não constitui falha técnica suscetível de fundar a resolução do contrato a desconformidade entre a cor da vedação de moradia projetada e o regulamento aplicável, que esteve na origem da proposta de indeferimento camarário do projeto e que foi prontamente corrigida.
V – Embora constitua facto notório o impacto negativo da situação epidemiológica decorrente da epidemia de Covid 19 na economia, o contraente que pretende invocar o regime da resolução do negócio ou a sua modificação por juízos de equidade, com base na alteração das circunstâncias (cfr. artigo 437º, CC) decorrentes de tal pandemia, deverá alegar e demonstrar factualmente os seus pressupostos, cumprindo o ónus estabelecido no artigo 342º, nº 2, CC.
VI – Por forma a beneficiar de tal regime, o réu que solicitou à a autora a execução de “serviços de arquitetura”, deveria demonstrar que:
- a epidemia por Covid 19 configurou uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;
- que tal alteração não se encontra coberta pelos riscos próprios do contrato e torna lesiva e atentatória da boa fé a exigência do cumprimento da obrigação assumida.
VII- Tais pressupostos não podem afirmar-se se o réu apenas na declaração de resolução invocou, de forma genérica, o impacto da pandemia no valor do imobiliário, questão que, aliás, nunca suscitara anteriormente, tendo transmitido à autora, na semana anterior, que se encontrava a diligenciar por orçamentos para construção da moradia projetada.
VIII – Não beneficiando de fundamento a declaração de resolução, não produziu o efeito resolutivo pretendido, mantendo-se válido e eficaz o vínculo contratual em que a autora fundamentou o pedido de pagamento de honorários deduzido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO
A autora, Mimahousing, Ldª, identificada nos autos, instaurou em 25-03-2022, no Juízo Local Cível da Comarca de Viana do Castelo, a presente ação declarativa comum contra o réu A, igualmente identificado nos autos, solicitando a sua condenação no pagamento da quantia de € 23.213,65, acrescida de juros até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, a autora alegou que no âmbito da atividade a que se dedica, foi contratada pelo réu para a realização de um projeto de arquitetura e especialidades, destinado à construção de uma moradia em terreno de sua propriedade. Sucede que apesar de a autora ter cumprido todas as fases do projeto contratado, o réu não procedeu ao pagamento integral dos valores acordados, mesmo após interpelado para o efeito.
O réu A contestou a ação, arguindo a nulidade do contrato de prestação de serviços invocado pela autora dado que o Código de Atividades Económicas (CAE) associado ao seu objeto social não inclui as atividades de arquitetura e engenharia.
O contestante alegou ainda que o contrato celebrado com a autora foi um contrato de empreitada, na modalidade de “chave na mão”, englobando todos os atos materiais e jurídicos necessários à entrega de uma casa completa, no prazo máximo de três anos, apta a funcionar e devidamente licenciada para o fim a que se destinava – habitação. Não obstante ser essencial para o réu que a construção decorresse de forma célere (o que era do conhecimento da autora), esta incumpriu os prazos contratualizados, bem como as instruções do réu, o que determinou que este resolvesse o contrato celebrado.
O réu pugnou pela improcedência da ação e deduziu pedido reconvencional, solicitando a condenação da autora no pagamento do montante de € 27.802,31, e juros vincendos até efetivo e integral pagamento, bem como nas quantias que viessem a ser apuradas em execução de sentença, a título de indemnização pelos prejuízos por si sofridos em virtude do incumprimento do contrato.
A autora apresentou réplica, alegando que todos os seus arquitetos estão inscritos na Ordem dos Arquitetos, encontrando-se habilitados para assinar projetos de arquitetura, além de que para o réu, até à instauração da presente ação, sempre foi indiferente o CAE da autora. Mais alegou que a sua contabilidade integrou o serviço em discussão nos autos em “outras atividades de consultoria”, e que qualquer imprecisão ao nível do Código das Atividades Económicas apenas releva para efeitos da responsabilidade dos órgãos sociais por atos praticados pela sociedade.
A autora concluiu pela falta de fundamento da resolução invocada pelo réu e pela improcedência do pedido reconvencional.
Foi oficiosamente suscitada a exceção de incompetência territorial do tribunal da Comarca de Viana do Castelo e determinada a remessa dos autos ao tribunal competente, correspondente ao do domicílio do réu, em 30-09-2022.
Remetidos os autos ao Juízo Local Cível de Almada, em 18-01-2023, foi proferido despacho que declarou aquele Juízo incompetente, em razão do valor, para o conhecimento da ação, ordenando a sua remessa ao Juízo Central Cível daquele Tribunal.
Prosseguiram os autos com a admissão da reconvenção, a dispensa da audiência prévia e a prolação de despacho saneador, no qual se afirmou a regularidade da instância e se enunciou o objeto do litígio e os temas de prova, sem qualquer reclamação (despacho de 21-02-2024/referência 432286236).
Finda a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação procedente e a reconvenção improcedente.
Não se conformando com tal decisão, o réu da mesma interpôs recurso, transcrevendo-se as respetivas conclusões:
“A. Errou clamorosamente o Tribunal a quo no julgamento que fez da matéria de facto.
B. Toda a matéria de facto que o Tribunal a quo julgou como não provada, está, conforme se demonstrou cabalmente provada tanto pela prova documental produzida nos autos, como pela prova testemunhal, pelo que deve ser a mesma integrada na lista dos factos provados.
C. O primeiro ponto que ficou, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, absolutamente provado foi que o r. contactou a a. por causa das soluções arquitetónicas que esta apresentava para as casas que desenvolvia, sendo os curtos prazos de execução e os custos reduzidos, os principais aspetos que despertaram o seu interesse.
D. O r. contactou a a. tendo recebido em resposta ao seu contacto um email no qual lhe foram apresentados os catálogos das várias casas disponíveis, assim como os respetivos orçamentos.
E. Na sequência do primeiro contacto, o r. foi logo informado pela a. de que todos os projetos estavam incluídos nos valores apresentados nos orçamentos enviados.
F. Desde o primeiro momento que o r. manifestou à a. o seu interesse na sua prestação de serviços global, a qual terminaria com a entrega de uma casa construída, licenciada e pronta a habitar.
G. Para além da prestação de serviços ser global, também o preço era, sendo essa a razão pela qual a Legal Representante da Autora em email enviado ao r., o qual está junto aos presentes autos como DOC. 2 da contestação indicou que os projetos estavam incluídos no preço, assim como mais tarde o Senhor B confirmou na proposta apresentada, a qual está junta aos presentes autos como DOC. 8 da contestação que os projetos estavam incluídos no preço final apresentado e, por fim, foi o mesmo garantido pelo Senhor Arqt.º C no email que enviou em 11/02/2019 ao r., o qual está junto aos presentes autos como DOC. 9 da contestação.
H. O preço global acordado foi de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros) sabendo a a., desde o primeiro momento, que este era o limite máximo que o r. podia pagar, tendo-se a mesma comprometido a tudo fazer para respeitar este preço (cfr. DOC. 9 junto com a contestação).
I. Para além do preço, o r. tinha a preocupação do prazo, uma vez que pretendia com a construção desta casa reinvestir as mais valias que tinha realizado com a venda de um outro imóvel, isto mesmo foi confirmado pela Testemunha B aos minutos [00:18:45] do seu depoimento quando disse: “Ele tinha vendido bastantes coisas e ele tinha indicações de fazer o investimento também, não sei se era só por causa disso, mas ele queria investir mais valias.”
J. O r. tinha o prazo de 3 (três) anos para receber a contar do acordo com a a., ou seja, até junho de 2021, para ter a casa construída e licenciada, facto que era conforme se provou do conhecimento da a. e com o qual a mesma concordou.
K. O r. aceitou assinar o contrato de prestação de serviços Fase II – Licenciamento porque o comercial que o acompanhava na relação com a a. lhe disse que “nesta fase fazemos um simples contrato entre as partes, para assegurar que tudo está claro” (cfr. DOC. 7 da contestação), no entanto, bem sabia que aquele contrato não representava a totalidade do acordo que tinha fechado com a a..
L. Nunca se poderá dizer que o âmbito da prestação de serviços da a. se circunscrevia à elaboração de projetos de arquitetura porque, conforme já se demonstrou, o mesmo não tem qualquer sentido tendo em conta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos.
M. A a. incumpriu a sua prestação, os seus prazos e o preço com que se comprometeu.
N. A a. tratou com total incúria e falta de profissionalismo o projeto do r., tendo o mesmo sido aprovado incondicionalmente 2 (duas) vezes pela Câmara Municipal de Almada, tendo à terceira sido efetivamente recebido um despacho de indeferimento do projeto.
O. O erro identificado pela Câmara Municipal de Almada, o qual motivou as aprovações condicionadas e no fim o indeferimento do projeto foi sempre o mesmo.
P. Apesar da a. ter sido notificada da irregularidade das vedações aplicadas no projeto, a verdade é que, voltou a submeter o projeto com elementos errados por mais duas vezes.
Q. Tentou a a. justificar os erros do projeto com a falta de fornecimento de documentos por parte do r., mas a verdade é que se a a. tivesse submetido o projeto observando as regras estabelecidas no regulamento do loteamento enviado pelo r. (cfr. DOC. 16 da contestação) o projeto teria sido aprovado em pouco mais de 10 (dez) meses, ao invés dos 21 (vinte e um) meses que demorou.
R. De facto, não pode a a. imputar ao r. qualquer responsabilidade nos erros do projeto, porque a verdade é que o documento que o r. forneceu, ainda que não seja um documento assinado, tinha, conforme se comprovou, o conteúdo correto.
S. Assim, a única responsável pelos erros de projeto é a a., não podendo invocar qualquer norma do contrato de prestação de serviços para justificar a sua posição porque não só o r. forneceu o documento solicitado, como o documento estava correto.
T. Seja como for, se a desculpa do não fornecimento do documento “oficial” pudesse ser atendida, o que por mera hipótese se admite sem conceder, essa desculpa só poderia ser aceite da primeira vez, para a primeira aprovação condicionada. Para a segunda e para a terceira, já não há nenhuma razão que justifique a incompetência da a..
U. Acresce que, a a. entregou todos os projetos (arquitetura e especialidades) fora dos prazos previstos no contrato de prestação de serviços, sem que o r. tenha tido culpa ou de alguma forma contribuído para tais atrasos.
V. A decisão de que se recorre está recheada de presunções, mas a verdade é que, para decidir a presente causa, o Tribunal a quo não tinha de presumir nada. As presunções são extrapolações feitas a partir de factos conhecidos que de acordo com um juízo de razoabilidade fazem supor outros, no entanto, nos presentes autos todos os factos presumidos pelo Tribunal a quo são frontalmente contra os factos efetivamente provados, pelo que não podem tais presunções ser admitidas.
W. Acresce que, conforme se expôs, o ensaio das testemunhas em relação a algumas matérias foi por demais evidente, não sendo o seu depoimento, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo livre, espontâneo e credível, prova disso mesmo é o disclaimer feito pela Ilustre Mandatária da a. antes de algumas testemunhas iniciarem os seus depoimentos, como foi o caso do Senhor B a quem disse:
[00:03:51] Mandatária da Autora: Boa tarde B. Então… Eu vou fazer algumas perguntas e é provável, barra possível, que nem a todas me saiba responder, e quando não souber, não tiver tido intervenção preciso só que me diga: Não sei. Portanto, nenhum de nós está aqui para inventar, nem para testemunhar o que não sabe. Isto é aqui é só uma nota prévia porque às vezes as pessoas tendem a dizer mais do que ao que sabem.
X. A total desconsideração dos meios de prova por parte do Tribunal a quo não tem paralelo e tem de ser revertida.
Y. Com efeito, devem ser retirados dos factos provados os pontos 9, 14, 25, 44, 49, 50 e 54 por estarem em total contradição com a prova documental e testemunhal produzida.
Z. Assim, a resolução do contrato de prestação de serviços comunicada pelo r. à a. está devidamente fundamentada, sendo todos os seus fundamentos absolutamente atendíveis em face da prova produzida nos presentes autos.
AA. A resolução do contrato foi legítima, validamente motivada e tempestiva pelo que não poderá não ser atendida para todos os devidos efeitos legais.
A autora apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito devolutivo.
Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, as questões a decidir são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto;
- Validade e eficácia da resolução do contrato operada pelo réu.
III – FUNDAMENTAÇÃO
Impugnação da matéria de facto
A reapreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso implica que o recorrente, nas alegações em que a impugna, cumpra os ónus que o legislador estabeleceu a seu cargo, enunciados no artigo 640º CPC, com a seguinte redação:
1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2-No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Incumbe, pois, ao recorrente, por forma a cumprir o que tem vindo a designar-se por “ónus primário de alegação”, e sob pena de rejeição do recurso, identificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (640º, nº 1, alínea a), CPC), os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa (640º, nº 1, alínea b), CPC) e indicar a decisão que deve ser proferida quanto aos factos impugnados (640º, nº 1, alínea c), CPC). Já o designado “ónus secundário” reporta-se à especificação dos meios de prova que implicariam, na perspetiva do recorrente, diversa decisão da matéria de facto, gerando o seu incumprimento a rejeição do recurso apenas se ficar gravemente dificultado o exercício de contraditório ou o exame pelo tribunal de recurso – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019, proferido no processo 3683/16.6T8CBR.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt
Assim, na exigência do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, “os aspetos de ordem formal (…) devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019 (proferido no processo nº 3683/16.6T8CBR.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt).
Acresce que nesse âmbito haverá ainda que ponderar o AUJ do STJ de 17-10-2023 (acórdão nº 12/2023 de 14 de novembro, publicado no Diário da República nº 220/2023, Série I de 2023-11-14) que uniformizou a seguinte jurisprudência: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.” Aplicando tal entendimento, o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 08-02-2024, (proferido no processo n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) considerou que “a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto apenas deve verificar-se quando falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, através da referência aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorretamente julgados (alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º), sendo de admitir que as restantes exigências (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo. 640.º), em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações”.
Aplicando as considerações que antecedem, compulsadas as conclusões, verifica-se que o recorrente impugnou o não apuramento de todos os factos não provados (pugnando pela sua inclusão nos factos provados) e o apuramento dos factos provados sob os nºs 9, 14, 25, 44, 49, 50 e 54, pugnando pela sua alteração (por forma a que sejam considerados não provados).
Relativamente a tal impugnação, o recorrente cumpriu suficientemente os ónus supra enunciados, nada obstando à sua apreciação.
Porém, do corpo das alegações resulta que o recorrente pretendeu ainda impugnar os factos provados nºs 10, 17, 21 e 22, aos quais atribui deficiências de julgamento que determinam a sua correção. Contudo, dado que não cumpriu o ónus de indicar tais concretos pontos de facto nas conclusões, rejeita-se a impugnação da matéria de facto, nessa parte.
Procede-se, pois, à apreciação da impugnação da matéria de facto validamente deduzida, iniciando-se pelo pretendido apuramento de todos os factos não provados.
Ao primeiro facto não provado foi conferida a seguinte redação:
“i. O Réu contactou a Autora porque esta apresentava casas com soluções arquitetónicas que lhe agradavam e os prazos de construção de uma casa modular eram mais reduzidos do que os prazos da execução de uma construção tradicional.”.
A motivação do tribunal recorrido foi efetuada em bloco para todos os factos não apurados, nos seguintes termos:
Os factos não provados, alegados pelo Réu em sede de contestação, resultam da total falta de prova quanto aos mesmos. Apenas a testemunha B revelou ter ideia de ouvir falar num reinvestimento de mais-valias, mas não conseguiu concretizar quando e em que circunstância, sendo toda a demais prova testemunhal no sentido de nunca esse reinvestimento ter sido tema de conversa, nem sequer qualquer urgência especial fundada nessa necessidade.”.
O recorrente considera que o apuramento da factualidade contida no primeiro facto não provado resulta dos documentos nºs 2 e 3 juntos com a contestação, do depoimento das testemunhas B e D, e do depoimento da legal representante da autora, nos segmentos que indicou no corpo das alegações.
O documento nº 2 junto com a contestação reporta-se a uma troca de mensagens de correio eletrónico entre a autora e o réu, datada de 09-05-2018, sendo a primeira mensagem da iniciativa do réu, com o seguinte texto: “Gostaria de ser contactado”.
Naquela mesma data, a autora, em mensagem assinada por E, responde nos seguintes termos:
Muito obrigada pelo seu contacto e interesse pelas nossas casas.
Conforme combinado, envio-lhe o catálogo de possíveis configurações da MIMA House e da Mima Essencial/Mass (estes 2 últimos produtos apresentam orçamentos semelhantes), tipologias por nós desenhadas e respetivos orçamentos. Estas configurações são representativas, podendo ser alteradas e refinadas conforme o que o cliente procura. variar conforme os componentes escolhidos para a MIMA, uma vez que esta tem a versatilidade de ser totalmente configurada conforme a preferência do cliente. Esta MIMA ao orçamento que o cliente tem disponível para a sua construção.
Os orçamentos por nós apresentados, incluem ainda o Projeto de Arquitetura, Projeto de Especialidades (licenciamento), arranjos exteriores diretamente relacionados (Portugal Continental), montagem, assistência técnica de execução de obra e a garantia exigida por lei. Nas casas Equipadas, estão ainda incluídos as cozinhas e sanitários.
Não está incluída a base da casa que poderá ser em betão ou estacaria.
Certas opções de materiais poderão fazer com que os orçamentos tenham descidas ou subidas significativas.
. Catálogo MIMA House e Essential
. Orçamentos - Gama Medium
Caso necessite de mais esclarecimentos não hesite em contactar-nos.
Melhores cumprimentos,
E”.
O documento nº 3 corresponde à página do site da autora, aí se referindo “Mima Housing, Vantagens Mima”, enunciando-se tais vantagens em quatro parâmetros: “Qualidade”, “Flexibilidade”, “Controlo de Custos” e “Sustentabilidade”.
Do depoimento da testemunha B, a cuja audição integral se procedeu, resultou que atualmente possui uma avença com a autora, mas que foi seu funcionário durante cerca de 12/13 anos, vínculo que cessou em agosto de 2024.
Ao longo do seu depoimento, prestado de forma clara e lógica, o depoente evidenciou ter conhecimento de vários aspetos da matéria controvertida, tendo identificado o réu como cliente da autora, confirmado que esta se dedica a serviços de arquitetura, sendo, aliás, integrada por arquitetos e engenheiros, nunca tendo assumido a execução de construções.
Relatando a relação contratual estabelecida com o réu, referiu que ele entrou em contacto e a autora apresentou os seus serviços, confirmando a troca de mensagens de correio eletrónico e o envio de catálogos, conforme documento 2 da contestação. Esclareceu que a autora enviava essa informação porque possuía tipologias representativas das casas que podia desenvolver, sempre sujeitas a adaptação pelo cliente. Aliás, nunca nenhuma casa foi executada precisamente como constava do catálogo. Esclareceu ainda que a Mima se reporta preferencialmente a uma construção feita em fábrica, embora o cliente, a partir dos projetos da autora, pudesse depois optar por uma construção tradicional (depoimento desde o início até ao minuto 10.00).
Quando inquirido sobre o tipo de construção que o réu escolheu, referiu que o terreno era inclinado, exigindo fundação, pelo que optou por uma construção tradicional com betão, alvenaria e impermeabilizações (minutos 10.00 a 12.00). Mais referiu que em tal processo teria que ser escolhido um construtor para levantar o alvará (minuto 15.00).
Do depoimento da testemunha D, arquiteta e umas das três sócias da autora, prestado de forma convincente e credível, resultou que a Mimahouse é um gabinete de arquitetura, possuindo uma equipa de arquitetos e de engenheiros que produzem projetos de arquitetura e de especialidades. Confirmou que a autora obteve projeção internacional em casas de madeira e que, já depois de terem sucesso, foram contactados por um conhecido designer (F) para um projeto na Comporta, com estrutura de madeira à vista (gravação desde o início até ao minuto 5.30). Confirmou que o réu abordou a autora e que terá tido como interlocutor o B que tinha essa responsabilidade perante os clientes. Sabe que foi feito um estudo prévio para este cliente que corresponde a uma fase inicial em que é apresentada uma primeira proposta. Mais referiu ter sido assinado um contrato de licenciamento com o cliente, correspondente ao documento nº 1, junto com a petição inicial, que visava a fase de licenciamento em que eram elaboradas peças escritas e desenhadas pedidas pela câmara para obtenção de alvará de construção (minuto 8.20).
Constatou-se que a depoente E, sócia gerente da autora, ao longo do seu depoimento de parte não produziu qualquer declaração confessória, como, aliás, se alcança da ata respetiva. De todo o modo, por nada obstar à valoração do depoimento de parte da autora, no segmento em que não importe confissão, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 607º, nº 5, CPC (cfr. neste sentido Acórdão da Relação do Porto de 22-04-2024, proferido no processo nº 3221/23.4T8AVR-F.P1, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-2015, proferido no processo nº 607/06.2TBPMS.C1.S1disponíveis em www.dgsi.pt), procedeu-se à sua audição e ponderação.
O certo é que a depoente esclareceu que na empresa trata das vendas e do pagamento a fornecedores, confirmando ter falado com o réu por telefone e por correio eletrónico. O primeiro contacto foi efetuado consigo, tendo enviado um email tipo que a autora fornece sempre aos seus clientes e, seguidamente, encaminhou o cliente para o colega B. Ao longo do seu depoimento, confirmou que a autora funciona como gabinete de arquitetura, tendo iniciado no país a construção de casas modulares, mas que nunca foi construtora. Na realidade, quando o cliente opta por uma casa de madeira, existe uma fábrica com quem a autora trabalha, para onde encaminha os projetos, sempre com o acordo do cliente. Quando a casa não é em madeira, o cliente pode escolher o empreiteiro que quiser porque a Mima, “só dá” o projeto, salientando existir uma distinção entre casas modulares e não modulares. Mais referiu não ter ficado com a ideia de que houvesse urgência no projeto, da necessidade de investir mais valias ou da fixação de qualquer prazo (minutos 5.00 a 15.00).
Dos meios de prova supra enunciados não pode concluir-se que o réu tenha optado por uma construção modular (sendo este tipo de construção a que, manifestamente, conferiu visibilidade e sucesso à autora). Assim, sendo inequívoco que o réu contactou a autora por esta apresentar soluções arquitetónicas que lhe agradavam, não se vê que tal facto assuma relevância para o desfecho da causa, tanto mais que acabou por estabelecer com ela um vínculo contratual mesmo depois de assumir que a sua construção seria efetuada em moldes tradicionais. Acresce que os meios de prova enunciados, por si, não demonstram que os prazos de construção de uma casa modular fossem mais reduzidos do que os de uma construção tradicional. Mas decisivo é o facto de o réu se ter vinculado contratualmente, depois de saber que a sua casa não seria construída nessa modalidade (modular) que conferiu projeção à autora, o que torna irrelevante o facto de o prazo de construção – em modalidade que não lhe seria aplicável – ser menor.
Pelo exposto, improcede a impugnação mantendo-se como não provado o facto enunciado em i).
Pretende o recorrente que o facto não provado enunciado sob a alínea ii) transite para os factos provados.
A tal facto foi conferida a seguinte redação:
ii. O Réu manifestou à Autora que o seu interesse era a obtenção de serviços globais para a construção e entrega de uma casa modular pronta a habitar, devidamente licenciada em termos legais e preenchendo todos os requisitos de acordo com as leis da construção e edificação aplicáveis”.
No que se reporta a tal facto, a motivação do tribunal recorrido consta do ponto anterior.
O apuramento de tal facto, na perspetiva do recorrente, resulta do facto de a Legal Representante da autora ter enviado ao réu o catálogo dos seus produtos, apresentado “os orçamentos das casas que a sua representada vende” e ainda da informação adicional de que “o preço que está a apresentar já inclui o Projeto de Arquitetura, o Projeto de Especialidades (licenciamento), arranjos exteriores diretamente relacionado (Portugal Continental), montagem, assistência técnica de execução de obra e a garantia exigida por lei”, o que demonstra que a autora não vendeu um simples projeto de arquitetura, mas sim um verdadeiro produto a entregar construído, licenciado e pronto a habitar. No mesmo sentido, diz o recorrente, devem ser valoradas as declarações da legal representante da autora, quando referiu que a seguir à conversa telefónica que manteve com o réu lhe enviou email tipo, acompanhado do catálogo de possíveis configurações das referidas casas e dos orçamentos para a completa execução das mesmas, os quais incluem, entre outros, o Projeto de Arquitetura e o Projeto de Especialidades.
A divergência do recorrente radica, desde logo, na interpretação e no sentido a atribuir à mensagem de correio eletrónico inicial (documento nº 2 junto com a contestação), já analisado, ao qual foi anexado o catálogo das casas da autora, referindo-se, além do mais:
Os orçamentos por nós apresentados, incluem ainda o Projeto de Arquitetura, Projeto de Especialidades (licenciamento), arranjos exteriores diretamente relacionados (Portugal Continental), montagem, assistência técnica de execução de obra e a garantia exigida por lei. Nas casas Equipadas, estão ainda incluídos as cozinhas e sanitários.
Não está incluída a base da casa que poderá ser em betão ou estacaria.
Certas opções de materiais poderão fazer com que os orçamentos tenham descidas ou subidas significativas (…).”
Ora, o facto de a autora ter sido pioneira e ter sido especialista em casas modulares não significa que tenha sido essa a opção final do réu, tanto mais que, como resultou do depoimento da testemunha B, o terreno onde pretendia construir (por ser inclinado) não era adequado a tal construção.
Dir-se-á, pois, que dos meios de prova enunciados não pode extrair-se que o réu, depois de confrontado com a inadequação do seu terreno para a implantação de uma casa modular, tenha manifestado à autora interesse em obter serviços globais para construção e entrega de uma casa pronta a habitar ou, pelo menos, que tenha persistido nesse propósito.
Mais concretamente, dos meios de prova supra enunciados resultou que a autora dedica-se à execução de projetos de arquitetura e “de especialidades”, sendo constituída por arquitetos e engenheiros. Se os seus clientes optarem por uma construção de madeira e modular, a autora, sempre com o seu acordo, trabalha com determinada fábrica que executa os seus projetos. Mas se o cliente opta por uma construção mais tradicional, que inclua betão, alvenaria e impermeabilizações, como referiu a testemunha B, o cliente possui liberdade para escolher o seu empreiteiro. Tal realidade é corroborada pela subscrição de um contrato de prestação de serviços de arquitetura e da discussão dos respetivos honorários, indiciadores de que não se trata, necessariamente, de projeto global (desde a conceção até à execução da moradia).
Assim, o simples envio do catálogo não significa que a autora tenha assumido a obrigação de entregar uma casa pronta a habitar ao réu, dado que, como referido pela legal representante da autora, quando o cliente opta por uma casa de madeira, existe uma fábrica com quem a autora trabalha, para onde encaminha os projetos (embora com o acordo do cliente). Quando a casa não é em madeira, o cliente pode escolher o empreiteiro que quiser porque a Mima “só dá” o projeto.
Ou seja, ainda que possa ter sido equacionada, numa fase inicial da negociação, a prestação de serviços globais para a entrega de uma casa pronta a habitar, tal projeto contratual não se concretizou, pelo que não merece qualquer censura o não apuramento do facto em questão.
Pelo exposto, improcede a impugnação quanto ao facto não provado enunciado em ii).
Reagiu ainda o recorrente ao não apuramento do facto enunciado em iii) com a seguinte redação:
iii. A Autora assumiu a obrigação de lhe prestar todos esses serviços, de uma forma global e por um preço também global, sendo que o valor dos trabalhos de cada uma das fases seria determinado por uma percentagem do preço global”.
O tribunal motivou o não apuramento desse facto na ausência de meios de prova que o evidenciassem, nos termos já enunciados.
Na perspetiva do recorrente, o apuramento desse facto decorre dos dois anteriores já analisados.
O recorrente alega que a autora “(…) tenta confundir o julgador dizendo que inicialmente o combinado foi um projeto chave na mão porque o que ia ser executado era uma casa modular, mas a verdade é que, mesmo com a opção pela construção tradicional, o que continuou a estar acordado foi que a a. iria, mediante um preço global, entregar ao r. uma casa construída, licenciada e pronta a habitar”.
Tal facto, na perspetiva do recorrente, resulta dos documentos nºs 2, 7, 8, 9, e 34 juntos com a contestação, dos depoimentos das testemunhas AA e BB, e dos próprios factos provados nºs 14, 15 e 41.
Ora, a estes factos foi conferida a seguinte redação:
“14. No dia 08/02/2019, a Autora enviou ao Réu uma proposta de honorários para o licenciamento do projeto – projeto de arquitetura e especialidades, no valor de €49.820,53, tendo por base um orçamento para construção da moradia no valor de €450.050,00.
15. Desse orçamento consta que “no valor final da casa estão incluídos todos os projetos inerentes – Estudo prévio, licenciamento de arquitetura e especialidades, caderno de encargos, projeto execução e telas finais (…)
41. Em 24/11/2020, a Autora informou o Réu que o processo estava montado para trabalhar diretamente com os seus parceiros, pelo que teria de preparar um dossier para consulta externa, o qual conseguiriam ter pronto até ao final do ano”.
Desde já se adianta que o facto nº 41 não sustenta a tese do recorrente pois evidencia que no caso dos autos seria preparado um dossier para consulta externa dado que a autora não iria trabalhar diretamente com os seus parceiros.
E o mesmo deve ser afirmado quanto aos factos provados sob os números 14 e 15, dado que a prova produzida evidencia que os honorários de arquitetura seriam calculados por referência a um orçamento global para a moradia (que os incluiria) na hipótese de o contrato transitar para a fase de execução da moradia, o que não sucedeu.
Já o documento nº 34 junto com a contestação consiste numa troca de correspondência eletrónica entre o representante da autora (AA) e o réu.
Tal correspondência inicia-se com uma mensagem do primeiro ao segundo, datada de 23-11-2020, com o seguinte conteúdo:
Caro B,
Continuo a aguardar sem saber o que fazer. Claro que a resposta da CMA ia demorar com os prejuízos inerentes.
Avancei com um pedido de orçamento e pediram-me:
- Projeto de todas as especialidades;
- Projeto de arquitetura completo;
- Mapas de quantidades de todas as especialidades e arquitetura;
- Memória descritiva;
- Caderno de encargos
Caso venhas / venham (CC) a Lx, agradeço que reúnam comigo.
Obrigado
Abraço
A
A tal mensagem de correio eletrónico respondeu B, no dia seguinte - 24-11-2020 - com o seguinte texto:
Olá A
Quanto ao banco, no outro dia estive reunida com uma gestora de crédito que ajuda os clientes a tratar de créditos nos bancos e que poderá ser um bom contacto. Queres que te passe o contacto para marcares uma reunião com ela?
O nosso processo está montado para trabalhar diretamente com os nossos parceiros, pelo que para preparar um dossier mais completo para consulta externa vamos necessitar de algum tempo. Neste momento, devido às alterações do projeto, com vista a obter um orçamento mais baixo, tivemos que meter a nossa nova engenheira a fazer novos projetos de especialidades, pois estes têm que ser atualizados (…)”
Na perspetiva do recorrente, não faria sentido discutir com a autora “budgets na ordem das centenas de milhares de euros (…) se a totalidade da sua obrigação ficasse cumprida com a elaboração e entrega dos projetos de arquitetura, especialidades e execução”. Assim, como não faria sentido a preparação de um dossier mais detalhado para consulta externa “se a mesma não tivesse qualquer interferência ou participação no processo construtivo da casa a entregar ao réu”.
Porém, também este documento não evidencia que a autora tivesse assumido a obrigação de entregar ao réu uma moradia integralmente construída. Ao invés, daquela comunicação resulta que a autora não trataria diretamente com os seus parceiros, pelo que seria o réu o interlocutor dos empreiteiros, razão pela qual solicitou orçamentos. Ora, tal realidade dificulta o apuramento da tese da entrega da construção na modalidade “chave na mão”.
O documento 7 junto com a contestação consiste em troca de mensagens por correio eletrónico, sendo a primeira de 08-02-2019, dirigida pelo funcionário da autora B ao réu, com o seguinte conteúdo:
Olá A,
Espero que esteja tudo a correr bem! Fico contente por termos fechado o projeto base que sinceramente está muito bom.
Deixo em anexo a proposta dos honorários para o Licenciamento do projeto. Esta proposta tem como base o orçamento V2 que também segue em anexo.
Nesta fase fazemos um simples contrato entre as partes, para assegurar que tudo está claro.
Segue em anexo a minuta, que após confirmação da proposta, irei terminar. Qualquer alteração à mesma ou dúvida, não hesites em contactar-me.
Abraço”.
Integra ainda o documento nº 7, uma mensagem do réu dirigida a C da MIMA HOUSE em 10-02-2019, da qual consta:
“(…) Deduzi que os 450k que me apresentaste ( 425 + 25 de exteriores) era o valor máximo.
Previsão confortável de custos em que poderia haver ajustes que permitissem melhoramentos.
Deduzi ao ler projetos incluídos no orçamento, as diversas rubricas descriminadas, etc que realmente era uma proposta fechada, a tal proposta MIMA chave na mão.
Como sempre referi que até o mobiliário estaria incluído na proposta chave na mão, deduzi que também estaria.
Ao receber o mail do B com uma "proposta de honorários" fico baralhado...afinal os projetos não estão incluídos ou estão mas existem honorários, afinal não é o valor máximo...que custos haverá mais...se a CMA não aprovar algo no projeto haverá mais honorários...etc...que baralho
Desculpa C, não consigo ultrapassar os 450k e vou ter ainda Iva para resolver.
Desculpa C mas nem consigo analisar o que B enviou sem realizar que afinal são mais 50k que me deixam todo baralhado...e chateado ...cheio de dúvidas...daí escrever-te...
Sempre falámos valor global e conceito chave na mão. Adoro o primeiro projeto mas custa quase o dobro do orçamento e fico deprimido ...e pelos vistos não estavam os honorários...adoro este, aceito os 450, até porque leio projetos incluídos, sei que é chave na mão etc ..sei que não posso ultrapassar os 450 k mais IVA e aceito...fico super feliz e agora mais 50k...
Aceitei sabendo que é apertado mas também sabendo que nunca falhei nenhum contrato, compromisso etc a minha prioridade é a engenharia financeira...cumprir a minha parte...
Se me tivesses dito 450k mas atenção que há mais uns 50k de honorários, não tinha aceite...como não disseste e está escrito projetos incluídos... aceitei
Não sei o que responder ao AA, nem o que pensar ...fui eu que errei ou foi o AA, daí pergunto-te: são 450 k com tudo incluído? 3 casas conforme projeto? Conforme interpretei São 450k + honorários + ?(se sim como devia ter interpretado projetos incluídos? e se errei ao analisar e concluir que era Valor Máximo)
Sinceramente, pensei que tinha transmitido e que ambos decidimos que era... tens 450k faz o que projetares com esse dinheiro, geres os ajustes / alterações ...ou seja, o projeto que idealizas sem interferências...como se fosses o cliente, podias eliminar as fases de consulta ao cliente como 3ds etc ( só executavas o que achavas necessário para ti e assim se poupar em fases / custos )...por mim só via a casa construída ...e no pior dos cenários não teria os exteriores executados ...
Tenho que confiar que quando das um valor tens uma probabilidade gigante de o cumprir, que estabeleceste um intervalo para a tua margem e os ajustes serão em benefício do cliente...do imóvel e não da tua margem. Tenho que confiar que a obra não tem surpresas, que não preciso de analisar cuidadosamente o orçamento ou pedir parecer de preços, que não necessito de um fiscal de obra, que não preciso de analisar o contrato, que não preciso de advogado para análises etc
Tenho que confiar que tens tudo pensado, sabes exatamente como é estar no meu lugar, com um orçamento de 450k a contratar-vos....para uma Casa / Projeto Feliz e não o pesadelo de 50k aqui, 10k ali, atraso aqui, atraso ali ....C por favor, diz-me como vamos prosseguir ...
Desculpa este mail longo e pouco objetivo mas estou tinha mesmo que expressar /desabafar tudo... quero que saibas o que penso ...tem que haver sintonia. É um (…)”.
Destas comunicações deve concluir-se que foram liquidados honorários para licenciamento do projeto e que, consequentemente, o seu pagamento seria devido e ainda que o réu procurou esclarecer se os honorários estavam ou não incluídos no montante global.
O documento 8 é um orçamento datado de 07-02-2019 elaborado pela autora, referindo-se ao projeto em discussão aí identificado como “_A-(-…)_HERDADEAROEIRA” concluindo pelo valor “total estimado” de 450.050 €, sem IVA.
Em tal documento, na menção “PROJETOS” refere-se: “No valor final da casa estão incluídos todos os projetos inerentes - Estudo prévio, licenciamento de arquitetura e especialidades, caderno de encargos, projeto de execução e telas finais
Ora, julgamos que todas estas comunicações devem ser analisadas de forma sequencial. Assim, não deverá esquecer-se que no dia seguinte ao envio de tal projeto – 08-02-2019 – o funcionário da autora B remeteu ao réu uma proposta de honorários, como analisado no ponto anterior, o que clarifica que para aquele projeto, a autora orçamentou os seus honorários, que estariam compreendidos no valor global da moradia no caso de a mesma vir a ser efetivamente executada nos termos inicialmente projetados, ou seja, com recurso aos “parceiros” da autora. De todo o modo, a orçamentação autónoma de tais honorários e a celebração de “simples contrato entre as partes, para assegurar que tudo está claro”, evidenciam que os honorários não poderiam deixar de ser pagos, independentemente de a relação contratual se prolongar ou não até à execução da moradia.
O documento 9 da contestação consiste na resposta por correio eletrónico enviada por C ao réu em 11-02-2019, com o seguinte conteúdo:
Olá A,
Entendo o teu mail, provavelmente o B não se explicou bem porque nós achávamos que já estava claro. Nos 450k já estão incluídos os nossos trabalhos. O valor de 450k que te apresentamos é o valor total já com os nossos honorários incluídos, como dissemos desde o inicio :) Aliás grande parte deste valor é para estudar com os engenheiros a execução da obra, todos os projeto de engenharia e preparação da produção da casa. Ou seja neste momento já vais começar a pagar a casa.
Como te dissemos desde o início vamos tentar fazer de tudo para que os valores se mantenham nos 450k.
Sabemos que esse é o teu limite máximo por isso vamos respeita-lo e tentar-te aconselhar ao máximo para que esse valor não seja ultrapassado. Há provavelmente algumas coisas que vão ser retiradas em função de outras que serão prioridade para ti, mas durante o projeto de licenciamento estudaremos isso.
Se necessitares de alguma informação extra não hesites em nos contactar. O B normalmente é o que está mais por dentro desta fase, mas estarei sempre aqui para te ajudar.”
Também este meio de prova corrobora a inclusão dos honorários dos arquitetos no valor global na hipótese de o projeto de execução de moradia vir a ser efetivamente executado.
O recorrente fundamenta ainda a sua discordância no depoimento da testemunha B. Porém, o segmento indicado não se revela suscetível de fundamentar a alteração pretendida, porquanto, como já analisado, a testemunha referiu que a moradia seguiu um modelo de construção tradicional, por se tratar de “terreno (…) inclinado que obrigava a um tipo de fundação já de betão e por isso mesmo decidiu se fazer a construção nesse sentido visto que já se ía trabalhar com betão não fazia muito sentido fazer dois tipos de materiais (…) neste caso (…) foi de longe a melhor opção para o terreno em causa”. As fundações foram feitas em betão com impermeabilizações e seria esse também o material para a parte de cima, pelo que seria uma “construção tradicional” (minutos 10.20 a 11.50). Quando inquirido como eram encontrados os orçamentos para os honorários e para a obra, refere que havia uma primeira fase em que “nós fazíamos o estudo prévio” caso o cliente gostasse “de trabalhar connosco”,avançávamos para a fase de licenciamento com a arquitetura”, onde era adaptado o estudo prévio, remetiam para a Câmara e após tudo aprovado transitavam para a construção da moradia. Mais referiu que, neste caso, todas as fases foram cumpridas e que apenas faltou escolher um construtor para que fosse levantado o alvará (12.50 a 15.30). O cálculo dos honorários tinha por base uma estimativa do preço da construção por m2 e seriam pagos ao longo das várias fases (minutos 16.00 a 17.00).
Do depoimento da testemunha D, arquiteta e uma das três sócias da autora, (minutos 34.40 a 36.00), resultou que existia um acordo com os parceiros (empreiteiros, construtores) a quem enviavam os projetos de arquitetura e das especialidades e eles faziam orçamentos para a construção e depois deduziam o custo dos projetos nos custos da empreitada. Referiu expressamente que o projeto cujo valor era deduzido ao valor da empreitada era o de licenciamento, o de arquitetura, constituindo um valor “avançado mas que depois é devolvido caso o cliente avance com um dos construtores”. O próprio construtor deduzia esse valor, correspondente ao dos projetos da MIMA.
Ora, também estes meios de prova testemunhal não infirmam o anteriormente referido quanto à inclusão dos honorários dos projetos de arquitetura no valor global da moradia apenas se esta viesse a ser efetivamente executada. Ou seja, embora o cliente avançasse o pagamento de tais honorários, no fundo, já estava a pagar a casa, como refere o arquiteto C no email de 11-02-2019. Porém, daqui não resulta que, caso a execução da moradia não ocorresse, os honorários da autora não fossem devidos, dado que, nessa hipótese, não se justificaria a celebração de contrato prevendo expressamente o seu pagamento.
Pelo exposto, improcede a impugnação mantendo-se como não provado o facto enunciado em iii.
A recorrente reagiu ao não apuramento dos factos enunciados em iv e v “uma vez que a testemunha B confirmou no seu depoimento que o r. queria, através deste processo de construção, reinvestir mais valias que tinha realizado com a venda de alguns imóveis.”
A tais factos foi conferida a seguinte redação:
iv. O Réu comunicou à Autora que era essencial que a construção decorresse de forma célere.
v. O Réu comunicou à Autora que visava reinvestir mais valias obtidas na venda de um imóvel em outubro de 2018, o que implicaria que a construção estivesse concluída nos três anos seguintes.”
A tal propósito referiu o tribunal recorrido: “Apenas a testemunha B revelou ter ideia de ouvir falar num reinvestimento de mais-valias, mas não conseguiu concretizar quando e em que circunstância, sendo toda a demais prova testemunhal no sentido de nunca esse reinvestimento ter sido tema de conversa, nem sequer qualquer urgência especial fundada nessa necessidade.
O recorrente fundamenta a sua divergência no depoimento da testemunha B. Procedeu-se à audição do seu depoimento, no segmento indicado, constatando-se que, inquirido sobre se o réu informou pretender investir mais valias, referiu “ele tinha vendido bastantes coisas e ele tinha intenções de fazer investimento (…) não sei se era só por causa disso mas ele queria investir mais valias (…) perguntava se eu podia ajudá-lo com o banco (…)”.
Ora, o facto de a testemunha B ter declarado em tribunal que o autor pretendia reinvestir mais valias por si só não demonstra que a construção tivesse que ser célere e efetuada em três anos. Na realidade, desconhece-se quais seriam tais mais valias, designadamente de que ato ou negócio teriam decorrido, revelando-se insuficiente para o apuramento da matéria em questão a simples menção que lhes foi efetuada pela testemunha. Acresce que se verifica que os pagamentos efetuados pelo réu à autora foram faturados em nome de terceira entidade (“Pelicanparadise, Ldª”), o que avoluma as dificuldades de apuramento da efetiva necessidade de reinvestimento de mais valias, não só na ótica da sua existência, mas também da sua titularidade.
Consequentemente, não merece qualquer censura a decisão do tribunal recorrido ao considerar não apurada a matéria em questão, dado que a prova produzida não sustenta a sua afirmação.
Pelo exposto, improcede a impugnação no que se reporta ao não apuramento dos factos não provados iv e v.
Reagiu o recorrente ao não apuramento do facto enunciado em vi com a seguinte redação:
“vi. A Autora garantiu ao Réu que a prestação de todos os serviços a que se obrigara e a construção da moradia (pronta a habitar) no prazo máximo de três anos a contar de junho de 2021”.
Diz o recorrente:
No artigo 23 da contestação, o que foi alegado pelo r. foi que a a. garantiu que a prestação de todos os serviços a que se obrigara e, consequentemente, a entrega da moradia construída (pronta a habitar) teria lugar no prazo máximo de três anos a contar do início da sua relação, ou seja, até Junho de 2021 e não a contar de junho de 2021 como escreveu o Tribunal a quo no referido ponto vi. dos factos não provados
Pretende o recorrente que se considere apurado que a moradia estaria concluída “(…) no prazo de três anos a contar de junho de 2018 (data da apresentação da proposta da a. que foi aceite pelo r. – DOC. 4 da contestação), isto é até Junho de 2021, uma vez que, conforme se demonstrou, 2021 era, nos termos da Lei, o prazo último para o r. fazer o reinvestimento”.
Assim o recorrente, neste segmento, aponta ao tribunal recorrido um vício de enunciação (até junho de 2021 e não a contar de junho de 2021), considerando que o facto em questão, com a redação corrigida, deve transitar para os factos provados, dado que junho de 2021 seria “o prazo último para o r. fazer o reinvestimento”.
O recorrente fundamenta a divergência no documento nº 4 junto com a contestação que se trata de documento elaborado pela autora, relativo às “Fases de desenvolvimento de projeto de construção” da moradia do réu.
Sucede que tal documento, que não se mostra assinado por qualquer das partes, visou apurar o custo do estudo prévio como resulta dos seus próprios termos, não traduzindo uma vinculação contratual.
Conclui-se, pois que o meio de prova indicado pelo recorrente não permite o apuramento do facto ora em apreciação, sendo irrelevante corrigir a sua enunciação substituindo “a contar de junho de 2021” por “até junho de 2021”, por se reportar a factualidade não apurada.
Pelo exposto, improcede a impugnação, mantendo-se o não apuramento do facto enunciado em vi.
Reagiu o recorrente ao facto provado nº 9, considerando inexistir qualquer prova que o sustente, tanto mais que, contrariamente ao que refere o tribunal recorrida, essa matéria não foi referida pela testemunha AA.
A tal facto foi atribuída a seguinte redação:
9. Em 13/07/2018, após o contacto pessoal com o Réu e visita ao terreno, Autora e Réu acordaram que as casas pré-fabricadas/modulares não se ajustavam às pretensões do Réu, e que o projeto a realizar seria de uma moradia em alvenaria”.
Tal facto mereceu a seguinte motivação do tribunal recorrido:
O facto dado como provado em 9 resultou muito em particular das declarações da testemunha AA, anterior trabalhador (gestor comercial) da Ré e ainda atual colaborador da mesma, que foi a pessoa que acompanhou mais o Réu nesta fase inicial da contratação até à opção pela construção em alvenaria, face às características do terreno.
Este facto foi alegado no artigo 46º da réplica, com a seguinte redação:
46. No dia 13 de julho de 2018, foi o arquiteto CC visitar o terreno, dando-se início ao estudo prévio. Nessa data ficou definitivamente entendido que o Réu não deseja uma casa modular, nem a mesma podia satisfazer as suas pretensões (casas com utilização independente, garagem, arrumos, estrutura em betão, cave, etc, etc)”.
Procedeu-se à audição do depoimento da testemunha B, constatando-se que foi diretamente inquirido sobre o momento preciso em que alguém da equipa da autora foi ao terreno do réu, referido expressamente não se lembrar (a partir do minuto 9.40). De todo o modo, do seu depoimento resultou que foi a visualização do terreno que esteve na origem da opção por fundação em betão, não logrando, contudo, precisar o momento em que algum representante da autora se deslocou ao terreno.
Procedeu-se ainda à audição do depoimento do arquiteto C, sócio da autora (na sessão de julgamento de 25-10-2024), constatando-se que aludiu à visita que fez com o réu ao terreno, mas não a situando no tempo (a partir minuto 22.50).
Deve, pois, concluir-se, que assiste parcial razão ao recorrente porquanto a prova analisada não permite apurar de forma precisa a data da visita ao terreno, embora seja inequívoco que ocorreu e que esteve na base da opção por uma moradia em alvenaria. O certo é que tal visita foi efetuada antes da elaboração dos projetos em causa nos presentes autos. Ora, sendo as primeiras mensagens de correio eletrónico de maio de 2018, e tendo ficado apurado que em 08/02/2019 a Autora enviou ao Réu uma proposta de honorários para o licenciamento do projeto, podemos afirmar com segurança que nesta última data já a visita tinha ocorrido.
Pelo exposto, procede parcialmente a impugnação do facto provado, alterando-se a sua redação para a seguinte:
9. Em data que em concreto não foi possível apurar, mas anterior a 08-02-2019, após o contacto pessoal com o Réu e visita ao terreno, Autora e Réu acordaram que as casas pré-fabricadas/modulares não se ajustavam às pretensões do Réu, e que o projeto a realizar seria de uma moradia em alvenaria”.
Reagiu o recorrente ao facto provado nº 14 com a seguinte redação:
14. No dia 08/02/2019, a Autora enviou ao Réu uma proposta de honorários para o licenciamento do projeto – projeto de arquitetura e especialidades, no valor de €49.820,53, tendo por base um orçamento para construção da moradia no valor de €450.050,00.”
Foi a seguinte a motivação do tribunal recorrido:
Os factos dados como provados em 14-17 resultam do teor das mensagens de correio eletrónico juntas como docs. 7 e 9 com a contestação, e orçamento anexo à primeira delas, junto como doc. 8 com a contestação”.
Alega o recorrente, que o documento nº 8 não é suficiente para sustentar tal facto, e que nos autos inexiste qualquer outro meio de prova que o possa fundamentar.
Apreciando a impugnação, constata-se que o documento nº 7 constitui, efetivamente, uma “proposta de honorários” enviada pela autora (AA) ao réu, por meio de correio eletrónico, de 08-02-2019, com o seguinte conteúdo:
Olá A,
Espero que esteja tudo a correr bem! Fico contente por termos fechado o projeto base que sinceramente está muito bom.
Deixo em anexo a proposta dos honorários para o Licenciamento do projeto. Esta proposta tem como base o orçamento V2 que também segue em anexo.
Nesta fase fazemos um simples contrato entre as partes, para assegurar que tudo está claro.
Segue em anexo a minuta, que após confirmação da proposta, irei terminar. Qualquer alteração à mesma ou dúvida, não hesites em contactar-me”.
O documento nº 9 é uma resposta da autora (remetida pelo arquiteto CC), de 11-02 -2019 com o seguinte teor:
Olá A,
Entendo o teu mail, provavelmente o B não se explicou bem porque nós achávamos que já estava claro. Nos 450k já estão incluídos os nossos trabalhos. O valor de 450k que te apresentamos é o valor total já com os nossos honorários incluídos, como dissemos desde o inicio :) Aliás grande parte deste valor é para estudar com os engenheiros a execução da obra, todos os projeto de engenharia e preparação da produção da casa. Ou seja neste momento já vais começar a pagar a casa.(…)”.
Ora, a verdade é que tais meios de prova (em consonância com os anteriores já analisados) evidenciam que no dia 08/02/2019, a autora enviou ao réu uma proposta de honorários para o licenciamento do projeto de arquitetura e especialidades, no valor de €49.820,53, tendo por base um orçamento para construção da moradia no valor de €450.050,00. Como se referiu anteriormente, o facto de o valor de tais honorários poder ser descontado pelo empreiteiro – caso se avançasse para a execução efetiva da moradia – não invalida o apuramento do envio da proposta de honorários no valor referido no facto provado nº14. Aliás, como já se analisou, o envio de tal proposta suscitou ao réu um pedido de explicações que dirigiu ao arquiteto C, também por meio de correio eletrónico, que lhe transmitiu a necessidade de pagar tais honorários e que com tal pagamento “já estava a pagar a casa”, dado que o seu valor seria repercutido no valor final devido.
Pelo exposto, improcede a impugnação do facto provado nº 14.
Impugnou o recorrente ao facto provado sob o nº 25, com a seguinte redação:
25. Em 28/06/2019, o projeto deu entrada na Câmara Municipal de Almada”.
Foi a seguinte a motivação do tribunal recorrido:
O facto 25 encontra-se assente e resulta do registo de entrada de documentos da Câmara Municipal de Almada, junto pela Ré com o projeto.
A recorrente considerou resultar da prova produzida pela própria Câmara Municipal de Almada, em resposta ao ofício para juntar toda a documentação do processo de licenciamento, designadamente do sumário que consta da página 3 do referido ofício, que o projeto de arquitetura só foi submetido para licenciamento no dia 01-07-2019 e não a 28-06-2019, requerendo a correção da data.
Da análise do processo remetido pela Câmara Municipal de Almada, por meio do ofício de 05-03-2024, resulta o seguinte:
- No quadro inicial (página 3) relativo à “entrada de documentos”, estão especificadas a data e a sua natureza, ali se referindo como data da entrada do projeto de arquitetura a de 01-07-2019;
- Da página seguinte, consta o próprio pedido de licenciamento dirigido ao Presidente da Câmara de Almada, assinalando o quadro “obras de construção”, constando logo a seguir à menção “pede deferimento” a data de 07-06-2019 e mostrando-se rubricado por funcionário junto à data de 27-06-2019;
Ora, em face da discrepância de datas, afigura-se que não deve prevalecer a que consta do sumário inicial (página 3), que constitui uma espécie de índice manuscrito e que, em si, não comprova a efetiva apresentação das peças aí mencionadas.
Por outro lado, a data de 07-06-2029, como resulta dos seus próprios termos, corresponde à data em que foi assinado o pedido de licenciamento.
Já a data de 27-06-2019 corresponde à data em que o funcionário camarário recebeu e rubricou o pedido de licenciamento, correspondendo, consequentemente à data da entrada do pedido de licenciamento na Câmara Municipal de Almada.
Afigura-se, pois, que a menção de que o processo deu entrada em 28-06-2019 corresponde a lapso manifesto cuja correção – embora para data diversa da pretendida pelo impugnante - resulta do documento já analisado.
Pelo exposto, deferindo parcialmente a impugnação, determina-se a alteração do facto provado sob o nº 25, que passará a ser a seguinte:
“25. Em 27/06/2019, o projeto deu entrada na Câmara Municipal de Almada”.
O recorrente reagiu ainda ao apuramento do facto provado nº 44 com a seguinte redação:
44. Em 11/01/2021, a Autora diligenciou pela entrega de nova documentação junto da Câmara Municipal de Almada, com a alteração da cor da vedação para verde”.
Tal facto foi motivado nos seguintes termos:
Os factos 43-44 resultam das mensagens de correio eletrónico juntas como doc. 20 com a réplica.”
O recorrente fundamenta tal impugnação na já analisada página 3 do ofício remetido pela Câmara Municipal de Almada em 05-03-2024, designadamente no seu quadro inicial relativo à “entrada de documentos” do qual, na sua perspetiva, resulta que “(…) a junção de elementos para correção do indeferimento notificado ao r. só foi submetida no dia 27/01/2021 e não a 11/01/2021 conforme concluiu o Tribunal a quo”.
Consequentemente, solicita o recorrente que do facto provado 44 passe a constar a data de 27-01-2021.
Na página 3 do ofício junto pela Câmara Municipal de Almada em 05-03-2024 que, como se referiu, constitui uma espécie de índice do processo de licenciamento, consta que efetivamente em 27-01-2021 foram juntos documentos. Aí é efetuada uma menção a “Req. 1364/21 Junção elementos”, referindo-se ainda que constam (tais elementos) de páginas 333 a 357 (do processo camarário). De tal quadro não consta, aliás, qualquer entrada ou menção na data mencionada no facto provado nº 44 – 11-01-2021.
A remessa deste processo camarário foi complementada em 03-05-2024, referindo-se a “Informação de serviço” de 11-02-2021, na qual veio a ser aposta a decisão de deferimento do licenciamento, em conformidade com o parecer “favorável” ali emitido:
O projeto de arquitetura mereceu despacho de deferimento em 04/12/2019, tendo o deferimento ficado condicionado à correção das caraterísticas dos muros de vedação (…) Dos elementos apresentados pelo requerimento nº 1364/21 verifica-se que as vedações serão executadas em rede plastificada, na cor verde, em conformidade com o estabelecido no referido regulamento. Salientamos que o requerente já apresentou projetos de especialidades, os quais reuniram parecer favorável, estando reunidas as condições para a emissão da licença de construção”.
Conclui-se que a articulação da “informação de serviço” mencionando expressamente o requerimento nº 1364/21, visando corrigir as vedações, e a menção da sua junção em 27-01-2021 no índice do processo camarário, justificam a correção pretendida.
Pelo exposto, procedendo, nesta parte, a impugnação, altera-se o facto provado nº 44, por forma a que passe a ter a seguinte redação:
44. Em 27/01/2021, a Autora diligenciou pela entrega de nova documentação junto da Câmara Municipal de Almada, com a alteração da cor da vedação para verde”.
Impugnou o recorrente o facto provado sob o nº 49, com a seguinte redação:
49. Em data não concretamente apurada, antes de 01/04/2021, a Autora soube telefonicamente junto da Câmara Municipal de Almada do parecer favorável da Chefia de Divisão datado de 15/03/2021”.
Foi a seguinte a motivação do tribunal recorrido:
Os factos dados como provados em 49-50, referentes ao momento do conhecimento da aprovação do projeto, resultaram das declarações das testemunhas B e G, que afirmaram sem hesitações que quer eles, quer o Réu, já tinham conhecimento da aprovação camarária em momento anterior ao envio da carta de resolução por parte do Réu. Esta versão é perfeitamente compatível com o teor da mensagem de correio eletrónico de 30/03/2021, junta como doc. 24 com a réplica, já que o que aí se refere é que ainda estão a fazer diligências para “saber do estado do processo”, já que ainda teria de seguir mais alguns trâmites até ser comunicado oficialmente o deferimento, o que só veio a ocorrer por ofício de 21/04/2021. Mas note-se que, conforme resulta da informação junta pela Câmara Municipal de Almada em 03/05/2024 (e que, estrategicamente, não foi junta pelo Réu com o ofício – doc. 28 com a contestação – sendo certo que era um anexo ao mesmo), já havia um parecer favorável da Chefia de Divisão desde 15/03/2021, pelo que, atentas as insistências da Autora junto da Câmara Municipal de Almada, é perfeitamente natural que a mesma assumisse o deferimento/aprovação definitiva e comunicasse isso mesmo ao Réu”.
A este propósito diz o recorrente:
“O Tribunal a quo não tem nenhum documento, ou prova produzida que permita concluir pela prova de tal facto.
O depoimento da testemunha G, sobretudo pela relação laboral que tem com a a. não pode ser considerada com tamanha e indubitável certeza, desde logo porque o próprio não testemunhou com certeza nada que com este aspeto se relacionasse.
Note-se que, o próprio no seu depoimento não sabe precisar quando falou com a Câmara, nem que conversa é que teve com aquela entidade, não dizendo nunca que disse ao Cliente que sabia que o projeto estava aprovado:
[00:34:10] A inquirição foi interrompida pela Senhora Dra. Juiz, e mais uma vez presumiu o que os factos não permitem concluir.
Pelo que deve o ponto 49 ser julgado não provado por total ausência de prova que permita concluir pela prova do mesmo.”
Procedeu-se à audição do depoimento prestado pelo arquiteto G, que trabalha para a autora desde 2017, tendo trabalhado no projeto de execução da moradia do autor. Desde já se salienta que prestou um depoimento claro e credível, não obstante a relação laboral mantida com a autora.
Afirmou que cliente sabia que o projeto ia ser aprovado, tendo-lhe comunicado esse facto por telefone “era eu que estava em contacto…e fui eu que agilizei essa notícia com o cliente … interajo com o departamento de licenciamento…acabei por veicular essa informação não oficial que adveio de um telefonema de update”. Foi confrontado com email de 30-03-2021, no qual comunica ao cliente ser necessário aguardar por informação oficial (minutos 34.10 a 38.00)
Ora, o conhecimento prévio (à declaração de resolução efetuada pelo réu) do parecer favorável da chefia de divisão mostra-se devidamente suportado nos meios de prova enunciados pelo tribunal recorrido, sendo, aliás conforme às regras de experiência comum. De facto, já anteriormente havia sido emitido deferimento condicionado à alteração dos muros de vedação, por forma a que fosse cumprido determinado regulamento camarário. Ora, alterado o projeto por forma a cumprir tal requisito, nada obstava à emissão de parecer favorável, revelando-se verosímil e demonstrada a sua comunicação informal aos autores do projeto.
Pelo exposto, indefere-se a impugnação do facto provado sob o nº 49.
O recorrente impugnou o facto provado nº 50, com a seguinte redação:
50. Em data não concretamente apurada, antes de 01/04/2021, a Autora informou o Réu de que o projeto tinha sido aprovado pela Câmara Municipal de Almada”.
A motivação do tribunal recorrido consta do ponto anterior, radicando no depoimento das testemunhas G, B e ainda no facto de resultar da informação junta aos autos pela Câmara Municipal de Almada em 03-05-2024 que já havia um parecer favorável da Chefia de Divisão desde 15-03-2021.
Porém, considera o recorrente que tal facto que não fica demonstrado desde logo porque a própria testemunha G, por mensagem de correio eletrónico de 30-03-2021, transmitiu ao réu que “tinha que aguardar”.
Apreciando a impugnação deduzida, interessa reiterar que a própria testemunha em causa, nas passagens supra analisadas, disse ter transmitido ao réu que o projeto tinha sido aprovado, esclarecendo que se tratava de informação ainda não oficial e que, por isso, tinham que aguardar.
Porém, na perspetiva da recorrente, a página 3 do documento junto pela Câmara Municipal de Almada prova que só em 29-04-2021 “foi emitido o ofício de aprovação do projeto”.
No quadro que constitui a página 3 daquele documento (correspondente, como referido, a índice do processo camarário) estão manualmente registadas as seguintes vicissitudes relativas ao dia 29-04-2021: “Inf. Serviço-Req. 1364/21+Oficio 4166/21- pág 358-361”.
Resulta do ofício camarário (remetido em 02-05-2024 em complemento do anterior) que a decisão de deferimento é de 12-04-2021, formalmente notificada ao réu pela Direção Municipal de Obras e urbanismo da Câmara Municipal de Almada por ofício (nº 4166/21) de 21-04-2021. Certo é que tal documentação também evidencia a existência de parecer favorável desde 11-02-2021, como resulta da informação de serviço daquela mesma data na qual veio a ser colocada, em 12-04-2021 a menção: “Deferido nos termos e parecer da chefia”.
Assim, a existência de parecer favorável indiciava grande probabilidade de aprovação do projeto, realidade que não é afastada, contrariamente ao que diz o recorrente, por ter passado mais de um mês desde tal parecer e a aprovação.
Acresce que, como se referiu já anteriormente, havia sido emitido deferimento condicionado à alteração dos muros de vedação. E dado que o projeto tinha sido corrigido, por forma a cumprir o regulamento camarário relativo aos muros de vedação, nada obstava à aprovação do projeto. Aprovação esta que, conforme expectável, veio efetivamente a ocorrer, embora em 12-04-2021.
Afigura-se, pois, que a autora, em rigor, informou o réu que o projeto seria aprovado, deferindo-se parcialmente a impugnação passando o facto impugnado a ter a seguinte redação:
50. Em data não concretamente apurada, antes de 01/04/2021, a Autora informou o Réu de que o projeto seria aprovado pela Câmara Municipal de Almada”.
Por fim, o recorrente impugnou o facto provado nº 54, ao qual foi conferida a seguinte redação:
54. Em 12/04/2021, o projeto foi aprovado na Câmara Municipal de Almada, tendo sido obtido o alvará de construção
Foi a seguinte a motivação do tribunal recorrido:
Os factos 54-55 resultam do ofício junto como doc. 28 com a contestação”
O recorrente aceita que o projeto tenha sido aprovado em 12/04/2021, mas diz que o alvará – que, aliás, nunca foi por si levantado como se extrai da leitura do processo de licenciamento – não foi obtido.
Esta questão mostra-se esclarecida pelo ofício camarário remetido aos autos pelo Município de Almada em 03-05-2024, designadamente o seu ponto 6 onde se refere:
6-Após a aprovação do licenciamento decorreu o prazo de um ano para requerer a emissão do alvará de obras de edificação. O alvará não foi requerido no prazo concedido para o efeito e, após audiência prévia foi declarada a caducidade do ato administrativo que aprovou o licenciamento, conforme ofício n.º 10001/22 a fls. 363-366 (que se anexa) e ofício n.º 150/24, a fls. 367-366 (que se anexa)”.
O documento nº 28 junto com a contestação consiste na notificação ao autor da decisão final de licenciamento das obras, com data de 21-04-2021, no qual se refere expressamente: “(…) deverá, no prazo de um ano a contar da receção da presente notificação, requerer a emissão do alvará de obras de edificação”. Ou seja, nada obstava à obtenção do alvará que, após aprovação do projeto, dependia apenas de requerimento do réu. Assim, deferindo parcialmente a impugnação, julga-se que reflete de forma mais exata tal realidade a seguinte redação:
54. Em 12/04/2021, o projeto foi aprovado na Câmara Municipal de Almada, conferindo ao autor a faculdade de requerer e obter o alvará de construção”.
Factos Provados
Em face da decisão que antecede, são os seguintes os factos que devem considerar-se apurados:
1. A Autora tem como objeto social: “Construção e comercialização de edifícios pré-fabricados, nomeadamente casas em madeira. Indústria de construção civil, empreitadas e obras públicas”.
2. Está-lhe associado o CAE principal “74.900 - Outras atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares, n.e.”, da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas (CAE).
3. A Autora dedica-se à criação e desenvolvimento de projetos de arquitetura nas suas mais diversas fases, e desenvolvendo projetos de licenciamento a serem submetidos nas respetivas câmaras municipais.
4. A Autora desenvolve os referidos projetos para construções pré-fabricadas/modulares e para construções tradicionais, em alvenaria.
5. No dia 09/05/2018, o Réu contactou a Autora a fim de obter informações sobre a atividade desta e os produtos por aquela comercializados, já que pretendia construir uma moradia unifamiliar.
6. De acordo com a informação transmitida pela Autora ao Réu, a mesma assegurava o desenvolvimento do projeto e a construção (no caso de casas modulares), mais concretamente a:
a) Elaboração do estudo prévio;
b) Elaboração dos projetos de arquitetura e especialidades;
c) Construção da casa em fábrica;
d) Montagem da casa no terreno.
7. Em 26/06/2018, o Réu remeteu à Autora um documento intitulado “REGULAMENTO CONSTRUÇÃO”, não timbrado, assinado e/ou certificado, do qual constava, designadamente, que o recurso a vedações ficaria limitado às seguintes alternativas:
(a) Arbustos em alinhamento sem constituir sebe fechada;
(b) Arbustos em sebe fechada e talhada à altura limite de 1m;
(c) Palissada não opaca de madeira imunizada, à altura limite de 1m;
(d) Rede plastificada na cor verde montada em prumos tubulares pintados na cor verde, à altura limite de 1m, integrada em sede de arbustos;
(e) Cancelas ou portas de acesso nos materiais e com as alturas referidas em c) e d).
8. Em 29/06/2018, a Autora remeteu ao Réu um documento, relativo às construções pré-fabricadas/modulares, do qual constavam as seguintes informações:
a) O valor global seria feito de forma faseada ao longo do processo, nos seguintes termos:
- Na fase de estudo prévio – 1% do valor estimado pela a.;
- Na fase dos projetos de arquitetura e de especialidades – 9% do valor orçamentado na fase de estudo prévio;
- Na fase de construção – 40% do valor orçamentado na fase de licenciamento;
- Na fase da montagem - 40% do valor orçamentado na fase de licenciamento.
b) O valor total pago na fase de Estudo Prévio será deduzido no valor total de construção caso esta avance.
c) O projeto de Estudo Prévio é vinculativo. A construção deste projeto não poderá ser levada a cabo por outra empresa que não a Mimahousing.
d) A fase de estudo prévio teria a duração de 30 a 40 dias úteis.
9. Em data que em concreto não foi possível apurar, mas anterior a 08-02-2019, após o contacto pessoal com o Réu e visita ao terreno, Autora e Réu acordaram que as casas pré-fabricadas/modulares não se ajustavam às pretensões do Réu, e que o projeto a realizar seria de uma moradia em alvenaria.
10. Entre 07/2018 e 02/2019, o Réu diligenciou pela recolha de documentação solicitada pela Autora, designadamente junto da Câmara Municipal de Almada, e solicitou à Autora várias alterações a serem contempladas no projeto.
11. Em 31/08/2018, a Autora solicitou ao Réu o alvará de loteamento, por ser o documento mais importante.
12. Nesse dia 31/08/2018, o Réu respondeu à Autora que “o Alvará de Loteamento são 3 volumes gigantes e conforme informação que vos prestei após a minha consulta na Câmara Municipal de Almada, nada consta a não ser mandar fotocopiar 3 volumes seria a solução ou se tal seria possível”.
13. Nesse dia 31/08/2018, em resposta, a Autora informou o Réu que deveria solicitar especificamente o regulamento do alvará de loteamento.
14. No dia 08/02/2019, a Autora enviou ao Réu uma proposta de honorários para o licenciamento do projeto – projeto de arquitetura e especialidades, no valor de €49.820,53, tendo por base um orçamento para construção da moradia no valor de €450.050,00.
15. Desse orçamento consta que “no valor final da casa estão incluídos todos os projetos inerentes – Estudo prévio, licenciamento de arquitetura e especialidades, caderno de encargos, projeto execução e telas finais”.
16. No dia 10/02/2019, o Réu solicitou à Autora esclarecimentos sobre a proposta de honorários (designadamente, se os mesmos estariam ou não incluídos no valor de €450.000,00) e afirmou que não poderia ultrapassar o valor de €450.000,00.
17. No dia 11/02/2019, a Autora informou o Réu que o valor de €450.000,00 já incluía os honorários.
18. No dia 22/02/2019, Autora (na qualidade de Segunda Outorgante) e Réu (na qualidade de Primeiro Outorgante) assinaram documento escrito intitulado “Contrato de prestação de serviços – fase II - Licenciamento”, nos termos do qual:
“[…]

(Objeto do contrato)
Constitui objeto do presente contrato a elaboração pela segunda outorgante de projeto de arquitetura e especialidades.

(Fases da prestação de serviços) A prestação de serviços visada neste contrato prevê o desenvolvimento dos projetos de arquitetura e especialidades necessários para instrução do processo de licenciamento junto da Câmara Municipal. As fases previstas para desenvolvimento do trabalho são as seguintes:
1. Estudo prévio – Uma fase que terá sido concluída antes da adjudicação da fase de licenciamento visada no presente contrato, contemplando a análise de condicionantes e estimativa orçamental.
2. Fase de Licenciamento – Fase composta pelas seguintes etapas:
a) Adjudicação: início do projeto e trabalhos preparatórios à entrega do projeto na respetiva Câmara Municipal;
b) Conclusão do dossiê de projeto de arquitetura para entrega na respetiva Câmara Municipal;
c) Aprovação da arquitetura e conclusão do dossiê de projeto de especialidades para entrega na respetiva Câmara Municipal;
d) Aprovação e Emissão do Alvará de Construção pela Câmara Municipal.

(Obrigações do Primeiro Outorgante)
1. O Primeiro Outorgante deve fornecer ao Segundo Outorgante as informações e os elementos indispensáveis ao início e desenvolvimento da prestação de serviços, entre as quais:
• Caderneta Predial;
• Extratos de cartas do PDM (Poderão ser obtidos na Câmara Municipal)
• Planta de localização com delimitação da parcela (Poderão ser obtidos na Câmara Municipal)
• Planta de localização com delimitação da parcela (Poderão ser obtidos na Câmara Municipal)
• Levantamento topográfico com georreferenciação;
• Certidão Permanente do Registo Predial;
• Processos antecedentes (Todos os processos que possam ter entrado em Câmara, relativos a pedidos de licenciamento, pedidos de informações, etc.);
• Outros elementos que possam ser indispensáveis para desenvolvimento do projeto.
2. O prazo estabelecido para desenvolvimento do projeto inicia-se com a entrega dos elementos referenciados no número 1 do presente artigo ao Primeiro Outorgante.
3. O Primeiro Outorgante deve proceder ao pagamento pontual ao Segundo Outorgante, conforme descrito na cláusula 6ª. O Segundo Outorgante compromete-se a prestar os serviços objeto do presente contrato com competência e autonomia técnica, cumprindo com as diligências adequadas à execução do(s) projeto(s).

1. O dossier do projeto de arquitetura será fornecido ao Primeiro Outorgante no prazo de 40 dias úteis contados nos termos do artigo 3º.
[…]

(Honorários e Condições de Pagamento)
1. Os honorários a pagar ao Segundo Outorgante pelos serviços objeto do presente contrato são de 49.820,53€ (Quarenta e nove mil, oitocentos e vinte euros e cinquenta e três cêntimos) com IVA à taxa legal em vigor.
2. […] sendo o pagamento dividido da seguinte forma:
a) Adjudicação e início de desenvolvimento dos elementos do projeto €16.606,84 (3% do valor orçamentado na adjudicação)
b) Conclusão do dossier de projeto de arquitetura para entrega na respetiva Câmara Municipal, aprovação da arquitetura e conclusão do dossier de projeto de especialidades para entrega na respetiva Câmara Municipal 16.606,84€ (3% do valor orçamentado na adjudicação)
c) Aprovação do projeto e obtenção do alvará de construção 16.606,84€ (3% do valor orçamentado na adjudicação)

(Responsabilidade) 1. A segunda outorgante responsabiliza-se exclusivamente por erros ou falhas do projeto de arquitetura.
2. Não são imputáveis à segunda outorgante atrasos administrativos ou delongas por pedidos de retificação por parte da Câmara Municipal competente.
[…]
10ª
(Projeto e Orçamento) 1. O valor orçamentado no estudo prévio e fase de licenciamento para a execução da obra é um valor estimativo, baseado em orçamentos fornecidos ao Segundo Outorgante.
2. […]
3. O orçamento definitivo para construção constará do contrato referente à fase de execução.
[…]”
19. Em 22/02/2019, a Autora emitiu a fatura n.º FT 2019/11, no valor de €16.606,84, relativa ao início de projetos de arquitetura e especialidades.
20. Em 26/02/2019, o Réu pagou o valor contemplado na referida fatura.
21. A Autora elaborou o dossier de projeto de arquitetura e o dossier de projeto de especialidades.
22. A Autora fez várias alterações ao projeto inicialmente proposto ao Réu, de acordo com a vontade deste.
23. Em 18/04/2019, a Autora remeteu ao Réu o projeto a ser submetido para licenciamento.
24. Em 22/04/2019, o Réu informou a Autora que estava muito feliz com o projeto e que não tinha mais qualquer alteração ou comentário a fazer.
25. Em 27/06/2019, o projeto deu entrada na Câmara Municipal de Almada.
26. Por ofício de 11/12/2019, a Câmara Municipal de Almada comunicou ao Réu o deferimento condicionado do projeto de arquitetura, por contrariar o regulamento do alvará de loteamento n.º 346, no ponto 2.14, e que “o projeto de arquitetura deverá ser corrigido no que se refere às características dos muros de vedação, não sendo permitidos muros de alvenaria e reboco, apenas sendo admissíveis vedações em arbustos, sebes, palissadas de madeira ou redes plastificadas”.
27. O Réu transmitiu à Autora o deferimento condicionado em 16/12/2019.
28. Em 01/04/2020, o Réu comunicou à Autora que, não obstante a incerteza e caos, tudo faria para construir o projeto, que transferiria €10.000,00 de imediato e o restante em breve.
29. Em 13/08/2020, a Autora emitiu a fatura FT 2020/40, relativa a entrega de projetos de arquitetura e especialidades, no valor de €10.000,00, com vencimento em 21/08/2020.
30. Em 09/03/2020, a Autora comunicou ao Réu que o projeto de especialidades se encontrava pronto.
31. O Réu aceitou e assinou o projeto de especialidades.
32. Em 31/03/2020, a Autora entregou na Câmara Municipal de Almada o projeto de especialidades.
33. Após, a Autora começou a desenvolver o projeto de execução e a fazer pedidos de orçamentos aos seus parceiros.
34. Durante esse período, o Réu informou a Autora que poderia esticar o seu orçamento para €650.000,00 no máximo, com IVA incluído, para que pudesse contemplar algumas alterações.
35. Em 28/07/2020, o Réu informou a Autora que o seu orçamento máximo seria de €550.000,00.
36. A Autora fez várias alterações ao projeto de execução, de acordo com os orçamentos apresentados pelo Réu e com as alterações que este lhe ia solicitando.
37. Por ofício de 18/08/2020, a Câmara Municipal de Almada notificou o Réu de que iria ser proposto o indeferimento, por incumprimento do condicionamento do deferimento, e de que dispunha de 20 dias úteis para se pronunciar.
38. No dia 19/08/2020, o Réu informou a Autora do teor dessa notificação.
39. Em 30/09/2020, em sede de audiência prévia, a Autora entregou à Câmara Municipal de Almada novos elementos.
40. Em 23/11/2020, o Réu informou a Autora que tinha avançado com um pedido de orçamento mas que lhe tinham pedido: projetos de todas as especialidades; projeto de arquitetura completo; mapas de quantidades de todas as especialidades e arquitetura; memória descritiva; e caderno de encargos.
41. Em 24/11/2020, a Autora informou o Réu que o processo estava montado para trabalhar diretamente com os seus parceiros, pelo que teria de preparar um dossier para consulta externa, o qual conseguiriam ter pronto até ao final do ano.
42. Por ofício de 17/12/2020, a Câmara Municipal de Almada notificou o Réu da proposta de indeferimento do pedido de licenciamento, atendendo que, quanto às características dos muros de vedação, se verificava que as vedações seriam executadas em rede plastificada, mas na cor branca, e que o Regulamento apenas contemplava redes plastificadas de cor verde.
43. No dia 23/12/2020, o Réu informou a Autora do indeferimento.
44. Em 27/01/2021, a Autora diligenciou pela entrega de nova documentação junto da Câmara Municipal de Almada, com a alteração da cor da vedação para verde.
45. Em 15/03/2021, a Chefia de Divisão da Câmara Municipal de Almada deu parecer favorável à aprovação do projeto.
46. Em 18/03/2021, a Autora remeteu ao Réu três orçamentos de execução da obra, dos parceiros Portilame e Prisminfinito, no valor de €732.508,91, e Clean Construction, no valor de €624.445,00.
47. No dia 23/03/2021, o Réu informou a Autora que iria pedir outro orçamento para a construção.
48. No dia 25/03/2021, a Autora informou o Réu que o mesmo poderia procurar “empresas que possam construir as nossas casas” e que estavam “completamente abertos para ajudar/colaborar com os mesmos para garantir um produto final de qualidade”, e que se o mesmo queria um orçamento de €540.000,00 teriam de fazer de novo alterações ao projeto para chegar mais perto desse valor, podendo o Réu utilizar essa versão do projeto para enviar para outros empreiteiros.
49. Em data não concretamente apurada, antes de 01/04/2021, a Autora soube telefonicamente junto da Câmara Municipal de Almada do parecer favorável da Chefia de Divisão datado de 15/03/2021.
50. “50. Em data não concretamente apurada, antes de 01/04/2021, a Autora informou o Réu de que o projeto seria aprovado pela Câmara Municipal de Almada”.
51. No dia 01/04/2021, o Réu remeteu à Autora uma carta em que lhe comunicava a resolução do “contrato de prestação de serviços” celebrado em 22/02/2019, por perda de interesse e “perda de confiança da minha parte na vossa capacidade de levar o projeto até ao fim com sucesso”, decorrentes de “incumprimentos graves e reiterados” da Autora, designadamente:
• Os projetos ainda não se encontrarem aprovados pela Câmara Municipal de Almada, por razões técnicas da responsabilidade da Autora;
• Os orçamentos para as empreitadas de construção dos parceiros apresentados pela Autora ultrapassarem seu limite de orçamento;
• A Autora não lhe ter entregue a informação necessária para ele obter orçamentos de outros empreiteiros;
• Os preços por m2 apresentados pelos parceiros da Autora serem superiores aos de mercado para o tipo de construção e zona;
• A circunstância da construção não estar concluída, nem sequer a licença de construção emitida;
• Situação pandémica, com a depreciação do valor do imobiliário.
52. Nessa carta, o Réu solicitou à Autora a devolução de todas as quantias pagas.
53. A Ré recebeu a referida carta em 06/04/2021.
“54. Em 12/04/2021, o projeto foi aprovado na Câmara Municipal de Almada, conferindo ao autor a faculdade de requerer e obter o alvará de construção”.
55. Por ofício de 21/04/2021, a Câmara Municipal de Almada notificou o Réu do deferimento do pedido de licenciamento.
56. Em 06/05/2021, a Autora, através da sua Mandatária, remeteu para o correio eletrónico do Réu uma mensagem a interpelá-lo para o pagamento dos seguintes valores:
i) O montante de € 6.606,84 referente à entrega do projeto para licenciamento, tendo sido pago o valor de € 10.000,00;
ii) A quantia de € 16.606,83, referente à aprovação do projeto de licenciamento.
57. Em 21/01/2022, a Autora emitiu a fatura FT 2022/9, relativa a entrega de projetos de arquitetura e especialidades, no valor de €6.606,82, e vencimento em 21/01/2022.
58. Em 21/01/2022, a Autora emitiu a fatura FT 2022/10, relativa a aprovação de projetos de arquitetura e especialidades, no valor de €16.606,83, e vencimento em 21/01/2022.
E são os seguintes os factos não provados:
i. O Réu contactou a Autora porque esta apresentava casas com soluções arquitetónicas que lhe agradavam e os prazos de construção de uma casa modular eram mais reduzidos do que os prazos da execução de uma construção tradicional.
ii. O Réu manifestou à Autora que o seu interesse era a obtenção de serviços globais para a construção e entrega de uma casa modular pronta a habitar, devidamente licenciada em termos legais e preenchendo todos os requisitos de acordo com as leis da construção e edificação aplicáveis.
iii. A Autora assumiu a obrigação de lhe prestar todos esses serviços, de uma forma global e por um preço também global, sendo que o valor dos trabalhos de cada uma das fases seria determinado por uma percentagem do preço global.
iv. O Réu comunicou à Autora que era essencial que a construção decorresse de forma célere.
v. O Réu comunicou à Autora que visava reinvestir mais valias obtidas na venda de um imóvel em outubro de 2018, o que implicaria que a construção estivesse concluída nos três anos seguintes.
vi. A Autora garantiu ao Réu que a prestação de todos os serviços a que se obrigara e a construção da moradia (pronta a habitar) no prazo máximo de três anos a contar de junho de 2021.
Validade e eficácia da resolução operada pelo réu
Considera o recorrente que tendo operado validamente a resolução do contrato celebrado com a autora, não dispõe de fundamento a decisão do tribunal recorrido que o condenou a pagar-lhe a quantia de € 23.231,65, relativa a parte dos honorários ali convencionados, acrescida de juros.
Os factos apurados evidenciam que, visando construir uma moradia unifamiliar, o réu contactou a autora, que se dedica à criação e ao desenvolvimento de projetos de arquitetura. Entre ambos veio a ser celebrado negócio que denominaram “contrato de prestação de serviços”, pelo qual a autora se comprometeu a realizar os projetos de arquitetura e de especialidades tendo em perspetiva a construção da moradia do réu, mediante o pagamento dos honorários ali convencionados.
Desde já se salienta que as alterações operadas à matéria de facto na presente decisão não permitem abalar o decidido em primeira instância quanto ao apuramento de uma relação contratual de prestação de serviços entre a autora o réu
Efetivamente, a autora obrigou-se a prestar ao réu o resultado do seu trabalho intelectual (corporizado em projeto de arquitetura e de especialidades), mediante uma retribuição, o que reconduz tal vínculo à prestação de serviços regulada no artigo 1154º, CC. Porém, não se enquadrando tal contrato em qualquer uma das três modalidades típicas de prestação de serviços legalmente previstas (mandato, depósito e empreitada - cfr. artigo 1155º, CC), deve ser qualificado como contrato inominado. Consequentemente, como resulta da norma que regula o seu regime: “As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.” – cfr. artigo 1156º, CC.
Neste mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 11-05-2022 (proferido no processo nº74181/17.8YIPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), constando do respetivo sumário: “O contrato pelo qual, mediante retribuição, uma das partes se vincula perante a outra a elaborar projetos, envolvendo arquitetura, engenharia e outras especialidades conexionadas com a construção de edifícios ou outras obras, podendo designar-se como “contrato de arquiteto”, é um contrato de prestação de serviço inominado”.
Não suscitando quaisquer dúvidas a qualificação do contrato nos moldes que antecedem, a controvérsia existe quanto ao cumprimento pela autora da prestação a que se vinculou e, consequentemente, da formação, na sua esfera jurídica, do direito a receber os honorários peticionados. De facto, a autora defende ter cumprido a sua prestação contratual, e o réu defende que tal cumprimento não ocorreu, o que está na origem da declaração de resolução que lhe dirigiu e que, na sua perspetiva, libertando-o do programa contratual, isenta-o do pagamento dos montantes reclamados.
Interessa, pois, verificar com mais pormenor quais as cláusulas convencionadas para aferir, de seguida, do seu (in)cumprimento.
Assim, centremo-nos no contrato de prestação de serviços enunciado no facto provado nº 18, do qual resulta que a prestação da autora, relativa ao desenvolvimento dos projetos de arquitetura e de especialidades, deveria ser executada nas seguintes fases:
– Estudo prévio;
– Fase de licenciamento, composta por quatro etapas: adjudicação; conclusão do dossier para entrega na câmara; aprovação do projeto de arquitetura e conclusão dos projetos de especialidades para entrega na Câmara; aprovação e emissão do alvará de construção pela Câmara.
Por seu turno, como se alcança da cláusula sétima do contrato refletido no facto provado nº 18, o réu assumiu a obrigação do pagamento da quantia global de € 49.850,53, dividida em três pagamentos parcelares de € 16.606,84 cada, que deveriam ocorrer nos seguintes momentos:
- Adjudicação e início do desenvolvimento do projeto;
- Conclusão dos dossiers de arquitetura e de especialidades para entrega na Câmara;
- Aprovação do projeto e obtenção do alvará de construção.
Ora, apurou-se que em 12-04-2021 o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal de Almada “conferindo ao autor a faculdade de requerer e obter o alvará de construção” – cfr. facto provado nº 54.
Como tal faculdade de obtenção do alvará apenas pelo réu poderia ser exercida, o facto de não se ter apurado que o obteve efetivamente não inviabiliza a conclusão de que a autora realizou a sua prestação contratual, dado que executou todos os atos e procedimentos necessários para o efeito.
Porém, o recorrente, alegando perda de interesse na prestação, na comunicação que dirige à autora em 01-04-2021, invoca como fundamentos para a resolução do contrato:
- Violação de normas técnicas por parte da autora;
-Orçamentos de construção ultrapassaram os limites acordados, bem como os valores praticados na zona para aquele tipo de construção;
- A autora não lhe entregou informação que permitisse ao réu obter outros orçamentos;
- Violação dos prazos previstos no contrato;
- Situação pandémica.
Os contratos, celebrados ao abrigo da liberdade contratual dos contraentes, devem ser pontualmente cumpridos só podendo modificar-se ou extinguir-se “por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei” – cfr. artigos 405º e 406º, CC. Consequentemente, constitui princípio fundamental das relações contratuais o da estabilidade, pelo que a sua cessação, antes do integral cumprimento das prestações a que cada contraente se obrigou, deverá beneficiar de fundamento legal ou convencional. Neste sentido, estipula o artigo 432º, nº 1, CC, que a resolução do contrato, que constitui um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral, pode fundamentar-se na lei ou em convenção, produzindo efeitos retroativos, operando a destruição do negócio jurídico e a supressão de todos os seus efeitos, em termos similares ao que ocorre com a nulidade ou anulação – cfr. artigo 433º, CC. Porém, tal retroatividade pode não verificar-se se “(…) contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução”- cfr. artigo 434º, nº 1, CC. Certo é que a resolução do contrato “(…) pode fazer-se mediante declaração à outra parte” – cfr. artigo 436º, nº 1, CC – mediante a invocação de fundamento legal ou contratual. Quando a resolução se fundamenta em motivo legal deverá radicar ou no incumprimento de prestações contratuais ou na alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar – cfr. artigos 801º e 437º do Código Civil.
Assim, a resolução beneficia de fundamento quando se possa afirmar que uma das partes violou as obrigações contratuais, em termos que se reconduzam à disciplina dos artigos 801º e 802º, CC. O nº 1 do artigo 801º CC dispõe: “Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”. Já o artigo 802º, CC, estabelece que em caso de a prestação se ter tornado parcialmente impossível, o credor tem a faculdade de resolver o negócio (nº 1), exceto se o incumprimento parcial, “atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância.” (nº 2).
Como se refere no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 24-02-2022 (relatado pela aqui primeira adjunta, proferido no processo nº 108/20.7T8OER.L1-2, disponível em www.dgsi.pt): “A resolução do contrato por uma das partes não é livre, antes tem de ser fundamentada, exigindo uma situação de incumprimento da parte contrária que seja de tal modo grave que determina uma rutura contratual. A mesma tem de ter na sua origem factos que se integrem na convenção das partes que contemple a possibilidade de resolução do contrato, ou na lei, designadamente que caibam na previsão do art.º 801.º e 802.º do C.Civil, factos que, pela sua importância ou gravidade, justificam que, unilateralmente, uma das partes ponha fim ao contrato”.
Por fim, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 25-03-2025 (proferido no processo 9991/20.4T8LSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt), a declaração de resolução: “(…) para ser eficaz terá de se reportar ao motivo da resolução já que, assentando num poder vinculado, impõe à parte que pretende exercer tal direito que alegue e prove o fundamento que justifica a extinção do contrato. De outro modo, ficaria o declaratório à mercê dos desígnios insondáveis do declarante
Deve, pois, o contraente que opera a declaração de resolução do contrato motivá-la, invocando factos que comprometam a estabilidade contratual.
Mas não só. Quando invoque a violação de obrigações contratuais, deverá ter presente que a resolução opera em caso de incumprimento definitivo e não de simples mora que deve ser equiparada “não a falta definitiva (…) de realização da prestação debitória, mas um simples retardamento, demora ou dilação no cumprimento da obrigação” – Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Almedina, 1997, pág. 345). Certo é que a mora não constitui fundamento de resolução, que deverá fundamentar-se no incumprimento definitivo, que ocorre com a não realização da prestação dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, ou da perda do interesse que o credor tinha na prestação, o qual terá que ser apreciado objetivamente, ou ainda na manifestação inequívoca pelo devedor de que não cumprirá a sua prestação.
Efetivamente, dispõe o artigo 808º, CC, sob a epígrafe: “Perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento”
1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
2. A perda do interesse na prestação é apreciada objetivamente.”
Aplicando as considerações que antecedem ao caso concreto, afigura-se não poder imputar-se à a autora a violação de regras técnicas que justifique a resolução do contrato.
Efetivamente, o projeto elaborado pela autora entrou na Câmara Municipal de Almada em 28-06-2019, o qual foi objeto de deferimento condicionado comunicado por ofício de 11-12-2019, por questões relacionadas com os muros de vedação (facto provado nº 26). Acresce que a previsão para tais muros de vedação de rede plastificada de cor branca esteve na origem de proposta de indeferimento do pedido de licenciamento, notificada em 17-12-2020, dado que o regulamento aplicável exigia a cor verde (facto provado nº 42). Porém, logo em 11-01-2021 a autora alterou junto da Câmara a cor da vedação para verde (facto provado nº 44), vindo o projeto a merecer parecer favorável em 15-03-2021 e a ser aprovado em 12-04-2021 (factos provados nº 44 e 54).
Ora, a questão relacionada com a cor da rede de vedação foi solucionada num curto espaço de tempo, não abalando a competência técnica na execução do projeto. Efetivamente, reporta-se a pormenor que não foi observado no desenvolvimento do processo e que prontamente foi solucionado. Consequentemente, quer pela sua diminuta importância, quer pela simples solução de que foi alvo, não constitui falha técnica suscetível de fundar a resolução do contrato.
No que respeita ao fundamento da ultrapassagem dos prazos, interessa ter presente que na cláusula quinta do contrato de prestação celebrado ficou acordado que o dossier do projeto de arquitetura seria fornecido ao primeiro outorgante (o réu) no prazo de 40 dias úteis “contados nos termos do artigo 3º”, aqui se referindo que o prazo para o desenvolvimento do projeto se iniciava com a entrega dos elementos necessários para o efeito.
Porém, apurou-se que entre julho de 2018 e fevereiro de 2019 “o réu diligenciou pela recolha de documentação solicitada pela autora, designadamente junto da Câmara Municipal de Almada e solicitou à autora várias alterações a serem contempladas no projeto” – factos provados nº 10, 22 e 36. Assim, a entrega do projeto ao réu em 18-04-2019 cumpriu, manifestamente o referido prazo de 40 dias úteis contratualmente estabelecido, tanto mais que o prazo para o seu desenvolvimento se iniciou com a entrega de tais elementos – cfr. cláusula 3ª, nº 2, do contrato (facto provado nº 18).
Por outro lado, compulsado o contrato celebrado, não se vê que ali estivessem previstos quaisquer outros prazos que a autora tenha ultrapassado, no que se reporta à construção ou sequer à emissão de licença de construção. Aliás, o contrato foi resolvido pelo réu em 01-04-2021, a onze dias da sua aprovação definitiva, conforme parecer favorável de 15-03-2021. A alegação de que a moradia do réu deveria estar construída em três anos não ficou demonstrada, como se alcança da decisão da impugnação da matéria de facto.
Também não se apurou que o projeto elaborado pela autora ultrapassasse os limites de valor acordados, tanto mais que ficaram demonstradas várias oscilações nos valores a considerar (cfr. factos provados nºs 14, 34, 35 e 47).
Idêntica conclusão não pode deixar de ser afirmada quanto à alegação de que os preços de construção por m2 apresentados pela autora eram superiores aos de mercado, dado que tal realidade não resultou demonstrada.
Por fim, também não ficou demonstrado que a autora não tenha entregue elementos solicitados pelo réu, dado que em 24-11-2020 a autora manifesta o propósito de preparar um dossier para o efeito, e em 23-03-2021 o réu informou a autora de que iria pedir orçamento, devendo concluir-se que já dispunha das informações necessárias para o efeito, dado que não as solicitou como fez anteriormente (factos provados nºs 40, 41 e 50).
Conclui-se, pois, que o réu não demonstrou que a autora tivesse incorrido em mora no cumprimento das obrigações contratuais que assumiu, mora essa que, como se refere na decisão recorrida, sempre teria que ser convertida em incumprimento definitivo, por meio de interpelação admonitória nos termos já referidos.
Acresce que a factualidade apurada também não evidencia que o réu tenha perdido interesse no cumprimento da obrigação. De facto, em 25-03-2021, o réu informou a autora de que iria pedir outros orçamentos para a obra (facto provado nº 47), manifestando interesse na construção da moradia projetada, em data imediatamente anterior à da declaração de resolução - 01-04-2021. Aliás, antes da data da declaração de resolução, o réu foi informado de que o projeto seria aprovado (facto provado nº 50), o que inviabiliza o apuramento de qualquer perda - objetiva – de interesse na prestação da autora.
Assim, não correspondendo a resolução ao exercício de qualquer faculdade contratualmente estabelecida, também não beneficia de fundamento tendo por base qualquer incumprimento imputável à autora.
Porém, o réu justificou ainda a resolução do contrato com a situação pandémica e a consequente depreciação do valor do imobiliário. Invoca, pois, a alteração das circunstâncias subjacentes à sua vinculação contratual, que considera legitimadoras da resolução do contrato.
Regulando as condições de admissibilidade da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, estabelece o artigo 437º, CC:
1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”
Seguindo a sistematização de Menezes Leitão (Direito das obrigações, Vol. II, 2026, 10ª edição, pág. 129), constituem requisitos da possibilidade de resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias: “1) A existência de uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; 2) O carácter anormal dessa alteração; 3) Que essa alteração provoque uma lesão para uma das partes; 4) Que a lesão seja de tal ordem que se apresente como contrária à boa fé a exigência do cumprimento das obrigações assumidas; 5) E que não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato”.
Na perspetiva de Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, Almedina, 2005, pág. 155), tais requisitos “são de verificação cumulativa pelo que faltando algum ou alguns deles, não se pode recorrer a este instituto”.
Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 13-05-2014 (proferido no processo nº 1097/12.6T8BMGR.C1, disponível em www.dgsi.pt): “A alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram o contrato pode resultar da alteração da legislação existente à data do negócio, como pode resultar de acontecimentos políticos ou da modificação repentina do sistema económico vigente. Essas situações são aquelas sobre as quais as partes não construíram quaisquer representações mentais (não pensaram nelas, pura e simplesmente), mas que são de qualquer modo imprescindíveis para que, através do contrato, se atinjam os fins visados pelas partes”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-01-2015 (proferido no processo nº 876/12.9TBBNV-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) , salienta-se que o regime do artigo 437º, nº 1, CC: “(…) confronta dialeticamente dois princípios; o da autonomia privada, que impõe o cumprimento pontual do contrato que mais não é que a execução do programa negocial, e o princípio da boa fé, que visa assegurar o equilíbrio das prestações de modo a que a uma das partes não seja imposta uma desvantagem desproporcionada que favoreça a contraparte”.
Constituindo facto notório (cfr. artigo 412º, CPC) que a pandemia de Covid 19 produziu impacto significativo ao nível económico e empresarial, deverá ter-se presente que mereceu, desde logo, reação legislativa, atenta a promulgação pelo Estado de medidas legais tendentes a atenuar os seus efeitos. Daí que não se possa concluir, sem mais, pela afetação grave da situação negocial de qualquer empresa ou empresário.
Nos presentes autos, a questão que se coloca é a de saber se o impacto da pandemia de Covid 19 justifica a manutenção (e em que medida) do programa contratual acordado entre ambas os outorgantes, dado tratar-se de evento suscetível de reconduzir-se a perturbações da designada “(…) grande base do negócio” ao qual se subsumem “(…) conturbações estruturais nas condições políticas, económicas e/ou sociais da comunidade, pondo em causa o seu modo de vida e afetam uma multiplicidade de sujeitos, setores económicos e relações negociais” – Mariana Fontes da Costa, A atual pandemia no contexto das perturbações da grande base do negócio (https://observatorio.almedina.net/index.php/2020/04/01/a-atual-pandemia-no-contexto-das-perturbacoes-da-grande-base-do-negocio/).
Certo é que a resolução do negócio ou a sua alteração por juízos de equidade fundada no regime da alteração das circunstâncias demanda uma análise casuística dos “riscos próprios do contrato e dos riscos que o excedem”. A afirmação da relevância jurídica de tal alteração implica que se averigue da sua imprevisibilidade no momento da celebração do contrato, bem como da inviabilidade de adoção pelo lesado de medidas razoáveis para minimizar os danos, concluindo-se pela inexigibilidade do cumprimento do plano contratual – Mariana Fontes da Costa ob. cit.
A este propósito, referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, Volume I, pág. 413): “A resolução ou modificação do contrato é admitida em termos propositadamente genéricos, para que, em cada caso, o tribunal, atendendo à boa fé e à base do negócio, possa conceder ou não a resolução ou modificação”.
Regressado ao caso, é manifesto que no momento da vinculação contratual (22-02-2019), não poderia estar no horizonte mental de qualquer das partes a previsibilidade de ocorrência de uma pandemia como a que veio a verificar-se no ano seguinte. Tratou-se, efetivamente, de evento anómalo e imprevisível.
Porém, como anteriormente afirmado, embora constitua facto notório a repercussão negativa da pandemia de Covid-19 na vida empresarial e económica do país, desde logo em face dos períodos de confinamento decretados, os factos apurados não consentem a afirmação de que a sua verificação inviabilizou o cumprimento do contrato em discussão nos autos. Tal conclusão é reforçada pelas comunicações apuradas que evidenciam o manifesto propósito de persistir no programa contratual.
Não procede, pois, a alegação de que a resolução do contrato em 01-04-2021 se possa justificar numa alteração superveniente das circunstâncias subjacentes à vinculação contratual. Na realidade, se o réu estivesse em situação de dificuldade séria no cumprimento do contrato celebrado com a autora deveria, nos termos do artigo 437º, CC, ter suscitado a questão atempadamente perante a contraparte negocial, solicitando a modificação do contrato ou a sua resolução com base nesse facto.
Salienta-se ainda que a aprovação do licenciamento em 12-04-2021 inviabiliza a conclusão de que na data da resolução operada pelo réu – 01-04-2021 – a prestação da autora já estivesse integralmente realizada, dado que culminaria com a aprovação do projeto (cfr. cláusula 2ª do contrato de prestação de serviços celebrado). A este propósito, salientemos que a prestação da autora não deixaria de estar realizada por não ter sido emitido alvará de construção porque este ato sempre exigiria uma atuação positiva do réu, no sentido de solicitar tal emissão, o que não veio a suceder. Certo é que apenas com a aprovação do projeto a autora teria realizado integralmente o seu programa contratual e objetivamente tal ato não tinha ocorrido no momento em que o réu lhe dirigiu a declaração de resolução.
Declaração essa que, nos termos exposto, não possui fundamento válido e que, consequentemente, não produziu o efeito resolutivo pretendido, mantendo válido e eficaz o contrato de prestação de serviços celebrado entre autora e réu. Consequentemente, deverá confirmar-se a conclusão jurídica afirmada na sentença recorrida, julgando-se o recurso improcedente.
O réu deverá ser responsabilizado pelas custas do recurso, por ter ficado vencido – cfr. artigo 527º, CPC.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª Secção Cível:
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo réu, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo réu/recorrente autora – cfr. artigo 527º, nº 1, CPC.
D.N.

Lisboa, 11 de setembro de 2025
Rute Sobral
Inês de Moura
Arlindo Crua